OPOSIÇÃO À PENHORA
FUNDAMENTOS
PENHORA ILEGAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário


1 - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no nº 1 do artº 784º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reacção contra actos praticados no âmbito de uma execução.
2 - O incidente de oposição à penhora consiste num meio de reacção contra acto de penhora considerado ilegal, por violador de limites previstos na lei.
3 - O princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação, a nortearem a ordem de realização da penhora e a sua extensão, consubstanciam o uso de poderes vinculados, não discricionários (cfr. nº 1 e 2, do art. 751º do CPC), sendo ilícita a prática de penhoras excessivas (vd. nº 3, do art. 735º do CPC) e de penhoras desadequadas ao escopo da execução (art. 130º do CPC).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

AA, executada/oponente na acção executiva comum para pagamento de quantia certa deduzida pelo Banco 1..., SA em 27-09-2011, veio deduzir em 18-01-2024, oposição à penhora[1], alegando, em síntese, que a penhora é excessiva, pedindo o cancelamento da penhora do salário e do veículo e indemnização pelos danos causados.

Por despacho liminar de 20-03-2024, nos termos dos arts. 785º/2 e 732º/1, b) do CPC, foi liminarmente rejeitada a presente oposição à penhora.

*

Inconformada com essa decisão, veio a executada/oponente interpor recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1 - A Opoente, ora recorrente, entende, salvo o devido respeito, ter o Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, ter ocorrido em erro de julgamento, face às duas questões expressas na motivação da decisão - Ser a penhora ilegal quanto à sua extensão, ser a penhora desproporcionada.
2 - A penhora é, sempre, ilegal, por ofender os princípios da proporcionalidade, da adequação e/ou da proibição de atos inúteis.
3 - A agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por eficiente à satisfação da pretensão do exequente, podendo a penhora, desproporcional quanto à extensão com que foi realizada, ser impugnada pelo executado em incidente de oposição à penhora - cf. artigo 784º, nº1, al. a), CPC.
4 - Mesmo que se considere a não extenção/excesso de penhora, a penhora do salário da executada é, nas circunstâncias atuais do caso, ilegal, por não adequada e útil, sendo desproporcional na agressão do património da executada atenta a desestabilização que gera na sua situação económica.
5 - O princípio da proporcionalidade, expresso no nº 3, do art. 735º, constitui “uma limitação da penhora do agente de execução”, impondo tal preceito “ao agente de execução o dever legal de promover a penhora dos bens na medida do necessário e suficiente para atingir os limites estabelecidos naquela norma” e o da adequação - cfr. nº2, do art. 751º, e mesmo no art. 130º -, que veda penhoras desadequadas e inúteis ao escopo da execução.
6 - Sendo certo que, o incidente de oposição à penhora, previsto no art.º 784º do Código de Processo Civil, cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada, e a sua procedência determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do Código de Processo Civil - cfr. refere Rui Pinto, a «acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável». – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1, disponível na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.
7 - Neste incidente, a procedência de alguns dos fundamentos invocados determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do CPC ou a sua redução.
8 - Alega a opoente em 12º e 13º, respectivamente, dos seus articulados no requerimento inicial:
a penhora efectuada é ilegal, abusiva, manifestamente excessiva e foi efectuada de má-fé, …
A penhora do vencimento e agora do veículo é manifestamente infundada, objectivamente excessiva, porquanto, atinge bens ou direitos que, embora pertencentes à executada, não devem responder pela satisfação do crédito exequendo - (artºs 863-A nº 1 do CPC)..; a penhora é subjectivamente excessiva quando tiver por objecto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objectivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjectivamente.
9 - A violação do princípio da proporcionalidade justifica, pois, a oposição do executado – cf. art. 784º, n.º 1, a), segunda parte do CPC, e com efeito, se forem penhorados mais bens do que os necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, pode o executado deduzir oposição à penhora.
10 - Tanto mais que, a opoente, ora recorrente, alega que a quantia exequenda, juros e demais despesas se encontram liquidadas, demonstrando com documentos esses pagamentos - cfr. articulados 4, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º do requerimento inicial:

desde Março de 2012 (desconto do salário de fevereiro de 2012) até ../../2018, a opoente pagou, através de penhora efectiva do seu salário e transferido da sua entidade patronal para a AE BB, descontado do seu vencimento, a quantia total de €23.466,45 (vinte e três mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) - cfr. docs. nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 ora juntos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

A entidade patronal da opoente, Município ..., procedeu à transferência mensal daqueles montantes por ordem e instrução da AE BB, da conta nº  ...30, da Banco 2... para a conta da AE BB e por esta indicada, no Banco 3..., nº ...35 - cfr. docs. nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
Pelo que,

desde ../../2012, data de notificação da entidade patronal da opoente, até ../../2018, a exequente recebeu por conta da execução a que os presentes autos são apenso, a quantia de €23.466,45, correspondente a mais de metade da quantia exequenda - cfr. docs. nº s 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Acresce que,

após a nomeação da actual AE CC, a partir de ../../2018, a executada/opoente pagou, através de transferência bancária para a conta indicada por ordem expressa da AE e notificada à sua entidade patronal, Município ..., por nomeação à penhora e na continuidade da anterior penhora do vencimento, a quantia total de €15.551,73 - cfr. docs. nºs 7, 8, 9, 10, 11 e 12, ora juntos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Ora,

à data de Dezembro de 2023 a exequente tinha uma penhora do vencimento da opoente/executada no valor global de €39.017,18, quantia que excede o valor da quantia exequenda. Não obstante,

a exequente, abusiva, ilegal e excessivamente nomeou à penhora o veículo propriedade da opoente e continua a penhorar o seu vencimento. Sendo certo que,
10º
o exequente e AE, apesar de alertados, quer pela opoente quer pelo Município ..., entidade patronal da executada, que se encontrava tudo liquidado e a execução deveria ser extinta, não se coibiram, como não se coibem, de penhorar o seu vencimento e o veículo…
11 - Assim, a penhora é excessiva ou desproporcional face à total liquidação do valor da quantia exequenda, juros e despesas previsíveis, dado que neste momento, transcorridos mais de seis anos sobre a data da instauração da execução, mostra-se efectivamente liquidada toda a quantia em dívida.
12 - Neste aspecto, afigura-se relevante toda a argumentação da recorrente vertida no seu requerimento de oposição posto que, a eventual demonstração dos factos que alegou dirigidos à demonstração da total liquidação é suficiente para afastar a legitimidade da penhora realizada, com o alcance com que o foi.
13 - No mais, não percebe a recorrente a invocação na decisão dos artigos 781º, nº1 al. a), in fine, do CPC e 751º deste diploma que só por lapso ou erro de escrita pode ter ocorrido - cfr. § 4º, a págs. 3.
14 - Violou a decisão em recurso, por errada interpretação e aplicação, nomeadamente, o artigo 784º, nº 1, al. a), nº 6 do art.º 785º, nº 3, do art. 735º, nº 2, do art. 751º e art. 130º, todos do CPC.

TERMOS EM QUE

deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo julgado procedente por provado e, consequentemente, a decisão em análise ser revogada e substituída por outra que receba a oposição à penhora e determine os seus ulteriores termos.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 20-03-2024 que indeferiu liminarmente o requerimento de oposição à penhora.
 
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete, transcrevendo-se de seguida a decisão recorrida, para melhor compreensão, bem como um requerimento efectuado pela executada na execução e que deu entrada em 9-12-2021, que não teve qualquer resposta, constando do auto de penhora do veículo efectuado em 3-01-2024 que deu azo à presente oposição, como Limite da penhora, ser a Dívida exequenda de €30712,91; Despesas prováveis de € 3071,29; Total de € 33784,20 €, similar ao auto de penhora do vencimento da executada de 21 de Março de 2012:
 “A Executada/Oponentes veio deduzir oposição à penhora, alegando, em síntese, que a penhora é excessiva, pedindo o cancelamento da penhora do salário e do veículo e indemnização pelos danos causados.
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Nos termos do disposto no artigo 784, do Código de Processo Civil, são três as situações que podem fundar a oposição do executado à penhora, sendo penhorados bens pertencentes ao executado:

- Inadmissibilidade da penhora dos bens do executado concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
- Imediata penhora de bens do executado que só subsidiariamente respondiam pela dívida exequenda;
- Incidência da penhora em bens do executado que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam por ela ter sido atingidos.
No que concerne ao excesso de penhora, lê-se no art.º 784.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil que, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora e requerer o seu levantamento suscitando a questão da admissibilidade da extensão com que a mesma foi realizada.
Por outro lado, estabelece o art.º 751.º, n.º 1, a ordem pela qual deve o agente de execução efetuar a penhora, determinando o n.º 4 as situações em que o agente de execução decidirá da substituição ou reforço das penhoras efetuadas, designadamente, a requerimento do executado.
A questão que se coloca a propósito da conjugação destes dois artigos é similar à que já foi decidida relativamente à conjugação do preceituado no artigo 784.º, n.º 1, al. a) (antigo artigo 863.º-a, n.º 1, al. a)) e no 738.º (antigo artigo 824.º), do Código de Processo Civil, ou seja, se o executado, desejando vir a beneficiar, por iniciativa sua, da substituição dos bens penhorados, poderá fazê-lo em sede de oposição à correspondente penhora, nos termos do disposto nos arts. 784.º e 785.º (antigos artigos 863º-A e 863º-B), do mesmo diploma, ou se o meio processual adequado é o requerimento avulso dirigido ao agente de execução, sem sujeição à regulamentação mais rigorosa e preclusiva decorrente daqueles preceitos da lei adjetiva.
Já antes da introdução das alterações aos artigos 824.º e 834.º, pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, se entendia que “O meio processual adequado para o executado poder, por sua iniciativa, vir a beneficiar da redução ou isenção previstas no art.º 824.º n.º4 do CPC, é a apresentação de requerimento avulso nos próprios autos e não a dedução de oposição à penhora, nos termos do disposto no art. 863.º-A, n.º 1, a), 2.ª parte do mesmo diploma” – neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/09/2007, disponível in www.trp.pt.
Neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.09.2008, disponível in www.dgsi.pt, que refere “Penhorado 1/3 do vencimento do executado, o pedido de isenção da penhora, pelo período de um ano, formulado ao abrigo do disposto no art. 824º, nº4 do Cód. de Processo Civil, configura incidente que segue a tramitação prevista nos arts. 302º a 304º desse diploma, não consubstanciando, de per si, uma hipótese de oposição à penhora (art. 863º A)”.
Tais doutrinas são perfeitamente aplicáveis à situação dos autos, uma vez que a redação da lei é semelhante para os dois casos.
Com efeito, a qualificação deve ser feita tendo por base a pretensão formulada pelo executado, ou seja, a providência concretamente requerida pela parte, considerando o efeito jurídico que se pretende obter.
Nos casos de oposição à penhora, está em causa, necessariamente, um pedido de levantamento desse ato processual, como decorre do disposto no art.º 784º, n.º 1 al. a), in fine, do Código de Processo Civil, por inadmissibilidade da extensão com que foi realizada. O que aqui se tem em vista, fundamentalmente, é possibilitar ao executado reagir contra uma penhora ilegal com base num juízo de legalidade e não num juízo de adequação e proporcionalidade conforme o constante do art.º 751.º, do mesmo diploma.
Com efeito, uma penhora inadmissível na sua extensão, porque ilegal, é aquela que extravasa os limites de impenhorabilidade no Código de Processo Civil, diferentemente de uma penhora que, atentas os bens a penhorar, se revela excessiva ou desproporcionada, atentos os critérios constantes do n.º 1, do artigo 751.º.
Vertendo o exposto no caso concreto, o pedido formulado pela executada, com base no alegado, não se prende com a ilegalidade da extensão da penhora, mas sim com a sua desproporcionalidade.
Ou seja, a realidade processual constante da pretensão da executada não pode, de modo algum, ser subsumida à previsão constante do art.º 781.º n.º 1 al. a), in fine, do Código de Processo Civil, porque, para além de haver diferente previsão autónoma e abarcante de tal realidade (art.º 751.º, do Código de Processo Civil), não se trata de penhora que possa ser considerada legalmente inadmissível quanto à respetiva extensão.
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Face ao exposto, e nos termos das disposições legais citadas, bem como ao disposto no artigo 785.º, n.º 2 e 732.º, n.º 1, al. b), também do Código do Processo Civil, rejeita-se liminarmente a presente oposição à penhora.
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Custas da oposição à penhora pela oponente – art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Valor: €30.712,91, correspondente ao valor do bem cujo levantamento da penhora se pretende (não se tomando em conta o do salário, não concretizado, porque indiferente quanto à aplicação de qualquer regime processual/custas) – cfr. artigo 304.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.
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Notifique, assegurando o sistema o registo.”.

“Exmo. Senhor Doutor Juiz
da Comarca de ...
Proc. 507/11....
Eu, AA, executada nos autos à margem referenciados venho pelo presente expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
1- A executada recebeu o auto de penhora do seu vencimento em Março de 2012, onde consta como "dívida exequenda" o valor de 30.712,91€; "despesas prováveis" o valor de 3.071,29€, o que tudo perfazia o valor global de 33.784,20€.
2- Até à presente data, a executada procedeu ao pagamento do valor global de 33.999,18€, conforme documento anexo.
3- Do exposto resulta claro que a dívida foi paga.
4- Não obstante, e para espanto da executada, a mesma recebeu uma nova notificação por parte da agente de execução, onde a mesma declara que se encontra em dívida um montante de mais 11.000,00€.
5- Montante esse que a agente de execução solicita que seja penhorado.
6- Ora, não pode a executada reagir a tal notificação que não seja a de verdadeira oposição, pois não se vislumbra fundamento legal para a penhora de mais 11.000,00€.
7- Refira-se que tudo se debruça no âmbito do mesmo processo.
Nestes Termos,
Requer-se a V.Exa. que dê por finda a penhora, por cumprimento integral do pagamento.
Pede Deferimento
..., 7 de Novembro de 2021”.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende a recorrente a revogação da decisão recorrida e que seja substituída por outra que receba a oposição à penhora e determine os seus ulteriores termos.
A decisão em apreço rejeitou liminarmente a oposição à penhora, por falta de fundamento legal, considerando que não pode ser subsumida à previsão constante do art. 784º/1, a), in fine, do CPC.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diremos não se ter revelado assertiva a decisão recorrida.
Mas vejamos o enquadramento legal.
A oposição à penhora, enquanto meio de reacção contra o acto de penhora, constitui um incidente declarativo da execução que segue os termos dos arts. 293º a 295º do CPC, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 732º do mesmo Código (vd. art. 785º/2 do CPC). Tal incidente pode ser deduzido exclusivamente pelo executado (legitimidade ativa – vd. art. 784º/1 do CPC), no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto de penhora (art. 785º/1 do CPC), tem como pedido a revogação/extinção do acto de penhora e a causa de pedir restringe-se a um dos fundamentos enunciados no art. 784º/1 do CPC. No fundo, este incidente constitui uma acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável[2].
A oposição à penhora é, assim, um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no nº 1 do art. 784º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução[3].

Os fundamentos de oposição à penhora vêm elencados no art. 784º do CPC.
Nos termos deste art.:
1 – Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 – Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora
”.
O incidente de oposição à penhora visa, portanto, questionar a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda – als. a) a c) do nº 1 do art. 784º do CPC – sendo estes fundamentos taxativos[4].
A oposição à penhora não se confunde com a oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reacção contra actos praticados no âmbito de uma execução (v.g., pagamento da quantia exequenda), podendo naturalmente ser arguidas pelo executado. Assim, a causa de pedir no incidente de oposição à penhora é restrita, ou seja, apenas podem ser invocados os fundamentos tipificados no art. 784º do CPC (violação de normas que fixam impenhorabilidades objectivas, absolutas, relativas ou parciais, e infracção do princípio da proporcionalidade da penhora; penhora de bens próprios do executado em execução movida contra marido e mulher relativamente a dívida comum ou penhora de bens do fiador, penhora inicial de outros bens que não aqueles sobre que incida garantia real; casos de limitação convencional ou legal de responsabilidade, bem como casos de bens não transmissíveis que se encontram fora do comércio).
Dispõe o art. 735º do CPC, quanto ao objeto da execução, que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Apesar disso, o legislador “procurou proteger o executado contra a verificação de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo, designadamente, a penhora de bens e/ou direitos de valor manifestamente superior ao necessário ao pagamento da dívida exequenda e demais custas e despesas da execução”[5], consagrando no nº 3 do mencionado art. 735º, o princípio da proporcionalidade quanto à penhora do património do executado.
Assim, não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é lícita se proporcional, por necessária, e adequada, por útil e eficaz à satisfação da pretensão do exequente.
Deste modo, estando sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda, nos termos do nº 1, do art. 735º, regendo o princípio da garantia real das obrigações, consagrado no art. 601° do CC, segundo o qual “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor, sendo conferido ao credor o direito à realização coativa da prestação, mediante execução do seu património, sem embargo das limitações consignadas no direito substantivo (v.g. arts. 602º e 603º, do CC), na legislação processual (arts. 736º a 739º) ou noutros preceitos legais[6], contudo, o n° 3, do artigo 735.°, consagra o “princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo despesas previsíveis da previsão) e da penhora, estipulando que «A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.». Todavia, tal como sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 99), na ponderação dessa proporcionalidade deve ser tomada em consideração a circunstância de existirem créditos que virão a beneficiar de melhor graduação preferencial”.
Logo, atento o princípio da proporcionalidade da penhora, que decorre do disposto no art. 735º/1 do CPC, esta pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, não devendo ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação.
Ora, o fundamento invocado pela executada – ser a penhora ilegal, por ofender o princípio da proporcionalidade –, é um dos legalmente tipificados nas als. do nº 1 do art. 784º do CPC.
Efectivamente, pelo menos desde o final de 2021 que a executada entende já se encontrar totalmente paga a quantia exequenda, atenta a soma do valor da quantia exequenda (€ 30.712,91) e das despesas prováveis (€ 3071,29), que ascende a € 33.784,20, face aos descontos no seu vencimento que em Novembro de 2021 já ascendiam a € 33.999,18 e em Dezembro de 2023 a € 39.017,18, mas que perduram até ao presente. Apesar do seu requerimento de Dezembro de 2021 a insurgir-se contra a continuidade dos descontos no seu vencimento, por já lhe ter sido cobrado pela penhora do mesmo quantia muito superior à quantia exequenda e despesas prováveis, foi agora confrontada com uma nova penhora, desta vez do veículo, onde consta como Limite da penhora, ser a Dívida exequenda de €30712,91; Despesas prováveis de € 3071,29; Total de € 33784,20 €, ou seja, precisamente o mesmo que constava do auto de penhora do seu vencimento, de 21 de Março de 2012, onde constava como "dívida exequenda" o valor de 30.712,91€; "despesas prováveis" o valor de 3.071,29€, o que tudo perfazia o valor global de 33.784,20€.
Assim, tendo sido alegado que a penhora excede a quantia exequenda por esta alegadamente se encontrar paga (art. 784º do CPC), devem prosseguir os autos para prova de se encontrar, ou não, já pago tudo, pois, se assim for, não faz sentido penhorar-se outros bens. Devendo entender-se ser de abranger a oposição à penhora a outras situações, concretamente quando se penhoram outros bens do executado com excesso, por já se ter realizado outras penhoras capazes de satisfazer a quantia exequenda, o que redundaria numa penhora ilegal[7], e dado que a extinção da execução, por requerimento ficaria sempre dependente da posição do exequente/agente de execução (cfr. art. 846º do CPC). Isto sem prejuízo de se dar a possibilidade do executado fazer prova dos factos susceptíveis de integrar a al. a), do 784º/1 do CPC, ainda que com convite ao aperfeiçoamento, a fim de suprir eventual imprecisão na exposição, fixando-se para tanto prazo para a apresentação de novo articulado em que fosse corrigido o inicialmente produzido, tal como previsto no art. 590º/4 do CPC.
Como assim, procede o recurso.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida que rejeitou liminarmente a presente oposição à penhora, devendo a mesma ser substituída por outra que, sem prejuízo de eventual convite ao aperfeiçoamento nos termos supra expostos, ordene o prosseguimento dos autos, a fim da executada fazer prova dos factos susceptíveis de integrar a al. a) do art. 784º/1 do CPC.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 11-07-2024

(José Cravo)
(Maria dos Anjos Nogueira)
(António Figueiredo de Almeida)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de ..., ... - Juízo C. Genérica
[2] Cfr. Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, pág. 676.
[3] Neste sentido, cfr. Acs. da RL de 27-10-2022, in Proc. n.º 28190/21.1T8LSB-F.L1-2 e desta RG de 09-04-2019, in Proc. n.º 2343/07.3TJVNF-B.G1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, in CPC Anotado, vol. II, pág. 178.
[5] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2016, Almedina, pág.283 e seg.
[6] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 99.
[7] Neste sentido, cfr. os Acs. da RL e da RP de 3-03-2020 e de 12-07-2021, prolatados respectivamente nos Procs. nºs 17732/11.0T2SNT-A.L1-7 e 9758/15.1T8PRT-A.P1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.