ARRENDAMENTO
FIADOR
INDEMNIZAÇÃO MORATÓRIA
Sumário


I - O regime dos nºs 5 e 6 do art.º 1041º do CC, rege tão só quanto à indemnização moratória relativa à falta de pagamento das rendas pelo arrendatário e não quanto a todas e quaisquer obrigações deste.
II - Fora daquele âmbito, continuam, na ausência de norma legal, a valer as regras ou disposições gerais do Código Civil, quanto ao âmbito da responsabilidade do fiador.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA,
intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:
BB; e
CC,
pedindo a declaração de cessação de contrato de arrendamento celebrado entre autora e rés, bem como a condenação da 1ª ré na entrega imediata do locado e bens móveis no seu interior e de ambas as rés no pagamento de rendas vencidas à data da acção, no pagamento de pagamento do dobro do valor da renda mensal por cada mês de ocupação para além da data de cessação, no pagamento do valor de electricidade suportado pela autora e ainda de um valor a título de sanção pecuniária compulsória.
Alegou, para o efeito, ser proprietária de imóvel que identifica, o qual foi objecto de um contrato de arrendamento celebrado com a primeira ré para fins habitacionais, tendo-se constituído a segunda ré como fiadora; mais alega a falta de pagamento de rendas, que levou a autora a declarar resolvido o contrato através de notificação judicial avulsa, tendo sido paga apenas a quantia de € 500,00 pela 1ª ré, sem que tenha explicado a que título, estando ainda em dívida outras quantias contratadas entre as partes.
Regularmente citadas, as rés não vieram contestar, nem constituíram mandatário.

Foram os factos alegados pela autora julgados confessados e observado o disposto no art.º 567º, nº 2 do NCPC.
Seguidamente foi proferida sentença, decidindo-se:
“V. DECISÃO
Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente, e:
a) Declara cessado, por resolução, como efeitos desde 21 de setembro de 2023, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, em 01 de novembro de 2022, relativo à fração autónoma designada pela letra ..., correspondente a um T3, destinado a habitação, no ... andar, e garagem na cave, pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, com entrada pela Rua ...., freguesia ...;
b) Condena a primeira ré BB na entrega, à autora, no mesmo estado de conservação em que o recebeu, livre de pessoas e bens, à exceção dos bens que se encontravam no interior do imóvel, pertencentes à autora, e cuja listagem consta do contrato de arrendamento;
c) Condena a primeira ré no pagamento de €1.000,00 (mil euros) correspondente ao valor em falta relativamente às rendas correspondentes aos meses de julho a setembro de 2023;
d) Condena a primeira ré no pagamento de €4.000,00 (quatro mil euros) correspondente à indemnização igual ao dobro da renda ainda em falta, desde 21 de Outubro de 2023 até à presente data, bem como no pagamento de €1.000,00 (mil euros) mensais até efetiva entrega do locado, a mesmo título;
e) Condena a primeira ré no pagamento de €276,91 (duzentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de despesas de eletricidade assumidas pela autora.
No mais, vai a primeira ré absolvida do pedido.
Quanto à segunda ré CC, por sua vez, vai totalmente absolvida do pedido.

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Custas por autora e primeira ré, na proporção do respetivo decaimento, ao abrigo do artigo 527.º do Código de Processo Civil, que se fixa em ¼ para a autora e ¾ para a primeira ré.”.

Inconformada com tal sentença, dela apelou a autora, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

«1. A Autora ora Recorrente intentou contra as duas Rés, BB e CC, uma acção de despejo através da qual peticionou a resolução do contrato de arrendamento que havia sido celebrado entre Autora e a 1ª Ré.
2. Cumulativamente àquele pedido, peticionou que a 1ª Ré fosse condenada a entregar à Autora o locado livre de pessoas e bens, à excepção dos bens que se encontravam no interior do imóvel, pertencentes à Autora.
3. Além daqueles pedidos, foi ainda peticionado cumulativamente que ambas as Rés, a 1ª enquanto inquilina e a 2ª enquanto fiadora, fossem condenadas no pagamento do valor das rendas vencidas e não pagas, consubstanciado no montante de 1.500,00€ (tendo entretanto a Autora comunicado aos autos que, em 05 de setembro de 2023, a 1ª Ré transferiu o valor de 500,00€ para a sua conta bancária), no pagamento do dobro do valor da renda mensal por cada mês de ocupação para além da data da cessação, até à efectiva entrega do imóvel, a título de indemnização nos termos do disposto no artigo 1045º do Código Civil, e no pagamento do valor da electricidade que a Autora suportou, referente aos consumos desde que a 1ª Ré ocupou o imóvel até alterar o respectivo contrato de fornecimento para o seu nome, consubstanciado no montante de 276,91€.
4. Nenhuma das Rés apresentou Contestação ou de algum modo reagiu à acção.
5. Por Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Juízo Local Cível de ..., Juiz ... no Processo nº. 6418/23...., foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e, de modo acertado, foi declarada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento em causa, assim como a restituição do locado, e foi decidido correctamente a condenação da 1ª Ré nos termos peticionados.
6. No entanto, aquela Sentença decidiu de forma errada, quando entendeu absolver a 2º Ré, fiadora do contrato de arrendamento em causa, dos pedidos contra si formulados.
7. É desta decisão plasmada na Sentença de 1º Instância com a qual a Autora ora Recorrente não se pode conformar, razão pela qual recorre, tão só e apenas quanto à decisão de absolver a 2ª Ré, aqui Recorrida, dos pedidos que contra si foram formulados, pois existem razões de facto e de direito que impõem decisão diversa da constante da Sentença ora posta em crise.
8. Desde logo, destaca-se a correcta decisão do Juiz de 1º Instância quanto à matéria de facto dada como provada, vertida nos pontos 2. a 4., 12. a 14. indicados na douta Sentença.
9. A decisão quanto aos pontos 12. e 13. da matéria de facto provém do que a Autora ora Recorrente tinha alegado no artigo 10º da Sua Petição Inicial e do documento nº 6 junto com aquela peça processual, que inclui a carta remetida à 2º Ré, em 17 de Agosto de 2023, o registo postal e o aviso de recepção por esta assinado.
10. Assim, encontra-se bem decidida a matéria de facto, ao dar como provado que a 2ª Ré, aqui Recorrida, enquanto fiadora do contrato de arrendamento do qual emergem aquelas obrigações, foi interpelada para proceder aos pagamentos em dívida, das rendas vencidas entre Junho e Agosto de 2023 (referentes aos meses entre Julho e Setembro de 2023).
11. No entanto, o Tribunal recorrido não alcançou a correcta solução jurídica que deveria ser extraída daquela factualidade, uma vez que, apesar de entender como válida a qualidade de fiadora da 2ª Ré, no contrato de arrendamento em causa, veio a decidir que “não assiste à autora o direito de exigir o seu direito de crédito contra a fiadora”.
12. E assim decidiu de acordo com o seguinte fundamento que se encontra na douta Sentença, mas que não deve merecer colhimento por parte do Tribunal ad quem: “no caso dos autos, a própria autora alega (e assim o demonstra) que apenas comunicou a resolução do contrato à ré arrendatária; não consta de qualquer parte na sua alegação ou na documentação junta que tenha sido comunicado à fiadora as quantias em dívida, no prazo de 90 dias após a mora.”
13. Esta parte da douta Sentença proferida em 1ª Instância inclui toda a fundamentação para o Julgador ter decidido pela absolvição da 2ª Ré dos pedidos contra si formulados.
14. Quanto à primeira parte daquela fundamentação: “no caso dos autos, a própria autora alega (e assim o demonstra) que apenas comunicou a resolução do contrato à ré arrendatária;”, é certo que a Recorrente não comunicou a resolução do contrato à 2ª Ré, fiadora, ora Recorrida,
15. E não fez aquela comunicação porque o artigo 1041.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil a isso não obriga.
16. Através do documento nº 6 junto com a Petição Inicial, que é a carta remetida à 2º Ré, aqui Recorrida, e por ela recebida conforme aviso de recepção junto, documento esse que a Autora aqui Recorrente deu por integralmente reproduzido, e não veio a ser impugnado,
17. A 2ª Ré aqui Recorrida foi informada, enquanto fiadora, que a arrendatária tinha rendas vencidas em 08 de Junho de 2023, 08 de Julho de 2023 e 08 de Agosto de 2023, e não pagas, e foi interpelada para proceder à regularização dos valores devidos.
18. Através do mesmo documento foi a Recorrida notificada de que, na ausência de pagamento, a Autora poderia proceder à resolução do contrato de arrendamento.
19. No artigo 10º da Petição Inicial, foi alegado, e confessado por não ser objecto de impugnação, que em 17 de Agosto de 2023, a Autora aqui Recorrente interpelou a 1º e a 2º Rés para que estas regularizassem os valores em dívida, sob pena daquela vir a resolver o contrato de arrendamento celebrado com a 1ª Ré.
20. Assim, é de concluir que a 2ª Ré foi notificada, enquanto fiadora, da mora e das quantias em dívida, no prazo de 90 dias seguintes ao início da mora, que ocorreu em 09 de Junho de 2023, quanto à primeira renda em dívida, e em igual dia dos dois meses subsequentes, quanto às rendas seguintes também em dívida.
21. E é de concluir que foi notificada da intenção da Recorrente, enquanto senhoria, de resolver o contrato de arrendamento se os pagamentos que se encontravam em mora não viessem a ser pagos.
22. Mais, ainda que aquela notificação não acontecesse, a 2ª Ré, enquanto fiadora num contrato de arrendamento, e portanto conhecedora do teor do contrato, e tendo aí assumido todas as obrigações que do contrato poderiam advir, teria certamente o conhecimento de que, com o não pagamento das rendas em atraso de que foi notificada, caberia ao senhorio, aqui Recorrente a possibilidade de resolver o contrato de arrendamento.
23. Não está previsto qualquer normativo legal que obrigue o senhorio a comunicar ao fiador a resolução do contrato de arrendamento resultante do não pagamento de rendas.
24. O que apenas está previsto, no artigo 1041.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil, é a notificação do fiador nos 90 dias seguintes à mora e das quantias em dívida,
25. O que a Recorrente cumpriu escrupulosamente, ao notificar a 2ª Ré, no dia 18 de Agosto de 2023 (data da assinatura do aviso de recepção por parte da Recorrida), do valor das rendas que se encontravam em mora desde 08 de Junho de 2023.
26. Não impendia sobre a Recorrente, enquanto senhoria, efectuar uma notificação posterior àquela, à Ré fiadora, como veio a efectuar à Ré inquilina, para lhe comunicar a resolução do contrato, uma vez que essa imposição legal, prevista no nº 2 do artigo 1084º do Código Civil, apenas se torna necessária em relação ao arrendatário, e não em relação ao fiador.
27. Assim, é certo que a resolução do contrato não foi comunicada à 2ª Ré, enquanto fiadora, nem tinha de o ser, porque, nos termos do disposto no artigo 1041º do Código Civil, o fiador deve ser notificado sim da mora e dos valores em dívida, o que ocorreu.
28. Além de que, após a comunicação da resolução do contrato à arrendatária, em 21 de Setembro de 2023, foi intentada a acção judicial de despejo quer contra a arrendatária 1ª Ré, quer quanto à fiadora 2º Ré, aqui Recorrida.
29. Pelo menos nesse momento, no da citação da presente acção (que, segundo o aviso de recepção junto aos autos, ocorreu em 25 de Outubro de 2023), teria sido a Recorrida informada da resolução do contrato de arrendamento no qual assumiu a qualidade de fiadora.
30. Com a citação da presente acção, teve a 2ª Ré aqui Recorrida o conhecimento do pedido de indemnização igual ao dobro da renda por parte da Recorrente, enquanto senhoria, pela ocupação do locado após a resolução do contrato de arrendamento.
31. E, também no que a esta dívida concerne, foi cumprido o prazo de 90 dias previsto no artigo 1041º do Código Civil, pois que a resolução do contrato de arrendamento ocorre em Setembro de 2023 e a citação da acção verifica-se em Outubro de 2023.
32. A responsabilidade do fiador perante o senhorio pela indemnização da responsabilidade do inquilino correspondente ao valor da renda em dobro por cada mês de atraso na entrega do locado, integra-se no âmbito da fiança.
33. Aqui chegados, à falta de melhor entendimento, não se conforma a Recorrente com a absolvição da 2º Ré por não lhe ter sido comunicado a resolução do contrato de arrendamento, quando a lei a isso não obriga.
34. Relativamente à segunda parte da fundamentação aduzida pelo Tribunal de 1º Instância para absolver a 2ª Ré dos pedidos formulados contra si pela Recorrente, “não consta de qualquer parte na sua alegação ou na documentação junta que tenha sido comunicado à fiadora as quantias em dívida, no prazo de 90 dias após a mora.”, a Recorrente discorda em absoluto de tal fundamento, que está aliás em manifesta oposição com a matéria de facto dada como provado pelo mesmo Tribunal.
35. Reitera-se que, para além do alegado no artigo 10º da Petição Inicial, foi junto pela Recorrente o documento nº 6, do qual se extrai que extrai que foi comunicado à 2º Ré, enquanto fiadora, que os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2023, que deveriam ter sido pago até ao dia 08 de Junho de 2023, 08 de Julho de 2023 e 08 de Agosto de 2023, respectivamente, ainda não tinham sido pagos, e cujo pagamento se reclamou através daquele documento, assim como o pagamento do valor da electricidade referente aos consumos ocorridos até maio de 2023, no valor de 276,91€.
36. Não devem pois subsistir dúvidas, quer por força do alegado (que não foi contestado) quer por força do documento nº 6 junto aos autos (que foi dado como reproduzido e não mereceu impugnação por parte das Rés), que a 2º Ré aqui Recorrida foi notificada de que se considerava formalmente interpelada para, enquanto fiadora do contrato de arrendamento do qual emergem aquelas obrigações, proceder aos pagamentos em dívida, nos 90 dias seguintes ao seu vencimento.
37. Aliás, a decisão do Tribunal recorrido manifesta-se absolutamente contraditória com a factualidade por si dada como provada, mormente com os factos dados como provados nos pontos 3º, 4º, 12º, 13º e 14º plasmados na douta Sentença.
38. É portanto, errónea a decisão do Tribunal de 1ª Instância porque se alicerçou, por um lado, num entendimento que não tem colhimento legal (o de o fiador ter de ser notificado da resolução, para que lhe possam ser exigidas as rendas em dívida, ou as demais obrigações que possam decorrer da resolução contratual) e, por outro lado, numa alegada ausência de factualidade, que contradiz a decisão sobre a matéria de facto dada como provada que se encontra na mesma Sentença.
39. Dúvidas inexistem que foi cumprido pela Autora, ora Recorrente, o disposto no Artigo 1041.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil, e que se encontram preenchidos os pressupostos para a condenação da 2º Ré, aqui Recorrida, enquanto fiadora, nos termos peticionados,
40. Razão pela qual, deve a Sentença do Tribunal a quo ser revogada, no que à absolvição da 2ª Ré aqui Recorrida concerne, por violação do disposto no Artigo 1041.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil,
41. E deve ser substituída por decisão que a condene nos mesmos termos em que foi condenada a 1ª Ré, uma vez que aceitou a cláusula décima primeira do contrato de arrendamento por si outorgado, e, na qualidade de fiadora, assumiu solidariamente com a arrendatária o cumprimento de todas as obrigações decorrentes daquele contrato, até à efectiva restituição do locado, com renúncia ao benefício de excussão prévia.».
Terminou pedindo que a sentença do tribunal a quo seja revogada, no que à absolvição da 2ª ré CC concerne, por violação do disposto nos art.ºs 1041º, nºs 5 e 6 do CC, e que seja substituída por decisão que a condene no pagamento de 1.000,00€ (mil euros) correspondente ao valor em falta relativamente às rendas correspondentes aos meses de julho a setembro de 2023, no pagamento de 4.000,00€ (quatro mil euros) correspondente à indemnização igual ao dobro da renda ainda em falta, desde 21.10.2023 até 22.02.2024 (data em que a sentença foi proferida), bem como no pagamento de 1.000,00€ (mil euros) mensais até efectiva entrega do locado e ainda no pagamento de 276,91€ (duzentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de despesas de eletricidade assumidas pela recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são: a de averiguar o âmbito de aplicação do disposto no art.º 1041º, nºs 5 e 6 do CC e ainda a de saber se, no caso, a autora cumpriu o estipulado naqueles preceitos, devendo a fiadora da arrendatária ser responsabilizada, quer pelo pagamento das quantias não pagas por esta, quer pela indemnização pela mora na entrega no locado.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
«1) Mostra-se registada a favor da autora uma fração autónoma designada pela letra ..., correspondente a um T3, destinado a habitação, no ... andar, e garagem na cave, pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, com entrada pela Rua ...., freguesia ....
2) Através de acordo escrito intitulado “contrato de arrendamento urbano”, outorgado em 01 de novembro de 2022, a autora declarou dar o referido imóvel de arrendamento à primeira ré.
3) A segunda ré subscreveu o acordo declarando a qualidade de fiadora, mais afirmando na cláusula décima primeira do mesmo subscrever solidariamente com a primeira ré o cumprimento de todas as obrigações decorrentes daquele acordo, com renúncia ao benefício de excussão prévia.
4) Na cláusula 4.ª do documento, ficou acordado entre as partes que a autora pagaria uma renda mensal de €500,00, até ao oitavo dia do mês anterior aquele a que disser respeito, por transferência bancária.
5) A renda referente ao mês de dezembro de 2022 apenas foi paga no dia 12 de dezembro de 2022.
6) A renda referente ao mês de janeiro de 2023 apenas foi paga no dia 10 de janeiro de 2023.
7) A renda referente ao mês de fevereiro de 2023 apenas foi paga no dia 10 de fevereiro de 2023.
8) A renda referente ao mês de março de 2023 apenas foi paga no dia 14 de março de 2023.
9) A renda referente ao mês de abril de 2023 apenas foi paga no dia 08 de maio de 2023.
10) A renda referente ao mês de maio de 2023 apenas foi paga no dia 15 de maio de 2023.
11) A renda referente ao mês de junho de 2023 apenas foi paga no dia 28 de junho de 2023.
12) Em 17 de agosto de 2023, a autora interpelou as rés a fim de que que estas regularizassem os valores em dívida, sob pena de ser dado por resolvido o contrato de arrendamento.
13) À data, encontravam-se em dívida as rendas referentes aos meses entre Julho e Setembro de 2023.
14) As rés nada pagaram.
15) Em 01 de setembro de 2023, a autora remeteu notificação avulsa endereçada à primeira ré para que esta fosse notificada judicialmente da resolução do contrato de arrendamento referente à fração autónoma identificada em 1), e ainda para que esta entregasse o imóvel, livre de pessoas e bens, no estado de conservação em que o recebeu, e com todos os bens móveis que se encontravam no seu interior na data da celebração do contrato de arrendamento, assim como para proceder ao pagamento das rendas em atraso à data vencidas, acrescidas do valor da renda por cada mês de ocupação para além da data da resolução do contrato.
16) Fundamentou a autora tal pretensão na falta de pagamento da renda correspondente ao mês de julho de 2023, vencida no dia 08 de junho, da renda correspondente ao mês de agosto de 2023, vencida no dia 08 de julho e da renda correspondente ao mês de setembro de 2023, vencida no dia 08 de agosto, do valor de 500,00€ cada uma.
17) Mais constava da referida notificação, como fundamento da resolução, o incumprimento dos prazos de pagamento nos termos descritos de 5) a 12).
18) Mais constava da referida notificação que, apesar de a primeira ré se ter obrigado a pagar os consumos de eletricidade, no período de vigência do contrato de arrendamento, nos termos da cláusula sexta do contrato de arrendamento, não tinha restituído o valor suportado pela autora, no montante de 276,91€, referente aos períodos de 11 de novembro de 2022 a 10 de abril de 2023, e de 11 a 16 de maio de 2023.
19) A primeira ré foi notificada em 21 de setembro de 2023.
20) Em 05 de setembro de 2023, a primeira ré transferiu o valor de €500,00 para conta bancária da autora.
21) As rés nada mais pagaram até 27 de novembro de 2023, data em que pagaram €1.000,00, já após interposição da presente ação em 21 de outubro de 2023.
22) A primeira ré continua a ocupar o imóvel referido em 1).
23) No parágrafo 3 da cláusula 4.ª do acordo subscrito entre as partes, acordaram estas numa penalização de 50% do valor em atraso, no caso de atraso no pagamento superior a 50%.».
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3.2. Fundamentação de Direito

Na presente acção, tal conforme resulta do supra descrito, foi peticionado pela autora – para além do mais - a declaração de cessação do contrato de arrendamento e a condenação solidária das rés, na qualidade de arrendatária e fiadora, no pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como no pagamento do dobro do valor da renda mensal por cada mês de ocupação do imóvel locado para além da data de cessação do contrato e ainda no pagamento do valor de electricidade suportado pela autora.
No recurso, porém, apenas está em causa a decisão de absolvição da 2ª ré, demandada na qualidade de fiadora, defendendo a recorrente que o tribunal a quo incorreu em errónea subsunção dos factos ao direito, essencialmente, por duas ordens de razões:
- por um lado, alicerçou a decisão num entendimento que não tem colhimento legal - o de o fiador ter de ser notificado da resolução do contrato de arrendamento, atento o preceituado no art.º 1041º, nºs 5 e 6, do CC, na redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12.02, para que lhe possam ser exigidas as rendas em dívida, ou as demais obrigações que possam decorrer da resolução contratual; e
- por outro, desatendeu à matéria de facto dada como provada, da qual resulta ter sido dado cumprimento ao disposto nos referidos preceitos legais.
Assim sendo, importará antes de mais averiguar o âmbito de aplicação das normas em questão, as quais se encontram especificamente previstas para o tipo contratual em questão – contrato de arrendamento - quanto à notificação do fiador da mora e das quantias em dívida.
Sendo que, para tanto, não podemos perder de vista o regime geral da fiança previsto no art.º 627º e seguintes do CC.
Com efeito, prescreve o art.º 627º, nº 1, do CC, que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
Como explicita Antunes Varela “A fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor.” (in, Das Obrigações em Geral, II, 4ª edição, p. 465).
Embora o Código Civil não o refira expressamente é, hoje, entendimento praticamente pacífico que a fiança assume natureza contratual, ou seja, nasce de um acordo entre credor e fiador, sem necessidade do conhecimento ou vontade do devedor. Mas já se exige no art.º 628, nº 1, do CC que essa declaração que exprime a vontade de prestar fiança deve ser expressa, exigência que se explica pela gravidade que de tal vínculo pode resultar para o património do fiador.
E, ainda que não se exija a utilização da própria expressão fiança, deve a declaração do fiador nesse sentido ser inequívoca e não deixar quaisquer dúvidas que foi essa a sua vontade real.
A fiança é, assim, a garantia pessoal típica ou nominada, regulada no art.º 627º, e seguintes, do CC, pela qual um terceiro (fiador) assegura o seu património o cumprimento da obrigação do devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor deste.
Prestada a fiança, o credor passa a beneficiar da garantia especial do património do fiador e da garantia comum de todas as obrigações do devedor, constituída pelo património deste, em pé de igualdade com todos os credores (art.º 601º, do CC).
A obrigação do fiador é acessória da obrigação do devedor principal – nº 2, do art.º 627º, do CC. Constituída a fiança fica a existir, juntamente com a obrigação do devedor, a obrigação acessória do fiador, cobrindo a primeira e tutelando o seu cumprimento (cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 467). O fiador constitui-se no dever de cumprir a obrigação do devedor, quando este não o faça, sob pena de ser executado o seu património.
A relação de acessoriedade com a obrigação principal manifesta-se em vários aspectos do regime da fiança: requisitos da forma de declaração (art.º 628º, nº 1), âmbito da obrigação (art.º 631º, nº 1), validade da obrigação (art.º 632º), meios de defesa oponíveis ao credor (art.º 637º), extinção da obrigação (art.º 651º), natureza civil ou comercial (art.º 101º, do CCom.) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, anotação ao art.º 627º.
Além de acessória, a obrigação do fiador é em regra subsidiária, goza do benefício de excussão, que consiste no direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor (art.º 638º, nº 1, do CC), salvo em certas hipóteses, uma das quais a de haver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, ter assumido a obrigação de principal pagador, conforme previsto no art.º 640º, do CC.
Na verdade e conforme se afirma no ac. da RP de 14.12.2022, processo nº 1647/21.7T8MAI-A.P1, in www.dgsi.pt:
«A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 627º/2 CC) e subsidiaria, o que significa que o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída. Esta característica pode ser afastada por vontade das partes, o que acontece se o fiador renunciar ao benefício da excussão ou se tiver assumido a obrigação de principal pagador - art. 640 CC. Nestas circunstâncias na relação credor-fiador a responsabilidade do fiador, será solidária.
ROMANO MARTINEZ e FUZETA DA PONTE referem a este respeito: “[s]empre que assim aconteça, o fiador, ao lado do devedor, apresenta-se como principal pagador; ou seja, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis solidários pelo pagamento da dívida. Deste modo, o credor pode exigir a totalidade da dívida ao fiador ou ao devedor”[…].».
Por outro lado, a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, conforme determina o art.º 634º do CC.
E, quanto ao seu âmbito, a fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas (art.º 631º, nº 1, do CC), sendo que a responsabilidade do fiador abrange tudo aquilo a que o devedor principal está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art.º 798º do CC) ou a pena convencional que, porventura, se haja estabelecido (art.º 810º do CC).
Em anotação ao referido art.º 634º, do CC, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (in, obra citada, p. 467): “O fiador é responsável, portanto, não só pela prestação devida, como pela pena convencional (cfr. art.º 810.º), ou pela reparação dos danos, havendo culpa do devedor (cfr. art.º 798.º) salvo se outra coisa se tiver convencionado, já que, como resulta do artigo 631.º, n.º 1, a fiança pode ser contraída em menos onerosas condições.”.
No mesmo sentido, podemos ver, na doutrina, Menezes Leitão, in “Garantia das Obrigações”, edição de 2016, p. 109 e, na jurisprudência, o ac. da RP de 8.05.2023, relatado por Fátima Andrade, acessível in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, o fiador enquanto garante da dívida do arrendatário que outorga no contrato de arrendamento nessa qualidade, assume no contrato a posição de devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor senhorio, nos termos do art.º 627º nº 1 do CC, sendo à luz do que for expressamente estabelecido no contrato de arrendamento que se pode delimitar o âmbito da dívida que por ele é assumida e que tem apenas como limite a dívida principal que não pode exceder, podendo no entanto ser contraída por quantidade menor ou em condições menos onerosas do que aquela, conforme previsto no art.º 631º, nº 1 do CC [vide, neste sentido, ac. da RL de 13.10.2022, relatado por Inês Moura e acessível in www.dgsi.pt].
No caso em apreciação, a segunda ré, ora recorrida, subscreveu o contrato de arrendamento, declarando a qualidade de fiadora, ali constando expressamente na sua cláusula décima primeira: “O Terceiro Outorgante, na qualidade de fiador, renunciando ao benefício da exclusão prévia, assume solidariamente com a Segunda Outorgante o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e seus aditamentos até à efetiva restituição do locado arrendado, livre de pessoas e bens e declara que a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que se verifiquem alterações da renda agora fixada.”.
Deste modo, e porque a fiadora renunciou ao benefício da excussão prévia, nos termos previstos no art.º 640º, al. a) do CC, e se assumiu como principal pagadora ficou afastada a característica da subsidiariedade que regra geral acompanha a fiança e permite ao fiador obstar à execução do seu património enquanto não forem excutidos os bens do devedor ou o bem sobre que recaia garantia real, caso exista (cfr. art.ºs 638º e 639º do CC).
Consequentemente e por via do afastamento do benefício da excussão prévia, responde a fiadora perante o credor em termos solidários com o devedor, sendo a responsabilidade deste a medida da responsabilidade daquele.
Por outro lado, constata-se que a obrigação assumida pela fiadora no contrato de arrendamento em questão o foi de forma muito ampla, abrangendo todas as obrigações da inquilina decorrente do contrato até à efectiva restituição do locado.
Ou seja, a fiadora assumiu solidariamente com a inquilina as obrigações para ela resultantes do contrato de arrendamento celebrado até à efectiva entrega do locado, sendo assim igualmente responsável pelas consequências legais da mora no cumprimento de todas essas obrigações até que a entrega do imóvel objecto do contrato se concretize, conforme previsto no art.º 631º do CC.
Deste modo, a fiadora para além de assumir a obrigação pelo pagamento da renda [cfr. art.º 1038º, al. a), do CC], também se vinculou pelo cumprimento das demais obrigações resultantes do contrato para o inquilino/arrendatário, previstas no art.º 1038º, do CC.
Com efeito, a primeira e fundamental obrigação do locatário consiste no pagamento da renda, conforme decorre do art.º 1038º, al. a), do CC.
A sua violação permite ao locador a resolução do contrato (vide, art.ºs 1047º, 1048º, 1079º e 1083º, todos do CC) e faz incorrer em responsabilidade o locatário pelo acto que por ela comete.
Diz-se nomeadamente, no nº 3 do art.º 1083º do CC que, “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo seguinte.”.
Traduzindo-se no incumprimento do contrato pelo arrendatário, a falta de pagamento das rendas, melhor a mora superior a três meses no pagamento da renda, permite ao senhorio resolver o contrato de arrendamento (art.º 1083º, nº 1, do CC).
No âmbito do arrendamento urbano, como sucede no caso dos autos, se a causa de resolução for o não pagamento das rendas, admite-se que o senhorio a faça operar por comunicação ao arrendatário (art.º 1084º, nº 2, do CC).
Pretendendo o senhorio fazer operar a resolução por comunicação ao arrendatário, deve obedecer aos formalismos previstos no art.º 9º, nº 7, do NRAU, ou seja, ser efetuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, comprovadamente mandatado para o efeito.
Finalmente, declarada judicialmente a resolução do contrato de arrendamento, que opera a sua extinção, recai igualmente sobre a arrendatária a obrigação de restituir a coisa locada, em conformidade com o disposto nos art.ºs 1038º, al. i), 1043º, nº 1, e 1081º, nº 1, do CC.
A desocupação é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução (art.º 1087º do CC).

Por sua vez, o art.º 1045º dispondo sobre a indemnização pelo atraso na restituição da coisa, refere que:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”
O legislador fixa nesta norma a indemnização devida pelo locatário no caso do mesmo não cumprir a obrigação de entrega do locado, aqui se prevendo que continue a pagar o valor da renda acordada a título de indemnização, que é elevado ao dobro em caso de mora, como expressamente estabelecido no nº 2 deste artigo.
Na situação em presença, está assente e não é controvertido que o contrato foi resolvido extrajudicialmente pela autora, ora recorrente, e o locado devia ter sido entregue livre e desocupado até um mês após a comunicação da resolução. 
Assim, afigura-se-nos também inquestionável que a obrigação de pagamento da indemnização prevista no art.º 1045º nº 2 do CC, que incide sobre a arrendatária, pelo atraso culposo na entrega do locado, equivalente ao valor da renda mensal em dobro por cada mês de atraso na restituição do bem é igualmente responsabilidade da fiadora, em razão dos termos da fiança que prestou perante o senhorio aquando da celebração do contrato de arrendamento (cfr., a este propósito, o ac. da RP de 5.03.2018, processo nº 43/14.7T8PFR.P1, consultável in www.dgsi.pt).
Na sentença recorrida sustentou-se, porém, como vimos, que a fiadora não era responsável tanto pelo valor das rendas em falta, como pelo montante da indemnização pelo atraso na restituição do locado, por ter sido incumprido o disposto no art.º 1041º, nºs 5 e 6 do CC, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.02.
Com efeito, na fundamentação de direito da decisão ora em apreciação pode ler-se o seguinte:
Porém, no âmbito específico do contrato de locação, o artigo 1041.º, n.ºs 5 e 6, na versão em vigor desde 2019 (e tendo o contrato de arrendamento em causa nos autos sido celebrado em 2022), prevê que, no caso de existir fiança e o locatário não haja feito cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.
Mais, o senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.
Ora, no caso dos autos, a própria autora alega (e assim o demonstra) que apenas comunicou a resolução do contrato à ré arrendatária; não consta de qualquer parte na sua alegação ou na documentação junta que tenha sido comunicado à fiadora as quantias em dívida, no prazo de 90 dias após a mora.
Nestes termos, não assiste à autora o direito de exigir o seu direito de crédito contra a fiadora.”.
Vejamos, então.
O art.º 1041º, nºs 5 e 6 do CC, na redação dada pela Lei 13/2019 de 12/02, dispõe em concreto sobre a fiança no contrato de arrendamento, nos seguintes termos:
“5 - Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.
6 - O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efectuar a notificação prevista no número anterior.”
E preceituam os nºs 1 e 2 deste art.º 1041º que se insere na subsecção referente à obrigação de pagamento de renda ou aluguer:
“1 – Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta do pagamento.  
2 - Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.”.
Da leitura conjugada dos normativos vindos de citar, infere-se que a sanção prevista pelo legislador para a não notificação do fiador por parte do senhorio em caso de incumprimento do inquilino (que não faz cessar a mora nos termos do nº 2 deste artigo, ou seja, que não pague a renda no prazo de 8 dias após o começo da mora) é a da impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação em falta junto do fiador.
A notificação que o senhorio deve fazer ao fiador implica, portanto, a observância do prazo de 90 dias após o decurso dos 8 dias de mora mencionados neste nº 2, para que ao mesmo possa exigir o cumprimento da obrigação do seu inquilino desde o início da mora.
O estabelecimento do prazo ora em análise, acrescenta um outro nível de proteção ao fiador, garantindo, quando respeitado o prazo exigido à sua notificação da mora e quantias em dívida, que à data desta nunca estarão vencidas rendas de período superior a 4 meses [o mês da renda em mora, e – no máximo - as 3 subsequentes rendas que se vencem no período máximo de 90 dias]. Evitando a que só muito tardiamente e quando o valor da dívida é já muito elevado da mesma tome conhecimento. Quando em momento anterior poderia ter providenciado pelo pagamento dos valores em falta.
A notificação por parte do senhorio ao fiador é condição para o poder demandar ao cumprimento da dívida afiançada.” (cfr. ac. da RP de 8.05.2023, já acima citado).
Neste mesmo sentido, veja-se o ac. desta RG de 24.11.2022, processo nº 629/21T8CHV.G1, in www.dgsi.pt, no qual se pode ainda ler, “estes dois números foram aditados ao artigo 1041º pela Lei nº 13/2019, de 12/2, que estabeleceu medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
Portanto, nos termos do artigo 1041º, nºs. 5 e 6, do CCiv, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13.02.2019, caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação.
Tais normativos estabelecem novas condições para a exigibilidade de tal prestação ao fiador (...).”.
Ou ainda o ac. da RL de 21.05.2020, processo nº 2804/18.9T8CSC.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.: “Os números 5 e 6 do artigo 1041.º do Código Civil vieram, assim, conferir uma tutela específica ao fiador do arrendatário que, na medida da sua especificidade, afastam a aplicação das regras gerais da fiança. Assim, de acordo com o citado preceito, a mora não purgada do arrendatário, enquanto elemento constitutivo da responsabilização do fiador, constitui assim uma condição da ação, ou seja, elemento necessário para a procedência da pretensão deduzida, sendo que a exigibilidade do cumprimento das obrigações a cargo do fiador do arrendatário depende da notificação do senhorio ao fiador a que alude o artigo 1041.º, n.º 5, do Código Civil.”.
A dúvida que se ora levanta [e respeita ao objecto deste recurso] é se o fiador, por força dos aludidos normativos, para ser responsabilizado pela indemnização pelo atraso na restituição do locado, deverá ser também notificado da mora no cumprimento da restituição do locado ou ao menos, se deverá ser notificado da resolução do contrato.
Salvo melhor opinião, entendemos que não, socorrendo-nos do entendimento já preconizado no recente ac. da RP de 7.12.2023, processo nº 8632/19.7T8VNG.P1, ao qual aderimos na íntegra e que pela sua pertinência e clareza, passamos a citar:
«Desde logo, a norma em apreço, pela inserção sistemática (SUBSECÇÃO II - Pagamento da renda ou aluguer) e teor/regime, rege direta e imediatamente “apenas” quanto à indemnização pela mora no pagamento das rendas, que não genérica e indistintamente para qualquer outra das obrigações do arrendatário (...).
O teor literal da norma, ao referir-se no seu número 6, à satisfação dos direitos de crédito do senhorio sobre o arrendatário, está, pois, relacionado ao pagamento da renda e à indemnização moratória que pode ser exigida, “resolvendo”, a um tempo, controvérsia, mormente jurisprudencial, quanto à inclusão no âmbito das obrigações garantidas pelo fiador daquela indemnização moratória e uma das principais críticas ao sistema anterior, a de que permitia o acumular da indemnização a que o senhorio tem legalmente direito, promovendo a inércia do senhorio, em prejuízo do fiador, desprotegido enquanto estranho às vicissitudes do arrendamento mesmo.
O estabelecimento do prazo ora em análise, acrescenta um outro nível de proteção ao fiador, garantindo, quando respeitado o prazo exigido à sua notificação da mora e quantias em dívida, que à data desta nunca estarão vencidas rendas de período superior a 4 meses [o mês da renda em mora, e – no máximo - as 3 subsequentes rendas que se vencem no período máximo de 90 dias]. Evitando a que só muito tardiamente e quando o valor da dívida é já muito elevado da mesma tome conhecimento, quando em momento anterior poderia ter providenciado pelo pagamento dos valores em falta.
É que sempre, novamente dos pontos de vista literal e sistemático da interpretação, ausente uma referência legal a “quaisquer (outros) direitos de crédito” ou a “todos os direitos de crédito” do senhorio sobre o arrendatário naquele n.º 6 do artigo versado ou uma remissão para aquele mesmo número em sede agora de outras obrigações, v.g., nos artigos 1044º e 1045º do CC.
(…)
Donde, ao contrário da decisão recorrida, temos para nós que se evidencia que o regime do artigo versado, o dos números 5 e 6 do art. 1041º do CC, rege tão só quanto à indemnização moratória relativa à falta de pagamento das rendas pelo arrendatário, que não quanto a todas e quaisquer obrigações deste.
Fora daquele âmbito, o da introdução pela Lei n.º 13/2019, de uma condição de exigibilidade para a obrigação do fiador correspondente à indemnização pela mora do arrendatário pela falta de pagamento das rendas, continuam, na ausência de norma legal, a valer as regras ou disposições gerais do CC, quanto ao âmbito da responsabilidade do fiador.
Por isso que não se tem por necessária aquela notificação quanto a crédito distinto do da mora no pagamento das rendas.».
Acresce salientar que a mora na entrega do locado não ocorre com a mera comunicação da resolução do contrato [como se viu o locado só tem, em regra, de ser entregue um mês após a extinção do contrato – art.º 1087º, do CC], pelo que nenhum sentido faz exigir que esta comunicação se faça ao fiador para o responsabilizar pelas obrigações assumidas em resultado de tal mora. 
Assim sendo, no caso, e tendo em consideração os termos em que o acordo de fiança foi estipulado, nada obsta a que a fiadora, ora recorrida, possa ser responsabilizada pela mora na entrega do locado nos mesmos termos em que o foi a arrendatária.
Ou seja, deve a 2ª ré ser condenada solidariamente com a 1ª ré e enquanto fiadora no valor de € 4.000,00, correspondente à indemnização igual ao dobro da renda ainda em falta, desde 21.10.2023 até à data em que foi prolatada a sentença e no pagamento de € 1.000,00 mensais até efectiva entrega do locado.
O mesmo se diga quanto ao peticionado pagamento do valor de € 276,91, a título de despesas de electricidade assumidas contratualmente pela autora.
Isto assente, importa agora verificar se da matéria de facto resulta que foi cumprido o disposto no art.º 1041º, nºs 5 e 6, do NCPC quanto às rendas em dívida, conforme defende a recorrente.
Ora, efectivamente resulta da factualidade dada como provada que, em 17.08.2023, a autora interpelou ambas as rés – quer a arrendatária, quer a fiadora - a fim de que estas regularizassem os valores em dívida; que nessa data se encontravam em dívida as rendas referentes aos meses entre Julho e Setembro de 2023 e que as rés nada pagaram (cfr. pontos 12 a 14 do elenco dos factos provados).
Nesta perspetiva, cremos não subsistir qualquer dúvida que assiste razão à recorrente quando defende e peticiona que a recorrida seja igualmente condenada solidariamente com a 1ª ré e enquanto fiadora a pagar à autora as referidas rendas, pois, foi inteiramente respeitado o exigido pelos nºs 5 e 6 do artigo 1041º do CC, nos termos que já assinalámos, quanto às mesmas.
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Ante todo o exposto, procede integralmente o recurso interposto, impondo-se revogar parcialmente a sentença recorrida, no que respeita à absolvição da 2ª ré recorrida, condenando-se esta no pagamento de 1.000,00€ (mil euros) correspondente ao valor em falta relativamente às rendas correspondentes aos meses de julho a setembro de 2023; no pagamento de 4.000,00€ (quatro mil euros) correspondente à indemnização igual ao dobro da renda ainda em falta, desde 21.10.2023 até 22.02.2024 (data em que a sentença foi proferida), bem como no pagamento de 1.000,00€ (mil euros) mensais até efectiva entrega do locado e ainda no pagamento de 276,91€ (duzentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de despesas de eletricidade.
As custas do presente recurso são da responsabilidade da recorrida e as custas da acção são da responsabilidade de autora e rés, na proporção do decaimento e vencimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida, decidindo condenar a 2ª ré CC, na qualidade de fiadora e solidariamente com a 1ª ré BB, a pagar à autora AA a quantia de 1.000,00€ (mil euros) correspondente ao valor em falta relativamente às rendas correspondentes aos meses de julho a setembro de 2023; a quantia de 4.000,00€ (quatro mil euros) correspondente à indemnização igual ao dobro da renda ainda em falta, desde 21.10.2023 até 22.02.2024 (data em que a sentença foi proferida), bem como no pagamento de 1.000,00€ (mil euros) mensais até efectiva entrega do locado e ainda no pagamento de 276,91€ (duzentos e setenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de despesas de eletricidade.
Custas do recurso pela recorrida e custas da acção pela autora e rés, na proporção do decaimento e vencimento.
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Guimarães, 11.07.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria dos Anjos Melo Nogueira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Paulo Reis