VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
FRAUDE INFORMÁTICA
PAGAMENTO FEITO A TERCEIRO
CULPA DO LESADO NA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário


I – Estando os factos impugnados intimamente relacionados e a eles se reportando os mesmos meios de prova invocados, é de admitir a impugnação “em bloco” quanto aos mesmos, mormente se não for elevado o número de factos impugnados, nem extensos os meios de prova a analisar, atentos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
II - São quatro os requisitos exigidos pelos nºs 1 e 2 do art.º 421º, do NCPC para a subsistência do valor extraprocessual das provas produzidas num primeiro processo, a saber: a)- que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidas; b)- audiência contraditória da parte contrária; c)- o regime de produção dessas provas no primeiro processo oferecer às partes garantias pelo menos iguais (não inferiores) às do segundo processo; d)- não ter sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
III - Se falhar o requisito referido em c)-, os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova. Se falhar algum dos demais requisitos, não podem tais provas ser objecto de qualquer aproveitamento no segundo processo.
IV - Se o pagamento feito a terceiro não for eficaz em relação ao credor, não extingue a obrigação, pelo que o devedor continua obrigado a efectuar o pagamento ao credor.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

EMP01..., Lda,
instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, com base em requerimento de injunção contra
EMP02..., Lda,
pedindo a condenação da ré no pagamento à autora:
A. da quantia de € 28.786,28 (vinte e oito mil e setecentos e oitenta e seis euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento da factura, até integral e efectivo pagamento, juros que à presente data ascendem a € 1.458,05 (mil, quatrocentos e cinquenta e oito euros e cinco cêntimos);
B. do montante de 120,00 euros (cento e vinte euros) por despesas administrativas suportadas pela autora;
C. da quantia de 153,00 euros (cento e cinquenta e três euros) paga pela autora a título de taxa de justiça.
Para tanto, alegou que exerce a actividade comercial de comércio de combustíveis, lubrificantes e transportes rodoviários de mercadorias, e a ré, por sua vez, exerce a actividade de exploração de posto de abastecimento de combustível; que, no âmbito das actividades comerciais em apreço, e por solicitação da ré, a autora forneceu-lhe combustível, produto melhor descrito na factura nº ...92, de 03-02-2023, no montante de € 28.876,28, com vencimento na mesma data; que a ré apesar de ter sido interpelada, não procedeu ao pagamento da referida quantia, pelo que à quantia em dívida acrescem os juros de mora vencidos desde a respectiva data de vencimento da factura e os que se vencerem até integral pagamento, à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares e colectivas, e que contabilizou à data da propositura da acção em € 1.458,05.
A ré contestou, invocando a excepção peremptória de pagamento, dizendo ter efectuado transferência bancária, no valor constante da factura, para o IBAN indicado pela autora, acrescentando, porém, que, quando foi informada pela autora que não tinha recepcionado o pagamento na respectiva conta bancária, constatou que o IBAN introduzido na referida transferência não pertencia à empresa R EMP01..., mas antes a AA, com conta sedeada no Banco 1..., tendo terceiros desconhecidos interceptado os endereços de correio electrónico e os e-mails trocados entre as partes e alterado a factura que a autora remeteu à ré apondo os dados de uma conta titulada por um terceiro.
A autora respondeu, sustentando que a relação comercial entre as partes decorre desde alguns anos e, pelo menos nos últimos três anos de relação comercial, os IBAN’s associados à autora para pagamento de facturas por parte dos respectivos clientes reportam-se ao Banco 2..., SA, ao Banco 3... e ao Banco 4..., não tendo em momento algum sido indicado pela autora um IBAN do Banco 1... e que, no dia 6.02.2023, a ré recepcionou o e-mail remetido pela autora, com a factura e IBAN’s correctos.
Terminou pugnando pela improcedência da excepção e pela procedência do pedido.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que julgou totalmente procedente a acção.

Inconformada com tal sentença, dela apelou a ré, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

“CONCLUSÕES:
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
a) Foram dados como provados os Pontos 19, 20 e 21, da Matéria de Facto Provada, contudo, incorretamente, pois existem concretos meios probatórios constates da Prova Documental e da Prova Gravada, que impunham decisão diversa sobre os mesmos, nomeadamente os documentos juntos aos autos como Doc. a) e b) no dia da audiência de discussão e julgamento, e os Depoimentos do Legal Representante da Recorrente, o Sr. BB, cujo depoimento consta do sistema H@bilus Media Stúdio prestado no dia 08/01/2024 das 16h07m55s até às 16h23m07s e da testemunha da Recorrente, Sra. CC, cujo depoimento consta do sistema H@bilus Media Stúdio prestado no dia 08/01/2024 das 16h23m55s até às 17h07m07s,
b) Dos documentos juntos sob os números 2 e 3 da Contestação, e Doc. c), este junto em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta que foi o email da Recorrente (..........@.....) que foi adulterado no seu envio embora fosse exibido a quem o recebia, como ..........@....., como foi o caso da Recorrente.
c) A Sra. CC, colaboradora da Recorrente, agiu conforme habitual e esperado, com base nos dados e elementos fornecidos através de um endereço de correio eletronico que foi sempre o utilizado pela Sra. DD, colaboradora da Recorrida, para o fim descrito (envio de faturas para pagamento).
d) Não pode o Tribunal a Quo dar como provado que o e-mail de dia 07/02/2023, não saiu da caixa postal do e-mail ..........@....., pois existe prova documental que demonstra que o e-mail recebido pela Sra. CC na sua caixa postal ..........@....., naquele dia 07/02/2023, exibia ..........@....., e que foi este que foi adulterado na sua origem, antes de chegar à caixa postal da Recorrente, e a própria Polícia Judiciaria chegou a essa conclusão;
e) O recetor de um qualquer e-mail jamais consegue mascarar o nome do endereço de e-mail de envio e se este se exibia, como sempre se exibiu, como ..........@..... a quem o recebeu, nenhuma suspeita haveria de se ter, em relação ao mesmo e ao seu anexo, logo, ao IBAN que aquele anexo indicava como sendo o IBAN para o qual tal pagamento deveria ser realizado.
f) A indicação, pela Recorrida, de um IBAN diferente daqueles que anteriormente utilizava e indicava, não levantou, nem poderia levantar, qualquer suspeita, pois não estava contratado um determinado IBAN para o qual fossem realizados os pagamentos devidos, mas sim, estava convencionado que os pagamentos seriam feitos para o IBAN que fosse indicado na fatura remetida para pagamento, e foi isso que se fez, pois é frequente as empresas mudarem de banco, e dessa forma, alterarem os IBANS, e nada fazia prever que tal não tivesse sido feito pela Recorrida.
g) Não pode a Recorrente incorrer em qualquer responsabilidade, como é o caso de um pagamento em duplicado, quando o facto que deu origem ao primeiro pagamento enraíza na adulteração de um e-mail da própria Recorrida, que apenas ocorreu porque esta não possuía um sistema de cibersegurança eficaz e adequando, o que permitiu que a sua caixa de correio eletrónica fosse violada, e consequentemente, adulterados os seus e-mails e anexos
h) Impõe-se uma Decisão sobre as questões de facto constante dos Artigos 19º, 20º e 21º, todos da Matéria de Facto Provada, diferente da dada pelo Tribunal a Quo, no sentido de ser considerado PROVADO que “A Sra. CC não recebeu o e-mail de 06/02/2023, alegadamente remetido pela Recorrida”; “A Sra. CC apenas recebeu o e-mail do dia 07/02/2023, enviado através do e-mail da Recorrida ..........@....., com um anexo que continha uma fatura para pagamento da quantia que era devida a esta, e que aquela aguardava, como habitualmente, para proceder ao seu pagamento”; “A fatura que vinha anexa ao e-mail de 07/02/2023 continha todos os elementos expectáveis, e que correspondiam em tudo, ao que era devido, mencionando ainda um IBAN para pagamento da quantia devida”; “O e-mail recebido pela Sra. CC na sua caixa postal ..........@..... era exibido como ..........@.....”; “O email ..........@..... foi adulterado apos o seu envio da – ..........@..... ”; “ a adulteração não era facilmente detetável”.
i) Foram dados como não provados os pontos constantes de toda a matéria de facto não provada (embora não pontuada, julgamos tratar-se dos pontos 1 a 5 desta); contudo incorretamente, pois existem concretos meios probatórios, constantes de prova documental e da prova gravada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto não provada diversa da recorrida, nomeadamente os Documentos 2 e 3 da Contestação e Documento a) e b) juntos na audiência de discussão e julgamento, bem como os Depoimentos do Legal Representante da Recorrente, o Sr. BB, cujo depoimento consta do sistema H@bilus Media Stúdio prestado no dia 08/01/2024 das 16h07m55s até às 16h23m07s e da testemunha da Recorrente, Sra. CC, cujo depoimento consta do sistema H@bilus Media Stúdio prestado no dia 08/01/2024 das 16h23m55s até às 17h07m07s
j) Resulta da prova documental e testemunhas constante dos autos, que a Sra. CC verificou todos os dados constantes da fatura que veio anexa ao mail remetido através do e-mail ..........@....., habitualmente utilizado pela Recorrida para esse efeito, e que procedeu ao seu pagamento logo quando a recebeu, conforme procedimento habitual, para o IBAN indicado nessa mesma fatura
k) Dos documentos juntos sob os números 2 e 3 da Contestação, e Doc. c), este junto em sede de audiência de discussão e julgamento, resulta que foi o email da Recorrente (..........@.....) que foi adulterado no seu envio, embora aparecesse exibido como ..........@..... a quem o recebia, como foi o caso da Recorrente
l) É impossível ao Tribunal a Quo dar como não provado que a fatura em causa tenha sido remetida através do e-mail habitual da Recorrida ..........@.....
m) O e-mail recebido pela Sra. CC na sua caixa postal ..........@..... mencionava ..........@....., o email ..........@..... é que foi adulterado, não o e-mail da Recorrente e se a Recorrida enviou um mail a 06/02/2023, a Recorrente apenas o recebeu a 07/02/2023, foi nesse lapso de tempo que este foi adulterado, antes de chegar à caixa postal da Recorrente;
n) A Sra. CC aguardava um e-mail remetido pela Recorrida através do e-a-mail ..........@....., e quando o rececionou, verificou quer o valor em divida, quer o IBAN para o qual este deveria ser transferido, e de seguida, agiu de acordo com o procedimento habitual, transferindo para o mesmo, a quantia em divida, inscrita na fatura anexa àquele, e para o IBAN indicado na mesma
o) A Sra. CC, e a Recorrida não tinham IBANS gravados no internet banking, precisamente para não haver enganos tendo efetuado a transferência para o IBAN constante da fatura recebida por parte da Recorrida, através da introdução, dígito a digito, do mesmo, no internetbanking, o que decorre de uma simples dedução logica (se não o tinha gravado, apenas poderia efetuar a transferência bancária, se o introduzisse digito a digito, logo, apos o ter verificado)
p) Impõe-se uma Decisão sobre as questões de facto dadas como não provadas diferente da dada pelo Tribunal a Quo, no sentido de ser considerado NÃO PROVADO que “ O e-mail recebido no dia 07/02/2023 pela Recorrente, na sua caixa postal ..........@..... não tenha saído da caixa postal da Recorrida ..........@..... ; Que a Sra. CC não tenha verificado o valor e o IBAN indicado pela Recorrida nesse mail; Que a Sra. CC não tenha cumprido com o procedimento habitual em relação à Recorrida, sua fornecedora; Que a Sra. CC não tenha procedido ao pagamento em falta, para o IBAN indicado na fatura remetida em anexo ao e-mail de 07/02/2023, enviado através de ..........@..... “

DO RECURSO – DA MATERIA DE DIREITO
q) Existiu Culpa do Lesado, conforme previsto no artigo 570º do Código Civil, pois foi a conduta, negligente, da própria Recorrida, ao não possuir um sistema de cibersegurança eficaz, que permitiu que os seus e-mails, neste caso o ..........@..... e ou o seu domínio ..., fossem violados, e que dessa forma possibilitou que os e-mails remetidos através desse endereço e os seus anexos, fossem adulterados, na origem, levando a que, quem os recebesse, fosse induzido em erro, e procedesse aos pagamentos de acordo com os dados nele inscritos, incluindo para o IBAN indicado no mesmo
r) Toda a correspondência trocada entre ambas sempre foi feita recorrendo ao email, nunca existindo qualquer suspeita, ou anomalia detectada, e como tal, não havia qualquer motivo para suspeitar de qualquer adulteração de e-mail ou anexos, já que este exibia, como sempre exibiu, ..........@.....
s) A Recorrente pagou o que lhe foi solicitado pela Recorrida, sendo completamente alheia aos seus problemas de cibersegurança, e como tal, não poderá ser responsabilizado pelos mesmos, já que foi a conduta da Recorrida quem contribuiu, de forma decisiva, para os eventos em causa, e não se poderia retirar do email e do seu anexo, outra ilação que não a de que tudo estava conforme e pronto para pagamento, como veio a suceder.”.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a autora concluiu nos seguintes termos:
a) A recorrente parece insurgir-se contra a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Digníssimo Tribunal a quo;
b) Exigia-se à recorrente, sob pena de rejeição, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 640º do CPCP a enunciação (1) dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados; (2) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (3) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
c) As conclusões são súmula dos fundamentos trazidos às alegações, devendo incluirem, sob pena de rejeição do recurso, os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o sentido e termos dessa alteração, o que não se verifica nas doutas conclusões da recorrente, cfr. douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, de 16.05.2018, relatado por Ribeiro Cardoso, consultável in www.dgsi.pt;
d) Por isso, deve o recurso quanto à matéria de facto ser rejeitado, por não ter sido dado cumprimento ao ónus imposto pelo artigo 640º do CPC, não havendo lugar a convite ao aperfeiçoamento, que está reservado aos recursos da matéria de Direito, cfr. douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, de 07.07.2016, relatado por Gonçalves Rocha, consultável in www.dgsi.pt;
e) Mas ainda que se considerasse suficiente o indicado pela recorrente nas suas doutas conclusões de recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto, constata-se que a matéria de facto não está individualmente impugnada, o que se lhe impunha;
f) Não foi essa a técnica seguida pela recorrente na tentativa de impugnar a matéria, fazendo-o em bloco, devendo ser rejeitado o recurso da matéria de facto apresentado pelas recorrentes, cfr. Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 299/13.2TTVRL.G1.S2, de 20.12.2017, relatado por Ribeiro Cardoso, consultável in www.dgsi.pt, Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1338/15.8T8.PNF.P1.S1, de 20.02.2019, relatado por Chambel Mourisco, consultável in www.dgsi.pt, Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1786/16.9T8PVZ.P1, de 02.02.2022, relatado por Fernando Samões, consultável in www.dgsi.pt;
g) O douto recurso apresentado pela recorrente não deve ter qualquer provimento e, consequentemente, deve a douta decisão recorrida ser totalmente confirmada.”.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:

i) do erro na decisão de facto, apreciando – como questão prévia – a (in)observância dos ónus de impugnação que sobre a recorrente recaem, em especial os previstos nos art.ºs 639º, nº 1 e 640º, nº 1, als. a) e b) e 2 do NCPC;
c) do erro de julgamento na decisão de direito [mormente, por ocorrer culpa da autora, nos termos previstos no art.º 570º, do CC].
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a negrito a matéria de facto ora impugnada):
“Factos provados
1- A Autora exerce a actividade comercial de comércio de combustíveis, lubrificantes e transportes rodoviários de mercadorias;
2- A Ré, por sua vez, exerce a actividade de exploração de posto de abastecimento de combustível;
3- No âmbito das actividades comerciais em apreço, e por solicitação da Ré, a Autora forneceu-lhe combustível, produto melhor descrito na factura nº ...92, de 3 de Fevereiro de 2023, no montante de € 28.876,28 (vinte e oito mil, oitocentos e setenta e seis euros e vinte e oito cêntimos), com vencimento na mesma data;
4- A Ré foi interpelada para proceder ao pagamento da quantia global de € 28.876,28;
5- A Ré é uma empresa que se dedica à actividade comercial de comércio a retalho de produtos alimentares e não alimentares, explorando um supermercado e um posto de abastecimento de combustível, ambos em ..., sob a insígnia EMP03... e, na sua actividade, recorre a fornecedores de produtos, a quem adquire produtos, que posteriormente vende naquele estabelecimento comercial, bem como no posto de abastecimento de combustíveis;
6- À data, os fornecimentos da Autora eram semanais, sendo o seu pagamento posterior à entrega do combustível;
7- A Sra. CC, da secção de contabilidade da Ré, depois de receber os preços semanais de várias empresas do sector, às segundas feiras de cada mês, analisa qual a que possui os preços mais vantajosos para a Ré, e informa as colaboradoras da caixa central sobre qual o fornecedor a contactar para enviar a encomenda de combustível;
8- As colaboradoras da caixa central verificam as necessidades de combustível para venda no posto que a Ré explora, estabelecem quais as quantidades de cada tipo de combustível é que vão encomendar, e enviam um e-mail (do ..........@.....) à empresa que a Sra. CC indicou, (no presente caso, a Autora R EMP01...), neste caso para ..........@..... com o tipo e quantidade de combustível que se pretende adquirir a qual, após recepção da mesma, envia o combustível encomendado, cuja entrega é efectuada no dia seguinte;
9- A Autora envia através de correio electrónico (em regra o ..........@......) para a secção de contabilidade da Ré, a respectiva factura, com os dados para pagamento, entre os quais, o valor parcial, o valor total, a referência da Guia de Remessa a que se refere, e o Iban para esse efeito;
10- De seguida ou no dia imediato, é efectuado o pagamento pela Autora, com base nos dados remetidos pela R EMP01...;
11- No dia 7 de Fevereiro de 2023, a Ré, tendo efectuado uma encomenda de combustíveis à Autora, titulada pela encomenda enviada a 2 de Fevereiro de 2023, no valor de 28.876,28 €, recebeu, na caixa de correio electrónico da sua contabilidade (..........@.....), factura com o valor a pagar de 28.876,28 €, nos termos constantes dos documentos nºs 2 e 3 juntos com a oposição e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12- De seguida, a Sra. CC introduziu as credenciais de acesso e acedeu ao netbanking da empresa, onde introduziu o Iban indicado no documento nº 3 junto com a oposição e realizou um pagamento de € 28.876,28 – fls. 15 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13- Dois dias depois, em 9 de Fevereiro de 2023, em conversa com o Sr. EE, da fornecedora R EMP01..., este informou que ainda não tinham recepcionado na sua conta bancária o pagamento referente à encomenda de 2 de Fevereiro de 2023 e à factura ...92;
14- A Sra. CC referiu que tinha efectuado o pagamento no dia 7 de Fevereiro de 2023;
15- A Ré foi verificar o que se passava com tal transferência;
16- Após consulta, no multibanco, constatou que tal Iban pertencia a AA, com conta sediada no Banco 1...;
17- A relação comercial entre a Autora e Ré durou anos, em número não concretamente apurado;
18- Pelo menos nos últimos 3 anos de relação comercial, os Ibans associados à Autora, para pagamento de facturas por parte dos respectivos clientes, reportam-se ao Banco 2..., Banco 3... e Banco 4... – documentos juntos a fls. 29-34 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19- Em momento algum a Autora indicou um Iban do Banco 1...;
20- A Autora enviou à Ré um e-mail no dia 06 de Fevereiro de 2023, com a factura correcta em anexo – documentos juntos a fls. 33v e 34 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
21- O email mencionado em 11- dos factos provados não saiu da caixa postal do e-mail ..........@......
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Factos não provados

A factura em causa nos autos foi remetida através do email habitual da Autora, ou seja, de ..........@......
A Sra. CC verificou o valor e o IBAN indicados pela Autora.
O pagamento à Autora foi logo processado e concretizado no dia 07/02/2023 (em cumprimento do acordado e do procedimento habitual), para o IBAN PT50. ...86, indicado pela Autora R EMP01..., através do email habitual, do ..........@....., de onde sempre foram enviados esses mails e facturas pela Autora à Ré.
O alegado no artigo 10º da oposição, com excepção de ter informado que tinha efectuado o pagamento no dia 07-02-2023.
A Ré efectuou o pagamento da quantia devida à Autora, para o Iban que a própria lhe indicou, remetido através de um endereço de correio electrónico seu, e que era habitualmente utilizado para esse efeito.”. 
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3.2. Fundamentação de direito
3.2.1. Do erro de julgamento da decisão de facto
A ré veio defender ocorrer erro na decisão da matéria de facto, dizendo que, atenta a prova produzida, se impunha uma decisão sobre as questões de facto constante dos pontos 19º, 20º e 21º, do elenco dos factos provados, diferente da dada pelo tribunal recorrido.
 
Mais pugnou a recorrente que deveria ser considerada provada a factualidade descrita no elenco dos factos não provados.
Nas contra-alegações, a autora veio invocar, porém, que a recorrente não cumpriu os ónus de impugnação da decisão de facto, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte.
Cumpre, pois, decidir se a decisão deve ser alterada no sentido pugnado pela recorrente, averiguando, contudo e previamente, se nesta sede a recorrente observou os ónus de impugnação que sobre si recaem (cfr. art.º 640º, do NCPC).

Com efeito, para que o tribunal se encontre habilitado a proceder à reapreciação da prova, o aludido art.º 640º do NCPC impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:
“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exacta das passagens da gravação erradamente valoradas.
Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorrectamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.
Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante. Cfr., Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, p. 127.
Não cumprindo o recorrente os ónus do art.º 640º, nº 1 do NCPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do NCPC (cfr., entre outros, o ac. da RG de 19.06.2014, processo nº 1458/10.5TBEPS.G1, in www.dgsi.pt).
Não obstante, não se pode olvidar que os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o ac. do STJ de 28.04.2014, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, p. 770, a este propósito, referem que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto.”.
Assim sendo, têm vindo a consolidar-se o entendimento que nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, veja-se o recente AUJ 12/2023, in DR 220/2923, Série I, de 14.11).
Por outro lado, e com interesse para a questão que nos ocupa, importa referir que, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. Cfr. ac. da RP de 12.07.2023, relatado por Paula Leal Carvalho, consultável in www.dgsi.pt. 
Veja-se ainda neste sentido, o ac. do STJ de 19.12.2018, processo nº 271/14.5TTMTS.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt, do qual consta o seguinte:
«I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.».
Assim também o ac. do STJ de 21.09.2022, processo nº 1996/18.1T8LRA.C1.S1, onde se pode ler: «I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e o de 12.10.2022, processo nº 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, [ambos acessíveis igualmente in www.dgsi.pt].
Voltando ao caso vertente, afigura-se-nos que se mostram cumpridos os requisitos mínimos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no art.º 640º do NCPC, nada obstando a que se conheça da mesma.
Com efeito, analisadas as conclusões e a motivação do recurso, constata-se que a ora recorrente indicou expressamente quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (os pontos 19º a 21º do elenco dos factos provados e a factualidade dada como não provada) e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões.
E, se é certo que a recorrente faz nas alegações, conforme invocado pela recorrida, uma impugnação em bloco, misturando factos com considerações jurídicas e conclusões que aduz, nem sempre fazendo a concreta relação dos depoimentos que invoca, com os concretos pontos da decisão da matéria de facto que diz impugnar, a verdade é os pontos de facto objecto da impugnação estão intimamente relacionados, a eles se reportando os mesmos meios de prova invocados.
Acresce não ser elevado o número de factos impugnados, nem extensos os meios de prova que importa analisar, pelo que, no caso concreto e atendendo aos já supra referidos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é de admitir que a recorrente cumpriu suficientemente os ónus de impugnação que lhe cabiam, não sendo de rejeitar o recurso quanto à impugnação da decisão de facto [cfr. ainda o ac. do STJ de 1.06.2022, relatado por Mário Belo Morgado e acessível in www.dgsi.pt].
Assim - sendo de admitir a impugnação da matéria de facto -, a Relação pode e deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. art.º 662º, nº 1, do NCPC.
E, para tanto, reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes e que aqui seguimos de perto]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC.
Feito este enquadramento, urge então verificar se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
No caso, a ré/recorrente insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, dizendo, em suma, que a prova produzida impunha uma decisão sobre as questões de facto constantes dos pontos 19º, 20º e 21º, do elenco dos factos provados, diferente da dada pelo tribunal recorrido, sendo que naqueles itens consta o seguinte:
“19- Em momento algum a Autora indicou um Iban do Banco 1...;
20- A Autora enviou à Ré um e-mail no dia 06 de Fevereiro de 2023, com a factura correcta em anexo – documentos juntos a fls. 33v e 34 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
21- O email mencionado em 11- dos factos provados não saiu da caixa postal do e-mail ..........@......”
E pretende a mesma, na essência, que se dê como provado o seguinte:
- “A Sra. CC não recebeu o e-mail de 06/02/2023, alegadamente remetido pela Recorrida”;
- “A Sra. CC apenas recebeu o e-mail do dia 07/02/2023, enviado através do e-mail da Recorrida ..........@....., com um anexo que continha uma fatura para pagamento da quantia que era devida a esta, e que aquela aguardava, como habitualmente, para proceder ao seu pagamento”;
- “A fatura que vinha anexa ao e-mail de 07/02/2023 continha todos os elementos expectáveis, e que correspondiam em tudo, ao que era devido, mencionando ainda um IBAN para pagamento da quantia devida”; -
- “O e-mail recebido pela Sra. CC na sua caixa postal ..........@..... era exibido como ..........@.....”; -
- “O email ..........@..... foi adulterado apos o seu envio da – ..........@..... ”;
- “ a adulteração não era facilmente detetável”.
Por outro lado, a recorrente também objecta à decisão proferida sobre a factualidade dada como não provada, que é a seguinte:
“A factura em causa nos autos foi remetida através do email habitual da Autora, ou seja, de ..........@......
A Sra. CC verificou o valor e o IBAN indicados pela Autora.
O pagamento à Autora foi logo processado e concretizado no dia 07/02/2023 (em cumprimento do acordado e do procedimento habitual), para o IBAN PT50. ...86, indicado pela Autora R EMP01..., através do email habitual, do ..........@....., de onde sempre foram enviados esses mails e facturas pela Autora à Ré.
O alegado no artigo 10º da oposição, com excepção de ter informado que tinha efectuado o pagamento no dia 07-02-2023.
A Ré efectuou o pagamento da quantia devida à Autora, para o Iban que a própria lhe indicou, remetido através de um endereço de correio electrónico seu, e que era habitualmente utilizado para esse efeito.”. 
E conclui dizendo que a prova produzida impõe uma decisão sobre as questões de facto dadas como não provadas diferente da dada pelo tribunal a quo, no sentido de ser considerado não provado que:
- O e-mail recebido no dia 07/02/2023 pela Recorrente, na sua caixa postal ..........@..... não tenha saído da caixa postal da Recorrida ..........@..... ;
- que a Sra. CC não tenha verificado o valor e o IBAN indicado pela Recorrida nesse mail;
- que a Sra. CC não tenha cumprido com o procedimento habitual em relação à Recorrida, sua fornecedora; e
- que a Sra. CC não tenha procedido ao pagamento em falta, para o IBAN indicado na fatura remetida em anexo ao e-mail de 07/02/2023, enviado através de ..........@......”.
Do tudo quanto deixamos ora transcrito, desde logo importa concluir, se bem entendemos a alegação da recorrente, que esta não pretende que se dê como não provado que a autora remeteu uma mensagem de correio electrónico no dia 6.02.2023, mas tão só que se dê como provado que não recebeu a dita mensagem de correio electrónico [porquanto a mesma terá sido adulterada por terceiros - cfr. a conclusão g)], tendo apenas recebido a do dia 7.02.2023.
Ora, salvo o devido respeito, da factualidade dada como provada, nomeadamente no ponto 20 impugnado, resulta apenas que a autora enviou uma mensagem de correio electrónico no dia 6.02.2023 e não que a ré/recorrente a recebeu.
Acresce que era à autora/recorrida que cabia demonstrar que a ré/recorrente tinha efectivamente recebido a mensagem de correio electrónico do dia 6 (e não o inverso).
Com efeito, tal documento – mensagem de correio electrónico - corresponde a um documento electrónico sujeito como tal ao regime jurídico previsto no DL 12/2021, de 9.02, o qual regula, para além do mais, a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos, mormente dos elaborados por particulares [cfr. art.ºs 1º, al. b) e 2º, al. a)].
Assim e no que concerne à prova de que o documento electrónico foi recebido pela parte contrária rege o art.º 5º deste mesmo diploma.
Deste normativo extrai-se que o “documento electrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço electrónico definido por acordo das partes e neste for recebido.” (vide nº 1).
Mais aí se prevê que são oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da recepção de um documento eletrónico que contenha uma validação cronológica emitida por um prestador qualificado de serviços de confiança; que a comunicação do documento electrónico ao qual seja aposta assinatura electrónica qualificada ou selo electrónico qualificado, por meios de comunicação electrónica que assegure a efectiva recepção, equivale à remessa por via postal registada e, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção; e que a comunicação de dados e documentos com recurso a serviços qualificados de envio registado eletrónico, nos termos definidos nos artigos 43.º e 44.º do Regulamento (EU) nº 910/2014, de 23.06, equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção (vide nºs 2 a 4).
Analisado o documento em causa, não resulta do mesmo ter-lhe sido aposta uma qualquer assinatura electrónica qualificada, nem ter sido alvo de validação cronológica emitida por entidade certificadora. O que tão pouco foi alegado pela recorrida.
O mesmo é dizer que do documento em causa nenhum valor probatório se retira quanto à sua recepção (ou do documento que lhe era anexo) pelo destinatário, ou seja, pela ré recorrente.
Aliás, nesse mesmo sentido concluiu o tribunal recorrido como se pode facilmente constatar da motivação da decisão de facto, na qual se pode ler, neste conspecto, o seguinte:
Da conjugação da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas DD e CC e do teor dos elementos documentais juntos pelas partes, resultou ainda que a Ré não recebeu o email que a Autora lhe enviou no dia 6 de Fevereiro de 2023, tendo, no entanto, recebido um email no dia 7 de Fevereiro de 2023, o qual não foi enviado pela Autora.”.
Deste modo, julga-se que não existir qualquer razão para retirar do elenco dos factos provados o item 20. que, como vimos, apenas se reporta ao envio da mensagem de correio electrónico do dia 6 e não à sua recepção pela recorrente.
E, por outro lado, não é necessário aditar à factualidade provada que a ré não o recebeu. Quanto muito dever-se-ia ter feito constar dos factos não provados que a ré o recebeu.
Ademais, já resulta da factualidade dada como provada, mormente nos pontos 3 e 11 do elenco dos factos provados, que no seguimento da encomenda efectuada à autora, a ré recebeu numa das suas caixas de correio electrónico uma mensagem de correio electrónico, ao qual se encontrava anexada uma factura, com o valor de € 28.876,28, valor este correspondente ao efectivamente devido.
Mostra-se assim despiciendo acrescentar à factualidade dada como provada que a ré “apenas recebeu o e-mail do dia 07/02/2023”, “com um anexo que continha uma fatura para pagamento da quantia que era devida a esta, e que aquela aguardava, como habitualmente, para proceder ao seu pagamento”.
E muito menos se deverá acrescentar à factualidade provada, como pretende a recorrente que “A fatura que vinha anexa ao e-mail de 07/02/2023 continha todos os elementos expectáveis, e que correspondiam em tudo, ao que era devido, mencionando ainda um IBAN para pagamento da quantia devida”, dado tal asserção encerrar um mero juízo de valor. Ou seja, tratando-se de matéria manifestamente conclusiva não deve a mesma figurar no acervo dos factos provados. Cfr. a este propósito o ac. do STJ de 12.01.2021, relatado por Pedro Lima Gonçalves e acessível in www.dgsi.pt.
Contudo e porquanto tal resulta inquestionado do teor do documento em causa (documento nº 2 junto com a oposição), afigura-se-nos que deverá ser alterada e/ou esclarecida a redacção do aludido ponto 11 do elenco dos factos provados, a fim de aí passar também constar de forma expressa que a mensagem de correio electrónico do dia 7.02.2023 exibia no remetente o endereço electrónico ..........@....., identificando ainda para resposta o endereço ..........@......
Questão diversa é a da autoria da mensagem de correio electrónico recebida pela ré/recorrente em 7.02.2023.
Mais uma vez, importa recorrer ao regime previsto no aludido DL 12/2021, de 9.02, o qual, como vimos, também regula o valor probatório dos documentos electrónicos.
No que a este aspecto concerne, estipulam os nºs 2 a 5 do art.º 3º, de tal diploma que:
“2- Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento eletrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado e cria a presunção de que:
a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva em causa;
b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico;
c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada.
3 - A assinatura electrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa colectiva e ao documento ao qual é aposta.
4 - A aposição de assinatura electrónica qualificada que conste de certificado que esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição, ou não respeite as condições dele constantes, equivale à falta de assinatura, sendo o documento apreciado nos termos do n.º 10.
5 – Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada, o documento electrónico com o conteúdo referido no nº 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na sua redação actual.
6 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada, o documento eletrónico cujo conteúdo não seja susceptível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista no artigo 368.º do Código Civil e no artigo 167.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação actual.
7 - A aposição de um selo electrónico qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º do Regulamento, a origem e a integridade do documento electrónico.
8 - A aposição de um selo temporal qualificado faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do Regulamento, a exactidão da data e hora por ele indicados e a integridade do documento electrónico.
9 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de identificação electrónica, de comprovação da integridade, de correção da origem dos dados ou ainda de atestação temporal de documentos eletrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura electrónica, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.
10 - Salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito.
11 - As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte que não permita a verificação e validação das assinaturas eletrónicas ou dos selos eletrónicos, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, caso sejam observados os requisitos aí previstos.”.
Portanto, o valor probatório do documento electrónico ao qual não se mostre aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada no que à sua autoria respeita será apreciado nos termos gerais de direito, podendo ainda o reconhecimento da sua autoria resultar da própria aceitação da pessoa a quem o mesmo é oposto (vide nºs 9 e 10).
Ora, no caso, não consta na mensagem de correio electrónico do dia 7.02.2023 certificação alguma, sendo que a autora não reconheceu a autoria da mesma.
Mais, foi a própria ré/apelante quem veio alegar, logo na oposição, ter recebido, no dia 7.02.2023, na sua caixa de correio electrónico um e-mail adulterado. E, assim sendo, não podemos deixar de concluir, que a ré/recorrente sempre aceitou que não foi a apelada a autora de tal mensagem, independentemente da sua proveniência.
Na verdade, ainda que se entenda que dos factos provados deve constar expressamente que no correio electrónico datado de 7.02.2023, consta como remetente ..........@..... (endereço normalmente utilizado pela recorrida para o envio de facturas), tal conclusão não significa que a referida mensagem tenha sido enviada pela autora/recorrida.
Como bem alerta Margarida Lima Rego (in, O e-mail como título executivo. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, I. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 10), que no que se refere aos e-mails: “a demonstração de que um e-mail proveio da caixa de correio eletrónico de uma dada pessoa não garante que foi essa pessoa a enviá-lo.”.
Por conseguinte, e atento o ora exposto, cremos que a redacção do ponto 21. do elenco dos factos provados deverá ser alterada em conformidade e de forma a passar a constar do mesmo que “A mensagem de correio electrónico mencionada em 11 dos factos provados não foi enviada pela autora.”.
E, assim sendo, e nesta medida, deve manter-se a redacção conferida ao ponto 19 do elenco dos factos provados [no sentido que a autora nunca indicou à ré um IBAN do Banco 1...), sendo que a matéria de facto ali inserta foi peremptória e assertivamente confirmada pelas testemunhas arroladas pela autora, bem como pelos diversos documentos juntos e em momento algum infirmada pela prova produzida pela ré/recorrente. Com efeito, ouvidos na íntegra os depoimentos prestados pelo legal representante da ré e a testemunha CC, constata-se que estes nada concretizaram quanto a tal factualidade, não tendo, pois, tais depoimentos a virtualidade de beliscar a decisão do tribunal recorrido nesta parte.
E, por a mesma ordem de razões, cremos que não releva a objecção levantada pela apelante à matéria de facto não provada. Na verdade, a factualidade ali descrita nunca poderia ser dada como provada, como insiste infundadamente a apelante, pois, a demonstração de tal matéria de facto tinha como pressuposto intransponível e indispensável que tivesse ficado provado ter sido a autora a enviar a mensagem de correio electrónico do dia 7.02.2023, realidade que não se verifica, como já vimos.
Diga-se, ainda, que não pode a recorrente pretender que se conclua que a alegada adulteração da mensagem de correio electrónico e documento anexo teve origem nos servidores da autora, pois, ao contrário do que a mesma veio defender em sede de recurso, não foi produzida qualquer prova susceptível de sustentar tal factualidade. Aliás, só nesta sede de recurso é que a recorrente veio concretizar a forma como, segundo a mesma, terá ocorrido a adulteração da mensagem de correio electrónico.
De todo o modo, constata-se que a recorrente baseia o seu recurso nesta parte somente na prova documental que juntou aos autos já em sede de audiência final, designadamente, no registo fotográfico de um relatório pericial alegadamente elaborado no âmbito do processo de inquérito nº 411/23...., em que figura como ofendida a ora apelante.
Dispõe, todavia, o art.º 421º do NCPC: “1- Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n° 3 do artigo 355° do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.”.
Tem sido entendimento comum na doutrina e na jurisprudência que a prova testemunhal e pericial produzida num processo só releva para outro processo se ocorrerem quatro fundamentos cumulativos:
- seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidos os ditos meios de prova;
- a parte contra quem se pretenda produzir os ditos meios de prova tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daquele meio de prova;
- o regime de produção dessas provas no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo;
- não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
Se faltar o terceiro requisito, ou seja, se as garantias oferecidas no primeiro processo forem inferiores às oferecidas no segundo, a prova produzida no primeiro processo pode ser aproveitada e ser feita valer em termos probatórios apenas como princípio de prova, como decorre do nº 1 do citado art.º 421º.
Se falhar algum dos outros requisitos (nomeadamente, a identidade das partes em ambos os processos), não podem tais provas ser objecto de qualquer aproveitamento [cfr. o ac. da RP de 15.06.2020, relatado por Jorge Seabra (disponível in www.dgsi.pt), citando Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, p. 331; e no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III volume, 4ª edição, 1985, p. 344-350; Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, p. 256-257 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II volume, 2001, p. 416-419].
Ora, o documento em causa – o qual nem se trata de uma certidão - terá sido obtido/ extraído de um processo de inquérito aparentemente instaurado a partir de uma queixa apresentada pela recorrente, não constando, porém, que as diligências probatórias a que alude tivessem sido submetidas a “audiência contraditória”, para além de que não consta que a aqui recorrida ali tivesse intervindo em qualquer qualidade processual.
Com efeito, não estão reunidos os pressupostos necessários a que seja atendido para efeitos de prova, neste processo, a aludida “cópia” do relatório pericial efectuado no aludido processo de inquérito criminal.
Por outro lado, perscrutada a prova gravada, igualmente se verifica que nenhuma das testemunhas ou legais representantes das partes depôs com conhecimento sobre tal questão em concreto, improcedendo assim também neste segmento a pretensão recursória da ré.
Por fim e, por se tratar de matéria meramente conclusiva, afigura-se-nos evidente não haver lugar à inclusão no acervo dos factos provados da asserção “a adulteração não era facilmente detectável”.
*
Em face do ora decidido e das alterações introduzidas, a matéria de facto passará a ter a seguinte formulação:

“Factos provados
1- A Autora exerce a actividade comercial de comércio de combustíveis, lubrificantes e transportes rodoviários de mercadorias;
2- A Ré, por sua vez, exerce a actividade de exploração de posto de abastecimento de combustível;
3- No âmbito das actividades comerciais em apreço, e por solicitação da Ré, a Autora forneceu-lhe combustível, produto melhor descrito na factura nº ...92, de 3 de Fevereiro de 2023, no montante de € 28.876,28 (vinte e oito mil, oitocentos e setenta e seis euros e vinte e oito cêntimos), com vencimento na mesma data;
4- A Ré foi interpelada para proceder ao pagamento da quantia global de € 28.876,28;
5- A Ré é uma empresa que se dedica à actividade comercial de comércio a retalho de produtos alimentares e não alimentares, explorando um supermercado e um posto de abastecimento de combustível, ambos em ..., sob a insígnia EMP03... e, na sua actividade, recorre a fornecedores de produtos, a quem adquire produtos, que posteriormente vende naquele estabelecimento comercial, bem como no posto de abastecimento de combustíveis;
6- À data, os fornecimentos da Autora eram semanais, sendo o seu pagamento posterior à entrega do combustível;
7- A Sra. CC, da secção de contabilidade da Ré, depois de receber os preços semanais de várias empresas do sector, às segundas feiras de cada mês, analisa qual a que possui os preços mais vantajosos para a Ré, e informa as colaboradoras da caixa central sobre qual o fornecedor a contactar para enviar a encomenda de combustível;
8- As colaboradoras da caixa central verificam as necessidades de combustível para venda no posto que a Ré explora, estabelecem quais as quantidades de cada tipo de combustível é que vão encomendar, e enviam um e-mail (do ..........@.....) à empresa que a Sra. CC indicou, (no presente caso, a Autora R EMP01...), neste caso para ..........@..... com o tipo e quantidade de combustível que se pretende adquirir a qual, após recepção da mesma, envia o combustível encomendado, cuja entrega é efectuada no dia seguinte;
9- A Autora envia através de correio electrónico (em regra o ..........@......) para a secção de contabilidade da Ré, a respectiva factura, com os dados para pagamento, entre os quais, o valor parcial, o valor total, a referência da Guia de Remessa a que se refere, e o Iban para esse efeito;
10- De seguida ou no dia imediato, é efectuado o pagamento pela Autora, com base nos dados remetidos pela R EMP01...;
11- No dia 7 de Fevereiro de 2023, a Ré, tendo efectuado uma encomenda de combustíveis à Autora, titulada pela encomenda enviada a 2 de Fevereiro de 2023, no valor de 28.876,28 €, recebeu, na caixa de correio electrónico da sua contabilidade (..........@.....), uma mensagem de correio electrónico que exibia no remetente o endereço electrónico ..........@....., identificando ainda para resposta o endereço ..........@..... e em anexo uma factura com o valor a pagar de 28.876,28 €, nos termos constantes dos documentos nºs 2 e 3 juntos com a oposição e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12- De seguida, a Sra. CC introduziu as credenciais de acesso e acedeu ao netbanking da empresa, onde introduziu o Iban indicado no documento nº 3 junto com a oposição e realizou um pagamento de € 28.876,28 – fls. 15 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13- Dois dias depois, em 9 de Fevereiro de 2023, em conversa com o Sr. EE, da fornecedora R EMP01..., este informou que ainda não tinham recepcionado na sua conta bancária o pagamento referente à encomenda de 2 de Fevereiro de 2023 e à factura ...92;
14- A Sra. CC referiu que tinha efectuado o pagamento no dia 7 de Fevereiro de 2023;
15- A Ré foi verificar o que se passava com tal transferência;
16- Após consulta, no multibanco, constatou que tal Iban pertencia a AA, com conta sediada no Banco 1...;
17- A relação comercial entre a Autora e Ré durou anos, em número não concretamente apurado;
18- Pelo menos nos últimos 3 anos de relação comercial, os Ibans associados à Autora, para pagamento de facturas por parte dos respectivos clientes, reportam-se ao Banco 2..., Banco 3... e Banco 4... – documentos juntos a fls. 29-34 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
19- Em momento algum a Autora indicou um Iban do Banco 1...;
20- A Autora enviou à Ré um e-mail no dia 06 de Fevereiro de 2023, com a factura correcta em anexo – documentos juntos a fls. 33v e 34 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
21- A mensagem de correio electrónico mencionada em 11- dos factos provados não foi enviado pela autora.
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Factos não provados

A factura em causa nos autos foi remetida através do email habitual da Autora, ou seja, de ..........@......
A Sra. CC verificou o valor e o IBAN indicados pela Autora.
O pagamento à Autora foi logo processado e concretizado no dia 07/02/2023 (em cumprimento do acordado e do procedimento habitual), para o IBAN PT50. ...86, indicado pela Autora R EMP01..., através do email habitual, do ..........@....., de onde sempre foram enviados esses mails e facturas pela Autora à Ré.
O alegado no artigo 10º da oposição, com excepção de ter informado que tinha efectuado o pagamento no dia 07-02-2023.
A Ré efectuou o pagamento da quantia devida à Autora, para o Iban que a própria lhe indicou, remetido através de um endereço de correio electrónico seu, e que era habitualmente utilizado para esse efeito.”. 
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3.2. Do erro de julgamento da decisão de mérito da acção
Vistos os factos, importa agora apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
Resulta da factualidade apurada e pacífico entre as partes que a autora e a ré celebraram um contrato de compra e venda de combustível, nos quais esta assumiu a posição de compradora e aquela a posição de vendedora.
O contrato de compra e venda encontra-se legalmente definido no art.º 874º do CC, nos termos do qual “Compra e venda é contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”.
A noção de compra e venda é desenvolvida no art.º 879º do mesmo código, onde se dispõe que “A compra e venda tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A obrigação de pagar o preço.”.
O contrato de compra e venda é, assim, um contrato oneroso, bilateral, com prestações recíprocas e dotado de eficácia real.
O art.º 882º do CC rege sobre a entrega da coisa definindo as seguintes regras supletivas que vigoram se as partes não tiverem acordado um regime diverso: a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda; a obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em contrário, entre outras coisas, os documentos relativos à coisa ou direito.
Quanto ao tempo e lugar do pagamento do preço, dispõe o art.º 885º, do CC que o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida; porém, se por estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver de ser pago no momento da entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
No caso concreto em apreciação, e de acordo com o acertado entre as partes, o lugar estipulado para pagar o preço é no lugar para onde deve ser realizada a transferência bancária, ou seja, a conta indicada pela credora (ora autora) na respectiva factura.
Todavia, é incontroverso que o pagamento do preço não ocorreu no lugar acordado pelas partes, uma vez que foi efectuado para conta diferente e ainda em titular diverso do credor.
Na verdade, e conforme é realçado na decisão recorrida, incumbia à ré demonstrar que tinha a autora indicado a conta bancária onde foi efectuado o depósito bancário, o que não logrou fazer.
Assim sendo, o pagamento feito em lugar diferente do acordado e feito a terceiros não extingue a obrigação perante a autora (cfr. artºs 762º, 769º, 770º, 772º e 774º, todos do CC).
Com efeito, o devedor está obrigado a fazer a prestação ao seu credor e não pode, em princípio, liberar-se pelo pagamento a um credor do credor, pelo que “se o pagamento feito a terceiro não for eficaz em relação ao credor, o devedor por aplicação do velho brocardo quem paga mal paga duas vezes, continua obrigado” (Vaz Serra, BMJ 34, p. 59 e seguintes).
Também Galvão Teles refere que “sendo o pagamento feito a quem não possui legitimidade para o receber é nulo e não desonera o devedor. Este continua vinculado perante o credor a quem não pode opor o pagamento. O devedor terá de pagar ao credor como se não pagasse ao terceiro. Por isso se costuma dizer que quem paga mal paga duas vezes” (in, Obrigações, 4ª edição, p. 171).
Importa, contudo, referir que, já em sede de alegações de recurso, a ré invocou a culpa do lesado, prevista no art.º 570º, do CC.
Com efeito, diz a ré que foi a conduta negligente da própria recorrida, ao não possuir um sistema de cibersegurança eficaz, que permitiu que os seus e-mails e/ou o seu domínio ... fossem violados; o que, por sua vez, possibilitou que o e-mail remetido através desse endereço e o seu anexo, fossem adulterados, na origem, levando a que a ré fosse induzida em erro, e procedesse ao pagamento de acordo com os dados neles inscritos, incluindo para o IBAN indicado na factura constante do anexo de tal e-mail.
Ora, no âmbito da responsabilidade civil contratual, como é o caso, vigora a presunção de culpa do devedor, nos termos do art.º 799º, nº 1, do CC.
Na verdade, atento o preceituado neste artigo, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sob pena de sobre si recair a respectiva presunção de culpa.
Todavia, tal não obsta a que o regime previsto no citado art.º 570º, do CC seja aplicável à responsabilidade contratual [cfr., neste sentido RLJ 110º, p. 186 e o ac. do STJ, 9.03.2021, relatado por Fernando Samões, acessível in www.dgsi.pt e que aqui acompanhamos de perto].
Tal normativo estatui que: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
Acrescenta ainda o art.º 572º, do mesmo diploma legal que “Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não alegada”.
Nada obstando, pois, a que se aprecie a referida questão, vejamos então.
Comentando o aludido art.º 570º, do CC, Brandão Proença afirmou: “Para o exame ponderativo previsto no n.º 1 a norma exige não só a presença de duas condutas culposas mas que tenham sido causalmente concorrentes para o evento lesivo ou para o agravamento dos danos….”. E acrescentou: “Assente a eficiência etiológica das condutas culposas, e longe da consagração do antigo regime do «tudo ou nada», o tribunal, na imputação das consequências indemnizatórias e para poder concluir pela concessão, redução ou exclusão da indemnização, deverá ponderar a gravidade das culpas (v.g., em função das regras legais violadas) e ter em conta os efeitos que delas decorreram, pois nem sempre a culpa mais intensa provoca os danos mais extensos.” [in, “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, p. 579].
É, então, que surge a questão da concorrência de culpas, mais frequente no domínio da responsabilidade extracontratual, mas com aplicação também à responsabilidade contratual, da actuação do lesado à luz do paradigma do bonus pater familias e da actuação que seria de exigir no caso concreto, como se afirmou no ac. do STJ de 10.12.2009, processo nº 494/06.0TBAVR.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt.
Escreveu-se neste aresto, ainda, o seguinte: «Ante o incumprimento do devedor, o credor não pode farisaicamente alhear-se dos resultados dessa conduta para daí colher vantagem que seria imoral ou injusta e sempre eticamente censurável, pois poderia com a sua inacção contribuir, impunemente, para o agravamento dos danos e assim onerar a sanção para o incumprimento. Mesmo aqui deve o lesado agir de boa fé, na perspectiva de actuação honesta e que contemple o interesse da contraparte. Daí que para haver culpa do lesado e ser afastada a teoria da diferença com ressarcimento dos danos em valor inferior aos que o credor efectivamente sofreu, imporia a verificação de que uma conduta culposa do lesado violadora das regras da boa-fé e que essa conduta – as mais das vezes omissiva ou negligente seja causa adequada do dano ou do seu agravamento. Os factos reveladores de conculpabilidade devem ser graves no sentido de justificarem um juízo de censura, não bastando qualquer omissão ou negligência que se deva ter por aceitável de acordo com um padrão negocial justo, no sentido de que não deve ser exigido ao credor/lesado uma conduta super diligente para evitar o agravamento dos danos, mas antes lhe deve ser imposto pela boa-fé que, no quadro circunstancial emergente do incumprimento, actue por forma a atenuar os danos resultantes da situação de incumprimento, sobretudo, se for previsível que apesar dos esforços do devedor para obviar à propagação ou perduração dos danos a sua actuação, pela natureza da prestação que lhe cumpra, possa não surtir efeito pronto.
Como assinala Vaz Serra, in RLJ 105º-169: “As cautelas exigíveis ao lesado para afastar ou diminuir o dano dependem das circunstâncias de cada caso. E, fundando-se na boa fé ou na correcção (correteza), tem, naturalmente, os limites derivados desta sua fonte; portanto, o lesado só é obrigado a adoptar as medidas idóneas a impedir o agravamento do dano quando tal lhe seja imposto pela boa fé, isto é, quando esta, dadas as circunstâncias do caso concreto, o obrigue a tomar essas medidas”.»
Ora, no caso, a ré procedeu ao pagamento do preço, através de transferência bancária para determinada conta bancária que julgava tratar-se de conta pertencente à autora, mas que afinal não pertence.
A ré entende que ficou exonerada de proceder a qualquer pagamento à autora porque o pagamento que fez a terceiros não foi por culpa sua, mais defendendo que tal ocorreu – o pagamento a terceiro estranho à relação contratual – se deveu a facto imputável à autora por não possuir um sistema de cibersegurança eficaz e ter permitido que a mensagem de correio electrónico por si enviado à ré fosse adulterado na origem, induzindo-a em erro.
Porém, no presente caso, tal circunstância não resultou apurada.
Na realidade, não ficou demonstrado que a autora, lesada, teve qualquer intervenção – por acção ou por omissão - nessa ocorrência, nem que de alguma forma contribuiu para o “agravamento de danos”, pelo que é óbvio que não existe concorrência de condutas culposas.
E, inexistindo culpa da lesada, não tem lugar a aplicação do regime do art.º 570º, nº 1, do CC o qual pressupõe, desde logo, que haja “culpa do lesado”, como nele claramente consta.
Acresce que a própria ré/recorrente, como vimos, admite o equívoco em que incorreu, independentemente de ter sido enganada por terceiros e de poder ter sido praticado algum crime (questões estas que não são objecto do presente litígio).
Com efeito, objectivamente (resulta dos factos provados e alegados pela própria ré e pelos documentos por si juntos) que a comunicação electrónica que a mesma recebeu na sua caixa de correio electrónico não é da autoria da recorrida.
Acresce que foi a ré/recorrente e não a autora/recorrida quem considerou como normal uma mensagem de correio electrónico, aparentemente enviada do endereço electrónico da demandante, mas que ostentava um endereço de e-mail de resposta diverso dos endereços habitualmente utilizados por esta, circunstância que, a nosso ver, era só por si susceptível de ter levantado suspeitas à ré/recorrente quanto à autoria da aludida mensagem, caso tivesse estado mais atenta ao conteúdo de tal mensagem.
Tal grau de diligência estava ao seu alcance e era-lhe exigível, pois, como é sabido os esquemas de fraude informática – como é o caso das situações de comprometimento de e-mail empresarial (EMP04...) [cfr. a respectiva definição e tipos de EMP04... in ...] -, têm vindo a aumentar exponencialmente com o recurso cada vez mais frequente ao correio electrónico nas comunicações entre empresas.
Assim sendo, e com o devido respeito, a argumentação da ré/recorrente carece de fundamento, pelo que se mantém na íntegra a sua obrigação de pagamento do preço devido à autora, ao contrário do que a mesma veio defender.
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Conclui-se desta forma pela total improcedência do recurso interposto pela ré, mantendo-se a sentença recorrida.
As custas do presente recurso são da responsabilidade da recorrente (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.
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Guimarães, 11.07.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. José Cravo