ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATRAVESSAMENTO DE MENOR
PROTEÇÃO DE PESSOAS VULNERÁVEIS
MAIOR FAVORABILIDADE CONCEDIDA AO LESADO NA RESPONSABILIDADE CIVIL
IMPUTAÇÃO EXCLUSIVA À RESPONSABILIDADE PELO RISCO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.
II – Quanto ao aspecto da culpa e consequente responsabilidade pelo acidente, assentando o entendimento da apelante R. numa factualidade que não logrou ver provada e cuja reapreciação igualmente não logrou ver alterada, revela-se inquinado o desfecho do recurso, ou seja, não pode a apelante fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
III – O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
IV - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. Todavia, neste caso, o que se está a indemnizar é o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho.
V - Tendo o A. menor, à data do acidente, 11 anos de idade e, em consequência directa e necessária do mesmo ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa, a indemnização pelo dano biológico, com recurso à equidade, atenta a comparação com outras situações judicialmente decididas, não se afasta delas ao fixar o valor indemnizatório em 400.000 euros.
VI - Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pelos danos de natureza não patrimonial no montante de € 500.000,00, no caso de um acidente imputável exclusivamente à responsabilidade pelo risco do condutor de veículo seguro na R., em que é atropelado um menor de 11 anos, que sofreu um traumatismo crâneo-encefálico grave e fractura dos ramos íleo e ísqueo púbicos à esquerda, e que, após o acidente foi transportado de ambulância para o hospital, aonde foi submetido a uma intervenção neurocirúrgica, tendo depois sido submetido a uma intervenção cirúrgica de craniotomia descompressiva, a uma nova intervenção cirúrgica para encerramento da craniotomia e a tratamento conservador às fracturas pélvicas, após o que ficou internado na unidade de cuidados intensivos durante um mês e posteriormente no serviço de pediatria. A alta hospitalar do menor teve lugar cerca de 8 meses depois, tendo posteriormente o mesmo sido transferido para um Centro de Reabilitação, onde permaneceu internado durante seis meses. O menor continuou a ser submetido a terapias e teve consultas médicas de diferentes especialidades. Actualmente, o menor mantém tratamento fisiátrico ambulatório na área da residência. Após o acidente o menor entrou em coma e manteve-se neste estado durante dois meses. Depois de deixar de estar em coma o menor sentiu dores pelas lesões que sofreu em consequência do acidente e nos tratamentos a que foi submetido. O menor ficou a padecer de uma tetraparesia espástica grave, com deformidades irredutíveis dos membros superiores e inferiores que necessitam de tratamento fisiátrico para evitar o agravamento, e de uma escolisose postural, sem controlo muscular do tronco. Como consequência directa e necessária do acidente, o menor ficou a padecer das seguintes sequelas: período de défice funcional temporário total de 604 dias, período de repercussão temporária na actividade profissional total de 604 dias, quantum doloris de grau 7/7, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos, necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene e desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma. Antes do acidente, o menor era um aluno regular e frequentava várias actividades extracurriculares como o desporto, a dança e a música.
VII – Se falta a prova do dano, tem de soçobrar o pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil; porém, o mesmo não deve ocorrer se faltar apenas a prova do valor do dano, porquanto a indemnização por equivalente, necessária à reparação do dano infligido, pode ser ulteriormente alcançada em sede de incidente de liquidação ou ser mesmo fixada em termos de equidade.
VIII – A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve fazer-se consoante seja ou não previsível que o valor exacto do dano será apurado com prova complementar, devendo em caso afirmativo dar-se prevalência à condenação genérica e não fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
 
1 RELATÓRIO

AA e BB, residentes na Rua ..., em ..., ..., por si e em representação do seu filho menor CC, intentaram a presente acção[1] declarativa com processo comum contra Companhia de Seguros EMP01..., S.A., com sede na Avenida ..., em ..., pedindo a sua condenação:
a. A pagar a quantia de € 3.769.590,00 (três milhões setecentos e sessenta e nove mil quinhentos e noventa euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
b. A pagar os custos dos tratamentos que o seu filho menor necessitou e a prestar directamente ou a pagar os custos de todos os tratamentos que venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, ou, se estes danos não puderem ser quantificados, que seja determinada a sua liquidação posterior.

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Os AA. alegaram que ocorreu um acidente de viação que consistiu no atropelamento do seu filho menor pelo veículo com a matrícula 36-7... acidente foi da responsabilidade do condutor deste veículo. A responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação deste veículo estava transferida para a R. por contrato de seguro que era válido e eficaz quando ocorreu o acidente. Assim, pretendem a condenação da R. a pagar uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que foram causados pelo acidente. Pretendem também a sua condenação a prestar ao menor todos os tratamentos de que venha a necessitar ou a suportar os custos destes tratamentos.
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A R. contestou alegando que o acidente foi da responsabilidade do filho menor dos AA. porque quando ocorreu o atropelamento estava a atravessar a via a correr. Acrescenta que se presume a culpa dos pais do menor por violação do dever de vigilância a que estavam obrigados, uma vez que a mãe estava no local e permitiu que o menor atravessasse a via sem o acompanhamento de um adulto. Por fim, sustenta que a indemnização que é reclamada pelos AA. é excessiva.
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Foi elaborado o despacho saneador, que fixou o valor da acção, dispensou a audiência prévia, identificou o objecto do litígio, enunciou os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos meios de prova requeridos pelas partes, entre os quais a realização de perícia médico-legal.
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Designada data para o efeito, realizou-se a audiência de julgamento, que se prolongou por duas sessões, com observância do legal formalismo.
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No final foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condeno a ré a pagar ao autor menor as quantias de € 566.850,08 (quinhentos e sessenta e seis mil oitocentos e cinquenta euros e oito cêntimos) e € 500.000,00 (quinhentos mil euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;
2. Condeno a ré a pagar aos pais do autor as quantias de € 21.590,00 (vinte e um mil quinhentos e noventa euros) e € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
3. Condeno a ré a pagar ao autor menor o custo com a ajuda de terceira pessoa de que necessita, a liquidar posteriormente;
4. Condeno a ré a pagar aos pais do autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada mês desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte já vencida;
5. Condeno a ré a pagar a prestar directamente ou a pagar os custos de todos os tratamentos que o menor venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, os quais serão a liquidar posteriormente;
6. Na indemnização a pagar pela ré deverá ser descontada a quantia que já pagou no âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que foi intentado pelos autores;
7. No mais, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados.
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As custas serão na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido aos autores.
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Registe e notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O objecto primordial do presente recurso é impugnação da decisão proferida quanto à apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo, com vista a fortalecer o entendimento e interpretação de que o sinistro se ficou a dever a culpa única e exclusiva do peão menor.
2. Assim, pretende a Apelante a apreciação dos factos 14), 15), 22) e 47) tal qual foram os mesmos dados como provados, pugnando, ainda, pela prova de dois outros factos, cuja redação irá propor infra.
3. Isto é, entende a Apelante que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que julgue o seguinte:
i) O facto 14. deveria ter resultado provado que: “o veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, de, pelo menos, cinquenta centímetros”.
ii) O facto 15. deveria ter resultado provado que “o menor saiu do veículo para ir entregar umas chaves à avó que se encontrava num terreno no outro lado da estrada
iii) O facto 22. não deveria resultar provado e, em sua substituição, propõe-se que se dê como provado que “no momento em que o menor inicia a travessia, o veículo TM encontrava-se a menos de 30 metros do local do sinistro”.
iv) propõe-se, igualmente, que seja aditado o seguinte facto “por força dos traumatismos e do
défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos”.
v) E, finalmente, que o facto 47. Passe a ter a seguinte redação “desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada”.
4. Desde logo, quanto ao facto 14. a expressão final “embora diminuta” traduz uma conclusão e não um facto.
5. Ademais, da análise do Croqui constante do Auto de Participação de Acidente de Viação (documento n.º 1 junto com a Contestação), considerando as medições a que respeitam as letras ... e ..., verifica-se que o veículo se encontrava a, pelo menos, cinquenta centímetros dentro da faixa de rodagem.
6. Propõe-se, assim, que o facto 14. passe a ter a seguinte redação: “o veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, de, pelo menos, cinquenta centímetros”.
7. Quanto ao facto 15. deveria ter resultado provado que “o menor saiu do veículo para ir entregar umas chaves à avó que se encontrava num terreno no outro lado da estrada”.
8. Isso mesmo resulta do depoimento de parte prestado pela aqui Apelada AA (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 09 de Fevereiro de 2024, das 09:56 às 10:04) aos minutos 00:45 a 01:10 e do depoimento da testemunha DD (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 09 de Fevereiro de 2024, das 10:51 - 11:32) aos minutos 05:55 a 06:20.
9. O facto 22. tal qual se encontra dado como provado (“O condutor do TM também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o”) não espelha qualquer factualidade, sendo antes um juízo conclusivo e, por esse motivo, deverá ser eliminado.
10. Juízo este que advém da circunstância do veículo TM se encontrar muito próximo do local onde o atropelamento ocorreu e não por qualquer outra circunstância, desde logo, distração.
11. Assim, ao invés do juízo conclusivo em que encerra o facto 22., entende a Apelante que se mostra mais preponderante que se dê como provado a posição do veículo TM na recta, no exacto momento em que o peão iniciou a travessia da faixa de rodagem.
12. O que, em boa medida, decorre já dos factos 16. a 20. e 26. dados como provados e é, depois, corroborado pelas três testemunhas presenciais do sinistro ouvidas em julgamento, a que acresce os esclarecimentos do responsável pela elaboração do relatório de fls. 22 verso a 27 verso.
13. Desde logo, as três testemunhas EE (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 09 de Fevereiro de 2024, das 14:11 às 14:25); FF (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 09 de Fevereiro de 2024, das 14:41 às 15:00; e GG (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 29 de Fevereiro de 2024, das 09:43 às 09:54) descrevem o sinistro como tendo acontecido muito de repente, sem margem para qualquer manobra de reação, em que o menor se mete à frente do veículo seguro.
14. Isso resulta das declarações da testemunha EE aos minutos 06:50 a 07:30, aos minutos 07:30 a 08:25 e depois ao minuto 12.50; da testemunha FF, aos minutos 00:45 a 00:50, aos minutos 04:30 a 04:50, aos minutos 06:55 a 07:20 e aos minutos 10:20 e 12:10 a 12:30; a que acresce a testemunha GG aos minutos 03:25 a 03:40 e aos minutos 03:50 a 04:10.
15. Além das testemunhas vindas de referir, a testemunha HH, (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 29 de Fevereiro de 2024, das 10:10 às 10:39) acabou por concluir aos minutos 27:10 a 29:10 que “no momento em que o menor inicia a travessia, o veículo TM encontrava-se a menos de 30 metros do local do sinistro”.
16. Na verdade, a circunstância da criança ir a correr e de percorrer o espaço até ser atropelado em 1,5 segundos; se se considerar o tempo médio de reação de 1 segundo, tal significa que o menor só foi perpectível ao condutor do veículo seguro quando o mesmo está a 0,5 segundos do atropelamento vir a acontecer – o que vai de encontro aos depoimentos das três testemunhas presenciais ouvidas e supra identificadas.
17. Da conjugação dos factos 16. a 20. dados como provados com o depoimento das quatro supra elencadas testemunhas permite concluir que o veículo seguro se encontrava muito próximo do local onde ocorreu o atropelamento quando a criança inicia a travessia da estrada a correr.
18. Ora, se se considerar fração de tempo de 1,5 segundos que o menor percorreu até ser atropelado e a velocidade a que o veículo seguro seguia (inferior a 70 km/h), conclui-se que o veículo seguro se encontra a uma distância inferior a 30 metros quando o menor inicia a travessia.
19. Assim, ex vi artigo 5.º, n.º 2 a) CPC, propõe-se que se dê como provado que “no momento em que o menor inicia a travessia, o veículo TM encontrava-se a menos de 30 metros do local do sinistro”.
20. Sem prescindir, pretende-se que seja aditado um facto relativo à esperança média de vida do menor e que, nessa medida, se dê como provado que “Por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos”.
21. Isso mesmo resultou do depoimento da testemunha II (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 29 de Fevereiro de 2024, das 11:03 às 11:08), mais concretamente aos minutos 02:10 a 05:00.
22. Finalmente, quanto ao facto 47. não só as despesas com tratamentos não se iniciaram após o acidente, como não resultou provado que a quantia média mensal se cifrava em €2.500,00.
23. Para tanto, deverá considerar-se que o menor esteve internado até ao dia ../../2020 (facto 33.) e, depois, foi transferido para o Centro de Reabilitação ... onde permaneceu durante seis meses (facto 35.).
24. Ou seja, de Julho de 2019 a Agosto de 2020 o menor esteve internado, sendo que, nesse período, os pais não suportaram despesas mensais.
25. Deste modo, o facto 47. deverá passar a conter a seguinte redação: “desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada”.

DA MATÉRIA DE DIREITO
26. Sem prejuízo de se entender que o sinistro se ficou a dever, a título de culpa, ao infeliz peão menor, sempre se dirá que resultou demonstrada a culpa da Apelada AA no cumprimento dos deveres de vigilância do menor.
27. Em face dos factos dados como provados é possível emitir um juízo de censura pela omissão do dever de vigilância reportado a um acto concreto e que se traduz na inobservância dos cuidados e cautelas que eram idóneos para evitar a prática daquele concreto acto danoso e que um bom pai de família adoptaria naquelas circunstâncias concretas, em função da idade da pessoa a vigiar e em função da sua personalidade, sentido de responsabilidade e educação recebida.
28. A Apelada AA, face à necessidade de serem entregues umas chaves de casa à avó que se encontrava no terreno do outro lado do terreno, incumbiu o seu filho menor de 11 anos de o fazer; sabendo que, para tanto, se mostrava necessário que o menor atravessasse uma estrada nacional; sabendo e não podendo desconhecer os riscos que tal travessia implicava; sendo que permaneceu no veículo, sem dar qualquer instrução quanto à forma como o menor deveria atravessar; sabia e não podia desconhecer que o menor se colocou na traseira do veículo e que não seria visível para quem circulasse em sentido contrário; sabendo que, pelo menos, dois veículos se aproximavam no sentido contrário ao que se encontrava estacionada.
29. No dia e hora do sinistro, impunha-se à Apelada AA a adopção de um conjunto de cuidados e cautelas, em função da idade do menor, pelo que resultou demonstrado o incumprimento por parte da Apelada AA do dever de vigilância do menor.
30. Independentemente da presunção de culpa, entende a Apelante que o menor não tomou todos os cuidados no momento de iniciar a travessia.
31. Considerando que o menor se encontrava na traseira do ... (facto 16.); que o ..., pela sua altura, não permitia que os condutores vissem o menor junto à traseira (facto 17.) o que significa que o próprio menor também não conseguia ver os veículos que circulavam em sentido contrário; que o menor parou junto ao início da via (facto 18.), forçoso é concluir que quando o menor inicia a travessia, o mesmo não estava em condições de ver, nem viu o veículo seguro na Apelante.
32. Além disso, o menor faz toda a travessia, a correr, sem se imobilizar na esquina do ... para, então aí, se aperceber do trânsito que circulava no sentido oposto e, muito menos, se imobilizou junto ao eixo da via.
33. Assim, a forma como o menor atravessou a faixa de rodagem foi inadequada, inadvertida e não prestou atenção ao trânsito, pelo que violou de forma culposa o previsto nos artigos 100.º e 101º do Código da Estrada (CE).
34. Ora, a culpa do menor lesado afasta o regime da culpa pelo risco prevista no artigo 505.º do Código Civil.
35. Com efeito, no exacto momento em que o veículo seguro passava por ele, o menor atravessou a correr a faixa de rodagem, tornando impossível qualquer manobra de reação e, dessa forma, inevitável o sinistro
36. Assim, o sinistro ficou a dever-se a culpa única e exclusiva do menor e não aos riscos próprios do veículo - que, in casu, circulava numa estrada nacional, com 6,40metros de largura, numa recta com visibilidade superior a 100metros e dentro dos limites de velocidade, pelo que a circulação que fazia em nada contribuiu para o sinistro.
37. Impunha-se a absolvição da Apelante do pedido na dupla perspectiva: seja por força da violação culposa do dever de vigilância com causalidade directa e adequada para o sinistro, presumindo-se a culpa, seja por se considerar o menor como o único e exclusivo responsável pelo sinistro, sem qualquer contribuição causal dos riscos próprios do veículo para o mesmo.

Sem prescindir,
38. Subsidiariamente, será de considerar o concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e a responsabilidade do menor, ex vi regime do artigo 570.º, incluindo aqui também a culpa da mãe no dever de vigilância.
39. O próprio artigo 505.º do Código Civil começa por ressalvar a possibilidade de o julgador recorrer ao disposto no artigo 570.º do mesmo diploma legal (culpa do lesado).
40. Na verdade, admitindo que o sinistro poderá ter simultaneamente como causa o risco próprio do veículo e um facto culposo do menor, será de aplicar o disposto no artigo 570.º do Código Civil para aferir os termos da indemnização em face desse concurso de responsabilidades culposas, a que acresce a culpa da mãe no dever de vigilância.
41. Assim, deveria o Tribunal a quo ter fixado uma repartição igual de contribuições entre o risco de circulação e o facto culposo da mãe-representante legal obrigada à vigilância, reduzindo em 50% o montante das indemnizações e compensações decretadas para despesas e tratamentos futuros do menor lesado pelo sinistro (também com aplicação do critério «em caso de dúvida» do artigo 506.º, 2, do Código Civil).
42. O Tribunal a quo na douta Sentença dos Autos, ao decidir como decidiu, violou o preceituado nos artigos 342.º, 483.º e seguintes, 491.º, 505.º e 570.º, todos do Código Civil e, bem assim, o disposto nos artigos 411.º, 413.º e 414.º, todos do CPC.

Sem prescindir,
DOS DANOS
43. O valor de €566.850,08 (quinhentos e sessenta e seis mil, oitocentos e cinquenta euros e oito cêntimos) fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais é excessivo, violando, dessa forma, o preceituado nos artigos 496.º n.º1 e 566.º n.º 3 do Código Civil.
44. Para tanto, teve em consideração a esperança média de vida dos homens que fixou em 77 anos, quando da prova produzida resultou que, infelizmente, a esperança média do menor se fixa no máximo em 15 anos.
45. O recurso à equidade deve considerar as especificidades do caso concreto e, ao não o fazer, o valor arbitrado mostra-se injusto e desproporcional.
46. Em face do exposto, por aplicação das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras, o montante indemnizatório não deveria exceder os 135.000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros).
47. Consta ainda do teor da sentença do Tribunal a quo a condenação da ora Apelante no pagamento do valor de 500.000,00€ a título de danos não patrimoniais, montante que se mostra exagerado e, nessa medida, se impõe, também, a alteração da decisão.
48. A jurisprudência não constitui fonte de direito no ordenamento jurídico português, mas é comummente aceite pela comunidade jurídica que as suas decisões revestem a forma de verdadeiras linhas de orientação dos tribunais na formulação das suas decisões, em particular quando se trata da jurisprudência dos tribunais superiores.
49. Deste modo, os elementos objectivos trazidos aos autos pelo caso concreto, a generalidade das decisões dos tribunais, os critérios de orientação previsto na lei apontam como justa e equitativa a quantia de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.
50. Deste modo, deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por douto acórdão que fixe em 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros) o montante de indemnização pelos danos sofridos pelo menor a título de danos morais, com as legais consequências.
51. Por fim, se se considerar a pretendida alteração da matéria de facto relativa ao facto 47. deverá a douta sentença ser alterada e, em consequência, a condenação passar a ser apenas após Agosto de 2020, seja quanto ao valor médio mensal de 2.500,00€, seja quanto ao valor médio mensal que venha a ser apurado em sede de incidente de liquidação, sempre com o limite temporal do transito em julgado da decisão.
52. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 496.º n.º 1, 562º, n.º 3, 564º, n.º 2 e 566.º n.º 3 do Código Civil
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA!
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Notificados das alegações de recurso interpostas pela R., apresentaram os AA. contra-alegações, que finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

I. A presente sentença, salvo devido respeito não merece censura.
II. Os factos, que a recorrente pretende alterar, não se baseiam em falta de prova ou prova produzida em sede de julgamento.
III. Nunca existiu quaisquer conclusões por parte do Tribunal a quo, sem estar alicerçadas em factos.
IV. O tribunal com a prova produzida, com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, com a convicção assente na certeza de cada facto que era produzido, à prova carreada, levou a uma certeza jurídica.
V. Para além disso, resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes, não aquilo que a recorrente pretende.
VI. Não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos.
VII. Ou seja, a lei impõe factos que possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas, reiterando não aquilo que a recorrente pretende.
VIII. A exigência de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto não deve ser meramente formal, passando sim pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido.
IX. E foi exactamente isso que o Meritíssimo juiz a quo fez!!!
X. Para alem do referido, toda a matéria explicita o local onde ocorreu o acidente, tendo os ora recorridos, explicado detalhadamente como ocorreu o acidente,
XI. Desconhecendo-se neste recurso ora interposto, qual ou quais os motivos que pendem a recorrente, a questionar a relevância do destino que o menor pretendia, seja para o campo, avós ou outro destino.
XII. O objecto de litigio é o atropelamento e danos corporais subjacentes ao mesmo.
XIII. E prova disso, é o questionado sobre se o condutor visualizou o menor.
XIV. Onde novamente o Tribunal, com base na prova produzida e declarações prestadas pelo próprio condutor, ficou convicto do seu distraimento ou desatenção, onde literalmente é referido que “o condutor do TM também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o”.
XV. É o próprio condutor/segurado da Ré, que afirma tal facto.
XVI. Para dissuadir a prova produzida, a recorrente alicerça-se em inúmeras contas matemáticas sobre distâncias percorridas por segundos.
XVII. Posto isto, e para a ponderação do quantum indemnizatório a título de défice funcional permanente e esperança média de vida, a recorrente veio apresentar uma mera espectativa de vida do menor.
XVIII. Ora, trata-se de um juízo futurista, e numa previsão que se desconhece, pelo que unicamente pretende reduzir-se uma indemnização.
XIX. Sendo o menor do sexo masculino a sua esperança de vida pauta-se nos 77 anos de idade.
XX. E dúvidas não resta, pela incapacidade do sinistrado, idade, e necessidades, que os € 2500 (dois mil e quinhentos euros) mensais, só ocorrem pelas diversas ajudas.
XXI. Caso contrário, eram completamente insuficientes.
XXII. Estamos perante um sinistrado, que pode ser medicamente denominado “vegetal”.
XXIII. Findo o referido pela recorrente, com toda a prova produzida, veio alegar culpa do sinistrado.
XXIV. Não restam dúvidas, que a sentença responde ao alegado, com base na prova e factos trazidos quer documentalmente, quer testemunhalmente.
XXV. A culpa, neste caso baseada no risco, foi produzida prova inequívoca da responsabilidade do condutor.
XXVI. O mesmo condutor, que afirma não ter visto um sinistrado, numa recta, com visibilidade, sem obstáculos e sem nada que impedisse a sua condução.
XXVII. Ou seja, num comportamento distraído e desatento.
XXVIII. Ora, dos autos, reitera-se que não se vislumbra qualquer culpa do menor pelo que a sua apelação deve improceder.
XXIX. Inclusive, o Meritíssimo Juiz a quo, fundamentou e bem, a exclusão de culpa do menor.
XXX. Por fim, não se vislumbra aquilo que a recorrente pretende, em concreto a prevista no art,º 491.º do Código Civil, insistindo na figura jurídica da Culpa in vigilando.
XXXI. Sabe a recorrente, que o campo de aplicação deste preceito não cobre situações como esta.
XXXII. Trata-se de uma norma que respeita apenas à imputação da responsabilidade pelos danos causados por pessoas que ainda não sejam dotadas de capacidade natural.
XXXIII. Ademais, a criança tinha, à data do acidente 11 anos de idade, pelo que sempre estaria afastada a presunção que consta do art. 488º do CC.
XXXIV. O preceito que, em tese, poderia ser convocado para a resolução do caso é o do art. 570º do CC que atribui relevo ao comportamento do lesado, em termos de distribuição, redução ou até exclusão da responsabilidade, quando o evento lesivo lhe seja causalmente imputado, no todo ou em parte.
XXXV. Essa causalidade recai em absoluto sobre o condutor do veículo, não havendo motivo algum para considerar que o modo como o menor atravessou a estrada, ainda que a correr, tenha representado a violação de alguma regra estradal e muito menos a sua violação causal.
XXXVI. Igualmente, nas circunstâncias que a matéria de facto reflete, não existe motivo algum para imputar à mãe da criança qualquer falha que tenha uma relação de causalidade adequada relativamente ao sinistro que veio a ocorrer.
XXXVII. Para além do que, decorre da legislação que regula a circulação nas vias públicas que, com as necessárias cautelas, cada utente (condutor, peão, etc.) deve cumprir o que corresponde à qualidade que detém (art. 3º, nº 2 do Cód. da Est.), tendo em atenção o dever geral de cuidado que implica que cada um se abstenha de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias.
XXXVIII. Por conseguinte e por tudo supra referido, as alegações apresentadas pela recorrente devem improceder.
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E MANTER-SE INALTERADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA.
ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA E SÃ JUSTIÇA
*

O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela subida dos autos a este Tribunal.
*

Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
 
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:

I) - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos pontos 14., 15., 22. e 47. do elenco de factos considerados provados e se adite um[2] novo facto (conclusões 1. a 25.);
II) - se reaprecie a decisão em conformidade com a pretendida alteração e mesmo que ela não ocorra sobre a responsabilidade na produção do acidente (conclusões 26. a 37.);
III)subsidiariamente, se reaprecie a questão do concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e responsabilidade do menor (conclusões 38. a 42.);
IV) - se reaprecie a decisão quanto ao valor dos danos (conclusões 43. a 51.).
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3 – OS FACTOS

1. Factos Provados:

Resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 6 de Julho de 2019, pelas 19.45 horas, ao Km 9.950 da Estrada ..., na União de Freguesias ..., ocorreu um acidente que consistiu no atropelamento do menor CC pelo veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TM, conduzido por EE;
2. No local do acidente a via era uma recta com uma visibilidade superior a 100 metros para os veículos que seguiam no sentido .../...;
3. Pese embora a hora em que ocorreu o acidente, atendendo à altura do ano ainda existia suficiente luminosidade;
4. O pavimento da via era em betuminoso e estava molhado;
5. A largura da via era de 6,40 metros;
6. A via era composta por duas faixas de rodagem que permitiam o transito em sentidos opostos;
7. As duas faixas de rodagem estavam separadas por uma linha descontínua;
8. Naquele local não era proibido o trânsito pedonal;
9. Tomando como referência o local onde ocorreu o acidente, não existia nenhuma passagem para peões a menos de 100 metros;
10. No local do acidente o limite de velocidade máxima para a circulação de veículos era de 70 Km/hora;
11. O menor seguia num veículo que era conduzido pela sua mãe;
12. Este veículo seguia no sentido .../...;
13. A mãe do menor imobilizou o veículo na berma da estrada, do lado direito da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha;
14. O veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, embora diminuta;
15. O menor saiu do veículo para ir a casa dos avós que residiam no outro lado da estrada;
16. Após sair do veículo, o menor dirigiu-se para a sua traseira;
17. O veículo era do tipo todo o terreno e, pela sua altura, não permitia que os condutores dos veículos que circulavam no sentido oposto se apercebessem da presença do menor junto à traseira;
18. O menor parou junto ao início da via e aguardou que passasse um veículo que seguia no sentido .../...;
19. Depois de este veículo passar o menor iniciou a travessia da via para o outro lado da estrada;
20. O menor iniciou a travessia da via a correr porque, para acautelar a sua segurança, pretendia demorar o menos tempo possível a chegar ao outro lado da estrada;
21. O menor não se apercebeu que o TM seguia na faixa de rodagem do lado oposto, no sentido .../...;
22. O condutor do TM também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o;
23. O embate ocorreu com a parte da frente do TM;
24. No momento do embate o menor já havia percorrido mais de metade da via;
25. O menor iniciou a travessia da via sem o auxílio de uma pessoa adulta, designadamente a sua mãe;
26. O TM seguia a uma velocidade não superior a 70 Km/hora;
27. Em consequência do acidente o menor sofreu um traumatismo crâneo-encefálico grave e fractura dos ramos íleo e ísqueo púbicos à esquerda;
28. Após o acidente, o menor foi transportado de ambulância para o Hospital ..., no ...;
29. Neste hospital, o menor foi submetido a uma intervenção neurocirúrgica;
30. O menor foi depois submetido a uma intervenção cirúrgica de craniotomia descompressiva e a uma nova intervenção cirúrgica para encerramento da craniotomia;
31. O menor foi submetido a tratamento conservador às fracturas pélvicas;
32. O menor ficou internado na unidade de cuidados intensivos durante um mês e posteriormente no serviço de pediatria;
33. O menor teve alta hospitalar no dia 3 de Março de 2020;
34. A alta hospitalar foi concedida com as seguintes recomendações:
- Manter programa de reabilitação de manutenção em ambulatório em instituição na área de residência, com apoio de médico fisiatra nas seguintes valências: fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala;
- Ser orientado pelo médico de família para consultas de ortopedia infantil do Centro Materno Infantil do ... da coluna, joelho, tornozelo e pé;
- Manter a medicação actual;
- Manter o seguimento nas consultas habituais.
35. Após a alta, o menor foi transferido para o Centro de Reabilitação ... onde permaneceu internado durante seis meses;
36. O menor continuou a ser submetido a terapias e teve consultas médicas de diferentes especialidades;
37. Actualmente, o menor mantém tratamento fisiátrico ambulatório na área da residência;
38. Após o acidente o menor entrou em coma e manteve-se neste estado durante dois meses;
39. Depois de deixar de estar em coma, o menor sentiu dores pelas lesões que sofreu em consequência do acidente e nos tratamentos a que foi submetido;
40. O menor ficou a padecer de uma tetraparesia espástica grave, com deformidades irredutíveis dos membros superiores e inferiores que necessitam de tratamento fisiátrico para evitar o agravamento, e de uma escolisose postural, sem controlo muscular do tronco;
41. Como consequência directa e necessária do acidente, o menor ficou a padecer das seguintes sequelas:
- Período de défice funcional temporário total de 604 dias;
- Período de repercussão temporária na actividade profissional total de 604 dias;
- Data da consolidação médico legal das lesões fixável em 29 de Janeiro de 2021;
- Quantum doloris de grau 7/7;
- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos;
- As sequelas são impeditivas de qualquer actividade profissional;
- Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7;
- Repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7;
- Dano estético permanente de grau 6/7;
- Necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa.
42. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos;
43. O menor necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene;
44. O menor desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma;
45. O menor não consegue participar nas rotinas domésticas e lúdicas;
46. Antes do acidente, o menor era um aluno regular e frequentava várias actividades extracurriculares como o desporto, a dança e a música;
47. Desde a data do acidente, os pais do menor despenderam em tratamentos a quantia média mensal de € 2.500,00;
48. Desde a data do acidente, a mãe do menor deixou de trabalhar para se dedicar exclusivamente aos cuidados do menor;
49. Esta situação mantém-se actualmente;
50. A mãe do menor trabalhava numa empresa familiar ligada à área da confecção e auferia o salário mensal de € 635,00;
51. Até à propositura da acção, a mãe do menor deixou de auferir a quantia de € 21.590,00 a título de salários e subsídios de Natal e férias;
52. Os pais do menor despenderam a quantia de € 20.000,00 na aquisição de uma viatura com condições para ser adaptada para o transportar;
53. A adaptação desta viatura para o transporte do menor será suportada pela Segurança Social;
54. O menor nasceu no dia ../../2007;
55. A responsabilidade civil pela circulação do TM estava transferida para a ré por contrato de seguro que era válido e eficaz na altura do acidente, titulado pela apólice nº ...65;
56. Os autores intentaram contra a ré o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória nº353/21.... do Juízo Central Cível de Braga (Juiz ...).
*
2. Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes:
1. O menor iniciou a travessia da via a correr de forma inadvertida e sem prestar atenção ao trânsito;
2. O condutor do TM conduzia o veículo sem prestar atenção;
3. O custo médio mensal da ajuda de uma terceira pessoa para o menor é de cerca de € 1.000,00;
4. Tendo em conta o horário normal de trabalho de oito horas diárias, o menor necessita da ajuda de duas pessoas.
*
3. Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção no depoimento de parte da mãe do menor, no depoimento das testemunhas ouvidas, no exame médico que foi realizado e nos documentos juntos aos autos.
Os factos relativos às condições da via no local onde ocorreu o acidente resultam da participação de acidente de viação que foi elaborada pela Guarda Nacional Republicana (cfr. fls. 168 verso). Estes factos também foram confirmadas pelas testemunhas EE, que era o condutor do veículo seguro na ré, FF, que era o condutor de um veículo que seguia no mesmo sentido deste veículo, GG, que era o condutor de um veículo que seguia no sentido contrário ao veículo seguro na ré, JJ, que foi o elemento da Guarda Nacional Republicana que se deslocou ao local após o acidente, e KK, que fez a averiguação do sinistro a pedido da ré.
Os factos relativos à forma como ocorreu o acidente foram confirmados pela mãe do menor no seu depoimento de parte, pela testemunha DD, que era a avó do menor e estava junto ao local quando ocorreu o acidente, e pelas testemunhas EE, FF e GG.
O aspecto essencial que foi discutido consistiu em saber se o menor procedeu ao atravessamento da via a correr.
Este facto foi confirmado pelas testemunhas FF e GG. Estas testemunhas afirmaram que 'a criança passou a correr' e 'eu passei e ele lançou-se logo à estrada em corrida'.
Todavia, o tribunal também considerou provado que tal aconteceu porque, para acautelar a sua segurança, o menor pretendia demorar o menos tempo possível a chegar ao outro lado da estrada e não porque procedeu à travessia da via de forma inadvertida e sem prestar atenção ao trânsito. A testemunha GG conduzia um veículo que seguia no sentido contrário ao veículo seguro na ré. Esta testemunha afirmou que o menor saiu do veículo que era conduzido pela sua mãe e ficou a aguardar junto à traseira deste veículo para que o veículo que conduzia passasse, tendo iniciado a travessia da via somente depois de passar. Esta versão foi confirmada pela testemunha FF que conduzia um veículo que seguia no mesmo sentido do veículo seguro na ré. Uma pessoa que para junto à faixa de rodagem, aguarda que passe um veículo e inicia o atravessamento a correr não o faz por inadvertência ou desatenção, mas porque considera que pode atravessar naquele momento e pretende fazê-lo rapidamente precisamente para evitar um acidente. O depoimento das testemunhas GG e FF conjugado com as regras da experiência não permite outra conclusão (art. 607º nº4 do Cód. de Processo Civil).
Importa ainda referir que as testemunhas EE, GG e FF em momento algum atribuíram o acidente ao facto de o menor ter atravessado a via de forma inadvertida e sem prestar atenção ao trânsito, mas apenas ao facto de não se ter apercebido do veículo seguro na ré. A testemunha EE afirmou claramente que 'penso que a criança não me viu. Se me visse aquela criança não tinha passado'. Por seu lado, a testemunha FF afirmou que 'a criança não viu o carro'.
O tribunal considerou provado que o veículo que era conduzido pela mãe do menor era do tipo todo o terreno porque este facto foi confirmado pela mãe do menor no seu depoimento de parte.
O tribunal considerou provado que, pela sua altura, este veículo não permitia que os condutores dos veículos que circulavam no sentido oposto se apercebessem da presença do menor junto à traseira conjugando as medidas normais de um veículo daquele tipo e altura média de um menor de 11 anos.
O tribunal considerou provado que o veículo seguro na ré seguia a uma velocidade não superior a 70 Km/hora porque este facto foi confirmado pelas testemunhas GG e FF. Acresce que os autores solicitaram a elaboração de um estudo sobre o acidente que também concluiu neste sentido (cfr. fls. 22 verso a 27 verso).
O tribunal não considerou provado que o condutor do veículo seguro na ré conduzia o veículo sem prestar atenção porque nenhuma prova foi produzida neste sentido.
A factualidade relativa aos danos que foram causados pelo acidente resulta do exame médico que foi realizado e dos documentos juntos autos (cfr. fls. 16 verso a 22, 28 a 99, 102 a 161, 201 a 204, 208 a 214 verso, 219 verso a 223). Estes factos também foram descritos pela mãe do menor, pela testemunha DD e pelas testemunhas LL, avó do menor, e MM e NN, pessoas que conheciam o menor.
O tribunal considerou provado que depois de deixar de estar em coma o menor sentiu dores pelas lesões que sofreu em consequência do acidente e nos tratamentos a que foi submetido porque no relatório do exame médico que foi realizado consta que o menor 'revela ter reacção indirecta à dor através de movimentos de espasticidade ocasionais no caso de se sentir desconfortável' (cfr. fls. 221).
O tribunal não considerou provado que o custo médio mensal da ajuda de uma terceira pessoa para o menor é de cerca de € 1.000,00 e que, tendo em conta o horário normal de trabalho de oito horas diárias, o menor necessita da ajuda de duas pessoas porque nenhuma prova foi produzida neste sentido.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I - Da alteração da matéria de facto

Aludindo a terem sido incorrectamente julgados, diverge a apelante R. da decisão da matéria de facto quanto ao decidido nos pontos 14., 15., 22. e 47. do elenco de factos considerados provados, pretendendo ainda que se adite um novo facto.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, indicando as passagens da gravação do depoimento de parte da ora apelada e de diversas testemunhas, bem como dos documentos em que se funda o seu recurso.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1). 
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.  
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. 
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.     
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”[3].
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela[4].
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência”[5] .
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC –, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela[6].
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.  
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
*
Como já referido supra, pretende a apelante R. a alteração da decisão da matéria de facto quanto ao decidido nos pontos 14., 15., 22. e 47. do elenco de factos considerados provados, pretendendo ainda que se adite um novo facto. Isto porque entende que a prova produzida no decurso da acção impunha decisão diversa da proferida quanto a tais factos. 
*
Vamos começar pelo ponto 14. dos factos provados.
A sentença ora impugnada considerou provado que:
14. O veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, embora diminuta;
Motivando tal decisão, o tribunal considerou o que supra se transcreveu, aqui dado por reproduzido.
A apelante pretende que tal facto passe a ter o seguinte teor: o veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, de, pelo menos, cinquenta centímetros. Para tanto, alega que a expressão final “embora diminuta” traduz uma conclusão e não um facto, e que da análise do Croqui constante do Auto de Participação de Acidente de Viação (documento n.º 1 junto com a Contestação), considerando as medições a que respeitam as letras ... e ..., verifica-se que o veículo se encontrava a, pelo menos, cinquenta centímetros dentro da faixa de rodagem (cfr. conclusões 3. a 6.).
Quid iuris?

Ora, diga-se desde, já que se nos afigura ter aqui razão a recorrente, pois não só a expressão final “embora diminuta” traduz uma conclusão e não um facto, que nada elucida, como, vistos os autos e revisitada a respectiva prova produzida, resulta da análise do Croqui constante do Auto de Participação de Acidente de Viação (documento n.º 1 junto com a Contestação), que o veículo se encontrava a, pelo menos, cinquenta centímetros dentro da faixa de rodagem.
Como assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo, depois de devidamente ponderados, entende-se que o ponto 11. dos factos provados deve passar a ter o seguinte teor:
14. O veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, de, pelo menos, cinquenta centímetros;
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Vejamos, agora, o ponto 15. dos factos provados.
A sentença ora impugnada considerou provado que:
15. O menor saiu do veículo para ir a casa dos avós que residiam no outro lado da estrada;
Motivando tal decisão, o tribunal considerou o que supra se transcreveu, aqui dado por reproduzido.
A apelante pretende que tal facto passe a ter o seguinte teor: o menor saiu do veículo para ir entregar umas chaves à avó que se encontrava num terreno no outro lado da estrada. Para tanto, alega ter sido o que resulta do depoimento de parte prestado pela apelada AA e do depoimento da testemunha DD (cfr. conclusões 3., 7. e 8.).
Com o que discordam os recorridos, que questionam a relevância do destino que o menor pretendia, seja para o campo, avós ou outro destino, uma vez que o objecto de litigio é o atropelamento e danos corporais subjacentes ao mesmo.
Quid iuris?

O complemento a esclarecer o ponto 15. dos factos provados que a recorrente pretende, como bem observam os recorridos, é totalmente irrelevante para a decisão da causa. Aliás, a recorrente nem retira qualquer ilação da sua pretensão, que a torna inteiramente inútil. Acto inútil, que o Tribunal não pode/deve praticar – art. 130º do CPC.
Como assim, nada há aqui a alterar.
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Vejamos, agora, o ponto 22. dos factos provados.
A sentença ora impugnada considerou provado que:
22. O condutor do TM também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o;
Motivando tal decisão, o tribunal considerou o que supra se transcreveu, aqui dado por reproduzido.
A apelante entende que tal facto não deveria resultar provado e, em sua substituição, propõe-se que se dê como provado que “no momento em que o menor inicia a travessia, o veículo TM encontrava-se a menos de 30 metros do local do sinistro”. Para tanto, alega que tal facto não espelha qualquer factualidade, sendo antes um juízo conclusivo e, por esse motivo, deverá ser eliminado. Juízo este que advém da circunstância do veículo TM se encontrar muito próximo do local onde o atropelamento ocorreu e não por qualquer outra circunstância, desde logo, distração. O que, em boa medida, decorre já dos factos 16. a 20. e 26. dados como provados e é, depois, corroborado pelas três testemunhas presenciais do sinistro ouvidas em julgamento, a que acresce os esclarecimentos do responsável pela elaboração do relatório de fls. 22 verso a 27 verso (cfr. conclusões 3. e 9. a 19.).
Com o que discordam os recorridos, que lembram ter sido o próprio condutor/segurado da Ré, que afirma tal facto.
Quid iuris?

Quanto à questão aqui suscitada, diga-se, desde já, que se discorda que o ponto 22. não espelhe qualquer factualidade, sendo antes um juízo conclusivo. Com efeito, sendo os factos conclusivos aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa, tal não ocorre in casu. Diga-se, ainda, que os “factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum[7]. O que não é o caso. Tratando-se antes de um linear facto objectivo e o reverso do ponto 21. relativo ao menor[8], que a recorrente não questiona. Já quanto ao facto que a recorrente pretende que seja aditado em sua substituição, como a própria reconhece, decorre já dos factos 16. a 20. e 26. dados como provados, e quanto à concretização da distância - encontrar-se a menos de 30 metros -, não sendo elucidativo, não passa de um valor especulativo adiantado no depoimento de uma das testemunhas inquiridas, in casu, HH, o que também não seria suficiente e bastante para se dar tal como assente. Acresce que, in casu, a fixação especulativa da concreta distância relativamente ao veículo TM no momento em que o menor inicia a travessia, atendendo a que nem o menor se apercebeu que o TM seguia na faixa de rodagem (facto 21.), nem o condutor do TM se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem (facto 22.), não tem qualquer pertinência para a decisão.
Não sendo, pois, de acolher a pretensão da recorrente.
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Vejamos, agora, o novo facto que a R. pretende que seja aditado e relativo à esperança média de vida do menor, para o qual propõe o seguinte teor:
Por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos.
Para tanto, alega ter tal facto resultado do depoimento da testemunha II (cfr. conclusões 3., 20. e 21.). Justificando a pertinência do facto, por o Tribunal a quo, aquando da ponderação do quantum indemnizatório a título de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica teve em consideração, entre outros dados, o tempo de vida que ainda resta ao lesado e, para tanto, recorreu ao elemento estatístico da esperança média de vida que cifrou em 77 anos para os homens.
Com o que discordam os recorridos, que alegam que, para a ponderação do quantum indemnizatório a título de défice funcional permanente e esperança média de vida a recorrente veio apresentar uma mera espectativa de vida do menor. Ora trata-se de um juízo futurista, e numa provisão que se desconhece, pelo que unicamente pretende reduzir-se uma indemnização.
Quid iuris?

Quanto à questão aqui suscitada, o facto proposto, com o factor aleatório que encerra, é objectivo e resultou provado. Relativamente à sua pertinência, tal questão contende já com a reapreciação da decisão propriamente dita, para onde se relega.
Como assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo, depois de devidamente ponderados, entende-se ser de aditar um novo facto, que será o ponto 57., com o seguinte teor:
57. Por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos.
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Vejamos, finalmente, o ponto 47. dos factos provados.
A sentença ora impugnada considerou provado que:
47. Desde a data do acidente, os pais do menor despenderam em tratamentos a quantia média mensal de € 2.500,00;
Motivando tal decisão, o tribunal considerou o que supra se transcreveu, aqui dado por reproduzido.
A apelante pretende que tal facto passe a ter o seguinte teor: desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada. Para tanto, alega que não só as despesas com tratamentos não se iniciaram após o acidente, como não resultou provado que a quantia média mensal se cifrava em €2.500,00. Para tanto, deverá considerar-se que o menor esteve internado até ao dia ../../2020 (facto 33.) e, depois, foi transferido para o Centro de Reabilitação ... onde permaneceu durante seis meses (facto 35.). Ou seja, de Julho de 2019 a Agosto de 2020 o menor esteve internado, sendo que, nesse período, os pais não suportaram despesas mensais (cfr. conclusões 3. e 22. a 25.).
Com o que discordam os recorridos, que lembram não haver dúvidas que, pela incapacidade do sinistrado, idade, e necessidades, que os € 2500 (dois mil e quinhentos euros) mensais, só ocorrem pelas diversas ajudas, pois, caso contrário, eram completamente insuficientes.
Quid iuris?

Vistos os autos e revisitada a respectiva prova produzida, afigura-se-nos ter razão a recorrente, pois não só as despesas que os pais do menor suportaram com este só começaram após a sua alta hospitalar ocorrida em Agosto de 2020, como, aliás, é balizado na decisão recorrida[9], como o valor de € 2.500/mês não se mostra minimamente fundamentado.
Assim, tendo os AA. feito prova dos pressupostos necessários à procedência da sua pretensão indemnizatória, só está por liquidar o montante da indemnização, para cujo cálculo se deverá recorrer ao art. 564º do CC, prevendo-se no nº 2 desse preceito legal que o tribunal possa remeter a fixação da indemnização correspondente para decisão ulterior. É que na ausência de elementos que permitam estabelecer a indemnização devida, a fixação do valor correspondente é remetida para uma decisão ulterior. O regime prossegue uma melhor adequação da sentença à realidade, atribuindo prevalência à averiguação dos danos em alternativa a uma fixação equitativa imediata da indemnização.
Como assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo são insuficientes para contabilizar nesta altura o valor despendido pelos pais do menor em tratamentos, mesmo em termos equitativos, entende-se que o ponto 47. dos factos provados deve passar a ter o seguinte teor:
47. Desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada;
*

II – Reapreciação da decisão quanto à responsabilidade na produção do acidente

Vejamos, agora, a reapreciação da decisão de mérito da acção quanto ao aspecto da culpa e consequente responsabilidade pelo acidente, que consta do ponto II) do recurso da R.
Ora, atendendo a que a matéria de facto, nesta parte, não sofreu qualquer alteração, prejudicada fica a reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração.
Restando, pois, reapreciar a decisão, independentemente de não haver qualquer alteração da matéria de facto.
Entendeu o Tribunal a quo na decisão sub judice, que o acidente deve ser imputado exclusivamente à responsabilidade pelo risco do condutor do veículo seguro na ré, pois, não tendo o condutor violado qualquer norma estradal, não pode afirmar-se a existência de uma conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré, o que afasta a sua responsabilidade com fundamento na culpa, nos termos do art. 483º nº1 do Cód. Civil; e, tendo-se o menor certificado previamente de que podia atravessar a via sem perigo, tendo parado junto à traseira do veículo que era conduzido pela sua mãe e deixado passar um veículo que seguia no sentido .../..., adoptando, pois, todos os cuidados que eram exigíveis para o atravessamento da via, não se pode afirmar a existência de uma conduta ilícita nem culposa do menor. Tendo também afastado a presunção da responsabilidade dos pais, resultante da culpa in vigilando[10], que entendeu não ser aqui aplicável, seja pela idade do menor, seja por não ter ficado demonstrado qualquer incumprimento do dever de vigilância pelos pais do menor. Concluindo ter resultado da matéria de facto provada que o acidente foi causado por dois factores de infortúnio que lamentavelmente se conjugaram. De um lado, o menor que não se apercebeu que o veículo seguro na ré seguia na faixa de rodagem do lado oposto. Do outro lado, o condutor do veículo seguro na ré que não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e acabou por atropela-lo.
Mas rememoremos a decisão recorrida nesta parte:
O acidente consistiu no atropelamento do filho menor dos autores pelo veículo seguro na ré. Na altura do acidente o menor tinha a idade de 11 anos. O menor seguia num veículo que era conduzido pela sua mãe. A mãe do menor imobilizou o veículo na berma da estrada, do lado direito da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha. O veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem, embora diminuta. O menor saiu do veículo para ir a casa dos avós que residiam no outro lado da estrada. Após sair, o menor dirigiu-se para a traseira do veículo. O veículo era do tipo todo o terreno e, pela sua altura, não permitia que os condutores dos veículos que circulavam no sentido oposto se apercebessem da presença do menor junto à traseira. O menor parou junto ao início da via e aguardou que passasse um veículo que seguia no sentido .../.... Depois de este veículo passar o menor iniciou a travessia da via para o outro lado da estrada. O menor iniciou a travessia da via a correr porque, para acautelar a sua segurança, pretendia demorar o menos tempo possível a chegar ao outro lado da estrada. O menor não se apercebeu que o veículo seguro na ré seguia na faixa de rodagem do lado oposto, no sentido .../.... O condutor do veículo seguro na ré também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o. O veículo seguro na ré seguia a uma velocidade não superior a 70 Km/hora que era permitida no local do acidente.
Atendendo a esta factualidade, entendemos que não pode afirmar-se a existência de uma conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré, o que afasta a sua responsabilidade com fundamento na culpa, nos termos do art. 483º nº1 do Cód. Civil. Este condutor não violou qualquer norma estradal, designadamente a relativa ao limite de velocidade, e, atendendo à forma como ocorreu o acidente, não lhe era exigível que actuasse de outro modo.
Porém, resta a responsabilidade pelo risco prevista no art. 503º nº1 do Cód. Civil, porquanto o condutor do veículo seguro na ré tinha a direcção efectiva do veículo e o atropelamento de um peão é um acidente que se insere nos riscos próprios da sua circulação[11].
Nos termos do art. 505º do Cód. Civil, a responsabilidade pelo risco é excluída quando o acidente foi imputável ao próprio lesado ou a terceiro.
Para este efeito não se exige que a conduta do lesado ou do terceiro seja culposa porque está em causa fundamentalmente um critério de causalidade, mas exige-se que o acidente resulte unicamente da sua conduta.
Neste sentido pode ver-se RAÚL GUICHARD ALVES para quem 'quando houver concorrência de causalidade em relação ao dano entre o facto (não culposo) do lesante - a condução do veículo - e do lesado, embora a lei não o expresse, a responsabilidade não estará afastada'[12].
Entendia-se que uma conduta culposa do lesado ou do terceiro determinava imediatamente a exclusão da responsabilidade pelo risco. Este entendimento deve considerar-se afastado, admitindo-se actualmente o concurso entre a responsabilidade pelo risco e a culpa do lesado ou do terceiro[13]. De acordo com o entendimento actual, a responsabilidade pelo risco apenas deve considerar-se excluída se o acidente for imputável exclusivamente a uma conduta culposa do próprio lesado ou do terceiro.
Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2019, no qual ser afirma que 'fazendo uma referência à história da norma, dir-se-á que, numa primeira fase, ela foi interpretada no sentido de que bastava o acidente ser imputável, em termos de culpa ou mesmo de mera causalidade, ao próprio lesado ou a terceiro para ficar excluída a responsabilidade pelo risco. Paulatinamente, porém, esta interpretação foi sendo posta em causa, firmando-se, em alternativa, tanto na doutrina como na jurisprudência, a tese da admissibilidade do concurso da culpa do lesado com o risco do veículo. De acordo com ela, a responsabilidade pelo risco só deve ser afastada quando o acidente for imputável, em exclusivo, ao próprio lesado ou a terceiro ou resultar, em exclusivo, de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo'[14].
Estando em causa acidentes com menores estes critérios devem ser menos exigentes. Os menores caracterizam-se por uma fragilidade pessoal que decorre da imaturidade, da espontaneidade, da imprevisibilidade ou da falta de concentração. Embora com diferentes graduações em função da idade, considera-se que estas características abrangem as crianças, os pré-adolescentes e os adolescentes. A fragilidade pessoal dos menores não pode deixar de ser considerada na formulação do um juízo de reprovabilidade pessoal sobre a sua conduta. No essencial, deve entender-se que apenas têm relevância condutas dos menores que demonstrem uma culpa grave e tenham sido a causa única ou principal do acidente.
Neste sentido pode ver-se JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA para quem relativamente aos menores apenas têm relevância 'condutas conscientes do lesado, reveladoras de um desleixo manifesto com a sua própria protecção'[15].
Este entendimento tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência, servindo de exemplo o Ac. da Relação de Guimarães de 15 de Setembro de 2022, que a propósito de um acidente de viação com um menor decidiu que 'há que considerar que as crianças, enquanto à margem da consciência do perigo do tráfego e mais frágeis, obrigam a uma protecção maior enquanto vítimas de danos, resultantes, muitas vezes, de reacções defeituosas ou pequenos descuidos, de comportamentos reflexivos ou necessitados ou de condutas sem consciência do perigo, a cuja danosidade não é alheio o próprio risco da condução'[16].
A fragilidade dos menores foi reconhecida pelo legislador no art. 488º nº2 do Cód. Civil, que estabeleceu uma presunção de falta de imputabilidade dos menores de sete anos, e no art. 11º nº3 do Cód. da Estrada, que reconheceu a necessidade de uma protecção adicional dos condutores para com as pessoas vulneráveis e incluiu nesta categoria as crianças.
Também tem sido defendida uma alteração do modelo da responsabilidade civil nos casos de acidentes de viação no sentido de uma análise mais centrada no lesado e na reparação dos danos, em detrimento de uma análise centrada no lesante ou no evento danoso. Esta alteração foi impulsionada pela legislação europeia em matéria de responsabilidade civil e seguro obrigatório, especialmente pela Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa ao seguro de responsabilidade civil pela circulação de veículos automóveis.
Analisando esta questão pode ver-se JOÃO BERNARDO que num estudo sobre a maior favorabilidade concedida ao lesado na responsabilidade civil afirma que 'o lesado não pode ser deixado numa relação de equidistância com o lesante. A proliferação intensa dos seguros contribui para a aceitação da favorabilidade (…). Mas o que não podemos ignorar é que a ideia de culpa, como pilar da responsabilidade civil, se vai esbatendo. A própria visão de procurar no comportamento humano a reprovabilidade vai cedendo em favor da solução justa de cada situação. O que aconteceu releva menos perante o que se deve fazer face ao que aconteceu'.
Referindo-se aos acidentes de viação com menores, este autor afirma que 'no caso de sinistrados com pouca idade, foi-se mesmo rompendo com a visão tradicional de apreciar o seu comportamento em termos de culpa, incluindo nesta a violação das normas estradais, para, passando mesmo à margem da culpa in vigilando, se almejar a indemnização pelo risco de circulação do veículo'[17].
Esta alteração do modelo da responsabilidade civil reflecte-se necessariamente no critério para a determinação da culpa do lesado, sob pena de a favorabilidade que lhe deve ser reconhecida ser esvaziada pelo entendimento de que perante uma qualquer falha na sua conduta se verifica uma situação de culpa grave que exclui a responsabilidade pelo acidente e a reparação dos danos.
Neste sentido pode ver-se CARLOS LOPES DO REGO que a propósito do concurso entre a responsabilidade pelo risco e a culpa do lesado afirma que não deve adoptar-se um critério de culpa grave excessivamente exigente, 'correndo-se o risco de, na prática, acabar por esvaziar o efeito útil do novo entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do binómio risco/culpa do lesado, por todas as infracções e omissões do dever de cuidado acabarem por ser configuradas como implicando, em última análise, culpa grave susceptível de funcionar como causa exclusiva do acidente'[18].
No mesmo sentido é particularmente expressivo o entendimento de MARIA DA GRAÇA TRIGO para quem 'sempre que o veículo se encontre em circulação, a respectiva força cinética faz com que seja causa adequada dos danos ocorridos, mesmo que a conduta do lesado, culposa ou não, tenha sido concausal em relação ao acidente (…). Na verdade, apenas se poderá defender a inexistência de causalidade adequada por parte do veículo nas hipóteses de veículos estacionados ou simplesmente parados no trânsito (com ou sem condutor), nas quais a ausência de força cinética faça com que os veículos não constituam fonte de qualquer perigo específico'.
A autora acrescenta que 'no plano da relação causal entre o risco comum inerente à circulação de veículos e os danos sofridos por peões e passageiros (…), não se pode negar que a força cinética de um veículo automóvel constitui causa adequada de parte significativa dos danos, pelo que a redução da indemnização devido à conduta concausal do lesado teria de ser limitada a uma percentagem diminuta'[19].
No caso dos autos, entendemos que não pode afirmar-se a existência de uma conduta ilícita do menor.
O atravessamento da via pelos peões é regulado no art. 101º do Cód. da Estrada. Este preceito dispõe que os peões podem atravessar a via nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem quando não exista nenhuma passagem a uma distância inferior a 50 metros. Os peões não podem atravessar a via sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respetiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente e devem fazer o atravessamento o mais rapidamente possível.
O atravessamento da via no local do acidente era permitido, uma vez que não existia uma passagem para peões a menos de 100 metros. O menor certificou-se previamente de que podia atravessar a via sem perigo, tendo parado junto à traseira do veículo que era conduzido pela sua mãe e deixado passar um veículo que seguia no sentido .../.... O menor procedeu ao atravessamento da via o mais rapidamente possível, tendo-o feito a correr. Cremos que esta conduta cumpre integralmente as exigências do art. 101º do Cód. da Estrada, não sendo passível de um juízo de ilicitude[20].
Entendemos também que não pode afirmar-se a existência de uma conduta culposa do menor.
A culpa consiste num juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente porque, em face das circunstâncias em que ocorreu o evento danoso, podia ter agido de outro modo. O critério para apreciação da culpa é o do bonus paterfamilias que corresponde ao critério de actuação das pessoas médias ou ao padrão das pessoas medianamente diligentes e cuidadosas (art. 487º nº2 do Cód. Civil)[21]. No que respeita à negligência, deve entender-se que a culpa consiste numa conduta baseada em 'leviandade, precipitação, desleixo ou incúria'[22].
O menor adoptou todos os cuidados que eram exigíveis para o atravessamento da via. Com efeito, parou junto à via antes de iniciar o atravessamento, certificou-se dos veículos que se aproximavam, tendo aguardado que passasse um veículo que seguia no sentido .../..., e apenas iniciou a travessia da via depois de este veículo passar. É certo que atravessou a via a correr, mas fê-lo para acautelar a sua segurança, demorando o menos tempo possível a chegar ao outro lado da estrada, e não por qualquer leviandade, precipitação, desleixo ou incúria. Também é certo que o menor não se apercebeu que o veículo seguro na ré seguia na faixa de rodagem oposta. Contudo, tal não resultou de falta de cuidado, antes se tratou de uma mera desatenção momentânea que ocorreu com o menor como podia ter ocorrido com qualquer outra pessoa.
Importa salientar que o caso dos autos é muito diferente de outros que têm sido apreciados na jurisprudência em que um menor atravessa a via a correr sem qualquer cuidado antes de iniciar o atravessamento e sem se certificar minimamente de que não se aproxima qualquer veículo, como acontece, por exemplo, com os menores que estão a correr atrás de uma bola, seguem de bicicleta distraídos ou estão distraídos com amigos e atravessam a via.
A conclusão que resulta da matéria de facto provada é que o acidente foi causado por dois factores de infortúnio que lamentavelmente se conjugaram. De um lado, o menor que não se apercebeu que o veículo seguro na ré seguia na faixa de rodagem do lado oposto. Do outro lado, o condutor do veículo seguro na ré que não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e acabou por atropelá-lo.
A ré sustenta que deve considerar-se que o acidente se presume da responsabilidade dos pais do menor por aplicação do disposto no art. 491º do Cód. Civil.
Este preceito dispõe que as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.
Esta presunção não é aplicável aos presentes autos porque, tendo o menor a idade de 11 anos quando ocorreu o acidente, não era uma pessoa com incapacidade natural para proceder ao atravessamento da via sem a vigilância dos pais[23]. Esta conclusão não é contraditória com a circunstância de a culpa do menor dever ser apreciada de forma menos exigente atendendo às especificidades da sua idade. Uma coisa é afirmar-se que o menor não tinha capacidade para proceder ao atravessamento da via. Outra coisa é afirmar-se que o fazia nas mesmas condições de uma pessoa adulta.
A isto acresce que não ficou demonstrado qualquer incumprimento do dever de vigilância pelos pais do menor. É certo que a mãe do menor estava no local e não o acompanhou no atravessamento da via. Todavia, não é normal que os pais acompanhem um filho de 11 anos quando está a atravessar uma via de trânsito, sendo certo que para este efeito deve atender-se a um critério de normalidade. Naquelas circunstâncias qualquer pai ou mãe teria adoptado a mesma conduta da mãe do menor, excepto se fosse uma pessoa especialmente cuidadosa ou, se preferirmos, um diligentissimus paterfamilias.
Entendemos, assim, que o acidente deve ser imputado exclusivamente à responsabilidade pelo risco do condutor do veículo seguro na ré.
Ora, perante a dinâmica do acidente apurada, quanto a esta questão da responsabilidade na produção do acidente, entende-se não ser de introduzir qualquer alteração à decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Não merecendo, pois, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo. Apenas se conjecturando qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice, caso ocorresse alteração da matéria de facto.
Concluiu-se, pois, assertivamente pela imputação do acidente exclusivamente à responsabilidade pelo risco do condutor do veículo seguro na R.
Efectivamente, não sendo aqui aplicável a culpa in vigilando da mãe do menor, seja pela idade deste, com mais de 7 anos - a norma do art. 491º do CC trata-se de uma norma que respeita apenas à imputação da responsabilidade pelos danos causados por pessoas que ainda não sejam dotadas de capacidade natural -, seja porque não ficou demonstrado, in casu, qualquer incumprimento do dever de vigilância, também não se apurou que tivesse havido qualquer violação de norma estradal por parte do condutor do veículo seguro na R. que o pudesse responsabilizar, com fundamento na culpa, pela ocorrência do acidente, nem a existência de qualquer conduta ilícita e culposa por parte do menor, que se certificou previamente ao atravessamento da via. E tendo-se apurado que nem o menor viu o veículo, nem o condutor do veículo viu o menor, é apropriada a conclusão de que o acidente foi causado por dois factores de infortúnio que lamentavelmente se conjugaram. De um lado, o menor que não se apercebeu que o veículo seguro na ré seguia na faixa de rodagem do lado oposto. Do outro lado, o condutor do veículo seguro na ré que não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e acabou por atropela-lo. Não sendo adequada, nem fazendo qualquer sentido, quando não se apurou, a indagação especulativa por uma explicação para que nem o condutor do veículo seguro na R., nem o menor, não se tenham avistado previamente ao acidente. Se nada se apurou, pretender justificar em hipotética distração o facto de nenhum dos intervenientes se ter avistado previamente ao acidente, é especulativo e incorrecto.
Assim, improcedendo os fundamentos do recurso nesta parte da responsabilidade pela produção do acidente, é de manter a mesma na sentença recorrida.
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III – Reapreciação subsidiária da questão do concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e responsabilidade do menor

Vejamos, agora, a reapreciação subsidiária da questão do concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e responsabilidade do menor. Com efeito, pretende a recorrente nas suas conclusões 38. a 42., que se considere o concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e a responsabilidade do menor, ex vi regime do artigo 570.º, incluindo aqui também a culpa da mãe no dever de vigilância. Isto admitindo o concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e a responsabilidade do menor, ex vi regime do artigo 570.º, incluindo aqui também a culpa da mãe no dever de vigilância.
Não se desconhecendo, como já plasmado no Ac. do STJ de 17-10-2019[24], que tradicionalmente, desvalorizando o elemento literal que decorre do direito substantivo civil, se entendia que não era legalmente admissível o concurso do risco do lesante com a culpa do lesado, invocando, para o efeito o regime jurídico decorrente do nº 2 do art. 570º do CC, está actualmente firmada no Supremo Tribunal de Justiça uma interpretação não mecânica do art. 505º do CC no sentido de que não implica “uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura. Porém, tal não implica que, por si só e de forma imediata, se responsabilize o detentor efectivo do veículo (e respectiva seguradora) pelos danos sofridos pelo lesado, implicando sim que, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa.
Debruçando-nos, agora, sobre o caso presente, como já dissemos supra, da factualidade apurada, sem o recurso a inadequada especulação, não é possível conferir qualquer contribuição ao lesado pelo acidente, que se certificou previamente ao atravessamento da via, sendo que, como também já vimos, não é aqui aplicável a culpa in vigilando da mãe do menor.
Logo, também aqui improcedem os argumentos da R. recorrente, nesta parte da responsabilidade pela produção do acidente, sendo de manter, pois, a mesma na sentença recorrida.

IV – Reapreciação da decisão quanto ao valor dos danos

Vejamos, agora, a reapreciação da decisão quanto ao valor dos danos pretendida pela R. nas suas conclusões 43. a 51., que entende que o valor fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais é excessivo (conclusões 43. a 46.), que o valor fixado a título de danos não patrimoniais é exagerado (conclusões 47. a 50.) e que, a atender-se à pretendida alteração do ponto 47. dos factos provados, em consequência, a condenação passe a ser apenas após Agosto de 2020, seja quanto ao valor médio mensal de 2.500,00€, seja quanto ao valor médio mensal que venha a ser apurado em sede de incidente de liquidação, sempre com o limite temporal do trânsito em julgado da decisão (conclusão 51.).
Ora, atendendo a que, desde logo, a matéria de facto do ponto 47. dos factos provados sofreu alteração, impõe-se levar tal em consideração. Sendo, pois, três, as questões a analisar aqui. Mas vejamos as mesmas separadamente.

Quanto aos danos patrimoniais:

Discorda a apelante R. do valor fixado a título de indemnização pelos danos patrimoniais - o valor de € 566.850,08 (quinhentos e sessenta e seis mil, oitocentos e cinquenta euros e oito cêntimos) -, que considera ser excessivo. Para tanto, menciona que foi tida em consideração a esperança média de vida dos homens que fixou em 77 anos, quando da prova produzida resultou que, infelizmente, a esperança média do menor se fixa no máximo em 15 anos. Lembra que o recurso à equidade deve considerar as especificidades do caso concreto e, ao não o fazer, o valor arbitrado mostra-se injusto e desproporcional. Concluindo que por aplicação das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras, o montante indemnizatório não deveria exceder os 135.000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros).
Com o que discordam os recorridos AA.
Quid iuris?

Mas comecemos por rememorar a decisão recorrida.
Os autores reclamam uma indemnização pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o menor ficou a padecer.
A indemnização pelo défice funcional permanente visa compensar o lesado pela perda de capacidade de ganho ou pelos esforços acrescidos que vai ter de desenvolver para manter o mesmo rendimento[25].
Nestas situações o lesado sofre um dano patrimonial futuro que deve ser indemnizado (art. 564º nº2 do Cód. Civil).
Esta indemnização consiste na atribuição ao lesado de uma quantia que permita compensá-lo pela diferença entre a situação em que se encontrava anteriormente e aquela em que passou a estar depois do acidente. Esta quantia deve corresponder a um montante que garanta ao lesado um valor idêntico à diferença entre o rendimento anterior e aquele que passou a ter ou ao valor que os esforços acrescidos que vai ter de desenvolver representam no seu rendimento e que se esgote no final do período provável de vida[26].
Como o tribunal não dispõe de todos os elementos para o cálculo deste montante, deve recorrer-se à equidade (art. 566º nº3 do Cód. Civil). Para evitar valores aleatórios ou assentes exclusivamente no subjectivismo do julgador, podem ser utilizados instrumentos de apoio como fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras[27]. Também podem ser utilizados os critérios que constam da Portaria nº377/2008 de 26 de Maio, pese embora não sejam vinculativos para os tribunais[28]. O essencial é que se trate apenas de instrumentos de apoio, determinando-se no final a quantia que deve ser atribuída ao lesado com base na equidade, uma vez que foi este o critério estabelecido pelo legislador.
Para este efeito deve ser tido como referência o rendimento antes do acidente e o tempo previsível de vida que ainda resta para o lesado. Por outro lado, deve pressupor-se que a situação pessoal e patrimonial do lesado vai decorrer com normalidade.
A circunstância de o lesado não exercer qualquer actividade profissional quando ocorreu o acidente não é impeditiva da atribuição de uma indemnização por este dano. Nesta situação, não se apurando qualquer especificidade que justifique uma decisão em sentido diferente, deve atender-se ao salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem na data da consolidação das lesões por não poder considerar-se que o lesado iria auferir um salário inferior[29].
No que respeita ao tempo previsível de vida que ainda resta ao lesado deve atender-se à esperança média de vida e não à idade da reforma porque a afectação da capacidade funcional tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado[30]. Actualmente, a esperança média de vida é de 77 anos para os homens e 83 anos para as mulheres, sendo estes os valores utilizados habitualmente na jurisprudência.
O menor ficou a padecer de um défice funcional permanente de 92% e tinha a idade de 13 anos na data da consolidação das lesões. Nesta data o salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem era de € 934,34[31].
Utilizando a fórmula matemática que se generalizou na jurisprudência[32] constatamos que o autor tem direito à quantia de € 566.850,08.
Esta quantia afigura-se-nos adequada de acordo com a equidade, não se justificando qualquer alteração.
Como é sabido, a indemnização por danos causados por factos ilícitos tem como objectivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (art. 562º do CC). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações previstas do n° 1 do art. 566° do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
A indemnização deve abranger o prejuízo causado (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucros cessantes), bem como a reparação dos danos futuros desde que sejam previsíveis (art. 564º do CC), e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença prevista no nº 2 do art. 566° do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”), julgando o Tribunal com recurso à equidade, se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º/3 do mesmo Código).
Vejamos, então, a indemnização questionada pela recorrente, isto é, os danos patrimoniais futuros (dano biológico).
Conforme resulta do preceituado no art. 564º/2 do CC, como já se referiu, na fixação da indemnização pode ainda o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, recorrendo à equidade se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º/3 do mesmo Código).
A equidade, na medida em que remete para as particularidades do caso concreto, permite ter em consideração as especiais condições de cada lesado.
Tendo resultado provado nos autos que, à data do acidente, o menor tinha 11 anos de idade e era estudante, tendo, como consequência directa e necessária do acidente ficado a padecer das seguintes sequelas: período de défice funcional temporário total de 604 dias, período de repercussão temporária na actividade profissional total de 604 dias, quantum doloris de grau 7/7, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos, necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene e desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma. Sendo que, por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos. Não subsistem dúvidas, pois, que este dano biológico determina uma alteração significativa na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.
No caso da IPG (ora denominada défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o art. 564º/2 do CC.
Pode, no entanto, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque, embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade habitual com um esforço suplementar.
Em todos estes casos, pode discutir-se se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido[33].
No caso em apreço, como já vimos supra, o Tribunal “a quo” fixou ao A. menor uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros ou dano biológico, decorrente da perda da capacidade de ganho, no montante de € 566.850,08, discordando a recorrente deste valor por o considerar injusto e desproporcional à sua situação concreta e entender que o montante indemnizatório não deveria exceder os 135.000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros).
Antes de se proceder à apreciação, em concreto, da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, recordam-se os critérios gerais de reparabilidade desta categoria de dano explanados no Ac. do STJ de 25-05-2017[34], nos termos que passamos a transcrever:
«Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (Proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas nos acórdãos de 07/04/2016 (Proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) e de 14/12/2016 (Proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (Proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (Proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (Proc. nº 632/2001.G1.S1) e de 20 de Outubro de 2011 (Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.
Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando:
Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[35].
Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º/3 do CC).
Ora, como tem sido considerado pelo STJ[36], em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub judicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º/3 do CC), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Tendo presentes estes critérios gerais, vejamos, agora, o caso dos autos.
In casu, está em causa um dano biológico, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos, necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene e desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma. Sendo que, por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos. Não subsistem, pois, dúvidas que este dano biológico determina uma alteração significativa e radical na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.
Como assim, o Tribunal “a quo”, utilizando a fórmula matemática que se generalizou na jurisprudência[37] e reflectindo a actual esperança média de vida de 77 anos para os homens, entendeu que o autor tem direito à quantia de € 566.850,08.
            No entanto, é importante atentar que o que se está a indemnizar é o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho (como no acórdão de onde o Exmº Juiz a quo extraiu a fórmula que utilizou no cálculo da indemnização ora em análise). O que desde logo permite desmistificar a suscitada questão da particular esperança média de vida do peão menor e retirar-lhe a relevância que a recorrente pretende. Assim, o valor obtido através da mencionada fórmula, tem que ser corrigido/reduzido, respeitando as regras de boa prudência, de bom senso prático e de justa medida das coisas e ainda o princípio da igualdade.[38]
Como assim, tudo considerado, atentos os factos apurados, entendemos adequado - razoável e equitativo - fixar o valor da indemnização pelo dano biológico no montante de € 400.000,00, assim dando parcial acolhimento ao recurso interposto pela R.
*
Quanto aos danos não patrimoniais:
Discorda a apelante R. do valor fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais - o valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) -, que considera ser exagerado. Para tanto, alega que atendendo aos elementos objectivos trazidos aos autos pelo caso concreto, a generalidade das decisões dos tribunais, os critérios de orientação previsto na lei apontam como justa e equitativa a quantia de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Com o que discordam os recorridos AA., que consideram não merecer censura a decisão quanto ao quantum indemnizatório.
Quid iuris?

Mas comecemos por rememorar a decisão recorrida.
O período de 604 dias em que o menor esteve com défice funcional temporário total será atendido na indemnização por danos não patrimoniais porque, atendendo a que não exercia uma actividade profissional quando ocorreu o acidente, não pode afirmar-se que teve um prejuízo de natureza patrimonial.
Resultou provado que em consequência do acidente o menor sofreu um traumatismo crâneo-encefálico grave e fractura dos ramos íleo e ísqueo púbicos à esquerda. Após o acidente, o menor foi transportado de ambulância para o Hospital ..., no .... Neste hospital o menor foi submetido a uma intervenção neurocirúrgica. O menor foi depois submetido a uma intervenção cirúrgica de craniotomia descompressiva, a uma nova intervenção cirúrgica para encerramento da craniotomia e a tratamento conservador às fracturas pélvicas, após o que ficou internado na unidade de cuidados intensivos durante um mês e posteriormente no serviço de pediatria. O menor teve alta hospitalar no dia 3 de Março de 2020. Após a alta, o menor foi transferido para o Centro de Reabilitação ... onde permaneceu internado durante seis meses. O menor continuou a ser submetido a terapias e teve consultas médicas de diferentes especialidades. Actualmente, o menor mantém tratamento fisiátrico ambulatório na área da residência. Após o acidente o menor entrou em coma e manteve-se neste estado durante dois meses. Depois de deixar de estar em coma o menor sentiu dores pelas lesões que sofreu em consequência do acidente e nos tratamentos a que foi submetido. O menor ficou a padecer de uma tetraparesia espástica grave, com deformidades irredutíveis dos membros superiores e inferiores que necessitam de tratamento fisiátrico para evitar o agravamento, e de uma escolisose postural, sem controlo muscular do tronco. Como consequência directa e necessária do acidente, o menor ficou a padecer das seguintes sequelas: período de défice funcional temporário total de 604 dias, período de repercussão temporária na actividade profissional total de 604 dias, quantum doloris de grau 7/7, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos, necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene e desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma. Antes do acidente, o menor era um aluno regular e frequentava várias actividades extracurriculares como o desporto, a dança e a música.
Trata-se de danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito e devem ser indemnizados (art. 496º nº1 do Cód. Civil).
Atendendo à equidade e considerando os padrões habitualmente seguidos pela jurisprudência para situações semelhantes, nos termos dos art. 494º e 496º nº4 do Cód. Civil, entendemos que é adequada a quantia de € 500.000,00 para ressarcir o menor por estes danos. Destacamos que o menor tinha a idade de 11 anos quando ocorreu o acidente, teve lesões extensas e dolorosas, foi sujeito a tratamentos médicos prolongados e igualmente dolorosos e, fundamentalmente, ficou com a possibilidade de ter uma vida normal completamente inviabilizada.
No tocante à fixação do dano não patrimonial, são estes os princípios tidos para nós, como “sagrados”, e que logramos aplicar em outras instâncias recursivas cujo objecto se fixa no valor indemnizatório.
1. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.
2. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.
3. Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
4. Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
Avançando.
Nos termos do art. 496º/1 do CC, são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.
A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida, entre outros – já se escrevia no Acórdão do STJ de 12-07-1988, que os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito –.
A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas[39].
Como é sabido, tratando-se de danos de natureza infungível, não sendo possível a reconstituição da situação que existia anteriormente ao evento danoso, procura-se apenas proporcionar ao beneficiário, através da indemnização, o gozo de possíveis situações de bem-estar decorrentes da utilização desse dinheiro.
No caso dos autos, a 1.ª instância considerou estes danos com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização. O que não é contestado pela recorrente, mas tão só o seu quantum.
Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano em situações com algumas similitudes.
Vejamos, pois, algumas dessas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais – numa jurisprudência actualista –, acerca da fixação dos danos não patrimoniais:
- no Ac. do STJ de 08-03-2005, proferido no âmbito do processo nº 4486/04, da 6ª Secção, foi fixada uma compensação de € 250.000,00 a título de danos não patrimoniais a um lesado com 27 anos de idade que ficou na situação de tetraparésia.
- no Ac. do STJ de 29-10-2008, proferido no âmbito do processo nº 3380/05, foi fixada em € 250.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado de 17 anos, com um coeficiente de desvalorização de 45 pontos, dano estético de grau 6 e quantum doloris de grau 6, que deixou de poder descer e subir escadas, deixou de poder tomar banho sozinho, perda de relacionamento com o seu grupo de amigos, ansiedade e depressão clínica.
- no Ac. do STJ de 25-11-2009, proferido no âmbito do processo nº 397/03.0GEBNV.S1, da 3a Secção, foi fixada em € 250.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado de 8 anos que ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, fazendo infecções urinárias, respiratórias e dermatológicas e úlcera na região occipital, sendo ventilado durante 15 dias; - em consequência do acidente ficou internado mais de 8 meses; - foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com anestesias gerais e sequente sujeição a programas de reabilitação física; - a incapacidade temporária geral total foi de 765 dias, o que significa que durante os anos completos de 2004 e 2005, esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, sendo do mesmo período a incapacidade temporária para a actividade ocupacional habitual de estudante; - efectuou 197 deslocações ao Centro de Medicina de Reabilitação entre a data da alta deste e a data da propositura da acção cível enxertada, tendo efectuado outras 82 deslocações ao Hospital no mesmo período; - foi submetido a tratamentos de acupunctura; - padece de quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, de dano estético de 5, numa escala de 7 graus; - padece de ausência de controle de esfíncteres, obrigando a uso de fraldas e de bebegel, tendo a necessidade de fazer algaliação de 3 em 3 h, constituindo uma situação irreversível; - tem necessidade de ter vigilância do foro urológico, tomando diariamente dois comprimidos para o funcionamento da bexiga; - ficou na dependência de ajudas técnicas (cadeira de rodas, ortóteses e botas ortopédicas), médicas fisiátricas e medicamentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; - tem a perspectiva de viver numa cadeira de rodas até ao fim dos seus dias; - necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado; - acresce a perda do avô, com quem seguia no veículo embatido, estando encarcerado cerca de 40 m. ao lado do mesmo, já morto, só dele conseguindo falar e chorar a sua morte mais de dois meses transcorridos sobre o acidente, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 250.000.
- no Ac. do STJ de 02-03-2011, proferido no âmbito do processo nº 1639/03.8TBBNV.L1, da 6ª Secção, foi fixada uma compensação de € 400.000,00 a título de danos não patrimoniais a um lesado de 19 anos, com uma incapacidade funcional permanente de 95 pontos, com incapacidade total e permanente para o trabalho, necessitando de assistência permanente de terceira, em que as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura e angústia, tendo ficado com a expectativa de vida encurtada.
- no Ac. do STJ de 16-03-2011, proferido no âmbito do processo nº 1879/03.0TBACB.C1.S1, da 1a Secção, foi fixada em € 120.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado de 10 anos que ficou tetraplégico e possuindo sequelas que o incapacitam, na totalidade, para o resto da sua vida, tendo ficado afetado de uma incapacidade permanente geral de 80%, à qual acresce, a título de dano futuro, o coeficiente de 10%, o que exige o apoio permanente de terceiro especializado para tratar de si, e o recurso a instituições especializadas para apoio e reabilitação, com um quantum doloris, fixável, num grau muito elevado.
- no Ac. do STJ de 30-10-2014, proferido no âmbito do processo nº 2313/08.4TVLSB.L1.S1, da 2ª Secção, foi fixada uma compensação de € 400.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- no Ac. do STJ de 19-12-2018, proferido no âmbito do processo nº 1173/14.0T2AVR.P1.S1, da 1a Secção, foi fixada em € 350.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado de 17 anos que sofreu lesões que originaram um défice funcional da integridade físico-psíquica de 91 pontos, com tetraparésia.
- no Ac. da RP de 09-12-2020, proferido no âmbito do processo nº 966/19.7T8PNF.P1, da 5a Secção, foi fixada em € 200.000,00 a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado que está incapaz para a prática de quaisquer atos necessários à satisfação das suas necessidades, designadamente, cuidar da sua higiene pessoal, sentar-se e levantar-se da sanita, para se alimentar, para se vestir e calçar, cortar a barba, para comunicar por qualquer forma; apesar de consciente, apenas consegue verbalizar o seu nome e reconhecer os familiares, apresentando-se desorientado; as lesões sofridas provocaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 95 pontos, sendo tais sequelas impeditivas de qualquer atividade profissional; com os tratamentos a que foi submetido, o Autor sofreu dores que implicaram um “quantum doloris” de grau 6/7 numa escala de 1 a 7; ficou com um dano estético permanente de grau 7/7 numa escala de 1 a 7; com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 7/7 numa escala de 1 a 7 e ainda, com repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 7/7; sofreu dores e incómodos com os tratamentos e intervenções cirúrgicas e a sua mobilidade ficou seriamente comprometida, apesar dos tratamentos, de tal forma que permanece 24 horas sobre 24 horas deitado numa cama e a carecer de permanentes cuidados médicos.
O tribunal a quo, apelando aos factores enunciados nos citados arts. 494º e 496º/4 do CC, e tendo por base a descrita factualidade, decidiu, como se referiu, fixar em € 500.000,00 a compensação devida ao menor por esses danos de natureza não patrimonial.
No bosquejo supra, ainda que breve, pela jurisprudência – com o que se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – verifica-se que em situações análogas à dos presentes autos (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) têm sido fixados valores indemnizatórios que se situam entre € 120.000,00 e € 400.000,00.
Tais considerações aliadas ao quadro factual conhecido, globalmente considerado, levam-nos a considerar como razoável e equitativo, nos termos do art. 566º/3 do CC, o montante fixado de € 500.000,00, o qual é ajustado aos valores que, em casos similares, têm sido fixados na casuística, mormente do Supremo Tribunal de Justiça.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso da R.
*
Quanto aos danos relativos aos tratamentos despendidos mensalmente pelos pais do menor com este:
Pretende a apelante R. a reapreciação da decisão relativa à sua condenação com os tratamentos despendidos mensalmente pelos pais do menor com este em função da alteração da matéria de facto relativa ao facto 47. Efectivamente, constava do facto 47. que “Desde a data do acidente, os pais do menor despenderam em tratamentos a quantia média mensal de € 2.500,00”, constando agora que “Desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada”. Estando em causa o seguinte segmento da decisão, “Condeno a ré a pagar aos pais do autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada mês desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte já vencida”, em consequência da alteração do mencionado facto 47., a recorrente propõe que a condenação passe a ser apenas após Agosto de 2020, seja quanto ao valor médio mensal de 2.500,00€, seja quanto ao valor médio mensal que venha a ser apurado em sede de incidente de liquidação, sempre com o limite temporal do transito em julgado da decisão.
Quid iuris?

Mas comecemos por rememorar a decisão recorrida.
A ré está também obrigada a pagar aos pais do menor (…) a quantia de € 2.500,00 que despenderam em tratamentos com o menor, sendo esta quantia devida desde a alta hospital do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão.
A partir desta data a ré está obrigada a prestar directamente ou a pagar os custos de todos os tratamentos que o menor venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, os quais serão a liquidar posteriormente porque não podem ser determinados.
Esta decisão ponderava o já mencionado facto provado 47., cujo teor foi alterado, impondo-se, pois, reapreciar a decisão em conformidade.
Ora, se falta a prova do dano, tem de soçobrar o pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil, porém o mesmo não deve ocorrer se faltar apenas a prova do valor do dano, porquanto a indemnização por equivalente, necessária à reparação do dano infligido, pode ser ulteriormente alcançada em sede de incidente de liquidação ou ser mesmo fixada em termos de equidade[40]. A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve fazer-se consoante seja ou não previsível que o valor exacto do dano será apurado com prova complementar, devendo em caso afirmativo dar-se prevalência à condenação genérica e não fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade. O que é o caso.
Como assim, a quantia que a R. também fica obrigada a pagar aos pais do menor desde a alta hospitalar deste - Agosto de 2020 - e até ao trânsito em julgado da presente decisão, relativa aos tratamentos despendidos mensalmente por aqueles com este, será o valor médio mensal que venha a ser apurado em sede de incidente de liquidação.
Pelo exposto, no que respeita a esta questão, em função da alteração da matéria de facto relativa ao facto 47., será a sentença alterada em conformidade, assim procedendo, nesta parte, o recurso da R. recorrente.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, no parcial provimento do recurso da R., revogando parcialmente a sentença da 1ª instância, acordam os juízes desta secção cível em:
1 – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pela R. quanto à questão a decidir em I) relativa à impugnação da matéria de facto; 
2 – Julgar improcedente a apelação deduzida pela R. quanto às questões a decidir em II) e III), no que concerne à reapreciação da decisão sobre a responsabilidade na produção do acidente e sobre o concurso entre responsabilidade pelo risco do veículo e responsabilidade do menor;
3 – Julgar parcialmente procedente a apelação deduzida pela R. quanto à questão a decidir em IV), no que concerne aos danos - patrimoniais e relativos aos tratamentos despendidos mensalmente pelos pais do menor com este (desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão) -, em consequência do que, revogando-se a condenação respeitante à R. nos pontos 1. e 4. da Decisão, na pág. 25, se substitui a sentença proferida nesses segmentos pela condenação seguinte:
(…)
1. Condeno a ré a pagar ao autor menor as quantias de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) e € 500.000,00 (quinhento mil euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;
(…)
4. Condeno a ré a pagar aos pais do autor o valor médio mensal que venha a ser apurado em sede de incidente de liquidação, relativa aos tratamentos despendidos mensalmente por aqueles com este, desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte já vencida;
(…);
4 – Manter no mais o decidido.
5 – As custas da acção e do recurso serão suportadas na proporção do decaimento. 
Notifique.
*
Guimarães, 11-07-2024

(José Cravo)
(Ana Cristina Duarte)
(Joaquim Boavida)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JC Cível - Juiz ...
[2] Ainda que se aluda a dois factos na conclusão 2. das alegações, só uma é mencionada aquando da sua concretização nas conclusões 3.iv), 20. e 21.
[3] In “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
[4] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
[5] In B.M.J. nº 112, pág. 190.
[6] Obra supracitada.
[7] Neste sentido, cfr. o Ac. da RP de 13-03-2013, prolatado no Proc. nº 400/09.0PAOVR.C1.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Cujo teor é o seguinte:
21. O menor não se apercebeu que o TM seguia na faixa de rodagem do lado oposto, no sentido .../...;
[9] A fls. 24 da sentença recorrida, antepenúltimo e penúltimo §’s, refere-se que “(…) a quantia de € 2.500,00 que despenderam em tratamentos com o menor, sendo esta quantia devida desde a alta hospital do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão. A partir desta data a ré está obrigada a prestar directamente ou a pagar os custos de todos os tratamentos que o menor venha a necessitar, designadamente (…)” e em III. Decisão, em 4. a fls. 25 refere-se que “Condeno a ré a pagar aos pais do autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada mês desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão (…)”.
[10] Refere-se à responsabilidade de uma pessoa por não supervisionar adequadamente aqueles sob sua autoridade.
[11] Neste sentido pode ver-se Luís Menezes Leitão, in Direito das obrigações - Vol. I, pág. 351. 
[12] In Comentário ao Código Civil - Direito das obrigações, pág. 414.
[13] Neste sentido pode ver-se José Carlos Brandão Proença, in A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, pág. 811, e Responsabilidade pelo risco do detentor do veículo e conduta do lesado: a lógica do tudo ou nada? - Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2003 - Cadernos de Direito Privado (2004), nº7, pág. 25, João Calvão da Silva, in Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2001 - Revista de Legislação e de Jurisprudência (2001), nº3924 e 3925, pág. 115, Ana Prata, in Responsabilidade civil: duas ou três dúvidas sobre ela - Estudos em comemoração dos cinco anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 345, e Gregório Silva Jesus, in Infracções estradais causais nos acidentes de viação - Centro de Estudos Judiciários (2016), pág. 13. Na jurisprudência pode ver-se, entre muitos outros, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2017, proferido no processo nº1112/15.1T8VCT.G1.S1, e o Ac. da Relação de Guimarães de 13 de Outubro de 2022, proferido no processo nº1793/19.7T8GMR.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Proferido no processo nº6610/16.7T8GMR.G1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[15] In Acidentes de viação e fragilidade por menoridade - Juris et de jure - Universidade Católica Portuguesa, pág. 110.
[16] Proferido no processo nº63/20.2T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[17] In A favorabilidade concedida ao lesado na relação de responsabilidade civil - Revista de Responsabilidade Civil (2020), pág. 514 e 516.
[18] In A problemática da concorrência da responsabilidade objectiva decorrente dos riscos de circulação do veículo com a culpa do lesado - Revista Julgar (2022), nº46, pág. 63. 
[19] In Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação - Estudos de homenagem ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier - vol. II, pág. 486 e 491.
[20] A este propósito é particularmente expressivo o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2021, proferido no processo nº 625/18.8T8AGH.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma que 'não deve ignorar-se de modo algum que as vias públicas não constituem um couto exclusivo dos veículos automóveis. A não ser quando existam restrições específicas resultantes de algumas regras gerais, como a que vigora relativamente a autoestradas, ou haja que respeitar alguns sinais de trânsito que proíbam, limitem ou condicionem o atravessamento das vias públicas por parte de peões, tais vias não deixam de ter também essa função de circulação para estes utentes, quando se trata de proceder ao seu atravessamento'.
[21] A este propósito pode ver-se Mafalda Miranda Barbosa, in Lições de responsabilidade civil, pág. 234.
[22] Neste sentido pode ver-se Antunes Varela, in Das obrigações em geral - vol. I, pág. 565.
[23] A este propósito, pode ver-se Henrique Sousa Antunes, in Comentário ao Código Civil - Direito das obrigações, pág. 312, para quem 'exclui o juízo de responsabilidade a demonstração da capacidade de autogoverno de um menor no momento da ocorrência do dano'.
[24] Prolatado no Proc. nº 15385/15.6T8LRS.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
[25] A este propósito pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2022, proferido no processo nº868/21.7T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘a uma perda de ganho efectiva equivale, para efeitos de indemnização, como dano patrimonial, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho’.
[26] Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 1 de Junho de 2017, proferido no processo nº3275/15.7T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2019, proferido no processo nº1120/12.4TBPTL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma que relativamente ao dano patrimonial futuro que resulta do défice funcional permanente ‘a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça assenta em três pontos: determinação de um capital produtor de um rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida activa do lesado, susceptível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho; utilização de fórmulas abstractas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objetivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes, as indemnizações; uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exacto dos danos sofridos pelo lesado’. No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo nº127/09.3TCFUN.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Neste sentido pode ver-se Laurinda Gemas, in Questões actuais da responsabilidade civil por acidentes de viação - Revista Julgar (2022), nº46, pág. 76.
[29] Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2020, proferido no processo nº16576/17.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual 'numa circunstância em que o lesado ainda não exercia qualquer profissão, na fixação da indemnização respeitante aos danos patrimoniais futuros deve ser ponderado o salário médio nacional'. No mesmo sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024, proferido no processo nº2012/19.1T8PNF.P1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘tratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante, pois neste caso não existe qualquer elemento que indicie que o mesmo se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador’.
[30] Neste sentido pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2022, proferido no processo nº6158/18.5T8SNT.L1.S1, e o Ac. da Relação de Guimarães de 6 de Maio de 2021, proferido no processo nº6913/18.6T8BRG.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[31] De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, disponível em www.ine.pt.
[32] Esta fórmula é a seguinte:
C = (1+i)n – 1 x P
          (1+i)n x i
Nesta fórmula c é o capital a atribuir ao lesado, n é o número previsível de anos que ainda restam ao lesado (esperança média de vida subtraída da idade do lesado na data da consolidação das lesões), i é a taxa de juro (habitualmente de 1% atendendo às baixas taxas dos juros de remuneração dos depósitos) e p é a prestação a depositar no primeiro ano (retribuição mensal multiplicada por catorze e, por sua vez, multiplicada pela incapacidade). A este propósito pode ver-se o Ac. da Relação do Porto de 8 de Março de 2021, proferido no processo nº3367/17.8T8PNF.P2, disponível em www.dgsi.pt.
[33] Cfr. Acs. do STJ de 20-05-2010, Proc. nº 103/2002 e da RG de 03-­07-2014, Proc. nº 333/12.3TCGMR, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[34] In Proc. nº 2028/12.9TBVCT, acessível em www.dgsi.pt.
[35] Cfr. Ac. do STJ de 10 de Outubro de 2012, cit.
[36] Cfr., por exemplo, o Ac. de 4 de Junho de 2015, Proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o Ac. de 28 de Outubro de 2010, Proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1 e para o Ac. de 5 de Novembro de 2009, Proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[37] Esta fórmula é a seguinte:
C = (1+i)n – 1 x P
          (1+i)n x i
Nesta fórmula c é o capital a atribuir ao lesado, n é o número previsível de anos que ainda restam ao lesado (esperança média de vida subtraída da idade do lesado na data da consolidação das lesões), i é a taxa de juro (habitualmente de 1% atendendo às baixas taxas dos juros de remuneração dos depósitos) e p é a prestação a depositar no primeiro ano (retribuição mensal multiplicada por catorze e, por sua vez, multiplicada pela incapacidade). A este propósito pode ver-se o Ac. da Relação do Porto de 8 de Março de 2021, proferido no processo nº3367/17.8T8PNF.P2, disponível em www.dgsi.pt.
[38] Todos acessíveis in www.dgsi.pt, cfr. o Ac. da RP de 4-04-2024, proferido no Proc. nº 347/21.2T8PNF.P1, em que um lesado com 46 anos sofreu um défice funcional permanente de 72 pontos, sofreu dores, com um quantum doloris de 7/7, um dano estético de 5/7, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 6/7 e a repercussão permanente na actividade sexual no grau 5/7, precisando para sempre da ajuda de uma terceira pessoa e sem mobilidade própria, amarrado a uma cadeira de rodas, ao que acrescem 1032 dias de internamento, viu ser-lhe fixada a indemnização pelo dano biológico em € 150.000,00; o Ac. do STJ de 29-10-2020, proferido no Proc. nº 2631/17, fixou esse valor em 125 mil euros para um lesado com 48 anos e profissão de professor que sofreu um défice de 31 pontos, ficou a coxear e sofreu um dano estético de 5/7; o Ac. da RC de 30-05-2023, proferido no Proc. nº 6048/18.1T8VIS.C1, que fixou esse valor em 125 mil euros, num caso em que o lesado com 52 ficou dependente de terceira pessoa e teve uma incapacidade global de 66 pontos; o Ac. do STJ de 6-02-2024, proferido no Proc. nº 21244/17.0T8PRT.P1.S1, que fixou esse valor em 270 mil euros, num caso em que o lesado, à data do acidente com 23 anos de idade e tendo trabalhado anteriormente como cortador de carnes verdes auferindo então salário mensal de cerca de 591,00 euros, tendo sofrido lesões que lhe causaram um défice de integridade físico-psíquica de 61 pontos com incapacidade total para o exercício da sua anterior actividade profissional, ainda que sem compromisso do eventual exercício de outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica que não envolvam a execução de tarefas complexas; o Ac. do STJ de 6-04-2021, proferido no Proc. nº 2908/18.8T8PNF.P1.S1, que fixou esse valor em 300 mil euros, num caso em que o lesado, à data do acidente com 6 anos, ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 50 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7 de uma escala de 7 de gravidade crescente, não estando impossibilitado de vir a ter uma vida profissional normal mas tendo sido provado que as sequelas de que ficou portador exigem esforços suplementares no exercício daquela actividade profissional futura (impossibilitado de exercer actividade profissional que exija andar, correr, saltar ou permanecer largos períodos em pé).
[39] Neste preciso sentido, A. Varela, Obrigações, pág. 428.
[40] Neste sentido, cfr. o Ac. da RP de 11-10-2022, proferido no Proc. nº 783/14.0T8VNG.P1 e acessível in www.dgsi.pt.