CONTRATO DE SEGURO
FORMAÇÃO DO CONTRATO
DECLARAÇÕES FALSAS
DECLARAÇÕES INEXATAS
OMISSÕES
ANULABILIDADE
CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Sumário

I - No contrato de seguro, as declarações falsas ou as omissões relevantes prestadas pelo candidato a tomador de seguro- segurado situam-se no âmbito da formação do contrato de seguro e impedem a formação da vontade real da contraparte (a seguradora), dado que essa formação assenta em factos ou circunstâncias, ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados.
II - Para relevarem para efeitos de anulabilidade não se exige que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.
III - Para a celebração do contrato de seguro é decisivo o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são feitas aí perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar.
IV - O regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde, de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato

Texto Integral

Processo: 743/23.0T8MAI.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Maia - Juiz 1

Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1. AA, residente na Rua ..., Maia, intentou a presente acção declarativa de condenação contra A... – Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva nº ...49, com sede na Av. ..., Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 17.344,00 €, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a participação do sinistro, no montante de 606,33 €, e vincendos desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que entre as 16h do dia 9.01.2022 e as 18h do dia 10.01.2022 foi furtado o veículo de matrícula ..-..-CN, objecto de contrato de seguro celebrado com a Ré e cujo capital seguro a mesma se recusou a pagar.

2. Regularmente citada a Ré contestou excecionando a anulação do contrato porquanto à data da sua celebração o Autor, com 57 anos de idade e carta de condução há 34 anos, com intuito de obter um prémio mais barato, fez-se constar como condutor habitual do veículo quando na realidade a condutora habitual era a sua filha, com 20 anos de idade e carta de condução há cerca de 7 meses. Tal circunstância se conhecida da Ré teria obstaculizado a celebração do contrato o qual foi resolvido e considerado sem efeito desde a sua celebração. Concluiu, assim, pelo reconhecimento da cessação do contrato, por anulabilidade, com efeitos reportados a 19.08.2021 e consequente absolvição do pedido.

3. À matéria da excepção respondeu o Autor alegando que o mediador de seguros foi informado que o carro se destinava à sua filha e seria por esta conduzido, mas indicou o Autor como condutor habitual por o mesmo ser titular de vários contratos de seguro, junto da Ré, o que lhe conferia um prémio de seguro mais económico. No mais invocou a violação do dever de informação porquanto a Ré nunca o informou das consequências das declarações inexactas o que torna inviável a invocada excepção. Alegou que desconhecia em absoluto, entre outros, o disposto nas cláusulas 6.ª e 7.ª das condições gerais do contrato, devendo as mesmas, em face da

referida violação, consignada nos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro, ser excluídas do contrato, atento o disposto no art.º 8.º do mesmo normativo.

4. Dispensada a realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

5. A audiência de discussão e julgamento realizou-se com estrita observância do formalismo legal e foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

6. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões :

A - Na sua douta decisão, a meritíssima juiz do tribunal a quo considera como não provados os seguintes factos:

1. O Autor estava convicto que o desconto no prémio do seguro resultava de ter vários contratos e não de ser o condutor habitual do veículo.

2. O mediador de seguros foi informado pelo Autor que o veículo se destinava á sua filha e seria conduzido pela mesma.

B. Da análise da prova gravada, particularmente das declarações prestadas pelo Autor, resulta claramente a prova dos referidos factos.

C – Provados que estão tais factos deveria o Tribunal a quo considerar válido o contrato de seguro em apreço e improcedente a anulação do mesmo por parte da Ré seguradora.

D - Considerou a Sra. Juiz que, em face da omissão e declaração inexata prestada pelo Autor e atento disposto no art.º 25.º n.º 1 da LCS o contrato é anulável e como tal, improcede a pretensão do Autor.

E - Mesmo que se considere provado o dolo por parte do Autor, é certo que o Autor nada assinou, preencheu ou lhe foi perguntado pela seguradora sobre quem seria o condutor habitual

F - O regime do contrato de seguro (LCS), resultante do Dec. Lei nº 72/2008, de 16.04 dá preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador mas não descura as exigências ao segurador, nomeadamente impondo-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco.

G - Existe o dever específico, por parte do segurador de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco.

H - Existe por parte da Seguradora o dever de elucidar o tomador das eventuais consequências das declarações inexatas ou omissões.

I - Por outro lado, impõe-se á seguradora que para além de esclarecer proceda de boa-fé na contratação. É-lhe exigível que documente o que lhe foi transmitido, tendo por base uma proposta/formulário que o Autor deve preencher ou pelo menos assinar, de modo a proteger-se a si própria e o próprio tomador do seguro (“parte mais fraca”).

J - De outro modo, não pode a seguradora vir agora, com propriedade, invocar o incumprimento, sob pena de estar a atuar abuso de direito, que aqui se invoca.

K - Encontra-se provado que o A. nunca foi informado das condições contratuais, quer gerais quer especiais do contrato, a que está submetido o mesmo por aplicação do DL n.º 446/85, de 25 de outubro.

L - Provado está que o A. apenas recebeu em casa o documento n.º 1 que juntou na sua PI, através do qual a Ré o informou da existência de seguro por si titulado e o respetivo n.º da apólice com as coberturas atinentes.

M - Nem a Ré nem o seu mediador alguma vez o informaram das condições contratuais e muito menos o esclareceram, designadamente de que quaisquer e eventuais informações falsas ou inexatidões que o mesmo houvesse declarado pudessem invalidar o contrato de seguro

N - O A. desconhecia em absoluto, entre outros, o disposto nas cláusulas 6.ª e 7.ª das condições gerais do contrato, devendo as mesmas, em face da referida violação, consignada nos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro, ser excluídas do contrato, atento o disposto no art.º 8.º do mesmo normativo, não podendo ser assacada qualquer responsabilidade ao A. quanto a eventuais declarações inexatas ou omissões.

O – Deveria pois o Tribunal a quo julgar procedente o pedido aduzido e indemnizar o Autor em conformidade

P - Ao decidir diversamente, violou, entre outros o disposto naos artigos 24.º, 25.º ,37.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de abril e os artigos 5.º e 6.º e 8.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro.

Conclui pela revogação da sentença recorrida e substituição da mesma por outra que, julgando de modo diferente a matéria de facto e de direito, decida no sentido da condenação da apelada no pedido formulado.

6. Foram apresentadas contra-alegações.

7. Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO SEGURO.

As questões suscitadas no recurso e nas contra-alegações são as seguintes:

- Da impugnação dos itens 2º e 3º dos fatos não provados da decisão de facto.

- Do Mérito da sentença recorrida.

III. FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. Na 1ªinstância foram julgados provados e não provados os seguintes factos:

A ) Os factos provados:

1. Em 17.09.2020 o Autor adquiriu a viatura de marca ..., modelo ... ..., com matrícula ..-..-CN.

2. Em 19.08.2021, o Autor celebrou com a Seguradora Ré o contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ...56, nas modalidades de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pelos danos causados a terceiros e de seguro facultativo com as coberturas, entre outras, de furto ou roubo, respeitantes ao seu veículo automóvel com a matrícula ..-..-CN, da marca ... ... ...”.

3. A cobertura de furto ou roubo tem um capital seguro de 17.344,00 €.

4. Ficou estipulado em tal contrato que o prémio comercial anual era de 311,86 €, o qual foi pago.

5. Entre as 16 horas do dia 9 de Janeiro de 2022 e as 18 horas do dia 10 de Janeiro de 2022 o referido veículo veio a ser furtado, quando se encontrava estacionado na Rua ..., na Maia, o que motivou a apresentação de queixa-crime junto das autoridades competentes.

6. Não tendo tal viatura até à presente data, sido recuperada.

7. Em 25 de Março de 2022 o Autor deu conhecimento à Ré do furto e solicitou o pagamento do valor devido pelo veículo de 17.344,00 €, o que a mesma recusou.

8. O contrato de seguro foi celebrado por intermédio de mediador de seguros.

9. Na proposta de seguro, o Autor, AA, tomador do seguro e segurado, consta como condutor habitual, nascido em ../../1963, à data com carta desde 5.11.1986.

10. Quem conduzia habitualmente o veículo seguro era BB, filha do tomador de seguro, pessoa que terá estacionado o veículo antes do seu alegado furto.

11. Quando o seguro foi efectuado, em Agosto de 2021, a BB só tinha carta de condução há cerca de 7 meses, já que a obteve no dia 13-01-2021, e estaria prestes a celebrar 19 anos de idade.

12. A referência contratual ao condutor habitual é muito importante para a apreciação do risco assumido pela ré e possui reflexos na quantificação do prémio.

13. Quanto mais novo e inexperiente é o condutor, mais elevado é o risco e maior é o prémio, como bem sabia e sabe o autor.

14. Estes dados de fornecimento obrigatório são da responsabilidade do cliente, já que a seguradora não sabe quem vai ser o condutor habitual.

15. Se a Ré soubesse que o condutor habitual era a dita BB e não o segurado, não teria aceitado celebrar esta apólice em face da idade inferior a 25 anos e recente obtenção de carta.

16. Em depoimento prestado à ré, aquando da averiguação pelo autor foi dito o seguinte: “O veículo de matrícula ..-..-CN foi adquirido por mim em agosto de 2021 para oferecer à minha filha como prenda de aniversário sendo ela a condutora habitual da viatura, o seguro foi feito em meu nome em virtude de possuir diversos seguros quer na empresa quer a nível particular, ficando o seguro mais barato em meu nome do que em nome da minha filha. (…)”.

17. Pela BB, foi dito o seguinte: “O veículo de matrícula ..-..-CN foi-me oferecido pelos meus pais por ocasião do meu aniversário, tendo o seguro sido feito em nome do meu pai por ser mais barato (…)”.

18. A Ré enviou ao Autor, sob registo de 3.05.2022, recebida em 5.05.2022, carta de resolução/anulação do contrato de seguro, afirmando que a apólice “se considera nula e sem qualquer efeito desde 19-08-2021”.

19. A Ré apenas enviou ao Autor as condições particulares do contrato.

B) Os factos não provados:

Não resultaram provados os seguintes factos:

1. O mediador de seguros informou o Autor que o faria constar como condutor habitual do veículo porquanto tendo o Autor vários seguros junto da Ré, a nível pessoal e na qualidade de legal representante da sociedade B..., Lda, pessoa colectiva nº ...77, com sede na Rua ..., ..., Maia, o prémio ficaria mais barato.

2. O Autor estava convicto que o desconto no prémio do seguro resultava de ter vários contratos e não de ser o condutor habitual do veículo.

3. O mediador de seguros foi informado pelo Autor que o veículo se destinava á sua filha e seria conduzido pela mesma.

4. A Ré informou o Autor das condições contratuais e esclareceu que as declarações inexactas tinham por consequência a invalidade do contrato.

3.2 Da Impugnação da decisão de facto.

O autor-recorrente impugna os itens 2º e 3º dos factos não provados, os quais, pretende que sejam julgados provados e convoca para tanto a reapreciação das declarações de parte prestadas pelo autor-recorrente. O apelante põe em crise que o Tribunal não tenha dado como não provados os factos das alíneas 2 e 3 dos factos não provados, considerando que a prova produzida por meio das suas declarações de parte é suficiente para os dar como provados.

E a apelada, nesta parte, pronunciou-se, fazendo leitura distinta daquela que é feta pelo apelante, das declarações de parte prestadas pelo autor, convocando também para reapreciação os seguintes meios de prova:

- declarações de parte do autor; depoimento da testemunha CC, mediador de seguros do contrato em crise.

Considerando que a impugnação da decisão de facto satisfaz os requisitos do art 640º do CPC admitimos essa impugnação com referência aos itens 2º e 3 dos factos não provados.

A factualidade julgada não provada que é impugnada consta dos itens 2º e 3º e tem a seguinte redacção:

1. O Autor estava convicto que o desconto no prémio do seguro resultava de ter vários contratos e não de ser o condutor habitual do veículo.

2. O mediador de seguros foi informado pelo Autor que o veículo se destinava á sua filha e seria conduzido pela mesma.

Apreciando e decidindo:

Procedemos à reprodução integral das declarações do autor e do depoimento de testemunha CC, mediador de seguros do contrato em crise.

Assim, no essencial, o autor referiu que fazia os seguros na mesma agência e que era o agente que escolhia a seguradora, o que sucedeu, também, neste caso. Mais referiu que o seguro foi feito em seu nome porque o agente assim o fez constar para que o prémio fosse mais barato sem que lhe tenha explicado a razão de o ser se efectuado em seu nome e não da filha. Assim, resulta das declarações do autor que este pretendeu justificar que o desconto que teve no seguro com as falsas declarações respeitantes ao condutor habitual do veículo se devia, na sua perceção, à sua carteira de seguros que tinha a ré como seguradora.

Por seu lado, a testemunha CC, prestou depoimento que contrariou as declarações do Autor.  Assim, por esta testemunha foi dito ser atualmente funcionário público na área do urbanismo, estando, assim, descomprometida com qualquer das partes no processo.

Referiu que já exerceu a profissão de agente de seguros e ter trabalhado para a a C... que é uma corretora de seguros que tem vários agentes espalhados pelo país a nível nacional e que a testemunha era um deles. Referiu que tinha um pequeno escritório e fazia seguros, que era um mero intermediário entre o cliente e a C..., isto é, colocava os seguros através da C..., corretora, nas mais diversas companhias de seguros.

Mais referiu que o Autor solicitou um seguro automóvel, com cobertura de danos próprios, que o autor  enviou os documentos do carro sem nunca referir que o carro se destinava à filha e que esta seria a condutora habitual, que perante os documentos enviados fez simulação do seguro que enviou ao Autor e com a qual este concordou.

Esta testemunha referiu que verificou através de documentos que lhe foram enviados pelo stand que o carro estava em nome do senhor AA, para que o tomador fosse este. Mais   confirmou que o Autor tinha vários seguros celebrados através da agência e resulta do documento, junto 7.07.2023, convocado na motivação da decisão de facto, que em 19 de Agosto de 2021 o Autor, pessoalmente, bem como a empresa que representa, tinham vários seguros activos em várias Companhias de Seguros.

Assim, deste depoimento, prestado com aparente isenção e credível, resulta que  a testemunha atualmente  descomprometida com qualquer das partes no processo, afirmou que lhe foi omitido pelo autor que o condutor habitual da viatura era a filha do autor, que na simulação do seguro remetida ao recorrente constava este como condutor habitual, que este declarou aceitar o teor da simulação e a testemunha só teve conhecimento da falsidade do facto depois da participação do sinistro à recorrida.

E este depoimento pela consistência revelada em conjugação com o referido documento junto a 07.07.2023, criou neste colectivo de juízes convicção segura de que a versão dos factos relatada pela testemunha CC está conforme com a realidade dos acontecimentos, retirando credibilidade às declarações apresentadas pelo autor-apelante.

Em face do exposto, porque os meios de prova convocados e reapreciados não lograram criar neste colectivo de juízes convicção distinta daquela formada pelo tribunal de comarca relativamente aos itens 2º e 3º dos factos não provados, não concedemos provimento à impugnação da decisão de facto.

Ao abrigo do artigo 607º, nº4, ex vi art 663º 2, ambos do CPC, com fundamento no documento nº2 junto com a contestação, que corporiza as Condições Gerais da apólice de seguro dos autos, reproduzimos o conteúdo das Cláusulas 6ª e 7ª:

            CAPÍTULO II

“Declaração do risco, inicial e superveniente “

Cláusula 6.

" Dever de declaração inicial do risco

 1- O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

2- O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.

3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se: a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário; b) De resposta imprecisa a questão fe: mulada em termos demasiado genéricos; c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário; d) De fato que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexato ou, tendo sido omitido, conheça; e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.

4- O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.° 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.

Cláusula 7.

Incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco

1- Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.° 1 da cláusula anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.

2 – Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.

3- O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.

4- O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.° 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.

5- Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.

3.3 Do Enquadramento Jurídico dos factos.

3.3.1. Nesta parte resulta das Conclusões que mesmo na hipótese de não ser dado provimento à impugnação da decisão de facto o apelante pugna pela revogação da sentença recorrida

Para tanto, o apelante concluiu:

“E - Mesmo que se considere provado o dolo por parte do Autor, é certo que o Autor nada assinou, preencheu ou lhe foi perguntado pela seguradora sobre quem seria o condutor habitual

F - O regime do contrato de seguro (LCS), resultante do Dec. Lei nº 72/2008, de 16.04 dá preponderância ao dever de declaração do tomador sobre o ónus de questionação do segurador mas não descura as exigências ao segurador, nomeadamente impondo-se o dever de informação ao tomador do seguro sobre o regime relativo ao incumprimento da declaração de risco.

G - Existe o dever específico, por parte do segurador de, aquando da celebração do contrato, elucidar devidamente a contraparte do regime de incumprimento da declaração de risco.

H - Existe por parte da Seguradora o dever de elucidar o tomador das eventuais consequências das declarações inexatas ou omissões.

I - Por outro lado, impõe-se á seguradora que para além de esclarecer proceda de boa-fé na contratação. É-lhe exigível que documente o que lhe foi transmitido, tendo por base uma proposta/formulário que o Autor deve preencher ou pelo menos assinar, de modo a proteger-se a si própria e o próprio tomador do seguro (“parte mais fraca”).

J - De outro modo, não pode a seguradora vir agora, com propriedade, invocar o incumprimento, sob pena de estar a atuar abuso de direito, que aqui se invoca.

K - Encontra-se provado que o A. nunca foi informado das condições contratuais, quer gerais quer especiais do contrato, a que está submetido o mesmo por aplicação do DL n.º 446/85, de 25 de outubro.

L - Provado está que o A. apenas recebeu em casa o documento n.º 1 que juntou na sua PI, através do qual a Ré o informou da existência de seguro por si titulado e o respetivo n.º da apólice com as coberturas atinentes.

M - Nem a Ré nem o seu mediador alguma vez o informaram das condições contratuais e muito menos o esclareceram, designadamente de que quaisquer e eventuais informações falsas ou inexatidões que o mesmo houvesse declarado pudessem invalidar o contrato de segur

N - O A. desconhecia em absoluto, entre outros, o disposto nas cláusulas 6.ª e 7.ª das condições gerais do contrato, devendo as mesmas, em face da referida violação, consignada nos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro, ser excluídas do contrato, atento o disposto no art.º 8.º do mesmo normativo, não podendo ser assacada qualquer responsabilidade ao A. quanto a eventuais declarações inexatas ou omissões.

O – Deveria pois o Tribunal a quo julgar procedente o pedido aduzido e indemnizar o Autor em conformidade

P - Ao decidir diversamente, violou, entre outros o disposto naos artigos 24.º, 25.º 37.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de abril e os artigos 5.º e 6.º e 8.º do DL n.º 446/85 de 25 de outubro.”

3.3.2. Apreciando e decidindo:

Não suscitam reparos as considerações feitas na sentença recorrida sobre a qualificação do contrato de seguro objeto dos autos.

Resulta dos factos provados que em 19.08.2021, o Autor celebrou com a Seguradora Ré o contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ...56, nas modalidades de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pelos danos causados a terceiros e de seguro facultativo com as coberturas, entre outras, de furto ou roubo, respeitantes ao seu veículo automóvel com a matrícula ..-..-CN, da marca ... ... ...”, capital seguro de 17.344,00 €, sendo que este seguro não  é já um seguro de responsabilidade civil, pois o segurado não transfere qualquer responsabilidade, antes sendo um simples seguro de danos.

Nos termos contratados, no âmbito da cobertura de furto ou roubo, definido como o desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado ou consumado) o segurado deverá apresentar queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime. Em contrapartida o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.

Por fim, tendo por referência a data da celebração do contrato (19.08.2021), é aplicável o regime jurídico constante do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04 (21), posto que, de acordo com a norma de direito transitório vertida no seu art. 2º, o mesmo é o aplicável aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor (que ocorreu em 1.01.2009 – cfr. art. 7º).

O litígio sub judice respeita ao seguro de danos próprios do veículo.

Nos seguros de danos a prestação do segurador está limitada ao valor do efectivo prejuízo, sem ultrapassar o valor do capital seguro (art. 128.º da LCS): O seguro de danos visa, apenas e no máximo, suprimir o dano efetivo, sofrido pelo segurado, não devendo proporcionar um lucro ao segurado. A prestação devida pelo segurador fica limitada ao dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro.

O capital seguro não corresponde ao valor a pagar em caso de sinistro, mas ao valor até ao qual – ressalvados os casos em que ocorra, porventura, incumprimento ou cumprimento tardio da prestação convencionada a cargo do segurador – a seguradora se responsabiliza em caso de ocorrência de um sinistro.

 A regra do artigo 128.º da LCS é supletiva, podendo ser afastada por convenção contrária das partes, acordando no valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, muito embora esse valor não deva ser “manifestamente infundado” (cfr. artigo 131.º da LCS) e a convenção deva ser expressa (no sentido de que o valor do capital seguro será o valor indemnizatório) e prévia (ao momento de condicionamento da obrigação de indemnização).

O Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril, aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2009, estipulando no seu artigo 11º que o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do regime aprovado com excepção dos limites impostos nos artigos 12º a 15º.

Vigora, portanto, no contrato de seguro, o princípio da autonomia da vontade, nos termos do artigo 405º, do Código Civil, podendo as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos, dentro dos limites da lei, aplicando-se, supletivamente, o regime legal do contrato de seguro, com as limitações expostas nos citados preceitos.

Ora, entre as 16 horas do dia 9 de Janeiro de 2022 e as 18 horas do dia 10 de Janeiro de 2022 o veículo, objecto do seguro, veio a ser furtado, quando se encontrava estacionado na Rua ..., na Maia, o que motivou a apresentação de queixa-crime junto das autoridades competentes, não tendo tal viatura até à presente data, sido recuperada.

E perante os factos provados, tendo o veículo sido furtado e daí decorrendo danos, nos termos contratados entre as partes, seria a Ré obrigada a proceder à sua indemnização até ao valor do capital seguro.

Pugnou a Ré, contudo, pelo reconhecimento da cessação do contrato, por anulabilidade, por declarações inexactas quanto ao condutor habitual.

E como refere a sentença recorrida :

«A formação do contrato inicia-se com uma proposta, que deve revelar uma intenção inequívoca de contratar e conter os elementos essenciais do contrato, proposta que se torna eficaz logo que chegue ao poder do destinatário, nos termos do artigo 224º, nº 1, do Código Civil, ficando o contrato concluído quando as partes houverem acordado sobre todas as cláusulas em que qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, nos termos dos artigos 231º, nº 1, e 232º, ambos do Código Civil.

Considera-se proposta de seguro o formulário, normalmente fornecido pela seguradora, para contratação do seguro, a qual adquire eficácia logo que recebida pela seguradora e considera-se aceite, e o contrato celebrado nos termos propostos, se, decorridos 14 dias após a recepção da proposta a seguradora não tiver notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, nos termos do artigo 27º, da Lei do Contrato de Seguro.

Resulta daqui um importante desvio à regra geral do artigo 228º, nº 1, do Código Civil, segundo a qual findo o prazo da proposta esta caduca; pelo contrário nos termos do disposto no citado preceito, o decurso do prazo terá como efeito a aceitação da proposta.

Nos termos do artigo 37º, da Lei do Contrato de Seguro, devem constar da apólice, documento que formaliza o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, bem como, entre outros elementos mínimos, os riscos cobertos. Resulta daqui, bem como da definição do contrato de seguro e da origem do mesmo que o risco é um elemento essencial do contrato de seguro, já que, por um lado, se destina a cobrir esse risco e, por outro, o prémio a pagar pelo tomador do seguro há-de incidir sobre o custo das coberturas de risco do contrato.

A declaração do risco é uma das obrigações do tomador do seguro, prévia à conclusão do contrato, pois resulta dela a decisão da seguradora de aceitar ou não a proposta do contrato. Trata-se, pois, de um dever pré-contratual do tomador do seguro.

Nos termos do artigo 24º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro, o tomador do seguro ou o segurado está obrigado antes da celebração do contrato a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador. A lei apenas obriga à declaração de factos ou circunstâncias conhecidas do proponente ou que, nos termos do artigo 247º, do Código Civil, este não devesse ignorar, e que razoavelmente deva ter por significativas.

Preceitua, por sua vez, o artigo 25º, nº 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “omissões ou inexactidões dolosas”, que: “Em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.”

Prescreve, ainda, o nº 3, do mesmo artigo, que “o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no nº 1 (...)”.

Assim o regime do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-lei nº 72/2008 consagra agora, expressamente, a anulabilidade do contrato de seguro (e não a sua nulidade), embora limitando-a ao incumprimento doloso (artigo 25.º, n.º1) dos deveres de declaração exacta.

Nos termos do artigo 26º, do citado regime jurídico, será igualmente anulável o contrato, mas num prazo restrito, convalidado ou alterado por declaração do segurador se o incumprimento for negligente, tendo este, se entretanto ocorrer o sinistro, a faculdade de reduzir a cobertura ou de pedir a anulação, devolvendo o prémio.

A declaração inexacta – por contrária à verdade dos factos – só releva se razoavelmente deva ser significativa para apreciação do risco pelo segurador cabendo a este o ónus da prova de que o contrato não se teria realizado ou que, a realizar-se, teria tido outras condições.

Com efeito, assente que existe para o tomador do seguro (e para o segurado) o dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e que possam influir na avaliação do risco por parte da seguradora.

E conforme tem sido assinalado pela jurisprudência[1], é também pacífico que não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: é indispensável que a inexactidão influa naquela avaliação do risco, de sorte que o segurador, ou não contrataria, ou teria contratado em diversas condições se as conhecesse.

“Relevantes são apenas as declarações inexactas respeitantes a factos ou circunstâncias que servem para a exacta apreciação do risco; uma declaração só será inexacta à luz do artigo 24º do RJCS se for susceptível de aumentar o risco do seguro” (…) E recai, naturalmente, sobre a seguradora, o ónus de provar, quer a inexactidão das declarações prestadas, quer a relevância das mesmas para o agravamento do risco. Efectivamente, a declaração inexacta traduz-se num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato; e, por isso, por força do disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil, a sua prova compete à seguradora”.

Concluindo:

Relevam de forma essencial na formação do contrato de seguro os amplos deveres (rectius, ónus) [2] de informação pré-contratual que recaem sobre o (candidato) a tomador de seguro, consubstanciados na denominada declaração inicial de risco (art. 24º da LCS).[3]

Por força do aludido ónus, o subscritor de uma proposta de seguro deve prestar à seguradora um conjunto de informações cujo desiderato se traduz em possibilitar que esta, mediante uma correta avaliação do risco a cobrir, do cálculo do prémio correspondente e dos termos contratuais em geral, aceite ou recuse a proposta que lhe é dirigida.

Por via disso, tendo o contrato de seguro por objeto um determinado risco e sendo ele um contrato enformado pela máxima boa-fé, o nº 1 do citado normativo estabelece que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.

Assim, no âmbito deste dever informativo pré-contratual, abrangem-se quer as declarações inexatas – consistentes na comunicação de elementos falsos, erróneos ou incompletos -, quer as declarações omissas (ou na locução tradicional “reticências”) – traduzidas na omissão de elementos relevantes para a determinação do risco.

O incumprimento deste dever informativo, cujo onus probandi compete ao segurador, pode importar a anulabilidade do contrato no caso de inexatidões ou omissões dolosas (art. 25º da LCS) ou de um mero direito potestativo do segurador propor a alteração do contrato ou provocar a sua cessação em caso de inexatidões ou omissões negligentes (art. 26º da LCS).


***

No caso em apreço, perante a materialidade provada, resulta vítreo que o autor-apelante aquando do preenchimento da proposta de seguro, prestou declarações inexatas, que assumem caráter doloso, posto que falsamente referiu ser o condutor habitual do mesmo.

Efectivamente, no caso dos autos, resulta dos factos provados, que na proposta de seguro, o Autor, AA, tomador do seguro e segurado, consta como condutor habitual, nascido em ../../1963, à data com carta desde 5.11.1986. Quem conduzia habitualmente o veículo seguro, contudo, era BB, filha do tomador de seguro, pessoa que terá estacionado o veículo antes do seu alegado furto. Quando o seguro foi efectuado, em Agosto de 2021, a BB só tinha carta de condução há cerca de 7 meses, já que a obteve no dia 13-01-2021, e estaria prestes a celebrar 19 anos de idade.

Pelo que, primo conspectu, o aludido substrato factual é passível de preencher a fattspecie normativa do nº 1 do citado art. 25º da LCS, fazendo, assim, despoletar a consequência anulatória nele estabelecida, como o fez a sentença recorrida, sendo certo que, doutrina majoritária[4] (e que igualmente sufragamos) é o de que a lei configura a consequência de anulabilidade estabelecida na referida dimensão normativa como uma verdadeira sanção jurídica pelo incumprimento de um dever legal, associada ao especial desvalor da conduta do proponente, irrelevando, por isso, se as declarações inexatas ou reticências importaram ou não qualquer prejuízo para o segurador, mormente na determinação do quantum do prémio do seguro.

E acolhendo o entendimento da sentença recorrida, afigura-se-nos que sendo obrigação do Autor dar a conhecer à Ré todas as circunstâncias que possam influenciar a decisão de contratar e tendo o Autor prestado falsas declarações quanto ao condutor habitual com o intuito de obter um prémio mais barato assiste à Ré o direito de anular o contrato com a consequente desoneração de prestar a obrigação assumida, ou seja, cobrir o risco assumido.

Essa omissão configura um dos casos previstos no proémio do artigo 24º, nº 3, qual seja falsa declaração com o propósito de obter uma vantagem.

Todavia, como vimos o autor-recorrente no recurso pugna pela revogação da sentença recorrida,  alegando que a Ré não informou das consequências do incumprimento do dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias para aviação do risco, isto é, alega que a Ré/seguradora não cumpriu com os seus deveres previstos no n.º 4 do art. 24º do citado Dec. Lei n.º 72/2008, «ou seja, os deveres de esclarecer o segurado da sua obrigação, antes da celebração do contrato, de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, nem esclareceu o segurado do regime e consequências do incumprimento dessa obrigação».

Quid iuris ?

Sobre a epígrafe “Declaração inicial do risco”, prescreve o artigo 24º, nº 4, do referido diploma legal, que o segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.”

Sob a epígrafe “Declaração inicial do risco”, prescreve o art. 24º do referido diploma legal:

“1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.

3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:

a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;

b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;

c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;

d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;

e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.

4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais”.

Retomando as considerações já feitas a propósito da  declaração inicial de risco importa nesta sede assinalar, seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no dia 11.11.2021, que essa declaração inicial de risco traduz “ o conjunto de informações que devem ser unilateralmente prestadas pelo tomador do seguro ou pelo segurado ao segurador na proposta de seguro, as quais visam permitir que o último, mediante o cálculo exato do risco e do correspondente valor do prémio e a apreciação das restantes cláusulas contratuais, decida aceitar ou recusar tal proposta. Constitui, assim, um dever pré-contratual, por surgir na formação do contrato de seguro, isto é, antes da celebração do contrato, antes da sua celebração e com vista à sua celebração [5]

Elemento decisivo para a celebração do contrato é, assim, o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar. É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco.

Como tal, impõe-se que o tomador do seguro ou o segurado responda com absoluta verdade ao questionário/minuta do contrato de seguro, informando a seguradora de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação e em que condições e estabelecer o respetivo prémio de seguro [6]

E conforme resulta do exposto, o dever de declaração inicial do risco tem como titular principal a contraparte do segurador – o tomador de seguro –, sendo que, no caso dos autos esse dever cabia ao autor-apelante-segurado.

Avançando, a questão essencial debatida no presente recurso tem, pois, a ver com a definição das consequências jurídicas a atribuir ao incumprimento do dever de informação e esclarecimento aos segurados  da existência e do âmbito do dever de declaração inicial do risco – respondendo com exatidão, de forma clara, rigorosa e completa, sobre todas as circunstâncias conhecidas e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador –, bem como o seu regime e as consequências em caso de incumprimento do mesmo.

E  para responder a essa questão importa afirmar que entre as diligências que estão na livre disponibilidade do segurador conta-se a formulação de um questionário mais ou menos extenso, cujo conteúdo está na sua exclusiva disponibilidade, ao qual o tomador do seguro deve responder, habilitando a contraparte a aceitar, rejeitar ou modelar o contrato ou, porventura, fornecendo-lhe elementos suscetíveis de indiciarem a necessidade de serem efetuados exames médicos complementares, mais ou menos profundos 35

Sobre o segurado recai o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro de danos próprios como o dos autos, implica essencialmente a informação sobre a identificação da pessoa que é conduz habitualmente o veículo segurado.

 Este ónus resulta, além do mais, do princípio da boa fé, precisamente porque a avaliação do risco depende das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato .[7]

Ora no caso dos autos o apelante, segurado, não invoca que não teve consciência, no momento da assinatura, do teor e conteúdo efetivo e essencial da declaração que fez sobre a identificação da pessoa do condutor habitual do veículo.

O que o apelante sustenta é que no momento do preenchimento da proposta composta por cláusulas contratuais gerais, estas não lhe foram comunicadas na íntegra, para que o segurado tivesse o conhecimento completo e efetivo, das consequências da prestação de declarações falsas na declaração inicial de risco.

Ora, neste concreto circunstancialismo, não tendo sido alegado que, ao declarar ser o condutor habitual o apelante não teve efetiva consciência da natureza, do teor e do conteúdo dessa declaração não pode deixar de concluir-se que essa declaração tem de significar e fazer presumir a aprovação do seu conteúdo e a assunção da paternidade do documento pelo assinante/subscritor.

E como assinala o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que vimos seguindo e que é convocado na sentença recorrida

«( … )  o dever de esclarecimento sobre o regime da declaração inicial de risco previsto no n.º 4 do artigo 24.º do RJCS não inclui qualquer obrigação para a seguradora de explicar ao proponente da necessidade de agir de boa-fé na negociação de um contrato, nem da importância de não prestar informações falsas à contraparte.»

É que, como é sabido, no domínio negocial, devem as partes, em todas as fases da formação do contrato, atuar com boa fé, desde os preliminares até à conclusão do negócio.

Tal imposição encontra-se claramente plasmada no n.º 1 do art. 227º do CC ao determinar que, “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Pelo que, o  n.º 4 do art. 24.º do RJCS não pode, pois, ser interpretado no sentido de que o segurador está obrigado a “esclarecer” o proponente de que não pode mentir às perguntas que lhe coloca sobre o conteúdo do contrato (o risco a segurar).

Acresce que o eventual incumprimento (por parte do tomador de seguro) do dever previsto no art. 24.º, n.º 4, do RJCS não impede a invocação, pela seguradora, da anulabilidade do contrato de seguro, com fundamento em incumprimento doloso, por parte do segurado, do dever de “declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, nos termos conjugados dos arts. 24º, n.º 1 e 25º, n.º 1, ambos do RJCS.

3.3.3 .Da alegada violação do disposto nos arts. 5º, 6º e 8º do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, respeitantes aos deveres de comunicação, esclarecimento e informação que oneravam a Ré .

Nesta parte importa tecer as seguintes considerações:

Não oferece dúvidas que o contrato de seguro objeto dos autos, cuja qualificação jurídica é pacificamente aceite pelo recorrente, insere-se, sem margem para dúvidas, no elenco dos contratos de adesão[8], uma vez que o marido da autora, na qualidade de pessoa segura, limitou-se a aderir ao contrato predisposto pela seguradora e pelo banco mutuante, sem possibilidades de negociação do seu conteúdo.

Segundo o art. 1.º do citado Dec. Lei n.º 486/85:

«1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.

2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.

3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo».

E, nos termos previstos em tal regime, impõe-se ainda aos contratantes que recorram a cláusulas contratuais gerais o ónus da comunicação e o dever (ónus) de informação.

No âmbito da inclusão de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares, o art. 5.º do indicado diploma, sob a epígrafe “Comunicação”, prescreve que:

«1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.»

O respetivo art. 6.º, prevendo acerca do dever de informação, preceitua que:

«1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados».

Ou seja, a lei impõe como deveres pré-contratuais, não apenas o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como ainda o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das ditas cláusulas.

Em sintonia com isso, o art. 8.º estabelece que:

«Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) - As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;

b) - As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.(…)».

A consequência da falta de comunicação ou da violação do dever de informação é a exclusão das cláusulas afetadas dos “contratos singulares”, mantendo-se estes na parte restante, por regra (art.º 9º do RGCCG).

Posto isto, no caso em apreciação não se questionando a aplicabilidade do regime jurídico dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais ao contrato de seguro em apreço, afigura-se, porém, que o mesmo não releva para a situação dos autos, porquanto  a aludida declaração sobre a pessoa do condutor habitual feita pelo autor -apelante  apresenta-se  como uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato a pessoa segura que tem por objetivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto, estando assim em causa a postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a pergunta simples e clara sobre a identificação do condutor habitual do veículo seguro.

Essa declaração destina-se a ser valorada pela contraparte na sua declaração negocial, não contêm qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão e vinculação, para efeitos de inclusão na previsão dos arts. 1º e 2º do Dec. Lei n.º 446/85, designadamente em relação ao segurado (pré-elaborado está o questionário, que não as respostas, e destinatário destas é a seguradora; o segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato), tudo numa fase prévia à celebração do contrato de seguro.

Assim, porque a seguradora não apresenta uma declaração já preenchida será de concluir que qualquer pretensa omissão de informação não releva, em sede de validade do contrato, pela simples razão de que tal “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão [9]

Consequentemente, revela-se «no mais inconsequente o alegado incumprimento pela ré do dever de comunicação/informação do teor das cláusulas gerais que constam quer da declaração de adesão, quer das condições gerais do contrato, por tais cláusulas não terem sido sequer evocadas para a decisão da causa».

No caso, resulta da experiência comum que é essencial a indicação do condutor habitual para a avaliação do risco inerente ao contrato de seguro e consequente cálculo do prémio devido.

Ao não ter declarado que a sua filha, com carta de condução há cerca de 7 meses e prestes a celebrar 19 anos de idade (alínea 11 dos factos provados), era a condutora habitual do veículo, o autor fê-lo com o intuito de obter um prémio de seguro reduzido.

Nessa medida, o apelante não pode beneficiar do seu comportamento faltoso sob pena de subversão do princípio da boa fé e proibição do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Por último, convocando aqui a argumentação da apelada nas contra -alegações,  conforme sumariado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/03/2023 (Proc. 2796/18.4T8LRA.C2.S1), in www.dgsi.pt, “I - O dever especial de esclarecimento não é aplicável aos contratos de seguro em cuja negociação ou celebração intervenha mediador de seguros, art.º 22.º, n.º 4 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - DL n.º 72/2008, de 16 de Abril -.”

Dos factos provados consta que o contrato de seguro foi celebrado por intermédio de mediador de seguros (alínea 8 dos factos provados). No caso, o corretor de seguros é a empresa C..., conforme foi amplamente afirmado pela testemunha CC.

O corretor de seguros é uma categoria de mediador de seguro em que a pessoa exerce a atividade de mediação de seguros de forma independente face às empresas de seguros – cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea b) da Lei 7/2019, de 16/01. Não é como o recorrente afirmou um agente ao serviço da recorrida.

O referido diploma estabelece, para o corretor, um conjunto de regras apertadas de acesso e exercício da atividade do corretor de seguros, impondo condições de idoneidade, conhecimento e experiência e regras procedimentais para com os seus clientes – cfr. artigo 24.º do referido diploma.

Ora, o recorrente, aquando da celebração do contrato de seguro, estava assistido por mediador/corretor de seguros, não fazendo sentido vir alegar que não foi devidamente informado ou esclarecido relativamente a determinada cláusula do contrato.

 Por esse motivo é que o n.º 4 do artigo 22.º do DL 72/2008, de 16/04, exclui, dos deveres do segurador, o dever especial de esclarecimento ali previsto, nos contratos em cuja negociação ou celebração intervenha mediador de seguros.

A razão de ser desta exclusão prende-se directamente com os deveres específicos de informação do segurado por parte deste técnico especializado em seguros que tenha intervenção na celebração do contrato de seguro – do art.º 29.º do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.

Devendo, assim, também por esta via, improceder a pretensão do recorrente.

Concluímos assim pela improcedência do recurso e subsequente confirmação da sentença recorrida.

Sumário.

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IV. DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, negando provimento à impugnação da decisão de facto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).


Porto, 20.06.2024

Francisca Mota Vieira

Isoleta Almeida Costa

Isabel Silva


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[1] Entre outros, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.01.2015, publicado em www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida.
[2] Cfr., sobre a questão, JÚLIO GOMES, O dever de informação do (candidato a) tomador de seguro na fase pré-contratual, à luz do Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de abril, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. II, pág. 388 e seguinte.
[3] Cfr., Ac Relação de Guimarães de 17.04.2016, proc nº 73/14.9T8BRG.G1.
[4] Assim, MENEZES CORDEIRO, Direito dos Seguros, pág. 583, LUÍS POÇAS, ob. citada, pág. 487 e seguinte e JÚLIO GOMES, op. citada, pág. 398 e seguinte, sublinhando este último autor, de forma reforçativa, que a própria tentativa de fraude – caso em que se verifica o incumprimento doloso do tomador com o propósito de obter uma vantagem, relativamente a factos já do conhecimento do segurador e, portanto, insuscetíveis de o induzir em erro – é sancionada com a anulabilidade do contrato, como resulta do nº 3 do art. 24º da LCS, o que acentua o caráter punitivo da solução.
[5] Cfr. Joana Galvão Telles, Deveres de Informação das Partes, Temas de Direito dos Seguros, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 364.
[6] Cfr. Ac. do STJ de 2/12/2013 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. da RC de 13/09/2016 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
[8] Na definição de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Volume I, 6ª edição, Almedina, p. 258, o contrato de adesão é aquele em que um dos contraentes – o cliente, o consumidor –, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.
E na formulação de C. Ferreira de Almeida, in Contratos I. Conceitos, fontes, formação, 3ª ed., Almedina, 2005, pp. 173/181, o contrato de adesão é o contrato cujo conteúdo não tenha sido objeto de negociação individual. Caracteriza-o a predisposição unilateral: o seu conteúdo é estipulado por uma das partes em momento anterior ao da formação, limitando-se a(s) outra(s) parte(s) a manifestar em momento posterior a sua adesão a esse conteúdo. Esta manifestação poderá constar de uma proposta ou de uma aceitação mas com elas não se confunde. Necessário é que não tenha sido facultada ao(s) aderente(s) a possibilidade de influir no conteúdo do contrato
[9] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 27/05/2008 (relator Moreira Camilo), de 06/07/2011 (relator Alves Velho), de 14/02/2017 (relator Garcia Calejo) e de 14/03/2017 (relator Garcia Calejo); e, bem assim, os acórdãos da RC de 13/09/2016 (relator Fonte Ramos) e de 02/07/2013 (relatora Maria José Guerra) [O regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde, de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato], disponíveis in www.dgsi.pt.