CHEQUE
TÍTULO CAMBIÁRIO
TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADES DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - O cheque desprovido de exequibilidade enquanto título cambiário poderá não obstante continuar a ter natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no âmbito das relações imediatas, para execução da correspondente obrigação subjacente, desde que no requerimento inicial executivo o exequente invoque a relação causal subjacente.
II - A omissão de pronúncia (positiva ou negativa) sobre facto essencial controvertido consubstancia vício intrínseco da decisão da matéria de facto que a compromete em resultado da sua incompletude.
III - Com vista à sanação dessa deficiência, impõe-se aplicar o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil e consequentemente anular a decisão proferida pelo tribunal recorrido, determinando-se a devolução dos autos à 1.ª instância para que o juiz de julgamento proceda à fixação da base instrutória e á realização do julgamento.

Texto Integral

Processo nº 890/23.9T8AGD-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Execução de Águeda



Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Judite Pires



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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



I - RELATÓRIO

Nos autos de acção executiva que AA; BB; CC; DD e EE, instauraram contra FF e contra GG, é alegado, em resumo no requerimento inicial que “….Título Executivo: Cheque
Factos: Os exequentes são herdeiros de uma herança indivisa por óbito de HH. Os exequentes têm eu seu poder, por lhes ter sido deixado pelo falecido quando ficou doente e antes deste ser internado, dois cheques que, segundo o falecido, tinham de ser cobrados, pois diziam respeito a uma dívida que este ainda não tinha sido capaz de cobrar.
Por entender que os herdeiros não poderiam ser prejudicados, deixou os cheques a estes, a fim de que estes pudessem cobrar essa dívida.
Assim, os cheques no valor de 9.000€ e 10.000€ dizem respeito a um empréstimo feito pelo falecido aos executados, casados entre si, que necessitavam de investir num negócio próprio. tendo estes passado os cheques como meio de garantia. Ano após ano, o falecido (titular dos cheques) tentou de várias formas abordar os executados de forma a receber o que lhe era devido, sempre sem sucesso. Quando adoeceu e foi internado, relembrou os herdeiros da necessidade de não esquecer esta dívida.
Deste modo, os exequentes/herdeiros depositaram os cheques, que foram devolvidos por falta de provisão.
Pedem agora os exequentes que os executados paguem, finalmente o que é devido…».(sic)
Neste apenso aos autos de execução, para pagamento de quantia certa a executada FF, veio deduzir embargos de executado, à execução movida por EE, alegando em resumo: «…1.º Os exequentes fundamentam a presente execução em dois cheques, no valor de 9.000,00€ e 10.000,00€, sacados sobre a Banco 1..., que até à presente data não foram pagos.
2.º Alegando sumariamente que os cheques foram entregues como garantia de um empréstimo concedido pelo falecido HH.
3.º Ora, inexiste qualquer título executivo válido que justifique a interposição da presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra a executada.
4.º Impugnando-se para os devidos efeitos legais o que consta da exposição dos factos do requerimento executivo apresentado nos autos, por não corresponder à verdade.
5.º Os exequentes interpuseram acção executiva para pagamento de quantia certa apresentando como título executivo “cheque” (vide título executivo identificado no requerimento executivo).
6.º Ora, com o devido respeito, os cheques apresentados não têm qualquer eficácia executiva.
7.º Porquanto, os exequentes não alegam qualquer endosso dos cheques.
8.º E mesmo que o tivessem feito, considerando a data da emissão do cheque (no ano de 2006) já decorreram há muito os seis meses contados do termo do prazo de apresentação do cheque.
9.º A doutrina e a jurisprudência exigem que o título de crédito (letra, livrança ou cheque) não tenha saído das relações estabelecidas entre credor originário/devedor originário, pois esse documento só traduz o reconhecimento de divida no domínio das relações imediatas.
10.º Com efeito, tem-se entendido que apenas o cheque nominativo não endossado reflete um efectivo reconhecimento de divida.
11.º Não será assim quando se trate de cheque ao portador ou de cheque nominativo mas que tenha sido objecto de endosso, e a razão é a de que, nestes casos, fora do regime da Lei Uniforme, sem as características da abstracção e da literalidade, não é viável detetar o efeito recognitivo de uma dívida.
12.º Por isso, o cheque nominativo endossado, como quirógrafo, não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no artigo 703.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
13.º O requisito de que o título se mantenha nas relações imediatas conduz a não reconhecer eficácia executiva ao cheque nominativo que tiver sido objecto de endosso (que é a situação dos autos).
14.º Pelo que inexistindo título executivo válido – conforme supra se deixou exposto - deve a presente acção executiva ser declarada extinta e a executada absolvida em conformidade.
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá,
15.º A relação jurídica subjacente alegada pelos exequentes não corresponde à verdade.
16.º Pois, jamais a executada (ou o outro executado) solicitou ao falecido HH qualquer empréstimo.
17.º Aliás nem os exequentes alegam as condições da celebração de tal empréstimo, nomeadamente, data para pagamento, taxa de juro estabelecido entre as partes, etc.
18.º E não alegam uma vez que bem sabem que não existiu qualquer contrato de mútuo celebrado entre as partes.
19.º Não obstante, requer-se a V.ª Ex.ª que, sejam os exequentes devidamente notificados para vir juntar aos autos comprovativo da entrega do valor alegadamente mutuado aos executados.
20.º O falecido HH dedicava-se à construção civil.
21.º Tendo em tempos sido contratado pela executada para proceder à execução de uns trabalhos,
22.º Trabalhos estes que, não obstante as tentativas efectuadas pela executada, nunca vieram a ser concluídos.
23.º Pois, as suas tentativas não surtiram qualquer efeito perante o falecido HH,
24.º Acresce que, muitos dos trabalhos executados pelo mesmo, apresentavam defeitos,
25.º Defeitos estes que foram devidamente denunciados e aceites pelos falecido HH.
26.º E após conversação, uma vez que o falecido HH não pretendia concluir os trabalhos que ainda se encontravam em falta nem corrigir os defeitos dos que já haviam sido concluídos,
27.º As partes lograram obter um acordo mediante o qual as contas ficavam saldadas entre ambos,
28.º Nada mais podendo ser exigido entre as partes.
29.º Compromisso que a executada honrou e não avançou com qualquer assunção de responsabilidade contra o falecido HH face à obra inacabada e aos defeitos que a mesma apresentava.
30.º E o falecido HH comprometeu-se a não proceder ao depósito dos cheques que se encontravam na sua posse uma vez que o valor aposto nos mesmos não era devido pelos fundamentos supra expostos e a devolver os mesmos.
31.º Não se concebendo portanto como podem agora vir os herdeiros alegar que existiu um empréstimo e que o falecido HH lhes deu instrução para cobrar o valor aposto nos cheques.
32.º Assim, os exequentes melhor identificados nos autos não são portadores de qualquer título executivo contra a executada que legitime a presente acção executiva para pagamento de quantia certa.
33.º E a interposição da presente acção executiva denota a intenção dos exequentes se locupletar à custa da executada.
34.º Em suma, não existindo qualquer crédito dos exequentes quanto à executada, deve a presente acção executiva ser declarada extinta….»(sic).
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Findos os articulados, foi proferido saneador sentença que decidiu da seguinte forma: «… SANEADOR – SENTENÇA
I - Relatório
1.1. FF deduziu os presentes embargos de executado contra EE e restantes herdeiros, alegando que, em sede de requerimento executivo, o exequente não alegou qualquer endosso dos cheques dados à execução. Estipula que apenas o cheque nominativo não endossado reflete um efetivo reconhecimento de dívida.
Assim, o cheque dado à execução não vale como título executivo, porque não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no art. 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Mais alegam que, a relação jurídica subjacente alegada pelos exequentes não corresponde à verdade, uma vez que os exequentes nem alegaram quaisquer condições da celebração do empréstimo, nomeadamente, data para pagamento ou taxas de juro.
Por fim, esclarecem que o falecido HH dedicava-se à construção civil, e tinha sido contratado para efetuar alguns trabalhos dessa área. Todavia, nunca os concluiu e os trabalhos que efetivamente tinha realizado apresentavam defeitos.
Por existirem defeitos nas obras, as partes obtiveram um acordo mediante o qual ficavam saldadas as contas entre ambos.
Neste sentido, a executada cumpriu o estipulado, não avançando com qualquer assunção de responsabilidade contra o falecido HH e, na mesma forma, o falecido HH comprometeu-se a não proceder ao depósito dos cheques que estavam na sua posse, uma vez que os valores não eram devidos, bem como se comprometeu a devolver os cheques.
Pauta pela extinção da execução, considerando que os exequentes não são portadores de qualquer título executivo.

1.2. Admitidos liminarmente os embargos de executado, foi notificado o exequente para deduzir contestação, o que fez.
1.3. Alegou, em síntese, que os executados solicitaram por várias vezes ao falecido HH para não proceder ao depósito dos cheques, pedindo-lhe compreensão.
Alega ainda que o cheque satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no art. 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Referente à natureza do empréstimo, esclarecem que o dinheiro foi emprestado aos executados para financiar o resto da obra, e assim que fosse possível, os executados devolveriam o dinheiro. Por esse motivo, os executados deram os cheques como garantia.
Confirma que o falecido HH se dedicava à construção civil, e foi contratado pelos executados para realizar uns trabalhos na construção de uma vacaria propriedade dos executados. Porém, foi apenas responsável por parte da obra.
Nesse segmento, o empréstimo do dinheiro por parte do falecido HH aos executados, assumia a finalidade dos executados procederem ao pagamento aos restantes trabalhadores dos trabalhos que não eram da competência do executado, pois estes não facilitavam o pagamento como facilitava o executado.
Pauta pela improcedência dos embargos de executado.
1.4. Considerando que as questões a decidir são de direito, foi dispensada a realização da audiência prévia, ouvindo-se previamente as partes nesse sentido, que não se opuseram a tal tramitação.
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A instância mantém-se valida e regular.
Objeto do Litígio:
1 – da existência de título executivo;
2 - da existência da dívida.
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II - Fundamentação:

2.1. Os Factos Provados, considerando os documentos juntos com o requerimento executivo e o articulado de contestação aos embargos de executado:
A) Foi dado à execução o cheque com o n.º ...41, sacado por GG sobre o Banco 1..., assinado por FF, com data de emissão de 19.05.2006, o valor de 9.000,00€, constando como portador HH.
B) Foi dado à execução o cheque com o n.º ...39, sacado por GG sobre o Banco 1..., assinado por FF, com data de emissão de 20.01.2006, o valor de 10.000,00€, constando como portador HH.
C) Ambos os cheques mencionados em A) e B) foram apresentados a pagamento em 10.01.2023, os quais em 12.01.2023, foram devolvidos por falta de provisão na conta do sacador.
D) Em sede de requerimento executivo, o exequente alegou o seguinte:
“Os exequentes são herdeiros de uma herança indivisa por óbito de HH. Os exequentes têm eu seu poder, por lhes ter sido deixado pelo falecido quando ficou doente e antes deste ser internado, dois cheques que, segundo o falecido, tinham de ser cobrados, pois diziam respeito a uma dívida que este ainda não tinha sido capaz de cobrar.
Por entender que os herdeiros não poderiam ser prejudicados, deixou os cheques a estes, a fim de que estes pudessem cobrar essa dívida.
Assim, os cheques no valor de 9.000€ e 10.000€ dizem respeito a um empréstimo feito pelo falecido aos executados, casados entre si, que necessitavam de investir num negócio próprio. tendo estes passado os cheques como meio de garantia.
Ano após ano, o falecido (titular dos cheques) tentou de várias formas abordar os executados de forma a receber o que lhe era devido, sempre sem sucesso. Quando adoeceu e foi internado, relembrou os herdeiros da necessidade de não esquecer esta dívida.
Deste modo, os exequentes/herdeiros depositaram os cheques, que foram devolvidos por falta de provisão.
Pedem agora os exequentes que os executados paguem, finalmente o que é devido.”
E) Foi junto habilitação de herdeiros, onde se definem como herdeiros legítimos os exequentes, devidamente assinada por notária.
2.2. Relativamente aos demais factos articulados pelas partes, acima não referidos nos factos provados, consigna-se que a mesma se refere a matéria conclusiva, repetida, instrumental e/ou de direito, irrelevante para a decisão da causa, sendo certo que o tribunal especificamente sobre ela se debruçou.
2.3. Não existem factos não provados.
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III - Direito
3.1 – Da existência de título executivo:
Os embargantes invocam a falta de título executivo, porquanto, em sede de requerimento executivo, o exequente não alegou qualquer endosso dos cheques dados à execução. Estipula que apenas o cheque nominativo não endossado reflete um efetivo reconhecimento de dívida.
Assim, o cheque dado à execução não vale como título executivo, porque não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no art. 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, analisado o requerimento executivo, o título dado à execução é um cheque.
O cheque é um título cambiário de crédito, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstrato, contendo uma ordem incondicionada dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, no sentido de pagar à vista a soma ou a quantia nele inscrita (cfr., por todos, F. Correia e A. Caeiro, in “RDE, 1978, pág. 457”).
Tal como ressalta da leitura do artº 3º da LU, na base da emissão de um cheque estão fundamentalmente duas relações jurídicas distintas: uma relação de provisão e um contrato ou convenção de cheque.
Podemos dizer que a relação de provisão se caracteriza pela disponibilização a favor do emitente de certos fundos que se conservam no banco, ou seja, essa relação pressupõe a existência, junto do banco, de fundos de que o sacador ou o emitente possa dispor, e que pode traduzir-se sob as mais diversas formas, tais como da existência de um depósito, de uma abertura de crédito, de uma conta corrente, de um desconto, etc.
O contrato ou convenção de cheque traduz-se num acordo através do qual o banco acede, comprometendo-se ao seu pagamento, a que o seu cliente (titular de um direito de crédito sobre a provisão) mobilize os fundos que estão à sua disposição, por meio da emissão de cheques.
A provisão surge, assim, não apenas como um requisito interno típico do cheque, mas também como um pressuposto do seu normal desempenho, já que, fundamentalmente, o mesmo surge funcionalmente, como já referimos, como um meio de pagamento. Na verdade, quando o apresentador do cheque se dirige ao banco para proceder à cobrança do mesmo deve existir provisão, ou seja, o banco deve assegurar o direito de crédito do sacador, disponibilizando para o efeito os fundos necessários ao pagamento do cheque.
O cheque é pagável à vista, considerando-se não escrita qualquer menção em contrário (1º parágrafo do artigo 28.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
Importa ainda esclarecer que a falta de provisão não torna o cheque inválido (cfr. artº 3º da LU), muito embora, como é sabido, essa irregularidade possa fazer incorrer o seu sacador em responsabilidade criminal ou/e civil (como salvaguarda, além do mais, da tutela da confiança na circulação dos títulos – cambiários -, em geral, e da proteção da boa fé do seu adquirente, em particular).
Daí que se diga que a relação de provisão surja, nuclearmente, como uma condição económica do cheque, e não mais do que isso.
Na verdade, não basta a existência de uma relação de provisão, para que o cheque possa ser pago, sendo necessário algo mais para que o banco fique obrigado ao seu pagamento. E esse “algo mais” é nada mais nada menos a existência de um contrato ou convenção de cheque de que acima falámos.
Contrato esse que, como resulta da noção já acima exarada, se traduz num acordo pelo qual o banco, vinculando-se ao respetivo pagamento, acede a que o cliente (titular da provisão) mobilize os fundos à sua disposição, através da emissão de cheques.
Sem esse acordo o cheque continua também a ser válido (cfr. artº 3º da LU), enquanto título, mas sem ele o banco não fica obrigado ao seu pagamento. E daí dizer-se que enquanto a relação de provisão aparece como uma condição económica do cheque, já o referido contrato de cheque surge, agora, como uma condição jurídica do mesmo, ou seja, é que dá juridicidade àquela relação de provisão, pois só com ele, repete-se, o banco fica vinculado a pagar o cheque.
Trata-se, assim, de um contrato que se caracteriza, além do mais, por ser autónomo (que portanto não se confunde com a relação de provisão, pois pode estabelecer-se esta relação sem que necessariamente se convencione a utilização de cheques), que assenta também nos princípios da boa fé e da tutela da confiança, que se situa dentro do universo dos negócios bancários, que é bilateral ou sinalagmático (por estabelecer um conjunto de direitos e deveres recíprocos para as partes que o outorgam), sendo a sua celebração feita frequentemente de forma tácita, e que se consubstancia mediante a requisição pelo cliente de um ou mais livros de cheques (ou mesmo através de simples cheques avulsos) e com a entrega deles pelo banco (donde, dada a frequente ausência de negociações preliminares, haver também quem o caracterize como sendo um contrato de adesão) – Vide o Acórdão da Relação de Coimbra datado de 19.12.2007, disponível no sítio www.dgsi.pt , Proc 5975/04.8TBLRA.C1, que seguimos de perto.
Vide também Paulo Olavo Cunha – Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, 2009, págs. 446 a 449 e 473 e 474 quanto à convenção de cheque, forma, finalidade e dever de pagamento, respetivamente.
Referente à evidente prescrição dos cheques aqui em questão, aplicável ao caso em concreto, seguimos totalmente a posição do Supremo Tribunal de Justiça, conforme é referido por Acórdão, de 05-07-2018, processo n.º 1634/07.8TBVNG-A.P1.S1, e disponível em www.dgsi.pt, que:
“Os cheques, nos quais se baseiam a execução, não valem como títulos cambiários, pois, não foram apresentados a pagamento no prazo de oito dias a contar da sua emissão e a falta de provisão da conta sobre que foram emitidos também não foi verificada no prazo em apreço, ou seja, não foram cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 29° da LUC, o que significa, exactamente, que não estamos face a uma efectiva relação cambiária, razão pela qual a presente acção executiva não tem essa natureza, de acção cambiária, no sentido consagrado na LUC. Esta acção, como acção cambiária, até deveria ter sido proposta no prazo de seis meses a contar do termo do prazo de apresentação a pagamento (artigo 52° da LUC), o que não se verificou. Vale isto por dizer que os cheques em questão têm natureza de quirógrafos das correspondentes obrigações, mas, obedecendo, como obedecem, aos requisitos estabelecidos no artigo 46°, n° 1, alínea c), do C.P.C., são títulos executivos.
E no requerimento executivo enunciam-se com precisão os factos constitutivos das respectivas relações materiais controvertidas, às quais expressamente se faz apelo.
A jurisprudência e a doutrina já consideravam que, para execução da respectiva obrigação subjacente, o cheque valia como quirógrafo dessa obrigação, com força de título executivo que lhe era dada pelo citado artigo 46°, n° 1, alínea c). Entre muitos outros, os Acórdãos da Relação do Porto, de 13.11.2003 e 28.10.2010, e o do STJ, de 9.4.2010, todos in www.dgsi.pt; Pinto Furtado, Títulos de Crédito, págs. 82 a 83 e 285 a 286; Abrantes Geraldes, Revista Themis, n° 7, 2003, págs. 62 a 65; e Anselmo de Castro, A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 42.”.
No caso dos autos, verificamos que os cheques dados à execução como título executivo foram apresentados muito após os seis meses estipulados pelo art. 52.º da LUC.
Posto isto, os cheques dados à execução são título executivo, ainda que meros quirógrafos, surgindo, assim, a necessidade de alegação da relação jurídica subjacente no requerimento executivo, quando não constem no próprio documento.
Vejamos.
Quanto à necessidade da alegação da relação jurídica subjacente ao cheques, numa primeira fase, estabelece o artigo 724.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil que "no requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges."
Sobre esta matéria ensinam Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes no Código de Processo Civil Anotado Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 280 e 281 que: Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e este deve acompanhar a petição inicial, o exequente só nela tem que indicar factos quando:
a-) o título careça de prova complementar, por a certeza ou a exigibilidade dele não resultar não resultar (...), por ter ocorrido sucessão no crédito ou no débito (...) ou no caso de escritura pública contendo a promessa de contrato real ou a previsão de obrigação futura (...);
b-) a obrigação precise de ser liquidada (...);
c-) tratando-se de obrigação causal, o título não Ihe faça referência concreta.
Esta falta de referência ocorre quando o título executivo contenha uma promessa de cumprimento ou o reconhecimento duma dívida sem indicação da respetiva causa (art. 458 CC), maxime se se tratar de letra, livrança ou cheque relativamente ao qual tenham decorrido já os prazos de prescrição da obrigação cartular (...). "
No caso dos autos, como já referimos, o título executivo é um cheque, título cambiário este que está sujeito a uma disciplina jurídica especial, a qual reflete a preocupação de defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pela necessidade de facilitar a circulação dos títulos de crédito.
Tal especialidade sintetiza-se nos seguintes princípios:
- Incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade);
- Literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspeção do título);
- Abstração da obrigação (a livrança é independente da “causa debendi”);
- Independência recíproca das obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que a lei incorpora não se comunica às demais.);
- Autonomia do direito ao portador (o portador é considerado credor originário).
Assim, atento o exposto, os exequentes alegaram que são portadores do título executivo, bem como alegaram a relação jurídica subjacente aos mesmos.
E como resulta do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil apenas podem servir de base à execução os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Conforme resulta do requerimento executivo, os cheques dados à execução foram apresentados à execução enquanto quirógrafos, mostrando-se prescrita a ação cambiária.
Por esse motivo, como refere o art. 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, se a relação subjacente não constar no próprio documento (neste caso, os cheques), o exequente deve alegar a relação subjacente no requerimento executivo.
Assim, encontrava-se o exequente obrigado a alegar a relação jurídica a eles subjacentes, o que, em boa verdade, o fez.
Os exequentes, herdeiros habilitados, alegaram que a existência dos dois cheques aqui dados à execução estão associados a um mútuo realizado entre o falecido HH. A este propósito, fundamentaram que os cheques aqui dados à execução serviram como garantia de pagamento.
Deste modo, é de todo o interesse, nas relações cambiárias distinguir-se entre as imediatas, que se estabelecem entre os sujeitos seus intervenientes diretos, sem intermediação de outrem, como é o caso, por exemplo, do sacador e do aceitante, e as mediatas, em que o portador é estranho às relações extracartulares, o que ocorre quando os cheques são endossados a um terceiro, que, por via desse endosso, passa a integrar a cadeia de sujeitos cambiários.
No caso dos autos, situamo-nos nas relações imediatas, porquanto os embargantes figuram nos autos na qualidade de representantes/herdeiros do beneficiário do cheque dado à execução HH, pelo que, nos termos do art. 54.º do Código de Processo Civil – existindo, no respetivo requerimento executivo, os factos constitutivos da sucessão –, os sucessores do direito são partes legítimas, podendo intentar a presente ação na mesma modalidade que poderia o falecido HH.
Neste segmento, os cheques aqui em questão não foram endossados, na modalidade defendida pela executada, mas sim, o que importa para o caso em concreto, é que os herdeiros do falecido (aqui exequentes) assumem a posição de credores originários, considerando a existência de habilitação, devidamente junta aos autos, não tendo sido sequer impugnada (neste sentido, ainda que em posição diversa, nomeadamente na posição que o sucessor é devedor originário na sequência da habilitação, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1634/07.8TBVNG-A.P1.S1, de 05-07-2018, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, aderimos à posição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1634/07.8TBVNG-A.P1.S1, de 05-07-2018, disponível em www.dgsi.pt, em que refere: “Não temos qualquer dúvida em afirmar que os «cheques» dados á execução não podem valer enquanto «cheques», mas podem valer como documento particular, assinado pelo devedor, que importe a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias (cfr. art. 46º, al. c) do Código de Processo Civil).
Ou seja, não sendo válida a obrigação cambiária o cheque dado à execução pode continuar a valer como título executivo, agora como escrito particular que documenta e identifica a obrigação subjacente”.
Ambos os cheques aqui em causa estão devidamente assinados e preenchidos pela executada, onde consta como portador o falecido HH, preenchendo todos os seus requisitos.
Ora, no caso em concreto, a relação jurídica subjacente aos cheques foi devidamente alegada, sendo assim considerado título executivo, devidamente assinado pelo devedor (executada) reconhecendo a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias perante os exequentes (na sequência da sucessão de direitos).
Por outro lado, atendendo à data da emissão do cheque, bem como da sua prescrição – anterior a 09/2013 – a vigorar, levaria exatamente ao mesmo resultado, considerando que o cheque prescrito, como já havemos deixado dito, assume a natureza de documento particular, assinado pelo devedor, importando a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
Assim, documentos particulares emitidos em data anterior a 01/09/2013, exequíveis por força do artº 46º, nº 1, al. c) do CPC de 1961, continuam a dever ser considerados como títulos executivos, mesmo após o Novo Código de Processo Civil, atento ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, que declarou com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior a sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
Assim, independentemente da solução a aplicar, chegaríamos ao mesmo resultado, seja considerando os cheques prescritos como documentos particulares (anterior art. 46.º, n.º 1, alínea c) Código de Processo Civil), ou considerando que os exequentes alegaram a relação jurídica subjacente aos cheques (atual art. 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil), improcedem os embargos de executado quanto a esta questão.
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3.2 – Da existência da dívida:
Nos embargos, a executada FF alega que o falecido HH dedicava-se à construção civil, e tinha sido contratado para efetuar alguns trabalhos dessa área. Todavia, nunca os concluiu, e os trabalhos que efetivamente tinha realizado apresentavam defeitos. Por existirem defeitos nas obras, segundo alega a executada, as partes obtiveram um acordo mediante o qual ficavam saldadas as contas entre ambos.
Neste sentido, a executada refere que cumpriu o estipulado, não avançando com qualquer assunção de responsabilidade contra o falecido HH e, na mesma forma, o falecido HH comprometeu-se a não proceder ao depósito dos cheques que estavam na sua posse, uma vez que os valores não eram devidos, bem como se comprometeu a devolver os cheques.
Ainda que não seja esta sede competente para apreciar os defeitos das obras realizadas, à primeira vista, nos termos 1224.º do Código Civil, esse direito caducou, não sendo de todo relevante para o caso em concreto.
Por outro lado, considerando que realmente tenha sido realizado esse acordo, é a própria executada que alega que nesse acordo ficou estipulado que o falecido se comprometeu a devolver os cheques. O que, existindo esta ação executiva, obviamente não o fez.
Ainda assim, admitindo toda essa realidade paralela à relação subjacente dos cheques aqui em causa, por si só, não são causa própria para retrair a força executiva que esses documentos (cheques) traduzem, nem tampouco reconhecer a inexistência de dívida.
Aliás, se efetivamente a dívida fosse inexistente, os executados já teriam em sua posse os cheques aqui em questão, como alegadamente teria ficado acordado.
A nosso ver, colocando-nos na posição da executada, não nos parece lógico, que existindo esse acordo, a executada permita que o falecido HH se mantivesse beneficiário ou portador de dois cheques devidamente assinados pela executada, atendendo ao montante relativamente elevado.
Neste sentido, a própria executada não conseguiu fazer qualquer prova disso, id est, da existência de qualquer tipo de acordo entre a executada e o falecido HH, limitando-se apenas a alegar a sua existência, numa forma genérica, não efetuando qualquer prova, sendo que constituí um ónus seu (art. 342.º, n.º 2 do Código Civil).
Posto isto, reconhecemos a existência de dívida, pois os cheques dados à execução assumem força executiva, ambos emitidos em 2006, devidamente assinados pelo devedor, importando, assim, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, constando, ainda, em ambos os cheques, que se encontram à ordem do falecido HH e, atendendo ao seu óbito, os seus herdeiros (aqui exequentes) assumem a posição de credores originários.
Improcedem, assim, os embargos de executado quanto a esta questão.
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IV- Decisão:
Pelo exposto, julgo improcedentes os embargos de executado deduzidos por FF contra EE e restantes herdeiros, determinando o prosseguimento da execução.

Custas a cargo do embargante - artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Fixo o valor dos embargos de executado em 19.000,00€ - artigos 297.º e 306.º do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Dê conhecimento ao Sr. Agente de Execução…»(sic).
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Inconformada com tal decisão, veio a executada embargante interpor o presente recurso (o qual foi admitido como de apelação, sobe nos próprios autos e com efeito devolutivo) com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES
1. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença datada de 8 de Janeiro de 2024, que julgou improcedente os embargos de executado deduzidos pela recorrente e determinou o prosseguimento da execução.
2. O Tribunal A QUO cometeu um erro quanto à matéria de direito aplicável aos autos, nomeadamente quanto à existência de titulo executivo válido, bem como da existência da divida.
3. Ora, os cheques apresentados como titulo executivo nos presentes autos não constituem titulo executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil,
4. Os exequentes alegaram, no requerimento executivo instaurado contra a executada, que o seu pai falecido emprestou dinheiro à executada e ao seu marido, que os mesmos necessitavam para investir num negócio próprio.
5. Nada mais sendo alegado pelos mesmos quanto ao endosso dos cheques apresentados como titulo executivo, nem sequer quanto às condições do respectivo mutuo celebrado entre as partes (nem podiam atendendo que inexiste qualquer mútuo).
6. O que só por si constituía fundamento para rejeição do requerimento executivo interposto contra a executada.
7. Não obstante, mesmo que tivessem alegado que o endosso ocorreu no prazo para apresentação a pagamento do cheque, há muito que o mesmo se encontra prescrito, por terem decorrido seis meses, contados do termo do prazo de apresentação (cfr. artigo 29.º/I e IV e 52.º/I ambos da LURC).
8. A doutrina e a jurisprudência exigem que o titulo de crédito (letra, livrança ou cheque) não tenha saído das relações estabelecidas entre credor originário/devedor originário, pois esse documento só traduz o reconhecimento de divida no domínio das relações imediatas.
9. Com efeito, tem-se entendido que apenas o cheque nominativo não endossado reflete um efectivo reconhecimento de divida.
10. Sempre que o cheque tenha sido objecto de endosso não é viável detetar o efeito recognitivo de uma dívida.
11. Por isso, o cheque nominativo endossado, como quirógrafo, não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no artigo 703.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
12. Assim tem sido decidido maioritariamente pela jurisprudência, nomeadamente no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 18.12.2018, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 3.07.2003, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13.03.2014, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27 de Maio de 2014, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
13. Pelo que deveria o Tribunal ad quo ter considerado que os exequentes não possuem titulo executivo válido contra a executada e, consequentemente, ordenado a extinção da instância.
14. Acresce que, o Tribunal ad quo ao decidir os embargos sem permitir a discussão da matéria controvertida, nomeadamente, a existência do mútuo celebrado entre a executada e o falecido HH e os demais aspectos da relação estabelecida entre ambos, incorreu na violação do disposto no artigo 342.º do Código Civil.
15. Considerando o teor da oposição deduzida pela executada competia ao Tribunal ad quo permitir que a mesma fizesse prova que a relação jurídica subjacente invocada pelos exequentes não existe (mútuo), tendo sim existido um contrato de empreitada que não foi cumprido pelo falecido HH.
16. Como se escreveu no AUJ n.º4/2001, no DR, IA, de 8.3.2001, pág. 1257 «saber se alguém «deve» alguma coisa a outrem é eminentemente uma questão de direito, implicando o apuramento de factos que consubstanciem a constituição de uma obrigação, a sua subsistência e exigibilidade e o seu não cumprimento.
17. Só depois de factualmente se apurar a existência do crédito e da correspondente obrigação, bem como da sua exigibilidade, é que se pode concluir, mediante formulação de um juízo jurídico-normativo, que determinada pessoa «deve» determinada quantia a outra.
18. Apesar de o Tribunal a quo teoricamente entender que a recorrente deveria ter produzido prova conducente à confirmação da sua alegação, em momento algum deu azo a que tal acontecesse, não tendo sequer permitido a audição de testemunhas.
19. Com a não produção da prova testemunhal, proferindo o Tribunal a quo a decisão de mérito agora recorrida, apenas com os elementos existentes nos articulados, foi a recorrente impedida de cumprir o ónus probatório relativo aos factos alegados, conforme lhe competia.
20. Nos termos do artigo 341º do CC “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
21. Se é certo que quem invoca determinado facto deve prová-lo, também é certo que deve ser dada a devida oportunidade para produção dessa prova, para cabal esclarecimento dos factos.
22. O direito à prova surge, por um lado, como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20º, nº 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), mas também, por outro lado, surge como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional.
23. Nesse sentido, o direito à prova é tomado como um direito fundamental, conferindo às partes, não só o acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva, como também a faculdade de apresentação de prova em juízo, pois que o direito à prova é um direito decorrente do direito de ação, bem como o direito de cada uma das partes oferecer as suas provas, controlar a parte contrária e discutir dentro do processo sobre o valor atribuído e o resultado concreto das mesmas.
24. Enquanto direito fundamental e considerando as consequências deste entendimento do direito à prova, certo é que, havendo dúvidas, designadamente quanto à existência da relação juridica subjacente alegada pelos exequentes, não tiveram os autos possibilidade de ver respondidas essas dúvidas, porquanto nem sequer foi permitida a produção de prova, nomeadamente de prova testemunhal.
25. A prova testemunhal poderia e teria lugar como meio idóneo a suportar os factos alegados, porquanto é apta à descoberta da verdade material, em conformidade com o disposto nos artigos 392º a 396º do CC e artigos 413º e 500º ab initio do CPC.
26. Assim, ao proferir despacho saneador sentença julgando improcedentes os embargos de executado sem antes permitir às partes a produção de prova e apreciação da mesma, violou o Tribunal a quo o direito fundamental dos Recorrentes ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20º da CRP.
27. Pelo que deve a decisão ora recorrida ser anulada, bem como os termos processuais subsequentes a essa decisão viciada, incluindo a decisão que julgou improcedente os embargos de executado, devendo determinar-se o prosseguimento dos autos com vista à delimitação dos temas do litigio e posterior produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
PELO QUE, NO PROVIMENTO DO PRESENTE RECURSO, DEVE REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDA OUTRA QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO, ASSIM RESULTANDO MELHOR INTERPRETADA E APLICADA A LEI E REALIZADA A JUSTIÇA.».
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Não foram apresentadas contra-alegações.

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões a analisar:

1) Existência de título executivo
2) Possibilidade de ser proferido saneador-sentença.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO


Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e aqueles que serão referidos ao longo das considerações infra exaradas e a factualidade de facto constante da decisão recorrida, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.

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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO



Alega a apelante nas suas alegações que o tribunal recorrido considerou que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais prova, a apreciação total do mérito da causa, tendo sido dispensada a realização da audiência prévia, com a concordância das partes, conforme resulta dos autos.
Refere que quanto à existência do titulo executivo, deveria o Tribunal ad quo ter considerado pela inexistência do mesmo, dado que resulta do requerimento executivo apresentado nos autos, os exequentes fundamentaram a presente execução em dois cheques, no valor de 9.000,00€ e 10.000,00€, sacados sobre a Banco 1..., que até à presente data não foram pagos. Alegando que os cheques foram entregues como garantia de um empréstimo concedido pelo falecido HH. Mais alegam que os exequentes não alegam a data em que foi efectuado o endosso e que sendo o cheque dado à execução como quirógrafo da relação subjacente, o mesmo titulo não é suceptivel de ser objecto de negócios cambiários.
Alega que a noção de documento quirofrário, para efeitos do que ora se expõe quanto ao aplicável me matéria de exequibilidade dos títulos de crédito, é abrangente de três situações distintas que se enumeram:
- o documento não reúne alguns dos requisitos formais para que possa desempenhar a especifica função de titulo cambiário e lhe seja aplicável o seu regime jurídico (artigo 2.ºm n.º 1 da LULL e da LURC), mas, ainda assim, consubstancia-se num documento recognitivo da divida exequenda, que assinado pelo devedor e contenha o nome da pessoa do beneficiário ou tomador. Só pode valer como titulo executivo se nele constar a indicação da pessoa do tomador, pois só assim pode valer como reconhecimento ou a confissão da divida a favor do exequente, com implicações no domínio da legitimidade activa na execução, conforme resulta do artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;
- não se encontram preenchidos alguns dos pressupostos substantivos contidos em disposições legais das respectivas leis Uniformes e concedidos como requisitos de exequibilidade cambiária: p.e. prazos de apresentação dos títulos a pagamento (artigo 34.º, n.º 1 e 38.º da LULL, e 29.º da LURC); caducidade da acção por falta de protesto (artigo 53.º, n.º 1 e 77.º da LULL);
- e a situação mais comum, que é a da prescrição do direito de acção cambiária fundada em letra, livrança ou cheque (artigo 70.º e 77.º da LULL e 52.º da LURC).
Alega a apelante que nada tendo sido alegado pelos exequentes quanto ao respectivo endosso, teria o Tribunal ad quo que concluir pela inexistência de titulo executivo válido e, consequentemente, rejeitado o requerimento executivo interposto pelos exequentes.
Alega por outro lado que, mesmo que tivesse, alegado que o endosso ocorreu no prazo para apresentação a pagamento do cheque, há muito que o mesmo se encontra prescrito, por terem decorrido seis meses, contados do termo do prazo de apresentação (cfr. artigo 29.º/I e IV e 52.º/I ambos da LURC).
Alega que apenas o cheque nominativo não endossado reflete um efectivo reconhecimento de divida. Não será assim quando se trate de cheque ao portador ou de cheque nominativo mas que tenha sido objecto de endosso, e a razão é a de que, nestes casos, fora do regime da Lei Uniforme, sem as características da abstracção e da literalidade, não é viável detetar o efeito recognitivo de uma dívida.
Conclui que, o cheque nominativo endossado, como quirógrafo, não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no artigo 703.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil. O requisito de que o titulo se mantenha nas relações imediatas conduz a não reconhecer eficácia executiva ao cheque nominativo que tiver sido objecto de endosso (que é a situação dos autos).
Considera, assim a apelante que, inexistindo titulo executivo válido deve a presente acção executiva ser declarada extinta e a executada absolvida em conformidade, alterando-se a decisão proferida pelo Tribunal ad quo.
Por outro lado, alega a apelante que, sem prescindir, o Tribunal ad quo ao decidir os embargos sem permitir a discussão da matéria controvertida, nomeadamente, a existência do mútuo celebrado entre a executada e o falecido HH e os demais aspectos da relação estabelecida entre ambos, incorreu na violação do disposto no artigo 342.º do Código Civil, na medida em que os fundamentos de facto exigiam decisão que permitisse à executada o direito de defesa e demonstração de que a relação jurídica subjacente alegada – mútuo – não existia e que entre as partes existiu sim a celebração de um contrato de empreitada que não foi cumprido pelo falecido HH.
Refere que a embargante alegou factos que, demonstrados, conduziriam com êxito à procedência da sua oposição, nomeadamente, a inexistência de qualquer contrato de mútuo celebrado com o pai dos exequentes, conforme relação jurídica subjacente que é alegada pelos mesmos no requerimento executivo.
Conclui, que ao proferir despacho saneador sentença julgando improcedentes os embargos de executado sem antes permitir às partes a produção de prova e apreciação da mesma, violou o Tribunal a quo o direito fundamental dos Recorrentes ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20º da CRP.
Pelo que deve a decisão ora recorrida ser anulada, bem como os termos processuais subsequentes a essa decisão viciada, incluindo a decisão que julgou improcedente os embargos de executado, devendo determinar-se o prosseguimento dos autos com vista à delimitação dos temas do litigio e posterior produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
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1- Existência de título Executivo


No caso dos autos a apelante invoca desde logo que não existiria título executivo porque os exequentes não invocaram a data do endosso.
Na acção executiva os títulos dados á execução são dois cheques, em que o figura como portador em consequência de endosso HH e como emitidos á ordem de HH, e em que surge assinado pela executada.
Nos termos do artigo 1º da LUCh, o cheque é uma ordem escrita sobre um banco para que pague ao emitente ou à pessoa inscrita como último beneficiário uma certa importância em dinheiro, com base em fundos disponíveis para o efeito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada.
Segundo a definição dada por Pinto Furtado, in Títulos de Crédito, pág.225 o cheque é o escrito assinado através do qual alguém ordena incondicionalmente a um banco ou outra instituição de crédito a tanto autorizada e onde tem provisão, que desembolse à vista a quantia nele inscrita.
O regime jurídico especial a que estão sujeitos os cheques reflecte-se na consagração de alguns princípios subjacentes, como sejam o da incorporação da obrigação no título; da literalidade da obrigação; da abstracção da obrigação (o cheque é independente da “causa debendi”); da independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título; e da autonomia do direito do portador.
No caso entendemos que estamos no domínio das relações imediatas porque os exequentes, herdeiros habilitados, alegaram que a existência dos dois cheques aqui dados à execução estão associados a contratos de mútuo realizado entre o falecido HH (sendo que os cheques estão emitidos á ordem de HH) e os executados.
No caso dos autos, situamo-nos nas relações imediatas, porquanto os embargantes figuram nos autos na qualidade de representantes/herdeiros do beneficiário do cheque dado à execução HH, pelo que, nos termos do art. 54.º do Código de Processo Civil, os sucessores do direito são partes legítimas, podendo intentar a presente ação na mesma modalidade que poderia o falecido HH.
Para outros desenvolvimentos e neste sentido, vide o Ac da RC processo: 50/16.5T8GVA-A.C1 Relator: SÍLVIA PIRES Data do Acórdão: 21-11-2017, (disponível na base de dados da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência) Sumário: I – De acordo com a definição que nos é dada pelo art.º 1º da LUCh, o cheque é uma ordem escrita sobre um banco para que pague ao emitente ou à pessoa inscrita como último beneficiário uma certa importância em dinheiro, com base em fundos disponíveis para o efeito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada.
II - Assim, o direito de crédito cambiário está consubstanciado no docu­mento, o conteúdo da obrigação cambiária é o que ele revela e é independente da respectiva causa debendi.
III - Os princípios da literalidade e da abstracção são instrumentais em relação à independência do direito cambiário face à causa que esteve na origem da sua constituição.
IV - No entanto, a plena relevância das aludidas características da literalidade e abstracção depende do cheque entrar em circulação, ou seja, de passar à titularidade de terceiros.
V - Deste modo, é de todo o interesse, nas relações cambiárias distinguir-se entre as imediatas, que se estabelecem entre os sujeitos seus intervenientes directos, sem intermediação de outrem, como é o caso, por exemplo, do sacador e do acei­tante, e as mediatas, em que o portador é estranho às relações extracartulares, o que ocorre quando os cheques são endossadas a um terceiro, que, por via desse endosso, passa a integrar a cadeia de sujeitos cambiários.
VI - A inoponibilidade das excepções causais a terceiros não reside na abstracção dos títulos de crédito, fundamento que não explicaria a possibilidade dessa defesa já poder valer nas relações imediatas, antes tendo explicação no princípio res inter alii neque nocere neque processe potest.
VII – Diz-se que o cheque está no domínio das relações mediatas quando o portador é uma pessoa estranha à convenção extracartular subjacente.
VIII - Ora, no presente caso, apesar do cheque ter sido emitido pelo devedor a favor de terceira pessoa que o endossou à exequente, a relação subjacente à sua emissão tem como sujeitos precisamente o devedor e a sua atual portadora, pelo que esta não é uma pessoa estranha à relação extracartular, não tendo aqui aplicação o princípio res inter alios acta, não havendo por isso qualquer razão que justifique a existência do impedimento previsto no art.º 22º da LUCh.
IX - Se o cheque dado à execução foi emitido para pagamento de parte do preço acordado num contrato de empreitada celebrado entre a exequente e o executado, não há qualquer justificação para que o executado - o sacador do cheque - não possa opor à exequente – a actual portadora do cheque - defesa com base nas relações estabelecidas pelo contrato de empreitada, uma vez que esta não é estranha a essas relações, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 22º da LUCh.».
Pelo exposto, improcede este segmento do recurso.
Por outro lado, e ainda no âmbito da questão de falta de titulo executivo alega a apelante que mesmo que tivesse, alegado que o endosso ocorreu no prazo para apresentação a pagamento do cheque, há muito que o mesmo se encontra prescrito, por terem decorrido seis meses, contados do termo do prazo de apresentação (cfr. artigo 29.º/I e IV e 52.º/I ambos da LURC).
Como determina o artigo 29º, o cheque deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias e só nessa situação tem o portador direito de acção, baseada no cheque, contra os obrigados, e ainda dentro desse prazo deve efectuar-se a certificação da falta de pagamento, quer através do protesto, quer através da declaração equivalente. A falta de certificação atempada da recusa de pagamento, que constitui requisito objectivo da exequibilidade do cheque enquanto título cambiário, implica para o portador do mesmo a perda do direito de acção cambiária.
Mas a jurisprudência maioritária entende que o cheque desprovido de exequibilidade enquanto título cambiário poderá continuar a ter natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no âmbito das relações imediatas, para execução da correspondente obrigação subjacente, desde que no requerimento inicial executivo o exequente invoque a correspondente relação causal (atento o teor do artigo 458.º do Código Civil).
O cheque, apesar de prescrito, pode ser dado à execução como mero quirógrafo desde que o exequente alegue no requerimento executivo a respetiva relação subjacente (art. 703.º, n.º 1, al. c), do CPC).
O artigo 703º, nº 1, c), c.p.c., não exige que os cheques prescritos comprovem, por si, a constituição ou o reconhecimento da obrigação exequenda, para serem exequíveis.
Tendo sido invocada no requerimento executivo, uma relação causal de mútuo, outorgado entre exequente (sucessores) e executados, os títulos, como meros quirógrafos, agregados à relação subjacente, valem como títulos executivos.
No caso, verifica-se que os exequentes invocaram a relação subjacente e nessa medida os cheques valem como títulos executivos, improcedente este segmento do recurso.
Neste sentido, e para outros desenvolvimentos vide o Ac da RP Processo: 3555/22.5T8VLG-A.1 Relator: JUDITE PIRES Data do Acórdão: 21-03-2024 Sumário: I - O cheque desprovido de exequibilidade enquanto título cambiário, poderá, não obstante, continuar a ter natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no âmbito das relações imediatas, para execução da correspondente obrigação subjacente, desde que no requerimento inicial executivo o exequente invoque a correspondente relação causal.
II - A alínea c) do n.º 1 do artigo 703º impõe – sem qualquer distinção – a quem quer prevalecer-se do título, invocado como mero quirógrafo da obrigação, o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que dele não constem.
III - Se o título, enquanto mero quirógrafo, couber no âmbito do artigo 458.º do Código Civil, o credor está dispensado da prova dos factos constitutivos que alegou, sendo antes o devedor que terá de provar que não está validamente vinculado à obrigação causal que deles resultaria; se, pelo contrário, o título invocado não for subsumível ao disposto naquele artigo, é sobre o credor que passará a recair o ónus de provar, nos termos gerais, a factualidade constitutiva da relação subjacente que ele próprio invocou.».
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2- Possibilidade de proferir saneador sentença

Neste segmento do recurso afigura-se-nos que assiste razão á apelante dado que a mesma impugna a causalidade invocada invocando factualidade passível de demonstração e controvertida, não permitindo ser proferido o saneador sentença.
A apelante alega por um lado a inexistência dos alegados empréstimos e invoca factualidade relativa a uma empreitada e factos extintivos ou impeditivos do alegado direito.
Verifica-se, assim, que de facto existem factos controvertidos que não foram considerados provados ou não provados na decisão e que esses factos foram alegados pelas partes e poderão ter relevância para a decisão da causa, já que o despacho saneador deverá considerar analisar a factualidade á luz das várias soluções jurídicas possíveis.
Assim, e sem se entrar na apreciação do mérito da sentença resulta que o saneador sentença padece de um vício amplo que implica a nulidade integral da decisão nos termos do artigo 662 nº2 c) do CPc dado que a sentença não se pronuncia sobre factualidade essencial controvertida considerando provada factualidade que não tem elementos de prova que a demonstre.
O tribunal omitiu em absoluto qualquer produção de prova sobre factualidade que assume a natureza de factos controvertidos e como tais relevantes para a decisão da causa.
Estamos perante a uma omissão dos temas da prova de factos que se revelam essenciais para a resolução do litígio, dado que se trata de factualidade controvertida e que poderá ser relevante face á necessidade de se considerar as várias posições jurídicas.
Tal matéria mostra-se relevante á apreciação do objecto da presente acção, devendo assim os autos prosseguirem os seus termos, nomeadamente com a inerente produção de prova (e por inerência quanto á restante matéria dependente da mesma), devendo previamente ser proferido despacho que estabeleça a base instrutória.

Estamos perante um vício intrínseco da decisão da matéria de facto que a compromete porque não existem elementos de prova que demonstrem a factualidade impugnada e a factualidade alegada, e nessa medida ter-se-á de anular a sentença (saneador sentença) proferida pelo tribunal recorrido nos termos do artigo 662 alínea c) do CPC, para que o juiz do julgamento proceda ao julgamento dessa factualidade controvertida.
Esta constatação, e na ausência de elementos probatórios que permitam a alteração da decisão proferida sobre os pontos referidos, impõe-se considerar que estamos perante a situação do artigo 662 nº2 alínea c) do CPC, consequentemente teremos de anular a sentença recorrida e determinar a devolução dos autos á 1ª instância para que o juiz de julgamento fixe a base instrutória e proceda á realização de julgamento com vista a apreciação da referida factualidade e de toda a factualidade para além da referida que está controvertida e matéria com a finalidade de evitar contradições.
Pelo exposto, por existir factualidade controvertida (nomeadamente a acima indicada), ter-se-á de proceder á anulação da decisão nos termos do art. 662º, nº2, al.c) do n.C.P.Civil, por não ser possível superar a situação de outra forma.
De acordo com o disposto no nº1, do art. 665 do C.P.Civil, a declaração de nulidade da decisão proferida na 1ª instância, não impediria que este tribunal conhecesse do objecto do recurso, substituindo-se ao tribunal recorrido no julgamento omitido, se nos autos se encontrassem todos os elementos necessários a esse julgamento, o que não acontece no caso sub judice dado que cumpre realizar a audiência de discussão e julgamento.
Acontece que perante as várias soluções de direito plausíveis e havendo muitos factos controvertidos, é prematuro e impossível conhecer do mérito da causa nesta sede recursiva.

Fica assim prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas alegações nos termos do artigo 608 nº2 e 663 do CPCivil.
Deste modo, importa tão-somente anular a decisão recorrida.
Procede, assim, nos termos enunciados a apelação, sendo de anular a decisão recorrida por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615 nº1 d) do CPcivil.
Pelo exposto, decide-se, nos termos supra referidos, julgar procedente a apelação e, consequentemente, anular o despacho saneador sentença proferido, devendo o tribunal a quo estabelecer a base instrutória e proceder á realização da audiência de discussão e julgamento.

***



V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se o saneador sentença proferido nestes autos, determinando-se, em consequência, que a instância da acção prossiga os seus ulteriores trâmites legais, e decide-se devolver os autos á 1º instância para que sejam fixados os temas de prova e o objecto do litígio e a realização da inerente audiência de discussão e julgamento (devendo-se apreciar a totalidade da matéria de facto controvertida e podendo-se apreciar outros pontos da matéria de facto para além da acima enunciada com a finalidade de evitar contradições).

Custas pelas partes vencidas a final (e na proporção em que o forem).

Notifique-se.








Porto, 2024/6/20
Ana Vieira
Francisca Mota Vieira
Judite Pires