AÇÃO NÃO CONTESTADA
FUNDAMENTAÇÃO SUMÁRIA DO JULGADO
PROVA POR DOCUMENTO
Sumário


1 – Não tendo o réu contestado e devendo considerar-se a revelia operante, desde que a resolução da causa revista manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
2 – A fundamentação sumária do julgado pode limitar-se à determinação, interpretação e aplicação do direito aos factos constantes da petição, os quais consideram-se confessados e, como tal, provados naquele concreto processo.
3 – Prevendo o artigo 567º, nº 3, do CPC uma sentença com uma estrutura e um conteúdo simplificados, não é nula a sentença que, no aludido enquadramento, não especifica os factos provados, mas que alude aos factos articulados na petição, enquanto factos considerados confessados e provados.
4 – Factos para cuja prova se exija documento escrito são aqueles que a lei determina que só podem ser considerados provados mediante a produção desse meio de prova (art. 364º do CCiv) ou em que tal exigência foi estipulada por acordo das partes (art. 223º do CCiv). Nesses casos, o documento não é dispensável e, por isso, o silêncio do réu não vale como confissão do respetivo facto.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. EMP01..., Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, formulando os seguintes pedidos:
«A) ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €16.828,11€ (Dezasseis Mil Oitocentos e Vinte e Oito Euros e Onze Cêntimos), acrescida dos juros legais vencidos que até à presente data, os quais perfazem o montante de €709,31 (Setecentos e Nove Euros e Trinta e Um Cêntimos), e os vincendos até integral e efetivo pagamentos e custas de parte, tudo com as legais consequências, num valor total, à data, €17.537,42 (Dezassete Mil Quinhentos e Trinta e Sete Euros e Quarenta e Dois Cêntimos);
SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA
a) A A. pede a condenação da Ré no pagamento da quantia €16.828,11€ (Dezasseis Mil Oitocentos e Vinte e Oito Euros e Onze Cêntimos), a título de enriquecimento sem causa dos mesmos, acrescida de €709,31 (Setecentos e Nove Euros e Trinta e Um Cêntimos), e dos juros vencidos à taxa legal em vigor, desde a interpelação até integral pagamento.»
Para o efeito alegou o seguinte quadro factual, que, por relevante para o objeto do recurso, se transcreve:
«I – Dos factos
a) Do contrato de empreitada
1.º A Autora é uma sociedade por quotas, regularmente constituída e registada, que se dedica, com caráter habitual e escopo lucrativo, à indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas; compra e venda de bens imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim.; cfr. doc. nº 4
2.º Por sua vez, a Ré é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...03º/...; cfr. doc. nº 5
3.º No dia 27 de setembro de 2021, a Autora celebrou com a Ré um contrato de empreitada para a realização dos trabalhos melhor identificados no contrato de empreitada e no orçamento Prop. nº ...26..., anexo ao referido contrato de empreitada; e que se subsumiam a:
a) trabalhos a realizar na cobertura da moradia;
b) trabalhos a realizar na cobertura do anexo;
c) trabalhos a realizar na cobertura do alpendre;
d) isolamento e revestimento de fachadas a capoto;
e) demolições em varandas e escadas;
f) fornecimento e aplicação de pilares/colunas e escadas;
g) fornecimento e aplicação de revestimento cerâmico em pavimento das escadas e patamar das escadas;
h) fornecimento e aplicação de rodapé em granito “...”;
i) fornecimento e colocação de guarda-corpos, nas escadas de acesso ao alpendre do andar; no alpendre e varanda do alçado frente da moradia;
j) execução de limpeza, remoção e reciclagem de resíduos;
cfr. doc. nº 1, que aqui se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
4.º O preço acordado para a execução dos trabalhos identificados no contrato de empreitada e no orçamento que dele faz parte integrante, correspondeu a 41.090,00€ (Quarenta e Um Mil e Noventa), preço em relação ao qual acrescia o IVA à taxa legal em vigor; cfr. art. 8º nº 2 do doc. nº 1 - Contrato de Empreitada.
5.º No exercício da sua atividade, a Autora prestou serviços à Ré, a solicitação desta e com preços ajustados, nos termos previstos no orçamento já apresentado sob a forma de Doc. n.1, onde se encontra uma descrição exaustiva de todos os trabalhos que foram prestados, com o correspondente preço de custo
6.º Assim, o montante da remuneração, correspondente à realização dos trabalhos necessários para a execução da obra, foi previamente fixado entre Autora e Ré.
7.º Dessa forma, como contraprestação pela obra construída e serviços prestados, ficou acordado que a Ré pagaria o valor 41.090,00€ (Quarenta e Um Mil e Noventa), preço em relação ao qual acrescia o IVA à taxa legal em vigor, referente ao orçamento apresentado, acrescidos do competente IVA, à taxa legal em vigor; cfr. doc. nº 1 - Contrato de Empreitada.
8.º Em 29 de Novembro de 2021, a Ré solicitou à Autora a realização dos seguintes trabalhos a mais; cfr. doc. nº 6
_______Nas Fachadas da moradia
Execução de corte e demolição de consola da varanda em betão armado 2,60x1,00m, incluindo remoção a vazadouro.
Execução de abertura de rasgo/roço na base das paredes para aplicação de tubo do gás, numa extensão de +/- 12.00m, Incluindo refechamento com argamassa de cimento e areia ao traço 1:4.
Fornecimento e colocação de rodapé em granito "..." amaciado (10x2cm) no perímetro da moradia, incluindo execução de mestra em argamassa de cimento e areia ao traço 1:4, impermeabilizada com tela líquida.
Fornecimento e assentamento de soleiras rebaixadas, em granito "..." acabamento amaciado, assente com cimento cola, incluindo remates e todos os trabalhos necessários.
Fornecimento e execução de revestimento de pilar do alpendre, com peças de granito "..." acabamento escovado, assente com cimento cola, incluindo reboco de regularização, remates e todos os trabalhos necessários.
Fornecimento e aplicação de placas poliestireno branco de 80mm; colagem com cola de fibra; aplicação de bucha plástica; rede de 160g em toda a área; baguetes pingadeira/simples com rede nos cantos; três demãos de barramento com cola de fibra (duas demãos + uma demão tolachada); uma demão de regulador de fundo e uma demão de plastene da .../.... - Parede do alçado lateral esquerdo, abaixo do pavimento do terraço demolido.
______Nos Caleiros e tubos de queda
Fornecimento e aplicação de caleiros em alumínio à cor dos estores existentes, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários à sua correta vedação e fixação.
Fornecimento e aplicação de tubos de queda em alumínio à cor dos estores existentes, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários à sua correta fixação.
______Nos Muros de vedação
Fornecimento e assentamento de capeamento de muros de vedação (perpendiculares à moradia), em granito "..." acabamento amaciado, com 25x3cm, assente com cimento cola, incluindo cortes, remates e todos os trabalhos necessários.
Fornecimento de uma demão de regulador de fundo e uma demão de plastene da .../..., aplicado sobre muros de vedação (perpendiculares à moradia) à cor igual ao da moradia, incluindo prévia lavagem a jato de água, com recurso a aparelho de alta pressão.
_______ Diversos
Execução de corte, demolição remoção a vazadouro de maciço existente sob as escadas de acesso ao alpendre, incluindo enchimento e regularização ao nível do passeio.
Execução de corte, demolição remoção a vazadouro de maciço/pavimento, junto á base da chaminé/casa da caldeira, incluindo enchimento e regularização ao nível do pavimento.
Execução de fecho da abertura existente sob as escadas de acesso ao alpendre, em alvenaria de tijolo de 30x20x11.
Desmontagem e remoção de estrutura do compartimento da caldeira a gasóleo (paredes, portas e cobertura) existente sob as escadas.
______Trabalhos de picheleiro:
Desativação/desmontagem da caldeira a gasóleo; aplicação de passadores de corte para ligação da caldeira a gás;
Desmontagem de pio de parede e tamponamento da tubagem da água.
Aplicação de aumento da torneira de parede
Alteração do reservatório existente na cobertura para posição mais baixa, incluindo também a posição dos tubos existentes de acesso ao recuperador (por baixo das escadas, zona da caldeira).
Execução corte e demolição de chaminé da cozinha (acima da cobertura), incluindo remoção a vazadouro autorizado.
Fornecimento e aplicação de chaminé acima da cobertura, em tubo de inox Ø150mm (parede dupla) com 1,00m de comprimento, gola e chapéu, incluindo todos os trabalhos necessários á sua correta vedação e fixação.
9.º Para a execução dos aludidos trabalhos foram acordadas entre ambas as partes, as características, quantidades e preços constantes do documento nº 6, e num total de 4.398,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
10.º No dia 19.01.2022, a Ré solicitou novamente à Autora a realização dos seguintes trabalhos a mais; cfr. doc. nº 6
Fornecimento de uma demão de regulador de fundo e uma demão de plastene da .../..., aplicado sobre muros de vedação (perpendiculares à moradia) à cor igual ao da moradia, incluindo prévia lavagem a jato de água, com recurso a aparelho de alta pressão.
Parede do abrigo do gás (por baixo das escadas).
Execução reboco e barramento com rede de fibra
Muro de vedação (perpendiculares à moradia)
Tetos da escadas
Face interior da viga do alpendre
11.º Para a execução dos aludidos trabalhos foi acordado e aceite, entre ambas as partes as características, quantidades e preços constantes do documento nº 6 e num total de 291,54 acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
12.º A Autora cumpriu criteriosamente o contrato de empreitada celebrado entre as partes, realizando a obra acordada e procedendo à entrega da mesma após a respetiva aceitação por parte da Ré.
b) Do incumprimento por parte da Ré
13.º Sendo a retribuição um elemento essencial do contrato de empreitada, no caso em concreto, a mesma foi fixada aquando da celebração do negócio jurídico, por acordo das partes ; cfr. doc. nº 1 - Contrato de Empreitada.
14.º Valor, aliás, constante, quer do contrato de empreitada, quer do orçamento, fazendo este parte integrante do primeiro, aqui já juntos sob o Doc. n.º1, onde se encontra de forma pormenorizada e completa todo o trabalho que a A. se propunha realizar.
15.º Também por acordo entre as partes, a Ré foi procedendo ao pagamento da obra em montantes faseados, tendo assim, a Autora, pretendido facilitar o modo de pagamento, sendo esta uma prática corrente no meio, procedendo a Ré a pagamentos à medida que a obra ia avançando, tal como combinado.
16.º Não obstante, os pagamentos efetuados pela Ré à Autora não perfazem a totalidade do montante devido, pois que ainda se encontra em falta o montante de €16.828,11€ (Dezasseis Mil Oitocentos e Vinte e Oito Euros e Onze Cêntimos), como infra se descreve:
a) relativamente à fatura nº ... datada de 31.02.2022 e com vencimento na mesma data, deve o montante de 35,18€;
b) fatura nº ...7 de 27.12.2022, emitida em 27.12.2022 e com data de vencimento a ...22, deve o montante de 10.741,90€;
c) fatura nº ...9 datada de 27.12.2022 e com data de vencimento a 27.12.2022, deve o montante de 5,706,63€;
d) fatura nº ...0 datada de 27.12.2022 e com data de vencimento em 26.01.2023, deve o montante de 344,40€;
17.º Aquando do referido contrato de empreitada ficou acordado que o pagamento seria efetuado na data de vencimento constante de cada uma das faturas, o que não veio a verificar-se.
18.º Não obstante se encontrarem vencidas as faturas consideradas, nada foi liquidado, até à presente data, apesar das insistentes interpelações da Autora, para o efeito.
19.º De facto, e visando obter o pagamento dos valores em dívida, vários foram os contactos levados a cabo pela A. para com a Ré, nomeadamente através do envio de interpelação para pagamento das faturas em divida; cfr. doc. nº 2 e 3
20.º Não obstante a referida missiva ter sido recebida pela Ré mulher, tal como se prova pelo respetivo Aviso de Receção assinado, que aqui se junta sob a forma de Doc. n.º 4
21.º à mesma não obteve a A. qualquer resposta, formal ou informal.
22.º Mantendo-se a Ré “remetida ao silêncio”, agindo como se não fosse devedora de qualquer quantia.
23.º Encontra-se a Ré em mora desde as datas dos respetivos vencimentos faz faturas, nos termos dos art.º804, 805.º n.º2 alínea a) e 806.º, n.º1 e 2 do Código Civil, doravante CC.
24.º Assim, como as tentativas de solução para a situação supra descrita não se revelaram frutíferas, e a fim de que a A. obtenha o reconhecimento e o pagamento das importâncias devidas pela Ré, não lhe resta outro meio que não seja o recurso à via judicial, por forma a compelir a Ré ao pagamento dos valores em dívida, através da propositura da presente ação.
25.º Pois que a situação acima descrita compromete seriamente a atividade desenvolvida pela A., atividade onde esta tem a pretensão de fazer sempre melhor, com mais profissionalismo, competência, dedicação, produtividade e com inteiro respeito pelas regras do jogo, o que apenas é possível quando há um cumprimento de ambas a partes, o que aqui não aconteceu.
26.º A Ré deve, assim, à Autora, além da quantia de €16.828,11€ (Dezasseis Mil Oitocentos e Vinte e Oito Euros e Onze Cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos no valor de €709,31 (Setecentos e Nove Euros e Trinta e Um Cêntimos), e dos vincendos até integral e efetivo pagamento, os quais acrescem à quantia em dívida já indicada, num total de €17.537,42 (Dezassete Mil Quinhentos e Trinta e Sete Euros e Quarenta e Dois Cêntimos)

*
1.2. Citada, a Ré não apresentou contestação.
Por despacho proferido a 09.04.2024, o Tribunal recorrido considerou a Ré «regularmente citada», que «não contestou no prazo legal nem constituiu mandatário» e que «[n]ão se verifica nenhuma das exceções que obstam a revelia operante resultante da falta de contestação», pelo que determinou que se «dê cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2 do Código Processo».
Por requerimento de 14.04.2024, a Autora apresentou «alegações sobre o aspeto jurídico da causa».
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1.3. Em 16.05.2024, foi proferida sentença, sendo que na parte relevante tem o seguinte teor:
«IV. Questões a decidir:
Circunscrevem-se ao incumprimento pela Ré do contrato celebrado entre as partes e respetivas consequências jurídicas.
*
Consideram-se confessados os factos articulados na petição inicial, por força do preceituado no artigo 567.º, n.º 1 do Código Processo Civil.
De harmonia com o disposto no artigo 567.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, entende-se que a causa reveste manifesta simplicidade, pelo que se irá fundamentar sumariamente o julgado.

V. Fundamentação de Direito:
5.1. Da qualificação do contrato:
A qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes é linear e não suscita dificuldades.
Da factualidade provada, resulta de forma evidente que entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, através do qual a Autora se obrigou perante a Ré à realização de uma obra mediante um preço.
Assim, o regime jurídico do contrato firmado entre as partes é o que resulta do Código Civil, mais concretamente dos artigos 1207.º e ss. do Código Civil.
5.2.2. Do (in) cumprimento do contrato
Cumpre, seguidamente, analisar se a quantia total peticionada pela Autora lhe é ou não devida ou se ocorre alguma causa extintiva, impeditiva ou modificativa do seu direito.
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Decorre do artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, o que significa que ao devedor incumbe realizar a prestação a que, por força do estipulado pelas partes, está adstrito, tudo nos termos do artigo 762.º, n.º 1, do mesmo código.
Por força do contrato celebrado entre as partes, era obrigação da Autora realizar uma obra, concretamente execução de trabalhos numa moradia, enquanto que a Ré assumiu a obrigação de pagamento do respetivo preço.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o respetivo cumprimento nos termos preceituados no artigo 817.º e ss. do Código Civil.
Acresce que, ao faltar culposamente ao cumprimento da obrigação o devedor torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigo 798.º e 799.º do Código Civil).
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No caso vertente, a Autora cumpriu com a obrigação assumida no contrato, ao proceder à realização dos trabalhos acordados.
Contudo, a Ré não provou, como lhe competia, que cumpriu com as suas obrigações, concretamente a que decorre do pagamento do preço.
Verifica-se, assim, um incumprimento contratual imputável à Ré.
Não existe qualquer facto extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do Autor.
Assim sendo, a Ré deve pagar à Autora a quantia total de € 16 828,11, corresponde às faturas nº ..., ...7, ...9 e ...0.
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Para além do montante supra referido, a Ré constituiu-se em mora ao não ter efetuado o pagamento no tempo devido, nos termos do artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil, sendo, por isso, devedor de juros de mora sobre cada uma das quantias.
Os juros serão contados, desde a data de vencimento das faturas até efetivo e integral pagamento.
Assim, à quantia devida acrescem juros de mora, à taxa legal, sobre os capitais de € 35,18, € 10 741,90, € 5 706,63, € 344,40 desde as datas de 31.12.2022, 28.12.2022, 27.12.2022 e 27.12.2022 (datas do vencimento das faturas), respetivamente, até efetivo e integral pagamento (artigos 805.º, n.º 1, e n.º 2 alínea a), e 806.º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril) que, à data da propositura da ação, perfaziam o montante peticionado de € 709,31.
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A responsabilidade tributária inerente a esta ação e por força da procedência total da mesma recai, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sobre os Réus.
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VI. Decisão:

Em face do exposto, decide-se julgar a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar a Ré AA a pagar à Autora a quantia de € 16 828,11, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de juro legal desde a data do vencimento das faturas até efetivo e integral pagamento, que, em 17 de janeiro de 2024, perfazem o valor de € 709,31.»
*
1.4. A Ré interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1ª Pelo facto de a aqui recorrente - e demandada nos autos - não ter apresentado a sua contestação não está a mesma arredada da possibilidade de interpor o presente recurso, como é entendimento unânime da nossa Jurisprudência.
2ª Prende-se, por isso, o presente recurso com o facto de a Meritíssima Juíza a quo não ter, como se lhe impunha, discriminado os factos que considerava provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, como determina o disposto no nº 3 do artigo 607º do Cód. Proc. Civil.
3ª Ora, lida a decisão aqui em crise em lugar algum da mesma se especificam os factos provados, afirmando-se apenas que, por falta de contestação, os factos alegados pela demandante se consideravam total e integralmente confessados.
4ª A este propósito importa salientar, como é sabido, que o efeito da cominação prevista no nº 1 do artigo 567º do Cód. Proc. Civil é semi-pleno, pois que a causa não tem necessariamente de ser julgada procedente, devendo antes ser julgada conforme for de direito.
5ª E melhor teria andado a Meritíssima Juíza a quo, com o devido e merecido respeito, se ao invés de ter julgado os factos alegados pela demandante como confessados - em face da não contestação por parte da demandada, aqui recorrente - tivesse percebido que a situação dos autos caía de forma clara e cristalina na previsão da al. d) do artigo 568º do Cód. Proc. Civil, ou seja, não se aplica o previsto no artigo 567º quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.
6ª Ora, compulsados os autos, nomeadamente no que tange aos documentos que acompanhavam a petição inicial, temos:
- contrato de empreitada celebrado entre as partes;
- lista de quantidades e preços e
- carta registada com aviso de recepção remetida à aqui recorrente (na qual se faz alusão a umas facturas, uns valores e umas datas de vencimento das mesmas, mas que nunca acompanharam essa carta, como sucedeu com a petição inicial).
7ª Por isso, e pela falta desses decisivos e importantes documentos jamais a Meritíssima Juíza a quo poderia ter dado como provado os valores alegados pela demandante, e pior do que isso, que tivesse condenado a aqui recorrente ao pagamento de juros de mora, sem que existisse qualquer documento nos autos que lhe permitisse ancorar essa sua decisão.
8ª Igualmente, compulsados os autos, não se observa a presença de qualquer despacho por parte da Meritíssima Juíza a quo no sentido de convidar a ali demandante para proceder à junção daqueles documentos - a que a própria parte alude - e a aperfeiçoar aquela sua peça processual.
9ª Será, por isso, suficiente para se ter por provados os factos alegados pela demandante o teor da carta que foi remetida à ali demandada e aqui recorrente?
Com o devido respeito por opinião diversa, julgamos não ter a mesma o condão de substituir os documentos que deveria ter instruído a presente lide.
10ª É que se assim se não entender estar-se-á a legitimar que um qualquer putativo devedor possa juntar a uns quaisquer autos uma carta remetida ao devedor com a referência a umas facturas, uns valores e umas datas de vencimento e possa, desse modo simples, ver a sua pretensão ser acolhida pelos Tribunais.
11ª Por isso, impunha-se à Meritíssima Juíza a quo, por falta de suporte documental, que tivesse dado por provado apenas a existência de um contrato de empreitada celebrado entre demandante e demandada; nem tampouco, por falta de documento que os demonstrasse, poderia ter dado por provado os trabalhos ali realizados e o custo dos mesmos.
12ª É que, estando-se perante um contrato de empreitada para a realização dos serviços ali constantes, necessário seria que também tivessem sido juntos aos autos os autos de medição no fim de cada uma das fases.
13ª Por isso, e ao abrigo da al. d) do supra referido artigo 568º do Cód. Proc. Civil, jamais poderiam os autos ter sido dados como integralmente provados.
14ª E como já supra se deixou afirmado, por ausência dos requisitos previstos no nº 3 do artigo 607º e a sua violação, deve a decisão aqui em crise ser considerada nula nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil.
15ª Deveria, assim, a decisão aqui em crise ter especificado os seguintes factos, dos alegados pela ali demandante:
Factos provados:
1º A Autora é uma sociedade por quotas, regularmente constituída e registada. que se dedica, com caráter habitual e escopo lucrativo, à industria de construção civil e empreitadas de obras publicas, compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim.
2º Por sua vez, a Ré é proprietária do prédio urbano sito na rua ..., Freguesia ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...03º/....
3º No dia 27 de setembro de 2021, a Autora celebrou com a Ré um contrato de empreitada para a realização dos trabalhos melhor identificados no contrato de empreitada e no orçamento Prop. nº ...26..., cujos dizeres aqui se dão por reproduzidos.
Factos não provados:
- todos os demais alegados pela demandante.
16ª Por isso, e como já supra se foi adiantando, a Meritíssima Juíza a quo, até pelo carácter semi-pleno da revelia, deveria ter julgado a presente procedente quanto ao que se acabou de referir na conclusão 15ª e, em consequência, ter absolvido a aqui recorrente e ali demandada da instância quanto ao demais peticionado.
Pelo exposto
1. - deve ser declarada a nulidade da decisão aqui em crise por violação do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil;
2. - deve a decisão aqui em crise ser alterada por douto acórdão que tenha por provados apenas os factos relacionados com o contrato de empreitada celebrado entre as partes, aqui se remetendo para o referido na conclusão 15ª, assim se fazendo são e acostumada JUSTIÇA.»
*
A Autora apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido.
*
1.5. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa solucionar as seguintes questões:

i) Nulidade da sentença por falta de especificação dos factos provados;
ii) Falta de documentos escritos para dar como provados os factos alegados na petição inicial, com exceção dos três factos indicados na conclusão 15ª, designadamente os relativos aos montantes em dívida, em resultado do que a ação deve ser julgada improcedente.
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação das apontadas questões são os descritos no relatório que antecede.
**
2.2. Do objeto do recurso

2.2.1. A Recorrente pretende que se declare nula a sentença «por violação do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil», em virtude de não especificar os factos provados.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[1].
A sentença, enquanto ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (art. 152º, nº 2, do CPC), integra necessariamente uma fundamentação, ou seja, a exposição das razões que justificam a decisão. A fundamentação da sentença abrange tanto a matéria de direito, como a matéria de facto. Aliás, a estrutura da sentença é definida pelo artigo 607º do CPC, designadamente quanto aos fundamentos. Vamos cingir-nos à fundamentação factual, atento o estrito objeto do presente recurso.
O artigo 607º, nº 4 do CPC estabelece a diretriz sobre a fundamentação de facto da sentença: «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção».
Essa é a norma geral aplicável às sentenças.
Porém, existe uma norma especial que regula a estrutura da sentença no caso de o réu não contestar e de a revelia ser de considerar operante.
Nessa situação, de harmonia com o disposto no artigo 567º, nº 3, do CPC, se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
A este propósito referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa[2]: «Tratando-se embora de uma sentença, que deve observar o regime do art. 607º, a lei admite que, neste caso, o conteúdo da sentença seja simplificado (nº 3)». Por sua vez, segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], «[o] preceito do nº 3 deve-se ao diploma intercalar de 1985 e teve em vista simplificar a elaboração da sentença. Quando a resolução da causa revista manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à decisão propriamente dita, precedida da simples identificação das partes e duma fundamentação sumária, não estando assim sujeita ao rigor imposto pelo art. 607, nºs 2, 3 e 4.»
É precisamente essa a situação dos autos: como estava apenas em causa parte do preço emergente de um contrato de empreitada, cujo pagamento a Autora reclamava, a resolução da causa revestia manifesta simplicidade, pelo que a Mma. Juiz podia, como efetivamente fez, limitar a sentença à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
E a fundamentação sumária do julgado não é mais do que «a determinação, a interpretação e a aplicação do direito aos factos constantes da petição»[4]. Como se consideram provados todos os factos articulados na petição (em rigor, consideram-se confessados e, como tal, provados naquele concreto processo), exceto aqueles para cuja prova se exija documento escrito (art. 568º-d do CPC), não se torna necessário, embora o tenhamos por conveniente, especificá-los na sentença.
Portanto, estando a sentença proferida nos autos em conformidade com o disposto no artigo 567º, nº 3, do CPC, não é nula por falta de fundamentação.
Improcede este primeiro fundamento do recurso.
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2.2.2. Alega a Recorrente que a Mma. Juiz não «poderia ter dado como provado os valores alegados pela demandante, e pior do que isso, que tivesse condenado a aqui recorrente ao pagamento de juros de mora, sem que existisse qualquer documento nos autos que lhe permitisse ancorar essa sua decisão
No entendimento da Recorrente, «estando-se perante um contrato de empreitada para a realização dos serviços ali constantes, necessário seria que também tivessem sido juntos aos autos os autos de medição no fim de cada uma das fases.»
No fundo, sustenta que a Autora devia ter juntado aos autos documentos escritos demonstrativos dos factos alegados na petição inicial, pelo que, não o tendo feito, a situação dos autos integra a «previsão da al. d) do artigo 568º do Cód. Proc. Civil, ou seja, não se aplica o previsto no artigo 567º quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito.» Por isso, no entender da Recorrente, na sentença apenas se poderiam considerar provados os três factos que indica na conclusão 15ª, ou seja, a natureza da Autora e o seu objeto social, o direito de propriedade da Ré sobre o imóvel e a celebração do contrato de empreitada; todos os demais factos alegados na petição inicial teriam de ser considerados não provados.

Para apreciar a questão a solucionar é conveniente partir das repercussões da falta de contestação da ação, isto é, os efeitos que produz, para de seguida determinar quais são os «factos para cuja prova se exija documento escrito», relativamente aos quais não opera o efeito da revelia.
O réu, mais do que o direito, tem o ónus de contestar a ação, na medida em que a revelia, quando operante, produz efeitos que lhe são desfavoráveis.
Com efeito, segundo o artigo 567º, nº 1, do CPC, «se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor».
O apontado comportamento omissivo do réu provoca, assim, a denominada confissão tácita, ficta (ficta confessio) ou presumida, a qual fica adquirida definitivamente no processo, isto é, com eficácia juris et de jure. Significa isto que o réu não pode vir posteriormente negar os factos relativamente aos quais se manteve em total silêncio ou inércia.
O silêncio do réu sobre a realidade dos factos articulados pelo autor tem um especial efeito probatório: tais factos consideram-se confessados e, como tal, provados naquele concreto processo.
Havendo uma confissão ficta resultante de uma revelia operante, o processo passa a ter uma tramitação específica: «se a revelia for operante, salta-se imediatamente para a fase da sentença (art. 567º, nº 2, CPC). Disto só pode resultar que a revelia operante do réu não pode deixar de considerar adquirido para o processo tudo o que o autor tenha alegado e seja relevante, como facto jurídico, para o preenchimento de uma previsão legal.»[5]
Por conseguinte, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa «conforme for de direito» (art. 567º, nº 2, in fine, do CPC), depois de cumprida a fase das alegações escritas, «que não incidirá sobre a matéria de facto»[6]. Dito de outro modo, confessados que passam a ter-se os factos articulados na petição, deixa de haver controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos, mas tal julgamento tanto pode conduzir à procedência da ação como não. Em consequência da revelia operante, apenas se assume como verificado nos autos o quadro fatual alegado na petição inicial e não o seu enquadramento jurídico.
No entanto, o aludido efeito da revelia não se produz quando se verificar alguma das exceções previstas no artigo 568º do CPC. Releva para o caso dos autos apenas a exceção prevista na alínea d) daquele preceito, reproduzida também no artigo 574º, nº 2, do CPC. Essa exceção verifica-se quando se trata de factos para cuja prova se exija documento escrito e isso pode resultar de uma estipulação legal (art. 364º do CCiv) ou do acordo das partes (art. 223º do CCiv), tanto no que respeita à forma como para a prova de um facto jurídico. Nesses casos, o documento não é dispensável e, por isso, o silêncio do réu não vale como confissão do respetivo facto. Daí que se possa enunciar a regra de que a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados pelo autor, nos termos do artigo 567º, nº 1, do CPC, exceto daqueles que careçam de prova documental por força de disposição legal ou de acordo das partes.
No caso em apreciação, inexiste acordo das partes a estabelecer que os factos alegados na petição inicial só poderiam ser provados mediante a apresentação de documento escrito.
Por outro lado, inexiste disposição legal que exija documento escrito para prova dos factos alegados na petição inicial desta ação. A própria Recorrente não alega qualquer disposição legal onde tal exigência esteja prevista. Daí que seja uma alegação imotivada, destituída da respetiva premissa.
A realidade é que nenhuma disposição legal exige que os factos relativos à execução do contrato de empreitada celebrado entre particulares, ao seu incumprimento ou à interpelação para pagamento sejam provados por documento escrito.
A Autora juntou aos autos o contrato de empreitada, devidamente assinado por ambas as partes, onde consta o respetivo conteúdo contratual, e a listagem dos trabalhos a mais, onde se discrimina no que consistiram esses trabalhos, as respetivas quantidades, valores e datas. Também demonstrou a existência de uma interpelação escrita para pagamento dos montantes em dívida, efetuada por carta cujo aviso de receção foi assinado pela Ré.
Mas além de ter juntado tais documentos, alegou de forma pormenorizada e exaustiva, numa petição extensa, com 22 páginas, todos os factos que justificavam o pedido de condenação da Ré no pagamento da quantia global de € 17.537,42, sendo € 16.828,11 de capital, e € 709,31 de juros de mora vencidos, acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal. Como se vê na transcrição que consta em 1.1. deste acórdão, a Autora especificou quais os trabalhos que tinha de realizar no prédio da Ré (v. arts. 2º e 3º), o preço acordado (arts. 4º, 6º, 7º, 13º e 14º) e quando deveria ser feito o seu pagamento (art. 17º), quais os trabalhos que efetivamente executou (art. 5º), os trabalhos a mais cuja realização a Ré solicitou à Autora (arts. 8º e 10º), o preço acordado relativamente a estes (arts. 9º e 11º), a execução de todos os trabalhos e a entrega da obra após a respetiva aceitação pela Ré (art. 12º), o pagamento parcial da retribuição acordada (art. 15º), os montantes que permaneceram por pagar e as datas do respetivo vencimento (art. 16º) e as sucessivas interpelações para pagamento (arts. 18º e 19º).
Nesta conformidade, por a lei não exigir que a prova se faça por documento escrito, há que concluir que os factos articulados na petição inicial se consideram provados por terem sido objeto de confissão por parte da Ré. Como foram esses os factos que o Tribunal recorrido considerou na sentença e estes têm eficácia juris et de jure – a prova resultante da confissão ficta tem tratamento de uma presunção inilidível –, carece de fundamento a pretendida modificação da matéria de facto.
Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2021 (Pinto de Almeida), proferido no processo 930/18.3T8BJA.E1.S1[7], que «considerados confessados os factos articulados na petição inicial numa situação de revelia operante, deixa de haver controvérsia sobre esses factos, havendo tão só de proceder à sua valoração jurídica». Aí se explicita que, «conforme dispõe o art. 567º, nºs 1 e 2, do CPC, em caso de revelia operante, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e, após alegações escritas, o juiz decide julgando a causa conforme for de direito. Trata-se aqui de uma confissão tácita ou ficta, a qual, apesar de se distinguir da confissão judicial expressa, não deixa de ter o efeito previsto na referida norma: a prova resultante desta confissão "fica definitivamente adquirida no processo", tendo o "tratamento de uma presunção inilidível" (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., 534). Assim, confessados os factos articulados na petição inicial, "deixa de haver controvérsia" sobre os mesmos, havendo tão só de proceder à sua valoração jurídica (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 630).»

A Recorrente não questiona o enquadramento jurídico traçado na sentença, segundo o qual foi celebrado entre Autora e Ré um contrato de empreitada (v. art. 1207º do Código Civil[8]).
Por força do contrato celebrado, incumbia à Autora executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios (art. 1208º do CCiv), enquanto a Ré estava vinculada ao pagamento do preço (art. 1211º do CCiv).
O devedor em geral cumpre a obrigação quando, de boa-fé, realiza a prestação a que está vinculado - artigo 762º do CCiv. Consequentemente, a contrario sensu, o devedor não cumpre a sua obrigação quando não realiza a prestação a que está vinculado.
Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação do devedor, e a este os factos reveladores de que tal não procede de culpa sua – artigo 799º, nº 1, do CCiv.
Face aos factos assentes nestes autos, nenhuma dúvida existe de que a Autora cumpriu a obrigação contratual por si assumida, pois executou a obra em conformidade com o convencionado e procedeu à sua entrega depois de ter sido aceite pela Ré. Por isso, tinha direito ao pagamento do preço.
A Ré apenas pagou parte do preço, permanecendo em dívida, a esse título, a quantia global de € 16.828,11. É de recordar que o pagamento é uma exceção perentória extintiva do direito invocado pelo autor e determina a improcedência total ou parcial do pedido (v. arts. 571º, nº 2, e 576º, nº 3, do CPC e 762º, nº 1, do CCiv), competindo o ónus da sua prova àquele contra quem a invocação é feita (art. 342º, nº 2, do CCiv). Atenta a falta de contestação, nestes autos não está sequer alegado o pagamento, pelo que o direito à parte do preço ainda em dívida é inquestionável.
Nos termos do artigo 798º do CCiv, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Face à matéria de facto assente, está concretamente determinado em que datas, face ao convencionado, os montantes referidos no artigo 16º da petição inicial deviam ter sido liquidados pela Ré, que não o fez.
Por isso, a Ré constituiu-se em mora (v. arts. 804º, nºs 1 e 2, do CCiv) e esta obriga-a a reparar os danos causados ao credor. Como se trata de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1, do CCiv). Os juros devidos são os legais.
Daí que nenhuma crítica mereça a sentença na parte em que considerou que «à quantia devida acrescem juros de mora, à taxa legal, sobre os capitais de € 35,18, € 10 741,90, € 5 706,63, € 344,40 desde as datas de 31.12.2022, 28.12.2022, 27.12.2022 e 27.12.2022».
Pelo exposto, improcede totalmente a apelação.

Decaindo totalmente no recurso, a Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Guimarães, 11.07.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Raquel Baptista Tavares
Alexandra Rolim Mendes


[1] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (v. 4/2024), in Blog do IPPC, em anotação ao artigo 154º do CPC.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 631.
[3] Código de Processo Civil, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 538.
[4] Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 347.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, in Blog do IPPC, entrada de 26.02.2019, em comentário ao acórdão da Relação do Porto de 22.10.2018 (processo 528/11.7TVPRT.P1).
[6] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 536.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] CCiv.