EMBARGOS DE EXECUTADO
EXECUTADO
PRAZO
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
VENCIMENTO ANTECIPADO
INCUMPRIMENTO
JUROS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
CITAÇÃO
INTERPELAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


I. Do AUJ n.º 6/2022 resulta que, verificando-se, nos termos do art. 781º do CC, o vencimento antecipado das quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, o prazo de prescrição, de 5 anos, conta-se a partir da data desse vencimento em relação a todas as quotas assim vencidas.
II. A citação em processo judicial para cobrança da dívida ocorrida em anterior ação executiva (no caso, aos 26.10.2015) vale como interpelação para efeitos do citado art. 781º e como causa de interrupção da prescrição.
III. Tendo, em embargos de executado deduzidos nessa anterior execução, os executados sido absolvidos da instância (por decisão transitada em julgado a 25.06.2020) por falta de integração prévia dos mesmos no PERSI (DL 227/2012), a subsequente integração, pela Exequente, dos mesmos no PERSI, não invalida o vencimento antecipado operado pela interpelação referida em II (no caso de inexistência de acordo entre o credor e o devedor no sentido de retomar o anterior plano de pagamentos ou de qualquer outro plano).
IV. Tendo a decisão referida em II transitado em julgado a 25.06.2020 e ocorrendo a prescrição a 26.10.2020 (5 anos após a interrupção referida em II), ou seja, ocorrendo esta quatro meses após o mencionado trânsito, quando a Exequente voltou a integrar os Executados no PERSI, o que ocorreu apenas em 16.11.2020, já a prescrição se havia consumado e, assim também, quando a presente execução foi instaurada (24.01.2022).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

Na execução sumária que Union de Creditos Inmobiliarios, SA, a 24.01.2022, instaurou contra AA e BB, vieram estes como embargantes deduzir oposição, pedindo a procedência dos mesmos, apresentando como fundamento a prescrição da obrigação exequenda- capital e juros- na data em que a execução deu entrada em juízo- 24 de janeiro de 2022-, e apesar da interrupção da prescrição ocorrida com a citação dos aqui embargantes em outubro de 2015 na execução n.º 5585/15.4..., que correu termos na extinta Secção de Execução do Tribunal Judicial da Madeira- Juiz 1, e na qual os ali executados foram absolvidos da instância pela verificação da exceção inominada correspondente ao não cumprimento pela exequente do regime do PERSI.

A embargada contestou, afirmando que existem duas causas de interrupção da prescrição, previstas nos artigos 323º e 325º do Código Civil- a exequente intentou em 2015 execução contra os embargantes com vista à cobrança da dívida, e nos embargos deduzidos naquela execução os executados reconheceram, se não expressa, pelo menos tácita e inequivocamente a existência da obrigação. Requer a improcedência dos embargos.

Foi proferido saneador-sentença, tendo o Mmº Juiz, a final, concluído que as prestações que se venceram entre 1 de maio de 2015 e 1 de fevereiro de 2017 encontram-se prescritas por decurso do prazo de 5 anos previsto no artigo 310º, al. e) do Código Civil, e proferido a seguinte decisão:

“Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo Parcialmente Procedentes os presentes embargos de executado, devendo, por conseguinte, a execução ser extinta, no que concerne às prestações que se venceram entre 1 de maio de 2015 e 1 de fevereiro de 2017.”

Os Executados/ Embargantes interpuseram recurso de apelação de tal decisão, no sentido da prescrição da totalidade da quantia exequenda (e, subsidiariamente, invocando a inexistência de título executivo).

A Executada/Embargada, interpôs recurso subordinado, no sentido da não verificação da prescrição quanto às prestações vencidas entre 01.05.2015 e 01.02.2017.

Ambas as partes contra-alegaram nos recursos interpostos pela parte contrária e, aos 24.01.2024, foi pelo Tribunal da Relação proferido Acórdão que decidiu nos seguintes termos:

“1. Julgar procedente o recurso principal interposto pelos executados e em consequência, revogam a decisão proferida relativa à prescrição da obrigação exequenda, julgando prescrita a totalidade da mesma.

2. Não tomar conhecimento do recurso subsidiário interposto pelos executados, atenta a sua inutilidade.

2. Julgam improcedente o recurso subordinado interposto pela exequente.”

Inconformada, veio a Exequente//Embargada interpor recurso de revista do mencionado acórdão, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Vem a Recorrente interpor o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa, que julgou totalmente procedentes os Embargos de Executado, por força da prescrição da totalidade da dívida; tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedentes os embargos, prosseguindo a execução os seus ulteriores termos, porquanto o Tribunal a quo não aplicou correctamente a lei ao caso, nem fez adequá-la – sobretudo tendo em conta a sua teleologia – ao caso dos presentes autos.

Vejamos.

2. Em 28 de Dezembro de 2012, a Recorrente celebrou com os Recorridos três contratos de mútuo hipotecário, por escritura pública, através dos quais foram mutuados aos Executados vários montantes, que lhes foram entregues e que os mesmos utilizaram em proveito próprio, da forma que entenderam.

3. A partir de 1 de Maio de 2015 deixaram os Mutuários de pagar as prestações mensais a que estavam obrigados, por via da celebração de tais contratos, tendo a Recorrente intentado uma primeira ação executiva a 8 de Outubro de 2015.

4. Nessa execução, os Executados deduziram Embargos, embora reconhecendo o valor em dívida, invocando, designadamente, o incumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

5. O Exequente contestou e tais Embargos foram julgados totalmente improcedentes pela primeira instância, tendo os Executados recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu, a final, pela procedência dos Embargos, e absolvição dos Executados da instância executiva, declarando-a extinta, por incumprimento, por parte da Exequente, das regras legais atinentes ao PERSI, decisão esta transitada em julgado a 25 de Junho de 2020.

6. Perante tal decisão, a Recorrente procedeu à recuperação do empréstimo em “crédito vivo”, integrou novamente os Executados no PERSI, retomando o contrato os seus normais termos, para que o Executados pudessem, respondendo à finalidade do PERSI, retomar o pagamento normal do empréstimo, recuperando as prestações em atraso e cumprindo regularmente as prestações mensais de tais contratos.

7. Porém, continuaram, os Recorridos, sem cumprir com o pagamento de qualquer prestação, tendo, entretanto, o PERSI sido extinto por falta de cooperação dos Mutuários, pelo que, a 29 de Novembro de 2021, declarou, a Recorrente, o vencimento antecipado da totalidade da dívida, interpelando os Executados.

8. E só em 24 de Janeiro de 2022 intentou a presente ação executiva.

9. Os Executados foram citados, deduziram embargos, desta feita, invocando a prescrição da dívida e tais Embargos vieram a ser julgados parcialmente procedentes, considerando-se que deveria a execução ser extinta, no que concerne às prestações que se venceram entre 1 de Maio de 2015 e 1 de Fevereiro de 2017.

10. Ora, os três contratos já acima referidos, títulos executivos na presente e na anterior ação executiva, previam o pagamento do capital inicialmente mutuado através de 420 prestações mensais, sendo que a primeira se venceria no primeiro dia do mês de Fevereiro de 2013, e as seguintes no dia primeiro (um) dos meses subsequentes.

11. Assim sendo, as primeiras prestações dos três contratos de mútuo hipotecário que foram incumpridas, com data de 1 de Maio de 2015, prescreveriam, à partida, no dia 1 de Maio de 2020 (isto é, a data limite para a Credora as vir exigir judicialmente).

12. Porém, fê-lo mais cedo, precisamente, contrariando a inércia e presunção de não exigibilidade da dívida fruto do decurso do tempo – fundamentos basilares do instituto da prescrição.

13. Na primeira execução, os Executados foram citados a 26 de Outubro de 2015, o que implicou a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do artigo 323.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, o que fez inutilizar todo o tempo anteriormente decorrido, para efeitos de prazo prescricional.

14. Ocorre, porém, que, tal (primeira) execução, atendendo a todas as vicissitudes do processo, acima enunciadas, só veio a ter um fim a 21 de Maio de 2020 (data da prolação do Acórdão que decidiu pela absolvição dos Executados da instância com base no incumprimento do PERSI, que transitou em julgado a 25 de Junho de 2020),

15. Certo é que, até essa data, seria totalmente inviável e implausível para a Recorrente intentar nova ação executiva, contra os mesmos sujeitos, com o mesmo objeto, fundado na mesma causa de pedir, ocorrendo um caso típico de litispendência, que, aliás, violava o princípio da economia processual.

16. Assim sendo, teria a Exequente duas hipóteses: por um lado, como o fez, poderia aguardar a decisão relativa à primeira execução, com o objectivo de saber se deveria dar início a novo PERSI, e, caso se mantivesse a situação de incumprimento por parte dos Mutuários, accioná-los, novamente, por via judicial,

17. Por outro lado, poderia lançar mão de uma segunda ação executiva, quando ainda não tivesse sido proferida decisão pelo Tribunal da Relação quanto à questão controvertida na primeira execução, o que conduziria, com toda a probabilidade, a que os Executados se defendessem, em sede de Embargos, quanto a essa segunda execução, invocando uma exceção dilatória de litispendência, que obstava a que o tribunal conhecesse do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil.

18. Caso a Exequente tivesse intentado a segunda ação executiva, “em tempo”, no entender do Tribunal da Relação, e, posteriormente, fossem os Embargos, bem como a excepção dilatória relativa ao incumprimento do PERSI, julgados improcedentes, continuando a execução os seus ulteriores termos, esta (segunda) ação executiva seria completamente infrutífera, e representaria um autêntico desperdício de meios, tanto para o Tribunal (em termos de sobrecarga processual), como para as partes envolvidas (no que toca a pagamento de taxas de justiça, e, designadamente, de honorários a Mandatário).

19. Deste modo, deve entender-se adequada, tendo em conta os contornos da presente ação, uma interpretação correctiva, fazendo uso, sobretudo, do elemento teleológico da norma prevista no artigo 327.º, n.º 2 do Código Civil, pois que, apenas por essa via interpretativa se afigura como possível alcançar o fim visado pelo Legislador, inspirado pelo princípio de economia processual, de “obviar a que [aquilo que é] afirmado pelo tribunal numa [determinada] ação seja reproduzido ou contrariado pelo que se venha a afirmar pelo mesmo ou por outro tribunal noutra ação” 8, contribuindo para um sistema jurisdicional homogéneo, uniforme e coeso,

8 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2019, proc. n.º 7497/17.8T8CBR.C1 (Jorge Manuel Loureiro), disponível em www.dgsi.pt.

20. Pelo que deverá considerar-se que o novo prazo de prescrição de cinco anos (de acordo com o artigo 310.º, al. e) do Código Civil) começaria a correr a partir da data do trânsito em julgado da decisão que absolveu os Executados da instância (25 de Junho de 2020), pois que, fazer uma interpretação estritamente declarativa do artigo 327.º, n.º 2 do Código Civil, tendo-se unicamente em conta o elemento literal dessa norma, conduziria a uma situação de inelutável insatisfação por parte da Mutuante, aqui Recorrente, de se ver ressarcida dos valores que lhe são devidos pelos Recorridos, desde 2015,

21. Já que, em todas as hipóteses que se perspectivam, a Recorrente sempre veria a sua pretensão julgada totalmente improcedente: ou por via da litispendência ou por via da prescrição.

22. Acresce, ainda, que, o prazo de prescrição de cinco anos começa a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, “quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação” 9, sendo o critério relevante para este efeito o da “exigibilidade” 10,

9 ANTUNES, A. F. M. (2008). Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”). Lisboa: Coimbra Editora, p. 63.

10 ANTUNES, A. F. M. (2008). Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”). Lisboa: Coimbra Editora, p. 63.

23. Assim, e tratando-se de obrigação cujo cumprimento tem um prazo certo e determinado, o credor pode, em princípio, exigi-lo após o decurso de tal prazo.

24. Acontece, porém, que o preceito contido no artigo 781.º do Código Civil prevê uma exceção a essa regra, na hipótese, como a dos Autos, em que a dívida, resultante do contrato de mútuo celebrado, deve ser liquidada em duas ou mais prestações, sendo que a falta de realização tempestiva de uma delas concederá ao credor a possibilidade de declarar o vencimento antecipado de todas, “mesmo que o prazo para o seu cumprimento ainda não tivesse decorrido” 11.

11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, proc. n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1 (Manuel Capelo), disponível em www.dgsi.pt.

25. Assim sendo, conferindo uma possibilidade, e não uma consequência automática, deve o credor poder “escolher quando deve interpelar o devedor” 12, ou com o incumprimento da primeira prestação, ou posteriormente, “se confiar que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas”13,

12 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, proc. n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1 (Manuel Capelo), disponível em www.dgsi.pt.

13 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, proc. n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1 (Manuel Capelo), disponível em www.dgsi.pt.

26. Tendo, dessa forma, a Recorrente, confiando que os Recorridos viessem a cumprir com os contratos celebrados, só declarado o vencimento antecipado da totalidade da dívida em 29.11.2021, fazendo uso da possibilidade prevista no artigo 781.º do Código Civil,

27. E, portanto, tal poder/faculdade contida nesse preceito, com base no incumprimento, não está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos, como, aliás, tem vindo a ser defendido pela Jurisprudência (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, proc. n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1, Manuel Capelo).

28. Não existindo prazo para que um credor acione a perda do benefício do prazo dos Mutuários, nos termos do, já mencionado, artigo 781.º do Código Civil.

29. Pelo que não se considera o crédito exequendo “prescrito volvidos cinco anos desde a data da falta de pagamento [01.05.2015], por nesse momento apenas se verificar uma situação de mora”14.

14 Sentença proferida a 22.06.2023, em primeira instância (pelo Juízo de Execução do ..., ... 1), nos presentes autos.

30. Assim, e até que o credor acione este mecanismo, a prescrição de cinco anos respeita unicamente a cada prestação de capital e juros.

31. Deste modo, o prazo de prescrição da prestação global, que inclui as prestações vincendas, inicia-se com a data do vencimento (antecipado) considerada pelo credor, que, no caso, ocorreu apenas a 29.11.2021.

32. E ainda que se considere a dívida parcialmente prescrita, pelo menos as prestações que se venceram e que se continuariam a vencer, desde 29.11.2021 até final do contrato nunca poderiam estar prescritas.

33. Até 2021, como já demonstrado, as prestações iam-se vencendo, uma a uma, no respectivo prazo em que deveriam ser cumpridas, sendo certo que o vencimento integral da dívida só se deu por força do não pagamento dos valores vencidos e após a interpelação e cumprimento das demais formalidades legais.

34. Assim, o valor total do empréstimo apenas se tornou exigível, nos termos legais e contratuais, por força do incumprimento e da subsequente interpelação, que ocorreu.

35. Por outro lado, entendendo-se que o novo prazo prescricional de cinco anos não iniciou com o trânsito em julgado da primeira ação executiva intentada pela Recorrente, mas, contrariamente, interrompeu, e iniciou, na data da citação dos Executados para a primeira ação executiva, o que não se concede, atendendo aos motivos já demonstrados, e considerando-se que, se devem contabilizar os cinco anos de prescrição após o credor lançar mão do mecanismo do artigo 781.º do Código Civil, só teria ocorrido essa prescrição, se tivessem decorrido cinco anos desde a data em que a Exequente tivesse enviado a correspondência aos Executados, exigindo o pagamento global da dívida (por via da perda do beneficio do prazo ou da resolução do contrato), ou, no limite, desde a data da instauração da segunda ação executiva,

36. O que não se verificou, já que o vencimento antecipado da totalidade da dívida ocorreu a 29.11.2021, e a presente ação deu entrada a 24.01.2022, reportando-se a 25.06.2020 a decisão que absolveu os Executados da instância, quanto à primeira execução intentada exactamente contra os mesmos sujeitos, com o mesmo pedido e causa de pedir,

37. Pelo que nunca se poderia considerar a dívida que está na base dos presentes autos prescrita, muito menos, na sua totalidade, pois tal conduziria a um resultado manifestamente injusto e contrário a uma verdadeira justiça material.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso de Revista, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!”

Os Executados/Embargantes contra-alegaram, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1º

A despeito de, nas conclusões do respectivo Recurso de Revista, a Exequente aludir a determinados normativos, não se verifica, pelo menos de modo claro e objectivo, verdadeiramente especificada e concretizada qualquer violação dos mesmos.


Mais significativo ainda é que, considerando o teor das ditas conclusões, as mesmas invocam e assentam em determinados factos que não resultam nem correspondem à matéria de facto efectivamente apurada e a considerar no âmbito da presente Revista: em momento algum ficou provado que tenha procedido “à recuperação do empréstimo em «crédito vivo»”; em momento algum ficou provado que tenha retomado “o contrato os seus normais termos”; também não resulta da matéria de facto que apenas a 29/11/2021 tenha a Exequente declarado “o vencimento antecipado da totalidade da dívida”.


Em face da matéria de facto efectivamente dada como provada, tem pleno fundamento o entendimento sufragado no douto Acórdão recorrido, para cujos termos se remete.


Não tem qualquer aplicação, no caso, a jurisprudência invocada pela Exequente, concretamente a do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, proferido no proc. n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1: não está em causa qualquer prescrição do direito à resolução; está isso sim em causa a prescrição do crédito em si, matéria em que foi fixada jurisprudência nos termos do douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, datado de 30/06/2022, proferido no proc. 1736/19.8T8AGD-B. P1.S1.


Também não está em causa, como doutamente referido pelo Tribunal a quo, qualquer “desvencimento” do crédito em causa: nem isso resulta da matéria de facto apurada, nem se pode extrair da decisão final proferida na execução nº. 5585/15.4...


Foi aí declarada a ilicitude da resolução por incumprimento do PERSI, mas nada aí foi declarado no sendo de que tivesse ficado sem efeito o vencimento antecipado da dívida, e, sendo duas realidades jurídicas diversas, inclusivamente se verifica que apenas a resolução se mostra vedada pelo disposto no art. 18º, nº 1, al. a) do DL n.º 227/2012.


Assim, nada permite inferir do anteriormente decidido pelo Tribunal da Relação na execução nº. 5585/15.4... no sentido de que tivesse ficado sem efeito o vencimento antecipado operado em 2015.


Significativamente, segundo a própria Exequente, nos expressos termos do respectivo Requerimento Executivo, a antecipação do vencimento das prestações vincendas ocorreu em 2015, e foi em função dessa concreta causa de pedir, para a qual foram citados, que os Executados apresentaram a respectiva defesa.


Assim, impunha-se declarar, como doutamente o fez o douto Acórdão recorrido, a prescrição integral das responsabilidades em causa, em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, no qual o Supremo Tribunal de Justiça estabeleceu que, ocorrendo o vencimento antecipado das prestações de capital e juros, o prazo de prescrição de 5 anos se mantém, “incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”

10º

Tem ainda, in casu, plena aplicabilidade o disposto no art. 279º, nº. 2, do Cód. Civil, não havendo, ao contrário do que defende a Exequente, qualquer coarctar dos respectivos direitos, “ou por via da litispendência ou por via da prescrição”.

11º

Na verdade, ainda que, por mera hipótese (uma vez que não se mostra sequer invocado pela Exequente), se considerasse a suspensão do prazo de 30 dias ali previsto enquanto corria o PERSI – pelo impedimento do credor em “intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” (cfr. art. 18º, nº. 1, b), do referido regime) – o facto é que a nova execução também não foi proposta no prazo de 30 dias após a extinção do PERSI ocorrida em 15/01/2021: apenas o foi praticamente um ano depois, em 27/01/2022.

12º

Mais se dirá, final e subsidiariamente, faltar, in casu, o próprio título executivo – questão essa que inclusivamente é de conhecimento oficioso (cfr. arts. 713º, 726º, nº. 2, al. a), e 734º, nº. 1, do CPC).

13º

É que, na verdade, não foi alegada nem se mostra junta aos Autos qualquer outra resolução (para além da de 2015, invalidada que foi no âmbito do proc. nº. 5585/15.4...), e, nessas circunstâncias, não há titulo executivo: “não tendo a exequente, previamente à instauração da acção executiva, exercido o direito potestativo à sua resolução, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, pelo que, aquando da entrada da presente execução em juízo, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes” (cfr. douto Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 05/12/2019, proferido no proc. 734/18.3T8MMN-A.E1).

14º

Assim se pugna pela integral improcedência do Recurso de Revista apresentado pela Exequente, de modo a se fazer Justiça.”

Admitido o recurso de revista, com efeito devolutivo, pelo Tribunal da Relação, foi o mesmo mantido por despacho da ora relatora.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte, do CPC.


***


II. Objeto do recurso

Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, ex vi do art. 679º, todos do CPC).

Assim, tem o recurso por objeto questão de saber se (não) se verificou a prescrição da obrigação exequenda.


***


III. Fundamentação de facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto provada constante do Acórdão recorrido:

1. A 27 de janeiro de 2022, foi apresentado à execução, em apenso, 3 contratos de mútuo (escrituras de mútuo com hipoteca) - cf. documentos juntos com o requerimento executivo que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

2. Tais contratos deveriam ser pagos à mutuante em prestações mensais sucessivas, que abrangiam capital e juros.

3. No entanto, desde 1 de maio de 2015, que nada é pago por conta desses contratos.

4. A exequente instaurou execução por esses três contratos, pedindo, inclusive, o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda não amortizado, cujo processo correu termos neste Tribunal sob o n.º 5585/15.4...

5. Os executados foram citados nesse processo a 26 de outubro de 2015.

6. Os executados deduziram, por apenso a esses autos, embargos à execução, cuja petição inicial aperfeiçoada deu entrada a 17 de novembro de 2016, nos quais invocaram a exceção de falta de integração em PERSI dos créditos exequendos.

7. Nessa senda, reconhecendo o tribunal faltar essa condição de procedibilidade, os executados viriam a ser absolvidos da instância por decisão judicial transitada em julgado a 25 de junho de 2020.

8. A 16 de novembro de 2020, os créditos exequendos foram integrados em PERSI, indicando-se como estando em dívida, à data, os montantes de 3.745,23; 26.971,11€ e 18.613,13€, respeitantes a capital vencido, juros, juros de mora, impostos e comissões e não o capital vincendo - cf. carta junta com o requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

9. A 15 de janeiro de 2021, com fundamento em falta de colaboração dos executados, foi extinto o PERSI - cf. carta junta com o requerimento executivo, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

10. Os executados em ambos os processos executivos não puseram em causa a falta de pagamento desde 1 de maio de 2015.

11. Com o requerimento executivo a exequente juntou os contratos de compra e venda com mútuo e hipoteca, mútuo com hipoteca, todos celebrados a 28 de dezembro de 2012, e, para além dos que foram considerados em primeira instância, alegou os seguintes factos:

«O exequente celebrou com os executados, por título outorgado em 28.12.2012, um contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de €85.000.00, da qual os executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue, e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio.

O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses do contrato à taxa de 5%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 3,8% e nas demais condições constantes do referido título que adiante se junta. Para garantia do pagamento do empréstimo foi constituída hipoteca que se encontra devidamente registada a favor da exequente sobre o imóvel adiante identificado. Foi ainda prevista no contrato (cláusula 9.º) a capitalização de juros, bem como em acordos celebrados posteriormente com os executados, os quais adiante se juntam. Acontece que os mutuários não pagaram a prestação que se venceu em 1 de maio de 2015, nem qualquer das demais, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, em capital, nos termos do contrato e da lei. Os executados foram devidamente interpelados para este vencimento e foi dado cumprimento ao procedimento previsto no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, tendo-lhes sido comunicada a extinção do aludido procedimento. Está, assim, em dívida o capital de €87.247,55, quantia a que acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 6,285%, contados desde 1 de maio de 2015 até integral pagamento.

Acresce que o exequente celebrou com os executados, por título outorgado em 28.12.2012, um outro contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de €76.000,00, da qual os executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue, e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio. O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses à taxa de 2,610%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 2.250% e nas demais condições constantes do referido título que adiante junta. Para garantia do pagamento do empréstimo foi constituída hipoteca, que se encontra devidamente registada a favor da exequente sobre o imóvel adiante identificado. Foi ainda prevista no contrato (cláusula 9.º) a capitalização de juros, bem como em acordos celebrados posteriormente com os executados, os quais adiante se juntam.

Acontece que os mutuários não pagaram a prestação que se venceu em 1 de maio de 2015, nem qualquer das demais, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, em capital, nos termos do contrato e da lei. Os executados foram devidamente interpelados para este vencimento e foi dado cumprimento ao procedimento previsto no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, tendo-lhes sido comunicada a extinção do aludido procedimento. Está, assim, em dívida o capital de €75.473,03, quantia a que acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 4,735%, contados desde 1 de maio de 2015 até integral pagamento.

Acresce que o exequente celebrou com os executados, por título outorgado em 28.12.2012, um terceiro contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do qual lhes emprestou, solidariamente e a prazo, a quantia de €11.000,00, da qual os executados se confessaram devedores, que lhes foi imediatamente entregue, e que movimentaram e utilizaram em proveito próprio. O empréstimo seria a liquidar em 420 prestações mensais e sucessivas e vencia juros, nos primeiros 6 meses à taxa de 5%, período findo o qual passou a vencer juros à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 3,800% e nas demais condições constantes do referido título que adiante junta. Para garantia do pagamento do empréstimo foi constituída hipoteca, que se encontra devidamente registada a favor da exequente sobre o imóvel adiante identificado. Foi ainda prevista no contrato (cláusula 9.º) a capitalização de juros, bem como em acordos celebrados posteriormente com os executados, os quais adiante se juntam.

Acontece que os mutuários não pagaram a prestação que se venceu em 1 de maio de 2015, nem qualquer das demais, o que determinou o vencimento imediato de toda a dívida, em capital, nos termos do contrato e da lei. Os executados foram devidamente interpelados para este vencimento e foi dado cumprimento ao procedimento previsto no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, tendo-lhes sido comunicada a extinção do aludido procedimento. Está, assim, em dívida o capital de €11.282,47, quantia a que acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 6,285%, contados desde 1 de maio de 2015 até integral pagamento.

A dívida é certa, líquida e exigível e está suficientemente fundamentada”.

12. Foi estipulado naquelas escrituras de mútuo: “E pelos outorgantes identificados em segundo lugar foi dito: que o reembolso do presente empréstimo será efectuado em quatrocentos e vinte prestações mensais e sucessivas de capital e juros”.

Além disso, ficou também estipulado nessas escrituras que: “Os Segundos outorgantes confessam-se devedores à UCI, do montante de oitenta e cinco mil euros (setenta e seis mil euros na escritura de mútuo com hipoteca- empréstimo multiusos- e onze mil euros na escritura de mútuo com hipoteca – empréstimo multiusos), destinados à aquisição da fração atrás identificada, recebidos nesta data, dos juros remuneratórios calculados à taxa prevista no documento complementar anexo…”.

13. Na cláusula 14.ª, sob a epígrafe “Resolução Antecipada”, dos documentos complementares anexos aos contratos de mútuo estabeleceu-se que:

1 – A U.C.I poderá, após interpelação aos mutuários, considerar vencido o empréstimo e exigir o pagamento da totalidade do montante em dívida, no caso do(s) mutuário(s) não pagar(em) qualquer uma das prestações de juros ou de capital acordadas no presente contrato e ainda nos seguintes casos (…)”.


***


IV. Fundamentação de Direito

1. Como referido, tem o recurso por objeto saber se (não) ocorreu a prescrição do crédito exequendo.

2. Na sentença proferida pela 1ª instância foi, em síntese, entendido o seguinte:

- Conforme AUJ nº 6/2022 (DR de 22.09.2022), também aplicável à resolução do contrato de mútuo, esta não obsta à prescrição de cinco anos;

- Porém, nos termos do art. 18º, nº 1, al. a), do DL 227/2012, não pode haver resolução do contrato, nem execução do crédito, antes da integração no PERSI e extinção desse procedimento, razão pela qual os embargos de executado, na primeira execução, foram julgados procedentes e os executados absolvidos da instância,

- E, daí, que a resolução dos contratos, bem como o pedido de pagamento antecipado das prestações vincendas tenha ficado sem efeito, passando a verificar-se, apenas, uma situação de mora, não havendo prazo para que seja acionado a perda do benefício do prazo a que se reporta o art. 781º do CC, sendo que, até aí, a prescrição de 5 anos respeita apenas a cada prestação de capital e juros, pelo que a prescrição global, incluindo as prestações vincendas, apenas se inicia com a data do vencimento (antecipado) considerada pelo credor (conforme Acórdão do STJ de 02.02.2023, Proc. 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1, in www.dgsi.pt);

- No caso, o vencimento antecipado deu-se com a instauração da execução que corre termos nos autos principais, pelo que as prestações que se venceriam de 01.02.2022 em diante não se encontram prescritas (art. 323º, nº 2, CC), assim como as que se venceram desde 01.03.2017 (dado a de 1 de fevereiro ser antes dos 5 dias a que se reporta o citado art. 323º, nº 2);

- E, daí, que as prestações vencidas entre 01.05.2015 e 01.02.2017, se encontrem prescritas pois que a interrupção da prescrição no 5º dia após a instauração da 1ª execução e que se manteria até à sua extinção não opera já que: a absolvição da instância é imputável à exequente, uma vez que lhe cabia ter previamente integrado os executados no PERSI; a 2ª execução não foi instaurada no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da absolvição da instância, o que seria possível ter ocorrido (bastaria que a Exequente tivesse, no dia do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, procedido à integração no PERSI, assim podendo também ter extinguido esse procedimento 10 dias após a notificação dos executados dessa integração por falta de colaboração – art.s 15º, nº 3, e 17º, nº 2, al. d), do DL 227/2012);

- Improcede a interrupção da prescrição com fundamento no art. 325º do CC, pois que a falta de impugnação da existência do crédito exequendo não consubstancia, nem tem o valor de reconhecimento do crédito para esses efeitos (é meramente uma confissão ficta, não da própria parte, mas do mandatário, mais citando o Acórdão do STJ de 19.01.2023, processo n.º 785/21.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

No acórdão recorrido, entendeu-se, em síntese, que:

- Atento o AUJ 6/2022, no caso, o prazo de prescrição é subsumível à previsão do art. 310º, al. e), do Código Civil, ou seja, de 5 anos a contar da data do vencimento antecipado da obrigação;

- A prescrição interrompeu-se a 26.10.2015, data em que os executados foram citados na execução ...;

­- Face à absolvição da instância dos executados (nos embargos à 1ª execução) por decisão transitada em julgado a 25.06.2020 (decorrente da não integração prévia dos mesmos no PERSI), a questão que se coloca é a de saber em que momento se iniciou o novo prazo de prescrição e, para tanto, qual a data em que ocorreu o vencimento (antecipado), incluindo as prestações vincendas: se tal vencimento ocorreu com a instauração da execução que corre termos nos autos principais, como entendido pela 1ª instância; se em 2015 (com a citação na anterior execução), como entendem os executados, aí apelantes, assim prescrevendo decorridos 5 anos após essa data. Quanto à Exequente, defendeu que o prazo prescricional se interrompeu quando os executados apresentaram os embargos de executado no âmbito da anterior execução (processo 5585/15.4...), momento em que reconheceram inequivocamente a existência da obrigação;

- Tendo em conta a primeira execução instaurada (processo 5585/15.4...) e embora a falta de integração dos executados no PERSI tenha como consequência que o exequente não pode resolver o contrato de crédito com base no incumprimento, ficando sem efeito a resolução efetuada- artigo 18º, nº 1, al. a), do Decreto-lei 272/2012, o vencimento antecipado das prestações ocorreu com a citação dos executados para essa primeira execução, sendo o vencimento e a resolução realidades distintas;

- O procedimento (PERSI) não obsta a que a interpelação feita para o pagamento da totalidade da dívida se mantenha incólume, pelo que, frustrando-se o PERSI (como sucedeu), já se verificou a interpelação dos executados e o vencimento antecipado das prestações, o que se efetivou em 26.10.2015, com a citação dos executados no processo executivo 5585/15.4... e com esta se iniciando novo prazo de prescrição (art. 326º, nº 1, do CC), não lhe aproveitando, todavia e face ao nº 2 do art. 327º (absolvição da instância), o disposto no nº 1 do art. 327º (manutenção da interrupção até ao trânsito em julgado da decisão), prescrição que, assim, ocorreu aos 26.10.2020, muito antes da instauração da execução (27.01.2022) de que os presentes embargos são dependência e, assim, concluindo pela prescrição da totalidade do crédito exequendo.

3. Do assim decidido discorda a Exequente /Recorrente argumentando, em síntese, que: na anterior execução e em que os Executados deduziram embargos, reconheceram a dívida, pois que invocaram o incumprimento do PERSI, embargos esses que, por decisão da Relação transitada em julgado a 25.06.2020, foram julgados procedentes, tendo os Executados sido absolvidos da instância; face a isso, “a Recorrente procedeu à recuperação do empréstimo em “crédito vivo”, integrou novamente os Executados no PERSI, retomando o contrato os seus normais termos, para que o Executados pudessem, respondendo à finalidade do PERSI, retomar o pagamento normal do empréstimo, recuperando as prestações em atraso e cumprindo regularmente as prestações mensais de tais contratos”; “porém, continuaram, os Recorridos, sem cumprir com o pagamento de qualquer prestação, tendo, entretanto, o PERSI sido extinto por falta de cooperação dos Mutuários, pelo que, a 29 de Novembro de 2021, declarou, a Recorrente, o vencimento antecipado da totalidade da dívida, interpelando os Executados” e, em 24.01.2022, intentou a presente execução; tendo em conta a data do trânsito em julgado (25.06.2020) do acórdão proferido na anterior execução, seria inviável à Exequente intentar nova ação executiva, sob pena de litispendência, pelo que lhe restava, como fez, aguardar pela decisão na anterior execução com o objetivo de saber se deveria integrar os executados no PERSI e, caso se mantivesse a situação de incumprimento, acioná-los novamente por via judicial; deve, assim, ser feita uma interpretação corretiva do art. 327º, nº 2, do CC; assim, deverá considerar-se que o novo prazo prescricional, de 5 anos, apenas se iniciaria a 25.06.2020, com o trânsito em julgado da absolvição da instância proferida na 1ª execução, pois que, assim não sendo, a Recorrente sempre veria a sua pretensão julgada improcedente, seja pela litispendência, seja pela prescrição. Mais diz que: o prazo de prescrição apenas começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo o critério relevante o da exigibilidade; o art. 781º do CC confere uma possibilidade, não uma exigibilidade, podendo o credor escolher quando interpelar o devedor; tendo confiado que os Recorridos cumprissem os contratos celebrados, só em 29.11.2021 declarou a Exequente o vencimento antecipado usando da faculdade do art. 781º, faculdade essa que não está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos; até ao vencimento antecipado, a prescrição respeita unicamente a cada prestação de capital e juros; assim, o prazo de prescrição da prestação global, que inclui as prestações vincendas, inicia-se com a data do vencimento antecipado considerada pelo credor que, no caso, ocorreu apenas a 29.11.2021, pelo que, pelo menos quanto às prestações que se venceram e continuam a vencer, desde 29.11.2021 até final do contrato, não se encontram prescritas. Sem conceder, caso se entendesse que o prazo de prescrição se reiniciou na data da citação da 1ª ação executiva e considerando que os cinco anos da prescrição devem ser contabilizados após a interpelação do art. 781º, tal só ocorreria se tal interpelação tivesse tido lugar (ou, no limite, desde a data da instauração da segunda execução), sendo que, no caso, o vencimento antecipado ocorreu a 29.11.2021 e a execução deu entrada a 24.01.2022.

Os executados/Recorridos pugnam pela confirmação do Acórdão recorrido.

Cumpre apreciar.

4. Dispõe o art. 304.º, n.º 1, do CC que “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.”.

Manuel de Andrade ensina que “segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (…). Outras razões, porém, se costumam invocar, num plano secundário, para justificação do instituto prescricional: 1) Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de. vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antí-jurídicas. 2) Proteger os obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido. O devedor pode realmente ter pago sem exigir recibo, ou pode tê-lo perdido. 3) Exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.” – Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Facto Jurídico em Especial Negócio Jurídico, Almedina, 1992, 7.ª reimpressão, pp. 445 e ss.

Como se explica, de forma particularmente cristalina, no acórdão do STJ, de 22-09-2016, “I - A prescrição, cujo nome (praescriptio) e raízes mergulham no húmus fecundo do direito romano, assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor. II – O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)». III - Ainda que olhada, sob o ponto de vista da moral e do direito natural, com certo desfavor (os antigos qualificaram-na como impium remedium ou impium praesidium), a prescrição continua a ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas, apresentando-se, entre nós, como uma excepção não privativa dos direitos de crédito (art.º 298º do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (art.ºs 296º a 327º do Cód. Civil).” – proc. n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, Rel. António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt.

Ana Filipa Morais Antunes considera que a prescrição não se pode reconduzir a um só fundamento, fundando-se, antes, em interesses multifacetados como “i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) a necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos” – Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 303.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, 2008, p. 21.

Seja como for, é inequívoco que o instituto da prescrição busca uma concordância prática entre a tutela do direito de crédito e a necessidade de segurança e certeza jurídicas, desprotegendo o credor que, pela sua inércia, não exerce, atempadamente, o seu direito.

Ora, nos autos não é posto em causa que o crédito exequendo está sujeito ao prazo de prescrição a que alude o art. 310.º, al. e), do CC (5 anos), sendo incontornável a referência ao AUJ n.º 6/2022 que fixou a seguinte jurisprudência “I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”, disponível em www.diariodarepublica.pt.

Resulta, assim, do referido acórdão de uniformização de jurisprudência que, verificando-se o vencimento antecipado, nos termos do art. 781.º do CC, o prazo de prescrição a que acima fizemos referência se conta a partir da data desse vencimento em relação a todas as quotas assim vencidas.

Ora, no que diz respeito à forma de interpelação dos devedores para o vencimento antecipado da dívida, cumpre deixar expresso que, como tem sido entendimento maioritário deste STJ, vale como tal interpelação a citação realizada em processo judicial tendente à cobrança de dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 781.º do CC.

Cita-se, a título de exemplo, o acórdão de 19-01-2023 onde se deixou escrito que “tendo resultado provado que não ocorreu qualquer interpelação extrajudicial para o vencimento da dívida, a citação do executado para a execução, ainda que se trate de uma execução sumária (em que a penhora ocorre antes da citação), é hábil a considerar vencida e tornar exigível a dívida. (…) estando provado que, quando a execução foi instaurada, uma das prestações se encontrava incumprida, ainda que a interpelação extrajudicial que a exequente realizou não possa ser tida como relevante, a citação na execução cumpre a exigência da interpelação para o cumprimento integral do débito, sendo assim meio apto, bastante e adequado, para além da interpelação extrajudicial, para tornar a totalidade da dívida exigível, nos termos do art. 781º do CC.” - proc. n.º 1335/19.4T8MAI-A.P1.S1, Rel. Nuno Ataíde das Neves, disponível em www.dgsi.pt.

Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 11-03-2021 (proc. n.º 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1, Rel. Fernando Baptista), de 10-10-2021 (proc. n.º 475/04.9TBALB-A.P1.S1, Rel. Fernando Baptista), de 27-01-2022 (proc. n.º 1522/12.6TBMTJ-B.L1.S1, Rel. Vieira e Cunha, de 05-09-2022 (proc. n.º 12176/17.T8LSB-A.L1.S1, Rel. Manuel Capelo), com exceção deste último, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, “a interpelação, como se diz no texto da lei, tanto pode ser judicial como extrajudicial, podendo a interpelação judicial (mais segura, no que se refere à sua prova) ser efectuada por meio de notificação avulsa (art. 26 L° do Cód. Proc. Civil) ou então mediante citação (do devedor) para a acção declaratória ou para a execução (cfr. arts. 662.º n.ºs I e 2, als. a) e b), e 811.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).” – Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1997, p. 63.

Cumpre consignar que acompanhamos, na íntegra, o entendimento maioritário deste STJ, na medida em que, mesmo em execução sumária (como é o caso da execução em que ocorreu a citação em 26-10-2015), em que a execução prossegue, inicialmente, sem citação (cfr. art. 856.º do CPC), esta não deixa de realizar-se e de configurar uma interpelação para o pagamento de toda a dívida assim vencida (cfr. art. 805.º, n.º 1, do CC). Não se colocam, assim, quaisquer dúvidas quanto ao vencimento antecipado da dívida.

É, assim, inequívoco que, com a citação, o credor leva ao conhecimento do devedor a sua pretensão de exigir o pagamento de todas as prestações vincendas (vencidas por via desta interpelação), em face do incumprimento de determinadas prestações já vencidas, o que é suficiente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 781.º do CC.

4.1. Transpondo os ensinamentos supra para o caso que nos ocupa, cumpre recordar que resultou demonstrado que o incumprimento do plano prestacional se iniciou em 01-05-2015 e que os devedores foram citados para os termos do processo executivo em 26-10-2015, instaurado para cobrança de todas as quantias vencidas e vincendas devidas ao abrigo dos contratos de mútuo descritos nos autos.

Ora, como é consabido, a citação configura um facto interruptivo da prescrição (cfr. art. 323.º, n.º 1, do CC), com a consequente inutilização do prazo até então decorrido (cfr. art. 326.º do CC).

Ademais, como vimos, por aplicação do entendimento jurisprudencial a que já se fez referência, “a citação é um meio apto, bastante e adequado, para além da interpelação extrajudicial, para tornar a totalidade da dívida exigível, nos termos do art. 781º do CC” – acórdão de 19-01-2023 já mencionado – do que resulta que todas as quantias vincendas à data da citação se venceram – na sua globalidade – em 26-10-2015 (data da citação).

Resulta, assim, que a citação importa, em simultâneo, a interrupção da prescrição e o vencimento antecipado da totalidade da dívida e determina, em regra, o início da contagem de um novo prazo de prescrição.

Sustenta o recorrente que, com a absolvição da instância executiva (no âmbito do processo n.º 5585/15.4...), os contratos de mútuo retomaram os seus normais termos, com a retoma do plano prestacional em vigor antes do vencimento antecipado verificado por força da citação realizada em 26-10-2015; o mesmo é dizer, que o vencimento antecipado, operado por via da citação, ficou sem efeito, não podendo o prazo de prescrição correr a partir daquela data.

Não podemos acompanhar este entendimento.

Efetivamente, a interpelação judicial com vista a cobrança de todas as quantias em dívida configura uma declaração negocial recetícia que se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do seu destinatário (cfr. arts. 217.º e 224.º do CC). Como é evidente, a declaração negocial de vencimento antecipado da dívida tornou-se eficaz, por via da citação, a partir do momento em que esta foi recebida pelos devedores, não podendo o titular do direito retirar-lhe, unilateralmente, os seus normais efeitos. Ora, a eficácia de uma declaração negocial não fica afetada, em nenhuma medida, com a sua repetição, não podendo o credor que tenha optado pelo vencimento antecipado das quantias voltar a declarar vencidas antecipadamente as prestações vincendas.

Sabendo nós que a interpelação judicial é equivalente à interpelação extrajudicial, não se vê qual o fundamento para dar aquela sem efeito em face da absolvição da instância, quando é certo que se estivesse em causa uma interpelação extrajudicial o desfecho da ação de cobrança seria, totalmente, inócuo. Não vemos razões para tratar de forma distinta duas declarações negociais que, com exceção da forma, assumem idêntico conteúdo.

Não seria, de resto, admissível a renovação da declaração de vencimento antecipado por iniciativa exclusiva do credor, com a consequente renovação do prazo de prescrição, já que tal colocaria em risco a segurança e a certeza jurídicas que, precisamente, subjazem à consagração do instituto da prescrição.

Como é evidente não se exclui o cenário de acordo entre credor e devedores no sentido de retomar o plano de pagamentos existente antes da referida declaração de vencimento antecipado ou de implementar um qualquer outro plano de pagamentos (solução, de resto, contemplada no PERSI); sucede que, para tanto, não pode deixar de se exigir um encontro de vontades entre as partes no contrato, não sendo bastante a manifestação unilateral da vontade do credor (em prejuízo do qual funciona a exceção de prescrição).

No caso dos autos, da factualidade provada não resulta demonstrado qualquer acordo – expresso ou tácito - entre as partes que permita concluir pela aceitação pelos devedores da retoma do plano prestacional anteriormente em vigor ou um qualquer outro, resultando apenas que o credor, unilateralmente, integrou os devedores no PERSI, voltando, posteriormente, a declarar vencidas as prestações vincendas.

Ora, pelos motivos expostos e ao contrário do que pretende o recorrente, não é possível desconsiderar a declaração de vencimento antecipado operada por via da citação ocorrida em 26-10-2015, devendo ser este o momento a partir do qual deve correr o prazo de prescrição aplicável, nos termos da jurisprudência a que já se fez referência.

Não assiste, assim, nesta parte, razão ao recorrente.

4.1.1. Aqui chegados, cumpre, agora sim, convocar a análise do disposto no art. 327.º do CC, invocado pelo recorrente como fundamento para a não contabilização do prazo decorrido entre a citação e o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

Vejamos.

Dispõe o art. 327.º do CC que “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”

No caso previsto no n.º 1 da norma supra citada, o prazo de prescrição só volta a correr após o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo em que foi praticado o ato do qual resultou a interrupção.

Associa-se, assim, ao efeito interruptivo decorrente da citação um efeito duradouro.

Sucede que do n.º 2 da norma supra mencionada resulta que “2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.”.

Do cotejo das normas acabadas de transcrever resulta, pois, em suma, que a interrupção do prazo de prescrição resultante de citação não assume o tal efeito duradouro sempre que se verifique a desistência ou absolvição da instância, desde que tal desfecho processual seja imputável ao titular do direito.

O legislador não deixou, porém, de consagrar uma solução legislativa para os casos em que o motivo da absolvição da instância não fosse imputável ao titular do direito. Referimo-nos, em concreto, ao n.º 3 do art. 327.º do CC que dispõe que “se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.”.

Este STJ já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a norma ora em análise, no âmbito de um caso com contornos similares ao dos autos, tendo concluído que “I - Declarada a absolvição da instância, a contagem do prazo de prescrição inicia-se a partir da data da sua interrupção na acção. Mas quando a mesma “não for imputável” ao titular do direito e o prazo de prescrição tenha entretanto terminado, é concedida ao autor uma prorrogação de 2 meses a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância (art. 327.º, n.º 3, do CC). II - O requisito da “não imputabilidade” de que depende a prorrogação do prazo não se reporta exclusivamente ao motivo da absolvição da instância, implicando também com as razões que determinaram que o prazo de prescrição se esgotasse antes de ser proferida essa decisão. III - Não é imputável ao autor que pretende o reconhecimento do direito de indemnização submetido a um prazo de prescrição de 3 anos (art. 498.º, n.º 1, do CC) o facto de a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria ter sido apreciada apenas quando já haviam decorrido 15 anos desde a data da interposição da acção. IV - Sendo a referida excepção dilatória de conhecimento oficioso e podendo ser apreciada mesmo avulsamente, antes do despacho saneador, o decurso do prazo de prescrição sem que a decisão tivesse sido proferida é de imputar ao tribunal judicial. Por isso, é de considerar tempestiva a segunda acção que, com o mesmo objecto da anterior, foi interposta 28 dias depois do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.” – acórdão de 07-12-2016, proc. n.º 366/13.2TNLSB.L1.S1, Rel. Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt.

Escreveu-se, ainda, neste aresto que “Prevê o art. 327º, nº 3, do CC, que se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância e o prazo de prescrição (interrompido com a citação do réu, nos termos do art. 323º, nº 1, do CC, ou no 5º dia posterior à instauração da acção, nos termos do art. 323º, nº 2) tiver entretanto terminado, a prescrição não se considera completada antes de findarem dois meses sobre o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

Uma leitura menos atenta do preceito pode levar a afirmar que a imputabilidade a que alude está exclusivamente conexa com o fundamento processual que esteve na génese da absolvição da instância, desligando-o das demais circunstâncias que tenham determinado nessa acção o esgotamento do prazo de prescrição.

Não é esta a melhor interpretação. A não imputabilidade de que a lei faz depender o prolongamento do prazo prescricional (ou, na perspectiva inversa, a imputabilidade que impede a invocação do prolongamento do prazo) não se refere simplesmente ao fundamento (“motivo processual”) determinante da absolvição da instância, alargando-se às demais circunstâncias que levaram ao esgotamento do prazo de prescrição durante a pendência da acção, entre o acto de interrupção e o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.

A prorrogação do prazo de prescrição por mais dois meses que é de conferir ao titular do direito não se reporta exclusivamente aos casos em que o “motivo” de absolvição da instância não seja causalmente imputável ao incumprimento de dever de diligência por parte do titular do direito, devendo ainda ser associado ao modo como se processou a tramitação processual e que levou a que, entretanto, o prazo de prescrição viesse a extinguir-se. Não sendo de imputar ao titular do direito os efeitos da demora na prolação da decisão formal, não se justifica que lhe seja vedada a possibilidade de intentar nova acção já regularizada quanto ao motivo da absolvição da instância, num prazo que a lei fixou em 2 meses após o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância.”

Não podemos deixar de aderir a este entendimento.

Efetivamente, não faria qualquer sentido imputar ao titular do direito a demora no proferimento de uma decisão judicial que importasse o decurso integral do prazo de prescrição, em especial tendo em consideração que foram os devedores – naturalmente interessados no decurso do prazo de prescrição - a interpor recurso para o tribunal da Relação. Como é evidente, não é possível responsabilizar o titular do direito por uma eventual dilação no proferimento de decisão, domínio em que o titular do direito não pode, naturalmente, intervir.

Assiste, assim, razão ao recorrente na parte em que o mesmo afirma que há que fazer uma interpretação hábil do disposto no art. 327.º, n.ºs 2 e 3, do CC, de modo a não fazer recair, sem mais, o ónus da dilação no proferimento de decisão judicial no titular do direito.

Sucede porém que, ao contrário do que parece ser o entendimento do recorrente, a solução para o caso dos autos não pode passar pela não contabilização do prazo decorrido entre a citação e o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância (aplicação do n.º 1 do art. 327.º do CC, cujo âmbito de aplicação é restringido face ao teor do n.º 2 do mesmo dispositivo legal).

E assim é, porquanto, como vimos, o nosso legislador consagrou, expressamente, a solução legal a aplicar às situações de absolvição da instância não imputáveis ao titular do direito (cfr. art. 327.º, n.º 3, do CC).

Ora, nas situações em que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao titular do direito, uma de duas: ou o prazo de prescrição decorreu, na íntegra, antes do trânsito em julgado da decisão ou o prazo de prescrição terminou nos 2 meses subsequentes àquele trânsito, sendo que, em qualquer caso, o credor dispõe de um prazo adicional de 2 meses para instaurar nova ação de cobrança.

A previsão normativa é clara e inequívoca e não surge integrada no caso dos autos.

Na verdade, no caso dos autos, resultou demonstrado que os devedores foram citados em 26-10-2015 e que, por força de recurso interposto, a decisão de absolvição da instância apenas transitou em julgado em 25-06-2020, o que não pode, como já vimos, ser imputável ao titular do direito, no caso, o recorrente.

Sucede que o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância se verificou 4 meses antes do decurso integral do prazo de prescrição, período de tempo que o recorrente tinha ao seu dispor para instaurar nova ação de cobrança de dívida e de, assim, obstar ao decurso do prazo prescricional (não necessitando do prazo adicional de 2 meses concedido pelo legislador).

Ora, o recorrente apenas voltou a integrar os devedores no PERSI em 16-11-2020 (cerca de 5 meses depois), numa altura em que o prazo de prescrição já se encontrava, integralmente, decorrido. Veja-se que o PERSI ficou concluído entre 16-11-2020 e 15-01-2021 (em cerca de 2 meses), o que impõe a conclusão de que, caso o recorrente tivesse atuado logo após o trânsito em julgado, teria logrado obstar ao decurso integral do prazo prescricional (dando cumprimento ao PERSI e instaurando a competente ação executiva). E, assim, carece também de fundamento a invocada litispendência.

Ora, se o instituto da prescrição visa sancionar a inércia do credor e se essa inércia é, no caso dos autos, inequívoca, é evidente que deverá ser declarada a prescrição da quantia exequenda, tal como decidido pelo tribunal da Relação.

Resulta, assim, que este atraso do recorrente apenas a este pode ser imputado, razão pela qual há que concluir pelo decurso integral do prazo de prescrição.

Por fim, cumpre apenas referir que a necessidade de recurso ao PERSI não pode ser considerada impeditiva do exercício do direito do credor, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 306.º do CC. De facto, o cumprimento do PERSI depende da iniciativa do credor, razão pela qual fazer depender de tal cumprimento o início da contagem do prazo de prescrição equivaleria a deixar na dependência do titular do direito (prejudicado pela prescrição) o momento do início da contagem do prazo de prescrição, com o perigo de criar uma situação de imprescritibilidade não prevista pelo nosso legislador (ao arrepio do disposto no art. 298.º, n.º 1, do CC).

Consideramos, assim, que o prazo de prescrição de 5 anos deve correr desde a data da citação (26-10-2015) e que se mostrava, à data da instauração de nova ação executiva, integralmente decorrido.

Deve, assim, o acórdão da Relação ser confirmado.

4.2. Por fim, considera o recorrente que se verificou nos autos um reconhecimento, pelos devedores, do direito do credor, ora recorrente.

Como é consabido, “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.” – cfr. art. 325.º do CC.

Como tem sido jurisprudência absolutamente pacífica deste STJ “o reconhecimento do direito em causa haverá, contudo, de ser indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece1 e, acrescentamos nós, sobre o direito que reconhece.

Ora, “o reconhecimento do direito, a que se reporta o art. 325.º do CC - mera declaração de ciência (conhecimento do direito do titular) —, pode ser expresso ou tácito, sendo que no reconhecimento tácito (n.º 2) não se trata de apurar uma conclusão absolutamente irrefutável, antes se procura uma conclusão altamente provável (ou seja, basta que qualquer declaratário, com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, colocado na posição do real declaratário não tenha tido outro entendimento das declarações ou comportamentos do declarante que não o de que estava a reconhecer aquele direito)..” – acórdão do STJ de 29-09-2022, proc. n.º 19/20.5T8ETR-A.C1.S1, Rel. Fernando Baptista, acórdão não publicado nas bases de dados disponíveis. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 17-04-2024 (proc. n.º 1768/21.6T8STR.E1.S1, Rel. Ferreira Lopes), de 07-06-2022 (proc. n.º 2213/20.0T8STB-A.E1.S1, Rel. Freitas Neto) e de 03-11-2021 (proc. n.º 902/10.6TVLSB-A.L1.S1, Rel. Bettencourt Faria), com exceção deste último, disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso dos autos resultou apenas demonstrado que “os executados em ambos os processos executivos não puseram em causa a falta de pagamento desde 1 de maio de 2015”; sucede que não é possível estabelecer uma equivalência entre “não colocar em causa a dívida” e o seu reconhecimento, que, como vimos, deve ser expresso e inequívoco.

De facto, os devedores podem ter optado por não colocar em causa o crédito, porquanto assentaram a sua estratégia processual apenas no incumprimento do PERSI, no âmbito do primeiro processo, ou ainda por pretenderem invocar, tão-só e apenas a prescrição do crédito. Em nenhum destes cenários o reconhecimento se vislumbra como expresso e inequívoco, não podendo ser assim considerado.

Ademais, não resultaram demonstrados quaisquer condutas que possam ser tidas como demonstrativas de um reconhecimento do direito do credor e que tenham a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.

Consideramos, assim, que deverá ser confirmado o acórdão da Relação com a consequente declaração de prescrição da quantia exequenda e extinção dos autos de execução.


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V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Exequente/Recorrente.

Lisboa, 18.06.2024

Relatora: Cons. Paula Leal de Carvalho

Adjuntos: Cons .Maria da Graça Trigo

Cons. Catarina Serra

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1. Acórdão de 06-04-2017, proc. n.º 1161/14.7T2AVR.P1.S1, Rel. Silva Gonçalves, acessível em http://www.dgsi.pt.