RESOLUÇÃO DE CONTRATO PROMESSA
VÁRIOS PROMITENTES COMPRADORES
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Sumário


I - Numa situação de litisconsórcio necessário, a falta de qualquer parte, activa ou passiva, determina sempre a ilegitimidade das partes intervenientes na acção.
II - No caso de execução específica do contrato-promessa (art. 830º do Cód. Civil), havendo vários promitentes-compradores, a acção de cumprimento do contrato tem que ser instaurada por todos eles contra o promitente-vendedor, pois que só assim a sentença poderá produzir o seu efeito útil normal (art. 33º, n.º 2, do CPC).
III - Se a ação tiver por objeto a resolução do contrato promessa, fundada no incumprimento definitivo do contrato, e este tiver sido celebrado, por mais do que um promitente comprador, sem a intervenção conjunta de todos os promitentes-compradores a ação não poderá produzir o seu efeito útil normal.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA intentou contra BB, CC, EMP01... LTDA, e DD, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que:
«I – seja declarada nula a transmissão da propriedade do imóvel objeto da ação para o 3º Réu;
II – seja reconhecido o direito da Autora de finalizar a aquisição do imóvel acordada no contrato-promessa de compra e venda;
III – sejam os Réus condenados a indemnizar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais que causaram à Autora, no total de 43.000,00€, sendo:
a) 30.000,00€ de reembolso dos juros cobrados indevidamente (1º, 2º e 3º Réus solidariamente);
b) 5.000,00€ a título de dano moral pela cobrança de juros não previstos no contrato (1º, 2º e 3º Réus solidariamente);
c) 8.000,00€ a título de dano moral pelo corte indevido e sem aviso prévio dos serviços de eletricidade, água e gás no apartamento onde a Autora vive (todos os Réus solidariamente).
IV – a compensação dos créditos que a Autora tem a receber e a pagar dos Réus;
V – subsidiariamente, caso não se entenda pela condenação dos Réus nos termos dos artigos anteriores, requer a sua condenação a:
a) restituir em dobro à Autora o valor que já pagou até hoje pela pelo contrato (164.000,00€);
b) acrescido das benfeitorias que realizou no imóvel nos últimos 11 anos (40.000,00€);
c) restituir o valor dos juros cobrados indevidamente, sem previsão contratual (30.000,00€);
d) e indemnização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais (13.000,00€)».

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Citados, os RR. apresentaram contestação (ref.ª ...94 e ...45).
O co-Réu, DD, pugna pela total improcedência da acção.

Os co-RR., BB, CC, EMP01..., Lda, deduziram contestação-reconvenção, peticionando a condenação da Autora/Reconvinda a:
«a. Reconhecer que o contrato promessa de compra e venda celebrado em ../../2020 foi resolvido em 16-08-2017.
b. Por via de tal resolução, reconhecer que o Réu BB tem direito a fazer suas as quantias que lhe foram entregues pela Autora e EE no âmbito daquele mesmo contrato promessa de compra e venda.
c. Também por via de tal resolução, pagar ao Réu BB a quantia de 25.000,00 €, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa, correspondente á clausula penal aí fixada.
d. Reconhecer que o contrato de arrendamento com prazo certo para fim habitacional celebrado em ../../2017 foi objeto de não renovação, tendo cessado em 30-11-2020.
e. Pagar à Ré EMP01... Lda o valor das rendas relativas aos meses de agosto de 2019 a novembro de 2020, no total de 8.000,00 € (500,00 € x 16 meses).
f. Pagar à Ré EMP01... Lda uma indemnização pela ocupação e não restituição do local entre ../../2020 e ../../2021, correspondente ao valor da renda estipulado pelas partes elevado ao dobro (cfr. artº 1045º, nºs 1 e 2, do Código Civil), no total de 6.000,00 € (500,00 € x 6 meses x 2)
(…)».
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A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção (ref.ª ...22).
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A A. informou nos autos que foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/05/2021 nos autos de Insolvência de Pessoa Singular n.º 114/21...., do Juízo de Competência Genérica de ..., e transitada em julgado em 04/06/2021 (ref.ª ...57).
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Foi determinada a notificação da administradora da insolvência para requerer o que tivesse por conveniente (ref.ª ...62).
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A administradora da insolvência requereu a suspensão de todos os prazos processuais (ref.ª ...72).
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Notificada nos termos e para os fins do disposto no art. 85.º, n.º 1 do CIRE, a administradora da insolvência veio dizer inexistir interesse na apensação da ação ao processo de insolvência, tendo requerido o prosseguimento dos autos nos seus termos até final (ref.ª ...25).
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Por despacho de 4/11/2023, e com vista ao suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário legal, a autora foi convidada a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos arts. 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC (ref.ª ...74).
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Datado de 9/01/2024, foi proferido despacho saneador (ref.ª ...02), nos termos do qual a Exm.ª Juíza “a quo” decidiu julgar “verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa e, em consequência”, absolveu “os réus da presente instância”.
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Inconformada com o aludido despacho saneador, dele interpôs recurso a autora (ref.ª ...32), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria da Douta sentença de fls. que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolveu os réus da presente instância.
II. A Autora, ora Recorrente, não se conformando, na íntegra, com o teor da referida decisão proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal de ... Juiz ..., vem interpor o competente recurso de apelação
III. Entendeu o Tribunal ad quo que “tendo a ação como causa de pedir o não cumprimento de determinado contrato promessa de compra e venda, deve a mesma ser proposta por e contra todos os que celebram tal negócio.”
IV. A Recorrente em conjunto com seu agora ex-marido (promitentes compradores) e o 1º Réu, representado pelo 2º Réu (seu procurador) celebraram, em novembro de 2010 contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma ... com o lugar de garagem com a letra ... do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69, (artigo ...) correspondente ao ... andar do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., ... ....
V. Pela aquisição, a Recorrente e o ex-marido pagariam ao 1.º Réu a quantia de 130.000,00€ (cento e trinta mil euros), tendo sido 1.000,00€ (mil euros) pagos no momento da assinatura do contrato como sinal, devendo o restante, 129.000,00€ (cento e vinte e nove mil euros) ser pago faseadamente.
VI. Durante a execução do contrato a Recorrente e seu ex-marido enfrentaram uma série de dificuldades financeiras, que os levaram a renegociar os termos do contrato com o promitente-vendedor.
VII. Em 2017, a Recorrente e o seu ex-marido, procuraram o 1.º Réu de forma a acordar um pagamento do valor remanescente (48.000,00€) de forma faseado, acordo esse que este recusou uma vez que pretendia receber o valor por inteiro.
VIII. O 1.º Réu propôs um contrato de arrendamento de forma a possibilitar à Recorrente e ao ex-marido o pagamento mensal de um determinado montante (ficou estipulado o pagamento mensal de 200,00€) até que estes conseguissem reunir a totalidade do valor em falta para o pagamento do referido imóvel.
IX. Tal contrato não era mais do que uma possibilidade de pagamento faseado até a Recorrente reunir a totalidade do montante em falta.
X. Em ../../2020, a Recorrente e o agora ex-marido divorciaram-se.
XI. Na sequência do divórcio ficou acordado que o dito contrato de arrendamento passaria a figurar apenas no nome da aqui Recorrente.
XII. O referido contrato apenas foi usado para permitir à Recorrente ir reduzindo o valor total do valor em falta para o pagamento do imóvel.
XIII. Assim, quando o acordo de divórcio definiu que a concentração do contrato de arrendamento ficaria inteiramente a favor da aqui Recorrente, foi pacífico entre ambos os membros do ex-casal que tal se remeteria aos direitos e deveres decorrente daquele imóvel, nomeadamente ao contrato promessa de compra e venda anteriormente realizado.
XIV. Tanto assim é que o acordo entre o ex-casal estabelecia que o imóvel ficaria para a Recorrente e o ex-marido ficaria com um estabelecimento comercial.
XV. Como tal, não teria qualquer sentido a Recorrente trocar a propriedade de um estabelecimento comercial por um contrato de arrendamento.
XVI. Dessa forma, a Recorrente entendeu, e continua a entender, que o ex-marido não tem qualquer interesse subjacente nos presentes autos.
XVII. Entender que o mesmo deve assumir a mesma posição processual da Recorrente seria possibilitar a este um ganho injustificado, na medida em que parte do eventual sucesso da Recorrente nos presentes autos seriam distribuídos por aquele.
XVIII. O que mais uma vez, com o devido respeito, não pode a Recorrente permitir que suceda.
XIX. Além do referido, todos os assuntos relativos ao imóvel sempre foram tratados pela Recorrente, inclusivamente todos os acordos de pagamento e o contrato de arrendamento.
XX. Para se apurar da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação – tem, apenas, de se levar em consideração o concreto pedido formulado e da respetiva causa de pedir, aferindo-se a legitimidade processual pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é, tão só, nestes termos que tem que ser apreciada;
XXI. Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Araújo de Barros (sendo os preceitos referidos de anterior redação do CPC) “A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art.º 288º, nº 1, al. d), do C.PC.) - que se não confunde coma denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse direto do autor em demandar e pelo interesse direto do réu em contradizer (art.º 26º, nº 1, do mesmo diploma).”
XXII. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art.º 26º).
XXIII. Na verdade, a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é o objeto do processo, em face do qual se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objeto dependam.
XXIV. Ora, contrariamente ao referido na Douta sentença recorrida, não carece de estar em juízo o ex-marido da Recorrente, isto porque, à data da propositura da ação estes já se encontravam divorciados.
XXV. O divórcio dissolve o casamento, fazendo cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges.
XXVI. Sempre que o regime de bens for um regime de comunhão, a partilha é a forma a que há que recorrer para proceder à divisão do património comum que se criou com o casamento.
XXVII. Conforme referido no artigo 1689.º, n.º1 do Código Civil “cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.”
XXVIII. Foi precisamente isso que a Recorrente e o ex-marido fizeram aquando do divórcio definindo que todas as questões relacionadas com o imóvel pertenceriam exclusivamente à Recorrente.
XXIX. Como tal, o ex-marido não tem qualquer interesse na relação material controvertida dos presentes autos.
XXX. Motivo pelo qual não existe qualquer preterição de litisconsórcio necessário conforme decidido na sentença ora recorrida, devendo a ação prosseguir os seus trâmites normais.

TERMOS EM QUE DEVE A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA SER REVOGADA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE CONSIDERADA PARTE LEGITIMA NOS PRESENTE AUTOS, SEGUINDO-SE DEMAIS TRAMITAÇÃO LEGAL
FAZENDO-SE ASSIM HABITUAL JUSTIÇA!
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...66).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a (única) questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se ocorre, ou não, a excepção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário ativo.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Dá-se como provado:
1. A Autora e o seu agora ex-marido, EE, na qualidade de promitentes compradores, e o 1º Réu, na qualidade de promitente vendedor, representado pelo 2º Réu (seu procurador), celebraram, em 1 de novembro de 2010, contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma ... com o lugar de garagem com a letra ... do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69, (artigo ...) correspondente ao ... andar do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Av. ..., ..., ... ... (Doc. 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
2. Nos termos do referido contrato, o 1º R. prometeu vender a referida fração à A. e ao seu então marido, e estes, por sua vez, prometeram comprá-la, pelo preço de 130.000,00€, tendo sido 1.000,00€ pagos no momento da assinatura do contrato como sinal, devendo o restante, 129.000,00€, ser pago faseadamente (Doc. 4 junto com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
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V. Fundamentação de direito.

1. Da ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário ativo.
Na apelação interposta, pugna a autora/recorrente no sentido da inverificação da ilegitimidade ativa, por preterição do litisconsórcio necessário, na medida em que o seu ex-marido, apesar de também figurar no contrato-promessa como promitente comprador, não carece de estar em juízo, porquanto, à data da propositura da ação, já se encontravam divorciados, não tendo o mesmo qualquer interesse na relação material controvertida dos presentes autos.
Conclui, por isso, pela inverificação da apontada excepção dilatória, com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo a recorrente ser considerada parte legitima nos autos e seguir-se a demais tramitação legal.
Vejamos.
A falta de legitimidade das partes processuais é, no nosso direito processual civil, uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, verificada, obsta a que o juiz conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (arts. 30º, 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, n.º 1, al. e), 578º e 278º, n.º 1, d), todos do CPC).
Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora[1], “ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível”.
Para aferir da legitimidade processual o que importa é apurar qual a posição da parte perante o objeto do processo e não se o mesmo é titular do direito que se arroga. A legitimidade processual é, por conseguinte, uma posição exigida às partes em relação ao concreto objeto processual[2].
Trata-se, por conseguinte, de um dos chamados pressupostos processuais relativo às partes, requisito essencial de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida.
Diversamente da personalidade e da capacidade judiciárias que assentam em qualidades pessoais das partes relativamente à generalidade das ações ou a uma determinada categoria de ações, a legitimidade processual (que pressupõe aqueles dois pressupostos processuais) prende-se com a posição da parte relativamente a uma determinada e concreta ação, posição essa que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta[3].
O critério aferidor do conceito de legitimidade encontra-se previsto no art. 30º do CPC.
Diz-nos o n.º 1 que o “autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
O critério-base para aferir da legitimidade é, portanto, o do interesse direto.
O interesse, seja em demandar, seja em contradizer, terá, pois, de ser direto, não bastando que seja indireto, reflexo ou derivado[4], nomeadamente de natureza afetiva, parental ou moral[5].
Para avaliar desse interesse de que resulta a legitimidade, prescreve o n.º 2 do art. 30º do CPC que o “interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
O critério da utilidade ou prejuízo previsto no normativo citado, concretizando ou aprofundando o critério-regra, afere-se “em face da petição e segundo um juízo de prognose: supondo-se que o pedido seja procedente”.
Ou seja, o autor é parte legítima sempre que a procedência da ação (previsivelmente) lhe venha a conferir (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade e o réu será parte legítima sempre que se vislumbre que tal procedência lhe venha a causar (a si e não a outrem) uma desvantagem[6].
Residualmente, ou seja, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor (n.º 3 do art. 30º do CPC).
Trata-se da consagração do critério formal da titularidade, nos termos do qual “a titularidade da alegada relação material surge como modo de descobrir o interesse directo na acção, sendo uma forma «implícita» de aferição de legitimidade[7].
A regra, no processo é a da dualidade das partes legítimas (autor e réu, exequente e executado) mas, muitas vezes, em lugar de um só autor ou de um só réu, a acção é proposta por vários autores ou contra dois ou mais réus, o que se traduz, portanto, numa pluralidade das partes ou em legitimidade plural.
Um dos casos de pluralidade é o de litisconsórcio (activo se tratar de mais de um autor, passivo se a plura­lidade disser respeito aos demandados), que pode ser voluntário ou conveniente, quando a intervenção, na relação processual, da pluralidade de sujeitos é meramente consentida (art. 32º do CPC) ou necessário, se imposto por lei ou pelo negócio jurídico em apreço (art. 33º, n.º 1) ou, ainda, quando, pela própria natureza da relação jurídica, a inter­venção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art. 33º, n.º 2), sendo que “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado” (n.º 3 do citado normativo).
No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados. A falta de qualquer parte, activa ou passiva, numa hipótese de litisconsórcio necessário determina sempre a ilegitimidade das partes intervenientes na acção (art. 33º, n.º 1, do CPC). O mesmo será dizer que os intervenientes na acção não têm legitimidade, se desacompanhados dos restantes que nela deviam figurar.
No caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes” (art. 35º do CPC).
Exemplo de litisconsórcio necessário legal é o litisconsórcio conjugal, previsto no art. 34.º (“Ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges”), que distingue entre legitimidade activa (n.ºs 1 e 2) e passiva (n.º 3).
O n.º 1 da citada disposição legal prevê que «[d]evem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família».
Nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o objecto do processo for, designadamente, bens imóveis próprios ou comuns, salvo se os cônjuges forem casados no regime de separação de bens (art. 1692º-A, n.º 1, do CC).
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[8], «[a] aplicação do preceito exige a consideração de ambos os resultados possíveis de uma acção: a procedência (efeito favorável) e a improcedência (efeito desfavorável)» e o «disposto no artigo tem de ser visto em estreita conexão com o regime substantivo, nomeadamente quanto à disposição de bens pelos cônjuges (art. 1682.º a 1683.º CC) e à responsabilidade pelas dívidas dos cônjuges (art. 1695.º e 1696.º CC). A função instrumental do pc obsta a que o processo possa ser utilizado como forma de modificar o regime substantivo».
Atentando, por sua vez, no litisconsórcio necessário natural (art. 33º, n.º 2, do CPC), de harmonia com a definição legal, o efeito útil normal da decisão é atingido quando sobrevém uma regulação definitiva da situação concreta das partes – e só delas – quanto ao objecto do processo e, por isso, o efeito útil normal pode ser conseguido ainda que não estejam presentes todos os interessados e em que, portanto, a ausência de um deles nem sempre constitui um obstáculo a que esse efeito possa ser atingido, conclusão que é imposta pelo facto de a lei admitir expressamente a não vinculação de todos os interessados (art. 33º, n.º 3, do CPC)[9].
Assim, deve concluir-se que na determinação do litisconsórcio releva apenas a eventualidade de a sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes.
Portanto, o litisconsórcio natural verifica-se, seguramente, quando sem a participação de todos os interessados, não é possível uma composição definitiva dos seus interesses[10]. A questão está no facto de só dessa forma (com todos os interessados presentes no processo), se conseguir a definitiva composição do litigio.
É o que ocorre, por exemplo, na acção de divisão de coisa comum, na acção de prestação de contas e na acção de revindicação de uma fracção autónoma de um imóvel em propriedade horizontal, com fundamento, na sua ocupação como parte comum, pelos condóminos que tem de ser proposta contra todos eles.
Todavia, a jurisprudência tem decidido que o litisconsórcio natural também se impõe quando a presença em juízo de todos os interessados seja necessária para garantir uma decisão uniforme entre eles, isto é, quando a ausência de qualquer dos interessados possibilite uma nova acção sobre a mesma relação e possa originar decisões contraditórias entre eles. Segundo esta orientação, o litisconsórcio natural é imposto, por exemplo, na acção de declaração de nulidade da venda de um imóvel que deve ser proposta por todos os herdeiros do vendedor[11] na acção de declaração de nulidade, por simulação de alienação de um lote de acções que deve instaurada contra todos os simuladores[12], na acção de preferência que deve ser proposta por todos os comproprietários[13], na acção de anulação de contrato promessa de compra e venda, que deve ser promovida por todos os promitentes-compradores[14] e na acção na qual se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, em que é necessário demandar todos os intervenientes nesse negócio[15].
Quer dizer, o litisconsórcio natural é imposto quer por razões de compatibilidade lógico-jurídica, quer por motivos de coerência prática, isto é, o litisconsórcio necessário deve constituir-se não apenas nos casos em que a repartição dos vários interessados por acções distintas impeça uma composição definitiva entre as partes na causa, mas também nas situações em que a repartição dos interessados por acções distintas possa obstar a uma solução uniforme entres todos eles[16].
Será em função de cada litígio (numa ponderação casuística) que poderá determinar-se se uma projectada sentença de mérito tem ou não virtualidade para, de modo definitivo, resolver o litígio entre as partes, ainda que porventura esteja pendente ou venha a estar instaurada outra acção com outros sujeitos do lado activo ou passivo[17].
Nos presentes autos está em causa o (in)cumprimento de um contrato promessa (bilateral) de compra e venda de uma fração autónoma de um imóvel constituído em propriedade horizontal identificado nos autos, celebrado pela autora e pelo seu ex-marido, na qualidade de promitentes compradores, com o 1.º réu, na qualidade de promitente vendedor, representado pelo 2.º réu, seu procurador.
O objecto da causa (configurado pela conjugação entre a causa de pedir e os pedidos formulados) consiste, a título principal, na nulidade da transmissão da propriedade do imóvel objeto da ação para o 3º Réu, bem como no exercício do direito previsto no art. 830º do Código Civil (execução específica), corporizado no pedido de reconhecimento do direito da Autora de finalizar a aquisição do imóvel acordada no contrato-promessa de compra e venda; a título subsidiário, e no caso de incumprimento definitivo do contrato, no exercício da faculdade prevista no início da 2ª parte do n.º 2 do art. 442º do Código Civil: a restituição do sinal em dobro.
O referido contrato-promessa foi celebrado entre o 1º Réu, como promitente-vendedor, e a Autora e o seu, então, marido, como promitentes-compradores.
Estreitando caminho dir-se-á que, mesmo que os promitentes-compradores ainda fossem casados entre si, na presente acção não se verificaria a situação decorrente do art. 34.º, n.º 1, do CPC. Não está em causa a alienação de qualquer bem ou a perda de qualquer direito que implicasse a necessidade de litisconsórcio. Pelo contrário, o que está mediatamente em causa é a aquisição definitiva de um bem pelos promitentes-compradores.
Apenas se imporia a intervenção de ambos os cônjuges (outorgando os dois ou um com o consentimento do outro) na alienação ou oneração de bens imóveis, conforme o disposto no art. 1682º-A do CC, o que não sucede no caso em que a autora e o seu ex-marido intervêm no contrato na posição de promitente-compradores. Aliás, mesmo quando devam intervir ambos os cônjuges no contrato definitivo, quando haja alienação, e não aquisição, nem aí se exige para a validade do contrato-promessa uma intervenção dupla: a promessa é válida[18], apenas passando o cônjuge vinculado (outorgante) a estar obrigado a obter o consentimento do outro (não outorgante) para a celebração do contrato definitivo, sob pena de incorrer em responsabilidade civil contratual[19].
Com efeito, numa ação para execução específica do contrato-promessa no qual interveio apenas um dos cônjuges, se um contrato-promessa for celebrado (designadamente como promitente vendedor) apenas com um dos cônjuges, o contrato, apesar de válido, não vincula o cônjuge não interveniente. Para que o contrato-promessa seja cumprido, é necessário que o cônjuge do outorgante queira cumprir o contrato-promessa. Numa ação para execução específica do contrato-promessa em que seja demandado apenas o outorgante no contrato, o tribunal não se pode substituir ao cônjuge do outorgante na emissão da declaração de vontade que esta não está vinculada a emitir.  Por isso, para que seja possível a execução específica, substituindo-se o tribunal às partes, ambos os cônjuges devem ser demandados em litisconsórcio, sob pena da ação se tornar inviável[20].
Afastada, por conseguinte, a aplicação do regime do litisconsórcio entre cônjuges previsto no art. 34º do CPC, não o impondo a lei, nem existindo, no caso, convenção das partes em tal sentido, importa apenas considerar se ocorre uma situação de litisconsórcio natural, posto que o contrato promessa objeto dos autos não foi outorgado apenas por um dos cônjuges, mas sim pelos dois, na qualidade de promitentes compradores, havendo pluralidade de partes desse lado.
Haverá, assim, que indagar se a natureza da relação jurídica em discussão exige a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter possa produzir o seu efeito útil normal. 
No que especificamente respeita às acções derivadas de contrato promessa há, essencialmente, que destrinçar três situações[21].
i) No caso de execução específica do contrato-promessa (art. 830º do CC), sendo vários os promitentes compradores, todos têm de estar em juízo para que a decisão possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Trata-se de litisconsórcio necessário activo, pois a não intervenção de todos os promitentes compradores abalaria a estabilidade que se procura e deseja, deixando aberta a porta à possibilidade de outros interessados da mesma relação jurídica suscitarem nova demanda, em que poderão obter decisão diferente[22]. Por outro lado, se o promitente vendedor é casado, deverá ser demandado igualmente o seu cônjuge nos termos do art. 34º, n.º 3, do CPC.
Escreve a este propósito Ana Prata[23]:
«Ainda nas hipóteses de pluralidade de partes, pode o litisconsórcio, que em princípio seria voluntário, tornar-se necessário por só a intervenção de todos os interessados permitir que a decisão na ação de execução especifica produza o seu efeito útil e normal; será esse o caso quando, sendo vários os promissários da celebração do contrato, vierem eles recorrer ao tribunal para obter a satisfação do respectivo direito. Numa hipóteses destas, a proposição da acção por apenas um ou alguns dos promissários não inviabilizaria a procedência dela por lhe(s) faltar legitimidade substancial para a conclusão do contrato definitivo; porém, emitida a sentença que substitui este último, os restantes promissários ficariam na situação ou de ver definitivamente prejudicado o respectivo direito, por estar já estabelecida a relação contratual a que também tinham direito, ou na de vir pretender uma inviável alteração da sentença constitutiva de tal relação de forma a torná-los também parte no contrato principal. Em tal situação, é, pois, a natureza da relação jurídica que impõe a intervenção de todos os interessados, isto é, o litisconsórcio activo necessário, para que a sentença possa produzir o seu efeito útil normal» (pretérito art. 28º, n.º 2, do CPC; actual art. 33º, n.º 2, do CPC).
ii) Na situação de ação de anulação do contrato promessa, deve ser demandado o cônjuge do promitente vendedor, mesmo que não tenha intervindo no contrato promessa. Devem também estar na ação todos os intervenientes no contrato[24], ainda que a declaração de nulidade seja deduzida em sede reconvencional e havendo credor hipotecário, com o seu direito já registado, o mesmo também deve ser demandado, sob pena de ilegitimidade;
iii) Se a ação tiver por objeto a resolução do contrato promessa, fundada no incumprimento definitivo do contrato, e este tiver sido celebrado, de um lado ou de ambos os lados, por mais do que um promitente, a ação resolutiva carecerá de ser instaurada por todos para produzir os efeitos desejados[25].
Como se decidiu no Ac. da RP de 25/01/2007 (relator Manuel Capelo), in www.dgsi.pt., atendendo a que foram dois promitentes compradores – sendo que só um deles instaurou a ação que visava a resolução de contrato por alegado incumprimento do promitente vendedor –, haverá ilegitimidade do autor, não podendo a ação, sem a intervenção conjunta de todos os promitentes- compradores, produzir o seu efeito útil normal.
Perante este entendimento e em face da evidência normativa de subjacente ao litisconsórcio necessário estar a consideração da “necessidade da obtenção de uma decisão una em face de todos os interessados”, pode dizer-se que a razão do litisconsórcio necessário está na “impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o (…) sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar[26].
Ora, temos para nós ser esta a situação em causa nos autos.
O contrato que, neste processo, e a título principal se quer ver cumprido ou, a título subsidiário, resolvido, para que dele se possam extrair os efeitos peticionados (a execução específica na primeira hipótese; o reembolso do sinal em dobro, na segunda) foi celebrado pela autora e pelo seu então cônjuge, como promitentes-compradores, e pelo 1º Réu, como promitente vendedor.
A relação material controvertida respeita a todos eles. O contrato-promessa de compra e venda cuja execução específica é pretendida pela Autora, promitente compradora, é incindível, pelo que existindo vários promitentes compradores, todos terão de estar em juízo para que a decisão possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. O interesse de cada um respeita a todo o contrato, mormente à sua validade e cumprimento e não é caso de um só deles poder exercer o direito invocado, o que é característico das obrigações solidárias.
Sendo dois os promitentes-compradores num contrato de compra e venda, não pode apenas um deles, como autor, sob pena de ilegitimidade, pedir a execução específica do contrato, nem, subsidiariamente, a resolução de contrato por alegado incumprimento do promitente vendedor.
A intervenção conjunta de todos os promitentes compradores tem-se por indispensável para que a decisão da causa possa produzir o seu efeito útil normal. A decisão a proferir (execução específica do contrato ou, a título subsidiário, a declaração de resolução do contrato por incumprimento do 1º Réu), que não seja no confronto de todos os interessados, além de não vincular os terceiros interessados, pode não regular definitivamente a situação das partes.
Há uma situação de litisconsórcio natural, imposto pela própria natureza da relação.
Reiterando as palavras de Ana Prata[27] – na hipótese de, havendo vários promissários da celebração do contrato, um deles pretenda obter a execução especifica do contrato –, em “tal situação, é, pois, a natureza da relação jurídica que impõe a intervenção de todos os interessados, isto é, o litisconsórcio activo necessário, para que a sentença possa produzir o seu efeito útil normal” (art. 33º, n.º 2, do CPC).
Sem essa intervenção dos vários interessados, a decisão não regula definitivamente a situação das partes quanto aos pedidos formulados. Declarada a execução específica ou resolvido o contrato promessa celebrado por incumprimento da Ré, podia a questão voltar a ser suscitada, a solicitação do outro contraente e, como hipótese possível, com solução contrária à proferida nesta causa.
Subscreve-se, por isso, a conclusão explicitada pela Mm.ª Juíza “a quo”, no sentido de, «estando em causa aferir do cumprimento ou incumprimento de determinado contrato promessa de compra e venda, com vista, entre o mais, a obter a celebração do contrato prometido, carecem de estar em juízo os demais intervenientes no aludido negócio, do lado activo, verificando-se uma situação de litisconsórcio necessário».
No tocante aos argumentos invocados pela recorrente – durante a execução do contrato a recorrente e o seu ex-marido enfrentaram uma série de dificuldades financeiras, que os levaram a renegociar os termos do contrato com o promitente-vendedor, tendo o 1.º Réu recusado o pagamento do valor remanescente de forma faseado e proposto um contrato de arrendamento de forma a possibilitar à recorrente e ao ex-marido o pagamento mensal de um determinado montante até que estes conseguissem reunir a totalidade do valor em falta para o pagamento do referido imóvel; a recorrente e o agora ex-marido divorciaram-se em ../../2020, sendo que na sequência do divórcio ficou acordado que o dito contrato de arrendamento passaria a figurar apenas no nome da recorrente; o referido contrato apenas foi usado para permitir à recorrente ir reduzindo o valor total do valor em falta para o pagamento do imóvel; assim, quando o acordo de divórcio definiu que a concentração do contrato de arrendamento ficaria inteiramente a favor da recorrente, foi pacífico entre ambos os membros do ex-casal que tal se remeteria aos direitos e deveres decorrente daquele imóvel, nomeadamente ao contrato-promessa de compra e venda anteriormente realizado; tanto assim é que o acordo entre o ex-casal estabelecia que o imóvel ficaria para a recorrente e o ex-marido ficaria com um estabelecimento comercial; como tal, não teria qualquer sentido a recorrente trocar a propriedade de um estabelecimento comercial por um contrato de arrendamento; a recorrente entendeu, e continua a entender, que o ex-marido não tem qualquer interesse subjacente nos presentes autos; entender que o mesmo deve assumir a mesma posição processual da recorrente seria possibilitar a este um ganho injustificado, na medida em que parte do eventual sucesso da recorrente nos presentes autos seriam distribuídos por aquele; além de que todos os assuntos relativos ao imóvel sempre foram tratados pela recorrente, inclusivamente todos os acordos de pagamento e o contrato de arrendamento –, revemo-nos por inteiro na fundamentação aduzida na decisão recorrida.
Isto porque à verificação, no caso, de uma situação de litisconsórcio necessário natural é indiferente ou irrelevante a «alegação de que, na sequência do divórcio, a autora e o seu ex-marido acordaram que o imóvel objecto do contrato em causa lhe seria atribuído (cfr. artigo 13.º da petição inicial). O que, de resto, além de contender com as relações internas entre os promitentes compradores, teria de ser demonstrado, sendo certo que, analisado o documento n.º 9 oferecido como suporte a um tal alegado acordo, conclui-se que tal alegação constitui uma conclusão erradamente extraída de um acordo que não versou sobre o contrato promessa de compra e venda (versando antes sobre o direito ao arrendamento)».
Consequentemente, é de concluir estarmos na presença dum caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica litigada, no qual, ab initio ou posteriormente, o outro promitente comprador não foi chamado à acção – no caso, o ex-marido da Autora, EE –, que, assim, não teve oportunidade processual de se pronunciar sobre questão que lhe diz directamente respeito e que afecta a respectiva esfera jurídica.
A Mm.ª Juíza “a quo” providenciou pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando a parte a suprir a mencionada excepção dilatória [arts. 6º e 590º, n.º 2, al. a), do CPC], o que não foi por esta acatado.
Como não foi sanada a falta na sequência do convite formulado pelo Tribunal da 1ª instância, a ausência na acção do outro promitente comprador origina a ilegitimidade da autora, em conformidade com o disposto nos arts. 33º, n.º 2, e 577º, al. e), do CPC.
Daí que nenhuma censura mereça a decisão recorrida ao absolver os Réus da instância por considerar a Autora parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário, que é a consequência decorrente do disposto nos arts. 278º, n.º 1, al. d), e 576º, n.º 2, ambos do CPC.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da Autora/apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 11 de julho de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Ana Cristina Duarte (1ª adjunta)
Joaquim Boavida (2º adjunto)



[1] Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 129.
[2] Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 111.
[3] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 131.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., p. 84, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 135, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, Almedina, p. 92.
[5] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 382.
[6] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 74.
[7] Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 114.
[8] Cfr. Código de Processo Civil Online, vol. 1 (arts. 1º a 129º), versão de 2024/04, p. 46.
[9] Cfr. Ac. da RC de 08/11/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
[10] Como se explicita no Ac. do STJ de 22/10/2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., «é absolutamente indiscutível a necessidade do litisconsórcio naqueles casos em que a repartição dos vários interessados por acções distintas fosse de molde a impedir uma composição definitiva mesmo entre as próprias partes na causa, ficando a própria afectação ou repartição dos bens, operada no confronto de A e de B, sujeita a uma inevitável e incontornável precariedade, já que tal afectação teria necessariamente de ser rediscutida e reapreciada no âmbito das acções que viessem a ser ulteriormente movidas pelos restantes interessados: é a situação típica dos juízos divisórios (acção de divisão de coisa comum, rateio de um montante indemnizatório legalmente fixado entre os vários lesados de um mesmo acidente - cfr. assento de 29/5/56) (…)».
[11] Cfr. Ac. da RL de 18.02.76, CJ, T. I, p. 239.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 16.07.85, BMJ n.º 349, p. 405.
[13] Cfr. Ac. da RP de 03.04.1986, BMJ n.º 356, p. 440 e Ac. do STJ de 16/06/2015 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. do STJ de 18.02.88, BMJ n.º 374, p. 410.
[15] Cfr. Ac. da RC de 17.04.90, BMJ n.º 396, p. 447.
[16] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pp. 161/163, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina,  p. 63 e o Ac. da RC de 08/11/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, pp. 81/82.
[18] A simples promessa de disposição de imóveis não carece do consentimento, não suscitando dúvidas a validade do contrato-promessa, sem eficácia real, através do qual apenas um dos cônjuges se tenha vinculado a vender um imóvel próprio ou comum, seja qual for o regime matrimonial de bens. Quedamo-nos num domínio meramente obrigacional: o direito prometido alienar ou onerar produz efeitos meramente obrigacionais, não importando a oneração ou alienação de um qualquer direito real sobre imóvel (cfr. Remédio Marques, Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), Almedina, 2020, anotação ao artigo 1682º-A, p. 268.
[19] Cfr. Acs. do STJ de 6/05/2008 (relator Mário Cruz) de 3/11/2011 (relator Álvaro Rodrigues) e o Ac. da RP de 12/04/2012 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Joel Timóteo Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. III, Excepções da Instância, Quid Juris, 2007, p. 659/60.
[21] Cfr. Joel Timóteo Pereira, obra citada, pp. 662/663.
[22] Cfr. Sumário do Ac. da RE de 25/06/1998, BMJ, n.º 478, p. 468 e o Ac. da RP de 12/04/2012 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt., no qual se explicitou que «a jurisprudência tem considerado, e bem, em nossa opinião, que havendo vários promitentes-compradores, a acção de cumprimento do contrato tem que ser instaurada contra o promitente-vendedor por todos eles, pois que só assim atinge o efeito útil normal».
[23] Cfr. O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, Almedina, 2001, p. 935.
[24] Cfr. sumário do Ac. do S.T.J. de 18/02/1988, proferido no proc. 075681, in www.dgsi.pt.,
[25] Cfr. Fernando de Gravato Morais, Manual do Contrato-Promessa, Editora D`Ideias, 2022, p. 178; Ac. do STJ de 22/10/2015 (relator Lopes do Rego); Acs. da RL de 24/01/2008 (relatora Fátima Galante) e de 16/01/2007 (relator Rui Torres Vouga) e Ac. da RG de 26/02/2015 (relatora Helena Melo), in www.dgsi.pt.,
No citado Ac. da RL de 16/01/2007 decidiu-se que, «se o contrato-promessa de compra e venda, cuja alegada impossibilidade de cumprimento fundamenta o pedido de condenação do Réu a devolver-lhe o dobro do sinal, tiver sido outorgado, do lado do promitente-comprador, não apenas pelo ora Autor, mas também por outras duas pessoas, é manifesto que o litígio existente entre os três promitentes-compradores e o promitente-vendedor ora R. nunca poderia ser definitivamente composto, sem a presença, na acção, de todos os outorgantes do referido contrato-promessa, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar».
[26] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo (…), Vol. 1º, p. 99.
[27] Cfr. obra citada, p. 935.