PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO
PAGAMENTO DE CAUÇÃO
Sumário


O pagamento da caução devida com a oposição deduzida em procedimento especial de despejo, no valor correspondente ao das rendas em dívida, nos termos previstos no artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) deve ser comprovado no momento da apresentação da oposição e apresentado juntamente com esta, não se justificando a concessão de prazo adicional para a prestação da caução, atentos os limites intangíveis que se impõem aos princípios da gestão processual, da adequação formal e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais, por estarem em causa normas processuais de natureza imperativa.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Sociedade EMP01..., Lda., instaurou em 11-01-2024 procedimento especial de despejo contra EMP02..., Lda., invocando a resolução do contrato de arrendamento celebrado em ../../2020 - com início em 01-03-2020 e termo em 28-02-2025 -, em que a autora figura como senhoria e a ré como arrendatária, referente à fração autónoma correspondente ao pavilhão destinado a indústria, armazenagem, comércio e/ou serviços do prédio que identifica, com fundamento em mora no pagamento das rendas por parte da arrendatária/requerida; alega que, por carta registada com aviso de receção enviada em 19-09-2023 e recebida pela requerida em 20-09-2023 comunicou a esta que, caso atrasasse por mais duas vezes o pagamento da renda mensal, era sua intenção resolver o contrato de arrendamento com o fundamento previsto no n.º 4 do artigo 1083.º do CC, o que veio a suceder uma vez que a requerida, além das rendas dos meses de julho, agosto e setembro de 2023, também não procedeu ao pagamento das rendas dos meses de outubro e novembro de 2023, constituindo-se assim em mora (para além do dia 08 de cada mês), perfazendo, num período de doze meses, mais de quatro vezes em que a requerida se constituiu em mora superior a oito dias no pagamento da renda; mais alega ter comunicado à requerida a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no n.º 4 do artigo 1083.º do CC, por carta registada com aviso de receção enviada em 15-11-2023 e recebida pela requerida em 16-11-2023.
Com tais fundamentos, a requerente visa a desocupação do local arrendado e o pagamento das rendas vencidas nos meses de outubro e novembro de 2023, no montante de € 2.521,50, a que acrescem juros de mora vencidos e os que se vencerem até integral pagamento, acrescidas de indemnização devida pela mora na restituição do locado à requerente a partir do dia 01-12-2023, correspondente à ocupação indevida do locado pela requerente nos meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, no valor de 5.043,00€, a que acrescem juros de mora até efetivo e integral pagamento; e ainda a indemnização (dobro do valor da renda) que se venha a vencer na pendência do presente procedimento especial de despejo, correspondente aos meses em que a requerida se mantenha indevidamente no arrendado, a qual se vencerá até à efetiva entrega do locado à requerente livre de pessoas e bens, a que acrescem juros de mora até efetivo e integral pagamento.

Na citação enviada à requerida consta, além do mais, o seguinte:
«(…)
Em caso de pedido de despejo com fundamento na resolução pelo senhorio nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4, do art.º 1083.º, do Código Civil, com a oposição deve ser apresentado documento comprovativo do pagamento da caução no valor das rendas, encargos e despesas pedido, até ao valor máximo correspondente a SEIS (6) rendas (art.º 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e art.º 10.º, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro)».
A requerida deduziu oposição ao procedimento, o que determinou a remessa do processo ao Tribunal recorrido, em 02-02-2024.
Após contraditório, por despacho de 11-04-2024 a 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão: «”Sociedade EMP01..., Ldª.” instaurou procedimento especial de despejo contra “EMP02..., Ldª.”, com fundamento em resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
A Requerida deduziu oposição ao procedimento, o que determinou a distribuição do procedimento a este Tribunal.
Nos termos decorrentes do artigo 15.º-F, n.º 3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006, e na sua atual redação), com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
Nos termos decorrentes do n.º 4 da mesma norma e não se mostrando paga a taxa ou a caução, a oposição tem-se por não deduzida.
Resulta dos autos que na oposição a Requerida não refere nem apresenta comprovativo, do pagamento da caução.
Nestes termos, e não tendo a Requerido apresentado tais documentos juntamente com a oposição, esta tem-se por não deduzida, o que declaro.
Notifique.
Verificado que seja o trânsito em julgado da presente decisão, comunique ao Balcão Nacional do Arrendamento».

Inconformada, a requerida apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
 «1. O Despacho Judicial recorrido apresenta-se-nos totalmente carente de um exame crítico e fundamentado da factualidade apurada, sendo violador de normas e princípios jurídico-processuais fundamentais.
2. A recorrente, sempre com toda a vénia, respeita a decisão, mas com ela não poderá conformar, por considerar que o Tribunal a quo não devia ter extraído a consequência que resulta do artigo 15.º-F, n.º 3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006, sem antes notificar o opoente no sentido de efectuar o pagamento da caução no prazo supletivo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, a respectiva Oposição não ser recebida.
3. O princípio jurídico-processual estruturante de prevalência das decisões de mérito sobre as decisões de cariz iminentemente formal impunha que a redita notificação da aqui recorrente ocorresse, dando-se-lhe a oportunidade de efectuar o pagamento da caução em prazo razoável (prazo supletivo de 10 dias).   
4. Ao ter decidido pelo não recebimento da Oposição, o Tribunal a quo tomou uma decisão que merece o nosso respeito, mas que consideramos violadora do referido princípio jurídico-processual, impedindo o opoente de apresentar defesa e de discutir o mérito da resolução contratual unilateralmente operada pelo locador.
5. Violou, em nossa humilíssima opinião, os princípios da boa gestão processual (art.º 6.º do CPC) da adequação formal do processado (artigo 547.º do CPC) e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais (artigo 3.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o novo CPC).

*
Em conformidade com as conclusões expostas e o douto suprimento de V.as Ex.as, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Despacho Judicial recorrido, substituindo-o por um outro devidamente fundamentada, quer de facto, quer de Direito, que, fazendo a correcta apreciação dos elementos de prova, ordene a notificação da Opoente para no prazo de 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da caução a que se alude no artigo 15.º-F, n.º 3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006.
Como é de inteira e sã JUSTIÇA!».
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente importa aferir:
A) se as referências feitas pela apelante a propósito da fundamentação do despacho judicial recorrido permitem consubstanciar a arguição de nulidade da decisão, e se a mesma se verifica;
B) se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a notificação da opoente para, em prazo a fixar, comprovar nos autos o pagamento da caução devida com a oposição deduzida em procedimento de despejo - no valor correspondente ao das rendas em dívida, nos termos previstos no artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) - com fundamento nos princípios de gestão processual, da adequação formal e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais, em vez de considerar não deduzida a oposição tal como entendeu o Tribunal recorrido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação   

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Apesar de não arguir expressamente a nulidade da sentença recorrida vem a apelante alegar que o Despacho Judicial recorrido apresenta-se-nos totalmente carente de um exame crítico e fundamentado da factualidade apurada, sendo violador de normas e princípios jurídico-processuais fundamentais.
O vício imputado à decisão recorrida é suscetível de poder consubstanciar a causa de nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, o qual dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A causa de nulidade da sentença prevista no n.º 1, al. b), do citado preceito - aplicável aos despachos por força do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma -, está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, impondo ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
A generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[1].
Revertendo ao caso em apreciação, facilmente se verifica que o Tribunal recorrido enunciou os fundamentos que determinaram o sentido e alcance da decisão impugnada, tomando por referência as concretas incidências resultantes dos autos.
No caso, as circunstâncias a que o Tribunal tem que atender na decisão impugnada são as que relevam para a aferição da (in)existência de documento que comprove o pagamento da caução devida com a oposição deduzida em procedimento de despejo, no valor correspondente ao das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, nos termos previstos no artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU).
Por outro lado, o Tribunal recorrido enunciou a concreta norma legal que considerou aplicável à questão em apreciação, interpretando tal normativo e expondo o entendimento que sufragou para considerar não deduzida a oposição ao procedimento especial de despejo.
Aliás, a autora/recorrente denota estar ciente de tais fundamentos pois alude aos mesmos em sede de alegações, sustentando que o Tribunal a quo não devia ter extraído a consequência que resulta do artigo 15.º-F, n.º 3, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro de 2006, sem antes notificar o opoente no sentido de efectuar o pagamento da caução no prazo supletivo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, a respectiva Oposição não ser recebida.
Nestes termos, é manifesto que não ocorre a invocada nulidade, por falta de fundamentação, posto que a análise da decisão recorrida permite a imediata e exigível compreensão das circunstâncias que o Tribunal recorrido considerou relevantes para a decisão proferida.
Pelo exposto, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação, nem de qualquer outra que cumpra verificar ou declarar, pois são suficientemente percetíveis os elementos em que se baseou, improcedendo, nesta parte, a apelação.
2.2. Atendendo ao fundamento alegado pelo senhorio para a resolução do contrato de arrendamento em referência, o Tribunal recorrido entendeu que a requerida/arrendatária estava obrigada a comprovar o pagamento da taxa de justiça devida e da caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, nos termos previstos no artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU), juntamente com a apresentação da oposição ao procedimento de despejo, em face do que considerou não deduzida a oposição por não ter sido apresentado o comprovativo do pagamento da caução juntamente com o articulado de oposição.

Em sede de recurso, a requerida/apelante não discute que a dedução da oposição em referência implica o pagamento da caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, nos termos previstos no artigo 15.º-F do NRAU, com epígrafe Oposição, preceito que tem atualmente o seguinte teor[2]:
1 - O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 - A oposição é apresentada no BAS por via eletrónica.
3 - Com a oposição, o arrendatário identifica:
a) As pessoas a quem, nos termos da lei, o respetivo direito seja comunicável;
b) O respetivo regime de bens vigente, quando aplicável;
c) Outras pessoas que, licitamente, se encontrem a residir no locado;
d) Qualquer das situações que motivem a suspensão e ou diferimento da desocupação do locado nos termos do artigo 15.º-M; e
e) Se o locado corresponde à casa de morada de família.
4 - No prazo para a oposição, pode o requerido deduzir incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 316.º a 320.º do Código de Processo Civil, verificados os respetivos pressupostos.
5 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
6 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
7 - A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.

Com efeito, o processo em análise teve origem em procedimento especial de despejo, sendo este um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, nos termos previstos no artigo 15.º do NRAU.
Contudo, a apelante insurge-se contra a decisão recorrida por considerar que o Tribunal a quo não devia ter extraído a consequência que resulta do citado artigo 15.º-F do NRAU, sem antes notificar a opoente no sentido de efetuar o pagamento da caução no prazo supletivo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, a respetiva oposição não ser recebida, o que fundamenta nos princípios de gestão processual, da adequação formal e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CPC, com a epígrafe Dever de gestão processual, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 
Comentando o regime emergente do citado artigo 6.º do CPC, em anotação ao referido preceito, referem Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro[3]: «Gestão Processual é a direção ativa e dinâmica do processo, tendo em vista, quer a rápida e justa resolução do litígio, quer a melhor organização do trabalho do tribunal. Mitigando o formalismo processual civil, assente numa visão crítica das regras, a satisfação do dever de gestão processual destina-se a garantir uma mais eficiente tramitação da causa, a satisfação do fim do processo ou a satisfação do fim do ato processual.
Do dever de gestão processual decorrem, para o juiz, os imperativos de providenciar pela sanação das irregularidades da instância (ou convidar as partes a praticarem os atos a tanto indispensáveis), de promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, de adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa, de adaptar o conteúdo e a forma dos atos ao fim que visam atingir e de garantir que não são praticados atos inúteis, cabendo-lhe ainda fazer uso dos mecanismos de agilização processual que a lei prevê».
Neste domínio, releva ainda o princípio da adequação formal, previsto no artigo 547.º do CPC, segundo o qual, o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
O dever de adequação formal inscreve-se no dever de gestão processual previsto no artigo 6.º, antes citado, surgindo a oportunidade do exercício daquele poder/dever, em regra, depois dos articulados, ainda que não esteja afastada a possibilidade de antecipação quando o juiz se confronte (ou seja confrontado) com a necessidade de intervenção ou quando seja promovida a sua intervenção, tendo por critério a inadequação da tramitação processual tipificada ou da forma do ato processual às exigências do caso[4].
Porém, o princípio da adequação formal comporta limites.
Assim, «as garantias e os princípios gerais do processo civil constituem sempre limites intangíveis da gestão processual por exemplo, a garantia de imparcialidade do tribunal, os princípios do dispositivo, do contraditório, da proibição das decisões-surpresa e da igualdade substancial das partes e o caso julgado formal (…).
A existência de uma forma legal preexistente, a seguir por regra, e não por exceção, constitui, pela previsibilidade do rito processual que oferece, uma garantia das partes.
(…)
Finalmente, como terceira ordem de limites à gestão processual, há a referir os interesses públicos indisponíveis, expressos em normas imperativas. Ainda que com o acordo das partes, não pode a gestão processual agredir disposições que tutelam interesses mais vastos do que os discutidos na ação concreta»[5].
Em contexto idêntico, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[6], assinalam que:
«a) A tramitação alternativa tem que ser equitativa, o que implica a observância da igualdade das partes (art. 4º), da proibição da indefesa, do contraditório (art. 3º), da imparcialidade, da fundamentação das decisões, da publicidade do processo, da proibição de decisões surpresa, bem como a obtenção de decisão dentro de prazo razoável;
b) Deve respeitar a segurança jurídica quanto aos atos processuais consumados e quanto ao plano de tramitação sucedânea previamente definido, tal como deve respeitar as regras de aquisição processual de factos e da admissibilidade de meios probatórios e o princípio do dispositivo, não podendo reportar-se a factos não admissíveis nos termos do art. 5º;
c) Tem de respeitar regras processuais imperativas, tais como as que fixam prazos perentórios para o exercício de direitos ou as atinentes aos pressupostos processuais;
d) Na aplicação do princípio da adequação formal, o juiz não pode interferir na estratégia processual livremente delineada pelos litigantes, suprindo eventuais omissões destes, e deverá observar o princípio do contraditório, nos termos gerais do art. 3º (…)».
Ora, como decorre da análise do regime legal em referência, as normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 15.º-F do NRAU (a que correspondem atualmente os n.ºs 5 e 6 do mesmo normativo), e designadamente a prestação de caução ali prevista, estabelecem uma condição de admissibilidade da oposição ao procedimento especial de despejo, visando evitar situações que aconteciam no regime pretérito, com demoras na declaração do direito ao despejo e na subsequente execução do despejo, fazendo seriamente significar ao inquilino que a oposição deve corresponder a uma efectiva situação de falta de fundamento do pedido de despejo, pelo que, na sua falta, a oposição tem-se por não deduzida, como o comina o n.º 4 do art.º 15.º-F NRAU, (na redação dada pela Lei 31/2012, de 14/08, atualmente, nºs 5 e 6 do art.º 15º-F do NRAU na redação dada pela Lei 56/2023, de 06/10)[7].
Tal como salienta o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-01-2023[8], «[o] arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas em atraso, mas não podendo ultrapassar o valor máximo correspondente a seis rendas, como condição para que a sua oposição possa ser apreciada.
Estamos, pois, perante uma caução que, como tal, se destina, apenas, a garantir a posição do senhorio, pelo que, o que for despendido a esse título, não implica, necessariamente, que o arrendatário fique desapossado do respetivo valor em definitivo».
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2017[9], em moldes que entendemos de sufragar integralmente, «o termo “deve” utilizado no art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) só pode significar que o demandado (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução (…)».
Em consonância com este entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça, no recente acórdão de 23-04-2024[10], salienta que «o legislador, perante o incumprimento da obrigação mais básica do inquilino de pagamento de rendas, e tendo em consideração que o exercício do direito de defesa possa constituir um expediente dilatório, retardando-se a entrega do locado e agravando-se a realização do direito do senhorio, com a demora na resolução do litígio - com a dedução de uma oposição àquela pretensão - possa redundar num agravamento irreversível e na eventual frustração do direito do senhorio, limita o direito do inquilino, impondo-lhe a prestação de uma caução (correspondente, no seu limite máximo, a seis rendas) para considerar que a sua oposição seja apreciada», mais concluindo que «[a]s normas contidas no artigo 15.º - F do NRAU, atrás referidas, não impedem nem criam entraves relevantes, do exercício do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais do inquilino, não se encontrando violados quaisquer normas constitucionais, nem justificando que se possibilite outro momento para a prestação da caução, mediante o pagamento de qualquer multa, não sendo, deste modo, aplicável ao caso presente, o disposto no artigo 570.º do Código de Processo Civil».
Daí que o pagamento da caução devida com a oposição deduzida em procedimento de despejo, no valor correspondente ao das rendas em dívida, nos termos previstos no artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) deva ser comprovado no momento da apresentação da oposição e apresentado juntamente com esta, não se justificando a concessão de prazo adicional para a prestação da caução, atentos os limites intangíveis que se impõem aos princípios da gestão processual, da adequação formal e da prevalência das decisões de mérito sobre as questões meramente formais, sob pena de se violarem normas processuais de natureza imperativa.
Como tal, a decisão recorrida não merece censura, pois fez uma correta interpretação das determinações legais e dos princípios aplicáveis.
Em consequência, não se revela possível extrair solução diferente da declarada na sentença recorrida, a qual se confirma.
Improcede, assim, a apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 11 de julho de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Joaquim Boavida (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Maria dos Anjos Nogueira (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736; na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[2]Na redação da Lei n.º 56/2023, de 06-10, que acrescentou alguns números ao mesmo normativo e procedeu a renumeração de todos, mantendo, no entanto, intacta a redação dos anteriores nºs 3 e 4, a que se reporta a decisão recorrida.
[3] Cf. Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, Coimbra, Almedina, 2013, p. 256.
[4] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 484.
[5] Cf. Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro - obra citada -, p. 44.
[6] Obra citada, p. 599.
[7] Cf. o Ac. TRL de 09-05-2024 (Relator: Adeodato Brotas), p. 2339/23.8YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Relator Nelson Borges Carneiro, p. 547/22.8YLPRT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Relator António Domingos Pires Robalo, p. 686/16.4T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Relator Pedro de Lima Gonçalves, p. 1182/22.6YLPRT.L1. S2, disponível em www.dgsi.pt.