LIVRANÇA
AÇÃO EXECUTIVA
LEGITIMIDADE DO EXEQUENTE
SUB-ROGAÇÃO
Sumário

A exequente não tem legitimidade para intentar ação executiva contra os executados, tendo subjacente livrança, no interesse de um terceiro, que na qualidade de garante do crédito pagou parte ou a totalidade desse crédito á exequente, atenta a mudança subjectiva da titularidade desse crédito face á sub-rogação.

Texto Integral

Processo nº 10399/23.5T8PRT-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto - Juiz 3


Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Judite Pires
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Maria Manuela Barroco Esteves Machado


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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



I - RELATÓRIO

Nos autos de acção executiva que Banco 1..., S.A. instaurou contra A..., Lda, AA e BB, é alegado, em resumo no requerimento inicial que “….1. A Exequente é dona e legítima portadora de duas livranças, com as importâncias de 36.020,80€ e 15.511,88€, com vencimentos no dia 5.05.2023, subscritas pela executada A...,LDA e avalizada pelos demais executados (cfr. doc. 1 e 2, que se juntam e dão por integralmente reproduzidos)
2. As livranças foram emitidas para titular e assegurar o pagamento das responsabilidades decorrentes do contrato de mútuo - operação ...91 -, e do contrato de abertura de crédito - operação PT ...92 -, foram entregues em branco pelos executados à exequente, autorizando-a a preenchê-las quando tal se mostrasse necessário, a seu próprio juízo.
3.As livranças foram preenchidas e, apresentadas a pagamento, os capitais por elas titulados não foram pagos na data dos seus vencimentos ou posteriormente
4.
A Exequente tem, assim, haver dos executados, por referência à data de 29.5.2023: - os capitais, nos montantes de 36.020,80€ e 15.511,88€;
- o imposto de selo das livranças, nos montantes de 180,10€ e 77,56€; - os juros vencidos desde 5.5.2023, à taxa de 4%, no montante global de 135,54€, e o imposto de selo respectivo, no montante de 5,42€.
5. A exequente tem também haver os juros, à taxa de 4%, ao ano, e o imposto de selo respectivo, contados a partir de 29.5.2023 até ao efectivo e integral pagamento, e, bem assim, as custas e os honorários e despesas da Agente de Execução….».
Neste apenso aos autos de execução, para pagamento de quantia certa os executados A... Lda, AA e BB, vieram apresentar OPOSIÇÃO, mediante embargos de executado, alegando em resumo o seguinte: «..1. Invalidade do título por dele não constar o local de pagamento/domiciliação; preenchimento abusivo da livrança, entregue em branco; o pacto de preenchimento foi elaborado com base em impresso/minuta padronizado previamente elaborado, no qual se encontra inserto determinado clausulado, limitando-se os executados/avalistas a assinar o mesmo, sem possibilidade de, no essencial e através de negociação, modelar ou alterar o respetivo teor; a inexigibilidade da quantia exequenda por não terem sido previamente interpelados para pagamento, em data anterior à execução; a não resolução do contrato pela exequente, prévia á instauração da acção, não existindo, assim, título válido.
….15. Preenchida a livrança com violação do pacto, no tocante ao montante acordado, deve a responsabilidade do embargante limitar-se à assumida no respectivo acordo, confinando-se a dívida aos limites de tal pacto.
16. Mas, preenchida a livrança em branco ao completo arrepio do pacto de
preenchimento antes celebrado, não vale a mesma livrança assim preenchida
como título executivo.
17. Ora, a exequente, mal recebeu do FEI o valor das garantias, extinguiu os contratos, independentemente do prazo que ainda faltava para o seu términus,e
18. Sem interpelar os avalistas para o pagamento, preencheu as livranças conforme quis.
19. Ou seja, a requerente pretende receber duas vezes as quantias mutuadas: do FEI e dos avalistas.
20. Assim, as livranças foram abusivamente preenchidas.
Termos em que se requer a V. Exa. se digne admitir a presente oposição e, em consequência, julgar a execução improcedente, por falta de título executivo, como é de JUSTIÇA.….»(sic).
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Findos os articulados, foi proferido saneador sentença que decidiu da seguinte forma: «… Fixação do valor
Em cumprimento do preceituado pelo art.º 306.º do Código de Processo Civil, do mesmo diploma legal, fixo o valor da presente causa em € 51.931,30.
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Dado que o processo já reúne todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, tal decisão será proferida de imediato, ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1 e 595º, nº 1, al. b), todos do C.P.Civil.
Assim sendo, ao abrigo dos citados normativos e ainda do dever de gestão processual plasmado no art. 6º, do citado código - que, para além do mais, impõe ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere do processo -, dispenso a realização da audiência prévia, sendo proferida de imediato decisão final.
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O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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Sentença

Por apenso à execução que Banco 1..., SA, lhe moveu, vieram os executados A..., LDA, e outros, apresentar os presentes embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos com a extinção da execução.
Na petição inicial invocou, para tanto:

• A invalidade do título por dele não constar o local de pagamento/domiciliação;

• O pacto de preenchimento foi elaborado com base em impresso/minuta padronizado previamente elaborado, no qual se encontra inserto determinado clausulado, limitando-se os executados/avalistas a assinar o mesmo, sem possibilidade de, no essencial e através de negociação, modelar ou alterar o respetivo teor;
• A inexigibilidade da quantia exequenda por não terem sido previamente interpelados para pagamento, em data anterior à execução;
• A não resolução do contrato pela exequente, prévia à instauração da acção, não existindo, assim, título válido;
• O preenchimento abusivo da livrança, entregue em branco, uma vez que o exequente recebeu do FEI o valor das garantias, pretendendo receber duas vezes as quantias mutuadas.
Notificada para contestar, pugnou pela improcedência dos presentes embargos de executado, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.
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Objecto do litígio e questões a decidir:
Da invalidade / inexistência do título executivo; Da inexigibilidade da quantia exequenda;

Do preenchimento abusivo da livrança.
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Com base no teor dos documentos infra referidos (que não foram impugnados) e por acordo das partes, julgo assentes os seguintes factos:
1. A Exequente é dona e legítima portadora de duas livranças, com as importâncias de 36.020,80€ e 15.511,88€, com vencimentos no dia 5.05.2023, subscritas pela executada A...,LDA e avalizada pelos executados AA e BB, (cifrando documentos juntos no processo principal no dia 6-6-2023 e que se dão por integralmente reproduzidos).
2. As livranças foram emitidas para titular e assegurar o pagamento das responsabilidades decorrentes do contrato de mútuo - operação ...91 -, e do contrato de abertura de crédito - operação PT ...92 -, foram entregues em branco pelos executados à exequente, autorizando-a a preenchê-las quando tal se mostrasse necessário, a seu próprio juízo – conforme contratos juntos nestes autos como documentos 1 e 2 com a contestação.
3. A gestora de conta deslocou-se à sede da referida empresa e deixou os contratos (de mútuo e de abertura de crédito em regime de conta corrente supra referidos), bem como as livranças em branco, tendo apenas explicado onde é que tais documentos deveriam ser rubricados e assinados.
4. Depois de assinados, os executados entregaram a documentação no banco.
5. De acordo com o estabelecido nos contratos, embargantes e embargada convencionaram, além do mais, o seguinte:
“(…) GARANTIAS
(…) INSTRUMENTO DE GARANTIA EGF
O presente financiamento beneficia do Instrumento de garantia do EGF, por efeito do Acordo celebrado entre a Banco 1... e o FEI, em 12 de março de 2021 (o “Acordo”). (…) OUTRAS GARANTIAS: (…) AVAL: Todas e quaisquer garantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1... pela CLIENTE no âmbito do presente contrato (…) ficam garantidas pelo aval prestado na livrança (…)
“Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a (o) CLIENTE e o (s) AVALISTA (S) entrega (m) à Banco 1..., neste ato, uma livrança com montante de vencimento em branco, devidamente data, subscrita pela (o) CLIENTE e avalizada pelo (s) AVALISTA (S), e autoriza (M) desde já a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1... quanto, em caso de incumprimento pela (o) CLIENTE das obrigações assumidas, aquela decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente contrato, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluído os da própria livrança; c)A Banco 1... poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento. (…)” - Cifrando cláusula 13 do contrato de mútuo e cláusula 12 do contrato de abertura de crédito em conta juntos com a contestação.
6. Em relação ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, o montante do crédito concedido pela exequente à executada, em 12/10/2021, ascendeu ao capital de 15.000€, que ela recebeu, confessou devedora e destinou no financiamento das necessidades de tesouraria relacionadas com a manutenção e/ou desenvolvimento da sua actividade.
7. O prazo convencionado foi de 6 meses, com início no dia 12/10/2021, prorrogável automaticamente por períodos iguais e sucessivos até ao limite de 72 meses contados a partir da referida data ou até 31/12/2031, consoante o que se verificar primeiro (cfr cláusulas 2 e 3 do contrato)
8. Convencionaram ainda que a taxa de juro aplicável corresponde à taxa de 3,25%, acrescida de uma componente variável nos termos que constam da cláusula 5ª, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
9. Os juros seriam calculados dia a dia, sobre o capital em dívida, e seriam liquidados e pagos postecipada e sucessivamente no termo de cada período de contagem de juros, entendendo-se para o efeito o trimestre, com início em 12/10/2021.
10. Foi ainda convencionado que o capital seria reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último dia do prazo prorrogado.
11. A executada sociedade obrigou-se ainda a pagar as comissões e encargos previstos no contrato.
12. Convencionaram também que “as comunicações e os avisos escritos pela Banco 1... aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço (…)”, sendo que “as comunicações e os avisos têm-se por efectuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos”.
13. Em relação ao contrato de mútuo, o montante do crédito concedido pela exequente à executada, em 12/10/2021, ascendeu ao capital de 35.000€, que ela recebeu, confessou devedora, e utilizou no financiamento das necessidades de investimento e de fundo de maneio.
14. O prazo global convencionado foi de 60 meses, sendo 12 meses de prazo de carência, período em que não há lugar a amortizações de capital, vencendo-se apenas juros e outros encargos, a contar da data da perfeição do contrato (12/10/2021) e de 48 meses de prazo de amortização a contar do termo do período de carência, período em que haveria lugar à cobrança de prestações de capital e de juros e outros encargos (cfr cláusulas 2 e 3 do contrato).
15. Convencionaram ainda que a taxa de juro aplicável a este contrato corresponde à taxa de 1,5%, acrescida de uma componente variável nos termos que constam da cláusula 5ª, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
16. Os juros seriam calculados dia a dia, sobre o capital em cada momento em dívida, e seriam liquidados e pagos no final de cada período de contagem de juros, entendendo-se para o efeito o mês, com início em 12/10/2021, sendo que, no prazo de amortização, os juros seriam pagos em conjunto com as prestações de capital.
17. Foi ainda convencionado que o capital seria reembolsado em prestações mensais, sucessivas e iguais, contados do termo do período de carência .
18. A executada sociedade obrigou-se ainda a pagar as comissões e encargos previstos no contrato.
19. Convencionaram também que “as comunicações e os avisos escritos pela Banco 1... aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço (…)”, sendo que “as comunicações e os avisos têm-se por efectuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos”.
20. A executada sociedade não procedeu ao pagamento, a partir de julho de 2022, das prestações pecuniárias estipuladas nos contratos
21. A exequente, por cartas datadas de 15/9/2022, comunicou aos executados a denúncia do contrato de abertura de crédito e exigiu o pagamento do montante em dívida, à data de 15.133,44€ (cfr. cartas que foram juntas na contestação como documento n.º 3, e cujos teores se dão por reproduzidas)
22. As cartas foram enviadas para as moradas dos executados que constam dos contratos.
23. A carta enviada para a executada sociedade foi recebida por esta no dia 16/9/2022 e, as cartas enviadas aos executados avalistas foram devolvidas à exequente, com a indicação de “mudou-se” (cfr. aviso de recepção e cartas devolvidas, que foram juntas como documentos n.ºs 4, 5 e 6, com a contestação, e se dão por reproduzidos)
24. A exequente enviou ainda aos executados as cartas datadas de 22/9/2022 e 11/1/2023, interpelando-os para procederam à regularização das dívidas ou liquidação, sob pena do recurso à via judicial para cobrança coerciva (cfr. documentos juntos com a contestação como n.ºs 7 e 8, que se dão por reproduzidos).
25. As cartas datadas de 22/9/2022 foram enviadas para as moradas dos executados que constam dos contratos, mas foram devolvidas, a enviada à executada sociedade, com a indicação de “avisado” e “objeto não reclamado”, e, as enviadas aos demais executados, com indicação de “mudou-se” (cfr documentos juntos como n.ºs 9, 10 e 11, com a contestação e que se reproduzem para os devidos efeitos).
26. As cartas datadas de 11/1/2023 foram também enviadas para as moradas dos executados que constam dos contratos, sendo que, a enviada à executada sociedade foi recebida por esta em 13/1/2023, e as enviadas aos demais executados foram devolvidas também com a indicação de “mudou-se” (cfr. documentos juntos com a contestação com os n.ºs 12 e 13, que se reproduzem).
27. A exequente preencheu as livranças dadas à execução e apresentou-as a pagamento aos executados, por cartas datadas de 5/5/2023, através das quais lhes comunicou:
(…) “CONTRATOS: PT ...92 e ...91 TITULAR: A..., LDA Preenchimento de livrança: €15.511,88 à data de 2023-05-05 – PT ...92 € 36.020,80 à data de 2023-05-05 – ...91 Encontram-se vencidas e não pagas, as responsabilidades emergentes dos contratos acima mencionados, os quais foram celebrados ambos em 2021-10-12. De acordo com o estabelecido nos referidos contratos havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível a totalidade do crédito. Desta forma, e nos termos contratados, consideramos vencida, nesta data, a totalidade dos créditos, tendo sido fixado, para o dia 5 de maio de 2023, o vencimento das livranças, subscrita por A..., LDA e avalizadas por AA e BB, que preenchemos: - pelo valor de € 15.511,88 (Op. PT ...92) que correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. - pelo valor de € 36.020,80 (Op. ...91) que correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. Assim, vimos pela presente interpelar V. Exª., na qualidade de mutuária, para, no prazo de 5 dias, a contar da receção da presente carta, proceder à liquidação daquele valor. Findo o prazo indicado, sem que tenha sido efetuado o respetivo pagamento, promoveremos, de imediato, sem mais aviso, a instauração da competente ação executiva.” (…) (cfr. as mencionadas cartas juntas como documentos 18, 19 e 20, com a contestação e cujo teores aqui se dão por reproduzidos).
28. As cartas foram enviadas, de acordo com o convencionado, para as moradas dos executados que constam dos contratos.
29. A carta enviada para a executada sociedade, subscritora das livranças, foi devolvida à exequente com indicação de “objeto não reclamado” e as cartas enviadas aos executados avalistas foram devolvidas à exequente, com a indicação de “mudou-se” (cfr. doc 21, 22 e 23 juntos em sede de contestação e que se reproduzem).
30. As referidas operações de crédito beneficiam do Instrumento de Garantia do Fundo Pan Europeu (EGF), implementado pelo Fundo Europeu de Investimento (FEI), por efeito dos acordos celebrados entre a exequente e o FEI.
31. O Fundo Europeu de Investimento (FEI) e a Banco 1... (Banco 1...) assinaram um acordo de garantia relativo a uma carteira de empréstimos para financiamento de pequenas e médias empresas (PME) em Portugal.
32. Ao abrigo desse instrumento, a exequente accionou as garantias e recebeu do FEI, em 3/7/2023, em relação ao contrato de mútuo, o montante de 24.723,88€
33. E, em relação ao contrato de abertura de crédito recebeu, em 31/3/2023, o montante de 10.500€.
34. A exequente comunicou aos executados o recebimento das referidas quantias, por cartas datadas de 10/8/2023 e 11/8/2023 (cfr. cartas enviadas aos executados que juntas na contestação como documentos 24 e 25 e que se reproduzem).
35. Nessas cartas, a exequente comunicou aos executados que o FEI ficou sub-rogado, na medida das verbas recebidas, nos direitos da exequente, que, por sua vez, permanece credora do remanescente das dívidas, mantendo-se inalterados os demais termos e condições dos contratos, incluindo eventuais garantias prestadas.
36. A exequente comunicou ainda aos executados através das referidas cartas que, em relação ao contrato de abertura de crédito, eram devedores, nessa data, das seguintes quantias: “(i) à Banco 1... do montante de € 5.106,95 (…), correspondendo € 4.500,00 (…) a capital de € 509,03 (…) a juros moratórios e € 97.92 (…) a comissões e outros encargos. (ii) ao FEI da quantia de €10.500,00€ (…) correspondendo (…) a capital.”
37. E que, “(…) considerando que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, reclamou dos executados o pagamento de 10.500€, acrescidos dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI (cfr. carta junta como doc. 25 e procuração passada pelo FEI a favor da exequente, junta como doc 26, com a contestação).
38. Em relação ao contrato de mútuo, comunicou aos executados que eram devedores, nessa data, das seguintes quantias: “(i) à Banco 1... do montante de € 11.781,78 (…), correspondendo € 10.500 (…) a capital, € 451,61 (…) a juros moratórios e € 234,89 (…) a comissões e outros encargos. (ii) ao FEI da quantia de €24.723,88€ (…) correspondendo € 24.500,00(…) a capital, € 215,27 (…) a juros remuneratórios e € 8,61 (…) a comissões e outros encargos”.
39. E, “considerando que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, reclamou dos executados o pagamento de 24.723,88€, acrescido dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI (cfr. a carta junta como doc 24 e a mencionada procuração, junta como doc. 26).
40. O FEI emitiu à exequente a procuração constante do documento n.º 27 junto com a contestação e cujo teor se dá por reproduzido.
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É sabido que a oposição à execução constitui uma contra-acção do devedor à acção executiva do credor para impedir a execução, para destruir os efeitos do título executivo.
Referem os executados avalistas que o pacto de preenchimento foi elaborado com base em impresso/minuta padronizado previamente elaborado, no qual se encontra inserto determinado clausulado, limitando-se os executados/avalistas a assinar o mesmo, sem possibilidade de, no essencial e através de negociação, modelar ou alterar o respetivo teor e, por outro lado, invocam o preenchimento abusivo da livrança.
E referem ainda que o titulo é inválido por dele não constar o local de pagamento.
Quando a livrança é emitida em branco a obrigação cambiária por ela titulada considera-se constituída desde o momento da sua assinatura e entrega. Porém, a sua eficácia fica dependente do seu preenchimento, no momento do vencimento.
Pese embora a livrança em branco não pressupor, necessariamente, um prévio contrato de preenchimento, já quando este existe o preenchimento da livrança em branco tem de realizar-se dentro dos limites e termos ajustados.
A letra ou livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior e tal entrega é acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».
Assim, não faz parte do elenco das alegações úteis e prestáveis, tendo em vista demonstrar o preenchimento abusivo duma tal letra/livrança, invocar-se que não subsiste válida – por a existente conter clausula contratual geral em que os deveres de comunicação e informação não foram cumpridos – uma convenção de preenchimento.
Efectivamente, para se demonstrar o preenchimento abusivo, tem que se demonstrar (1.º) a existência de um acordo e (2.º) que o tomador/portador da letra/livrança, ao preenchê-la (ao completar o respectivo preenchimento), desrespeitou tal acordo; e, logicamente, quem apenas invoca que não há/subsiste convenção de preenchimento fica sem “quid” que sirva de suporte/reporte ao preenchimento abusivo.
Tendo sido a livrança entregue em branco, não gera invalidade da mesma a falta de domiciliação, face ao acima expendido sobre esta matéria.
Quanto à inexigibilidade da quantia exequenda por não terem sido os executados previamente interpelados para pagamento, em data anterior à execução e a não resolução do contrato pela exequente, prévia à instauração da acção, não existindo, assim, título válido, face aos factos considerados provados em 21 a 26, verifica-se que essa resolução e interpelação ocorreu, tendo sido enviadas as cartas identificadas para as moradas convencionadas.
Pese embora as cartas referidas em 23, 25, 26 e 29 tenham vindo devolvidas, nada referem os executados sobre essa situação, mas o certo é que acordaram que as comunicações e os avisos escritos pela Banco 1... aos demais contratantes seriam sempre enviados para o endereço constante do aludido contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1... de qualquer alteração do referido endereço (…)”, sendo que “as comunicações e os avisos têm-se por efectuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos”, razão pela qual se considera que as comunicações em causa se tornaram eficazes.
Para além disso, relativamente ao invocado quanto à inexistência de interpelação sobre o incumprimento do contrato por parte dos avalistas, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.09.2017 in www.dgsi.pt para onde se remete para maiores desenvolvimentos: “E quanto à invocada necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo embargante, já que não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento. Para que assim fosse, necessário seria que o embargante tivesse alegado e provado que a necessidade dessa interpelação emergia do próprio pacto de preenchimento, o que não fez. Nem tão pouco essa falta de interpelação se reconduz minimamente em situação de má-fé ou de falta grave na aquisição do título por parte da exequente. Assim, não se mostrando que o ulterior preenchimento da livrança viole o pacto de preenchimento, tem-se por validamente constituída a obrigação de aval à subscritora assumida pelo embargante pelo montante e com a data de vencimento nela inscrito.”.
Por fim, resta apreciar do invocado preenchimento abusivo da livrança, uma vez que o exequente recebeu do FEI o valor das garantias.
Constata-se que a exequente acionou a garantia EGF, por efeito do Acordo celebrado entre a Banco 1... e o FEI, tendo recebido a quantia de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de € 24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo.
No preenchimento da livrança em causa, o exequente integrou esses montantes invocando que, ao abrigo do protocolo que realizou com o FEI, está obrigada à recuperação judicial do total do valor em dívida, e que, tendo recebido do FEI as verbas garantidas, e, caso venha a receber da empresa ou dos garantes a totalidade ou parte do valor da dívida, a exequente terá então de devolver ao FEI o respectivo proporcional do valor recebido (voluntariamente ou em âmbito judicial), aludindo ao facto de ter o FEI ficado sub-rogado, na medida das verbas recebidas, nos direitos da exequente, que, por sua vez, permanece credora do remanescente das dívidas, mantendo-se inalterados os demais termos e condições dos contratos, incluindo eventuais garantias prestadas.
Mais alega que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos.
Contudo, tal situação não se encontra prevista no pacto de preenchimento analisado, prevendo este apenas o seguinte: "(...) OUTRAS GARANTIAS: (…) AVAL: Todas e quaisquer garantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1... pela CLIENTE no âmbito do presente contrato (…) ficam garantidas pelo aval prestado na livrança (…)", pelo que tal valor incluído na livrança foi feito de forma abusiva.
E, de qualquer forma, não se pode concluir que a exequente permanece credora do remanescente das dívidas aqui em causa na parte em que acionou a garantia ao FEI, tendo recebido as verbas supra referidas, pelo que se verifica a falta de legitimidade do exequente resultante do disposto no artigo 53.º, n.º 1, do CPC.
Conforme Acórdão da Relação de Coimbra datado de 22-11-2022, www.dgsi.pt, acedido no dia 11-1-2024, “O embargado/exequente não tem legitimidade para intentar ação executiva contra a embargante/executada, com base em livrança exequenda, no interesse de terceiro, que, na qualidade de garante do crédito do exequente (prestou garantia bancária autónoma, assumindo o crédito concedido pelo banco à executada), já liquidou a quantia devida por aquela ao exequente. Liquidada toda a dívida, por parte do garante, ficou este sub-rogado nos direitos do beneficiário da garantia/exequente, com a consequência de este último ter deixado de ser credor da executada, não lhe sendo lícito, por isso, usar a execução para se ressarcir de um crédito que já não detém”.
Face ao exposto, declaro procedente a excepção do preenchimento abusivo da livrança relativamente às identificadas quantias, bem como aos respectivos juros e comissões peticionados quanto às mesmas.
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Decisão:
Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, em consequência:
A. Declaro procedente a excepção do preenchimento abusivo quanto aos montantes peticionados no valor de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de € 24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo, e respetivos juros e comissão pedidos, absolvendo os executados da instância quanto a esta matéria;
B. Determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso para pagamento das quantias restantes - quanto ao contrato de abertura de crédito: € 5.106,95, correspondendo € 4.500,00 a capital de € 509,03, a juros moratórios e € 97.92, a comissões e outros encargos; relativamente ao contrato de mútuo: € 11.781,78, correspondendo € 10.500, a capital, € 451,61, a juros moratórios e € 234,89, a comissões e outros encargos, bem como os impostos de selo e juros vencidos e vincendos peticionados.
Custas a cargo dos embargantes/executados e da exequente, na proporção do respectivo decaimento (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil).
Registe e notifique, incluindo a Srª Agente de Execução…»(sic).
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Inconformada com tal decisão, veio a exequente embargada interpor o presente recurso (o qual foi admitido como de apelação, sobe nos próprios autos e com efeito devolutivo) com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença, na parte que julgou parcialmente procedentes os embargos e, consequentemente declarou procedente a excepção do preenchimento abusivo quanto aos montantes peticionados no valor de €10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de €24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo, e respetivos juros e comissão pedidos, absolvendo os executados da instância quanto a esta matéria.
2. Sendo o pacto de preenchimento o contrato entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular, fixado livremente pelas partes, que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, tendo as livranças sido entregues para titular e assegurar “o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato”, tendo os recorridos autorizado a recorrente a preencher as livranças, com a importância correspondente ao “total das responsabilidades decorrentes do presente contrato”, e tendo a recorrente se obrigado perante o FEI à recuperação judicial do total do valor em dívida, não houve preenchimento abuso das livranças dadas à execução, por estas terem sido preenchidas pela recorrente, no lugar da importância das livranças, com os valores correspondentes ao total das responsabilidades dos recorridos emergentes dos contratos, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, devidos à recorrente e ao FEI, este na sequência do accionamento da garantia prestada.
3. O tribunal “a quo” ao decidir com decidiu, violou ou interpretou mal as cláusulas 12º e 13º - Livrança em branco com pacto de preenchimento - dos contratos subjacentes às livranças, e os artigos 397º, 398º, 405º do Código Civil e 10º da LULL
4. Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a douta sentença recorrida revogada na parte que declarou procedente a excepção do preenchimento abusivo quanto aos montantes peticionados no valor de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de € 24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo, e respetivos juros e comissão pedidos, como é de JUSTIÇA…»(sic)
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Não foram apresentadas contra-alegações.

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, é a seguinte a questão a analisar: determinar da manutenção ou não da decisão recorrida que declarou procedente a excepção do preenchimento abusivo quanto aos montantes peticionados no valor de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de € 24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo, e respetivos juros e comissão pedidos, absolvendo os executados da instância quanto a esta matéria.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO


Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e aqueles que serão referidos ao longo das considerações infra exaradas e a factualidade de facto constante da decisão recorrida, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.

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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO



Alega a apelante nas suas alegações que o tribunal recorrido apreciou a questão do invocado preenchimento abusivo da livrança, uma vez que o exequente recebeu do FEI o valor das garantias. Tendo referido que a exequente acionou a garantia EGF, por efeito do Acordo celebrado entre a Banco 1... e o FEI, tendo recebido a quantia de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de €24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo.
Refere a apelante que no preenchimento da livrança em causa, o exequente integrou esses montantes invocando que, ao abrigo do protocolo que realizou com o FEI, está obrigada à recuperação judicial do total do valor em dívida, e que, tendo recebido do FEI as verbas garantidas, e, caso venha a receber da empresa ou dos garantes a totalidade ou parte do valor da dívida, a exequente terá então de devolver ao FEI o respectivo proporcional do valor recebido (voluntariamente ou em âmbito judicial), aludindo ao facto de ter o FEI ficado sub-rogado, na medida das verbas recebidas, nos direitos da exequente, que, por sua vez, permanece credora do remanescente das dívidas, mantendo-se inalterados os demais termos e condições dos contratos, incluindo eventuais garantias prestadas.
Invoca, ainda a recorrente que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos.
Considera a apelante que como decorre dos contratos e da matéria assente, as operações de crédito subjacentes às livranças foram celebradas entre a recorrente e os recorridos ao abrigo do Instrumento de Garantia do Fundo Pan Europeu (EGF), implementado pelo Fundo Europeu de Investimento (FEI), por efeito dos acordos celebrados entre a exequente e o FEI.
O Fundo Europeu de Investimento (FEI) e a Banco 1... (Banco 1...) assinaram, em 2018, um acordo de garantia relativo a uma carteira de empréstimos de 200 milhões de euros para financiamento de pequenas e médias empresas (PME) em Portugal.
Este fundo – e outros – foram amplamente divulgados no âmbito do Portugal 2020, cuja execução terminou no final do ano transato e que visou, entre outras coisas, um apoio à economia europeia.
Ao abrigo desse instrumento, a exequente accionou as garantias e recebeu do FEI, em 3/7/2023, já na pendência da execução, em relação ao contrato de mútuo, o montante de 24.723,88€, e, em relação ao contrato de abertura de crédito recebeu, em 31/3/2023, o montante de 10.500€, tendo a recorrente comunicado aos recorridos o recebimento das referidas quantias, por cartas datadas de 10/8/2023 e 11/8/2023.
A recorrente, ao abrigo do protocolo, ficou obrigada à recuperação judicial do total do valor em dívida, ou seja, mesmo tendo recebido a verba garantida, terá de diligenciar pela recuperação judicial da totalidade do crédito.
Assim, a recorrente comunicou aos executados que o FEI ficou sub-rogado, na medida das verbas recebidas, nos direitos da exequente, que, por sua vez, permanece credora do remanescente das dívidas, mantendo-se inalterados os demais termos e condições dos contratos, incluindo eventuais garantias prestadas, sendo que contudo, “considerando que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, reclamou dos executados, em relação ao contrato de abertura de crédito, o pagamento de 10.500€, acrescidos dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI e, em relação ao contrato de mútuo, comunicou aos executados que eram devedores, nessa data, das seguintes quantias, o pagamento de 24.723,88€, acrescido dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI, como também foi comunicados aos recorrentes.
Ora, tendo presente as obrigações assumidas pela recorrente junto do FEI e o teor dos pactos de preenchimento inseridos nos contratos, nos quais intervieram todos os todos os recorridos, a livrança foi entregue “com montante de vencimento em branco”, devidamente datada e subscrita, “pela (o) CLIENTE e avalizada pelo (s) AVALISTA (S), para “titular e assegurar” o pagamento de “todas as responsabilidades decorrentes deste contrato.
De acordo ainda com o pacto, os recorrentes autorizaram “a Banco 1... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., tendo em conta, nomeadamente que “A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente contrato, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluído os da própria livrança; (…).
Alega a apelante que, sendo o pacto de preenchimento o contrato entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular, fixado livremente pelas partes, que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, e tendo as livranças sido entregues para titular e assegurar “o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato”, tendo os recorridos autorizado a recorrente a preencher as livranças, com a importância correspondente ao “total das responsabilidades decorrentes do presente contrato”, e tendo a recorrente se obrigado perante o FEI à recuperação judicial do total do valor em dívida, não houve preenchimento abuso das livranças dadas à execução, por estas terem sido preenchidas pela recorrente, no lugar da importância das livranças, com os valores correspondentes ao total das responsabilidades dos recorridos emergentes dos contratos, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, devidos à recorrente e ao FEI, na sequência do accionamento da garantia prestada por esta.
Conclui, assim a apelante que o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida revogada na parte que declarou procedente a excepção do preenchimento abusivo quanto aos montantes peticionados no valor de € 10.500,00, quanto ao contrato de abertura de crédito, e de € 24.723,88€, relativamente ao contrato de mútuo, e respetivos juros e comissão pedidos.
O recurso tem como objecto apenas este segmento da decisão que considerou existir preenchimento abusivo quanto aos preditos valores, sendo que a recorrente considera que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, (reclamou dos executados, em relação ao contrato de abertura de crédito, o pagamento de 10.500€, acrescidos dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI e, em relação ao contrato de mútuo, comunicou aos executados que eram devedores, nessa data, das seguintes quantias, o pagamento de 24.723,88€, acrescido dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI, como também foi comunicados aos recorrentes).
Em resumo a embargada/exequente considera estra legitimada a preencher as livranças que os embargantes subscreveram e entregaram em branco, e nessa medida, consideram que não existe preenchimento abusivo e pugnam pela revogação desse segmento da decisão.
Está em causa no recurso determinar se a exequente tem legitimidade para intentar acção executiva contra os embargantes, com base nas livranças exequendas, no interesse do FEI, que, na qualidade de garante do crédito do exequente, já liquidou parte da quantia devida pelos executados.
Resulta da matéria de facto provada e acima indicada que as referidas operações de crédito beneficiam do Instrumento de Garantia do Fundo Pan Europeu (EGF), implementado pelo Fundo Europeu de Investimento (FEI), por efeito dos acordos celebrados entre a exequente e o FEI ( Fundo Europeu de Investimento (FEI) e a Banco 1... (Banco 1...) assinaram um acordo de garantia relativo a uma carteira de empréstimos para financiamento de pequenas e médias empresas (PME) em Portugal). Por outro lado, ao abrigo desse instrumento, a exequente accionou as garantias e recebeu do FEI, em 3/7/2023, em relação ao contrato de mútuo, o montante de 24.723,88€ e em relação ao contrato de abertura de crédito recebeu, em 31/3/2023, o montante de 10.500€.
Por outro lado, a exequente comunicou aos executados o recebimento das referidas quantias, por cartas datadas de 10/8/2023 e 11/8/2023 e nessas cartas, a exequente comunicou aos executados que o FEI ficou sub-rogado, na medida das verbas recebidas, nos direitos da exequente, que, por sua vez, permanece credora do remanescente das dívidas, mantendo-se inalterados os demais termos e condições dos contratos, incluindo eventuais garantias prestadas. Acresce que, a exequente comunicou ainda aos executados através das referidas cartas que, em relação ao contrato de abertura de crédito, eram devedores, nessa data, das seguintes quantias: “(i) à Banco 1... do montante de € 5.106,95 (…), correspondendo € 4.500,00 (…) a capital de € 509,03 (…) a juros moratórios e € 97.92 (…) a comissões e outros encargos. (ii) ao FEI da quantia de €10.500,00€ (…) correspondendo (…) a capital.” E que considerando que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, reclamou dos executados o pagamento de 10.500€, acrescidos dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI.
Igualmente ficou provado que em relação ao contrato de mútuo, a exequente comunicou aos executados que eram devedores, nessa data, das seguintes quantias: “(i) à Banco 1... do montante de € 11.781,78 (…), correspondendo € 10.500 (…) a capital, € 451,61 (…) a juros moratórios e € 234,89 (…) a comissões e outros encargos. (ii) ao FEI da quantia de €24.723,88€ (…) correspondendo € 24.500,00(…) a capital, € 215,27 (…) a juros remuneratórios e € 8,61 (…) a comissões e outros encargos”. E que comunicou que considerando que nos termos e para os efeitos do contrato de garantia acima referido, a Banco 1... está devidamente mandatada pelo FEI para, em seu nome e por sua conta, proceder à cobrança dos montantes que lhe sejam devidos”, reclamou dos executados o pagamento de 24.723,88€, acrescido dos juros moratórios até ao efectivo e integral, devidos ao FEI.
Verifica-se que quanto aos valores que a exequente recebeu do FEI, devido aos contratos que celebrou com os executados, a exequente não detém qualquer crédito sobre os executados quanto aos preditos valores (10.500,00€ e de 24.723,88€ ), porque a titularidade do lado activo desses créditos passou a pertencer ao FEI, sendo que a exequente informou os executados, e por via da sub-rogação, lhe solicitou o pagamento das quantias em dívida acima referidas.
Considera a exequente que tem legitimidade ou que está obrigada a recuperar esses créditos, porque esses valores já lhe foram pagos pelo FEI, e está mandatada pelo FEI para proceder á instauração da acção executiva, invocando o pacto de preenchimento das livranças e o teor do contrato de abertura de crédito, (seriam os executados responsáveis pelo pagamento de 10.500€ devidos ao FEI) e o teor do contrato de mútuo (seriam os executados devedores da quantia de 24.723,88€,, devidos ao FEI).
Nos termos do artigo 53.º, n.º 1, do CPC, “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Entendemos que a exequente não tem legitimidade para instaurar a execução quanto aos preditos valores, porque foi pago por parte do garante FEI á exequente esse crédito que a exequente detinha sobre os executados, e nessa medida o garante FEI, ficou sub-rogado nos direitos do beneficiário da garantia (a exequente)- a exequyente4 não é credora dos executados quanto aos valores referidos.
Acresce que interpretando o teor dos pactos de preenchimento consta « Todas e quaisquer garantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1... pela CLIENTE no âmbito do presente contrato», o que implica que esse acordo não permite á exequente cobrar os valores devidos a terceiro porque se indicam deverem ser incluídas as quantias devidas á Banco 1... (exequente), sendo que os valores pagos pelo FEI já não são créditos da exequente quanto aos executados.
Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC Processo: 1248/21.0T8VIS-A.C1 Relator: ARLINDO OLIVEIRA, Data do Acórdão: 22-11-2022, Sumário (disponível na base de dados da DGSI): I – O embargado/exequente não tem legitimidade para intentar ação executiva contra a embargante/executada, com base em livrança exequenda, no interesse de terceiro, que, na qualidade de garante do crédito do exequente (prestou garantia bancária autónoma, assumindo o crédito concedido pelo banco à executada), já liquidou a quantia devida por aquela ao exequente.
II – Liquidada toda a dívida, por parte do garante, ficou este sub-rogado nos direitos do beneficiário da garantia/exequente, com a consequência de este último ter deixado de ser credor da executada, não lhe sendo lícito, por isso, usar a execução para se ressarcir de um crédito que já não detém.»
E igualmente, vide o AC da RG Processo: 116245/21.0YIPRT.G1 Relator: EVA ALMEIDA, Data do Acórdão: 29-09-2022, Sumário:
I - Na sub-rogação ocorre uma sucessão, uma transmissão do crédito – que mantém a sua identidade e os seus acessórios, apesar da modificação subjectiva operada.
II - O sub-rogado continua o direito de crédito anterior, no todo ou em parte, consoante a sub-rogação seja total ou parcial.
III - Num contrato de mútuo bancário, com garantia prestada por sociedade de garantia mútua, uma vez accionada a garantia e pago o valor total do crédito em dívida, a sociedade que garantiu o crédito e pagou a dívida fica sub-rogada nos direitos do credor (Banco).
IV - Tendo tal sociedade de garantia mútua comunicado ao Banco, a quem satisfez o crédito, e à devedora, tal sub-rogação, face à mudança subjectiva da titularidade do direito de crédito, o Banco carece de legitimidade para demandar a devedora, com fundamento no contrato de mútuo que com ela celebrou, exigindo-lhe o pagamento do valor que já recebeu.
Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, aderimos á fundamentação jurídica da sentença recorrida, e conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder na sua totalidade.

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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Notifique-se.






Porto, 2024/6/20
Ana Vieira
Judite Pires
Manuela Machado