VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
EXEQUIBILIDADE
Sumário

(do relator):
O credor hipotecário pode reclamar o seu crédito na execução em que foi penhorado o imóvel sobre o qual os executados haviam constituído a hipoteca para garantia de créditos sobre a sociedade de que eram sócios gerentes, devendo esse crédito ser reconhecido e graduado na sentença de verificação e graduação de créditos.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
No apenso de verificação de créditos relativo à execução, em que é exequente CEMG e executados JCPP e CMBB em cumprimento de acórdão deste Tribunal da Relação de 14/09/2023 que decidiu “anular a decisão recorrida nos termos do disposto na al. c), do n.º 2, do art.º 662.º, do C. P. Civil, para que o tribunal a quo fixe a matéria de facto pertinente, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 607.º, do C. P. Civil, em ordem a que sejam devidamente identificados os créditos a graduar, suas garantias, seus titulares iniciais, atuais e eventualmente intercalares”, foi proferida sentença, julgando verificados e graduados os créditos nos seguintes termos:
“1º - o crédito exequendo (hipoteca de 27-XII-07, e penhora de 9-XI-18);
2º - o crédito exequendo (livrança, e penhora de 9-XI-18);
3º - os créditos (contrato de 8-IV-09 e livrança de 11-XII-07) garantidos por penhora de 17-IX-21”.
Inconformada com essa decisão, a CEMG dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que reconheça e gradue os créditos, como pedido, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. Mal andou o Tribunal quando proferiu a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, aqui em crise, porquanto, não reconhece, e não gradua os créditos da aqui Recorrente CEMG, os quais foram reclamados na qualidade de Credora Hipotecária.
2. Em 10.04.2019, a Recorrente CEMG, reclamou na qualidade de credora hipotecária sobre o bem penhorado nos presentes autos (Prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º …, artigo …), os seus créditos no montante de € 351.142,74.
3. Os créditos reclamados pela CEMG foram os seguintes, conforme se afere da consulta da P.I. junta aos autos:
a. Contrato n.º 002.32.100043-8 (Mútuo com Hipoteca e Fiança), no montante total de € 35.612,61;
b. Contrato n.º 002.32.100070-1 (Mútuo com Hipoteca e Fiança), no montante total de € 44.001,85;
c. Contrato n.º 002.36.100034-8 (Mútuo com Hipoteca e Fiança), no montante total de € 95.699,18;
d. Conta Depósitos à Ordem n.º 002.10.005522-3, no montante total de 32.581,34:
e. Contrato n.º 002.27.100161-8 (Mútuo com Hipoteca), no montante total de € 143.247,76.
4. Esclarecendo-se que, os contratos identificados supra, nas alíneas a) a d) se encontram todos garantidos por duas Hipotecas Genéricas, melhor identificadas na P.I. de Reclamação de Créditos, nos artigos 2.º a 13.º, e o contrato identificado na alínea e) por Hipoteca Especifica, melhor identificada na P.I. de Reclamação de Créditos, nos artigos 59.º a 61.º, para os quais se remete.
5. Da informação constante da descrição do prédio em apreço, verifica-se o seguinte:
a. AP. 25 de 1995/03/02, que corresponde à aquisição a favor dos aqui Executados e Reclamados;
b. AP. 15 de 2000/07/21, que corresponde a Hipoteca Voluntária constituída a favor da CEMG, para garantia específica de empréstimo – não reclamado nem executado.
c. AP. 97 de 2007/12/27, que corresponde a Hipoteca Voluntária constituída a favor da CEMG, para garantia específica de empréstimo n.º 002.27.100161-8 - reclamado e executado nos presentes autos.
d. AP. 951 de 2011/04/20, que corresponde a Hipoteca Voluntária constituída a favor da CEMG, de caracter genérico pois garante até ao limite de capital de €50.000,00 todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela C..., Lda. até ao M.M.A. de €76.250,00 – ou seja, garante os contratos n.ºs 002.27.100161-8, 002.32.100070-1, 002.36.100034-8 e o Contrato de Conta de Depósito à Ordem n.º 002.10.005522-3, devidamente reclamados nos autos.
e. Ap. 685 de 2012/04/26, que corresponde a Hipoteca Voluntária constituída a favor da CEMG, de caracter genérico pois garante até ao limite de capital de €55.000,00 todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela C..., Lda. até ao M.M.A. de €96.151,00 – ou seja, garante os contratos n.ºs 002.27.100161-8, 002.32.100070-1, 002.36.100034-8 e o Contrato de Conta de Depósito à Ordem n.º 002.10.005522-3, devidamente reclamados nos autos.
6. Da análise verifica-se ainda que, em 2016 houve uma cessão de créditos, com posterior recompra dos créditos em 2017, voltando à esfera jurídica da CEMG todos os contratos e garantias, com excepção da Hipoteca Genérica registada sob a AP. 685 de 2012/04/26, que apenas retornou em 2023.
7. E também que, em 2020, a aqui Recorrente CEMG, cedeu alguns créditos à atual Exequente, P J, S.A., assim como transmitiu as duas Hipotecas Especificas acima identificadas no artigo 5.º, alíneas b. e c. e uma das Hipotecas Genéricas identificada em d., com posterior recompra e consequente retorno dessa garantia em 2023 (hipoteca genérica identificada pela AP. 951 de 2011/04/20).
8. Encontrando-se apenas na esfera da cessionária, e no que respeita aos créditos reclamados pela aqui Recorrente CEMG, apenas o contrato n.º 002.27.100161-8, garantido pela Hipoteca Especifica registada sob a AP. 97 de 2007/12/27.
9. Todos os outros créditos e garantias (duas Hipotecas Genéricas) reclamados em 10.04.2019, voltaram à esfera jurídica da aqui Recorrente, CEMG.
10. Posto isto, aquando do registo da penhora efetuada ao abrigo dos presentes autos, no imóvel garantia e aqui em apreço, cabia obviamente à aqui Recorrente CEMG, na qualidade de Credora Hipotecária, reclamar os seus créditos nos termos dos artigos 786.º e 788.º, ambos do CPC, o que fez.
11. Pois encontrando-se penhorado o imóvel que garante os seus créditos, tem o direito de ser paga pelo produto da venda do mesmo.
12. Contudo, na Sentença objeto do presente recurso, não vê os seus créditos reconhecidos e graduados como seria espectável, situação com a qual não se conforma.
13. Com efeito, em 22-12-2023 foi a Recorrente notificada da Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, que não reconhece todos os créditos reclamados (5 contratos) pela CEMG, pois apenas refere que: “Cumpridas as regras do artigo 786º do CPC, reclamaram créditos:
- a ‘C.E.M.G.’ – por dívidas (44.001,85€ e 95.699,18€) garantidas por hipotecas registada em 20-IV-11 e 26-IV-12 (respectivamente), e 32.581,34€ relativos a um “descoberto em conta”;
- (…)
Em 10-XI-21 a “C.E.M.G.” voltou a reclamar créditos (211.021,75€) – garantidos por penhora registada em 17-IX-21.”
14. Depois, refere a Sentença que,” O “crédito” relativo ao alegado “descoberto em conta” (ponto 1) não é sobre os executados, e tal alegada dívida não beneficia de garantia, pelo que o crédito não pode ser reconhecido”.
15. O que não se concede, pois como é doutrina e jurisprudência unânime e aceite, a autorização de “descoberto” de conta de depósito bancário constitui um verdadeiro mútuo, e existem duas hipotecas genéricas constituídas sobre o bem penhorado que garantem as dividas da C..., Comércio de T..., Lda..
16. Refere ainda a Sentença aqui em crise, o seguinte, “As hipotecas registadas em 20-IV-11 (pontos 6, 7 e 14) e 26-IV-12 (pontos 9 e 10) destinam-se a garantir responsabilidades de empresa terceira (tal como o mútuo de 21-IV-11 – ponto 8) – pelo que os respectivos créditos não devem ser aqui graduados.”, e,
 “Relativamente à penhora de 17-IX-21 (ponto 18), verificou-se já que os alegados créditos relativos aos contratos de 20-IV-11, 21-IV-11 e 30-IV-12 (sobre terceira), e 26-IV-12 (transmitido à “H” – ponto 13) não devem ser graduados; restam, assim, os créditos resultantes do contrato de 8-IV-09 e da livrança (de 11-XII-07)”
17. E tal decisão é imprecisa, pois, as Hipotecas voluntárias genéricas que os Executados, ora Reclamados constituíram a favor da ora Recorrente, sobre o imóvel penhorado nos autos, visam exatamente garantir de forma integral o pagamento das quantias de que a ora Reclamante viesse a ser credora da sociedade C... – Comércio de T..., Lda, e pois, o imóvel garante as responsabilidades da empresa terceira!
18. Pois tal como prevê o artigo 686.º do Cod. Civil:
“1. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
2. A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional.” (negrito e sublinhado nosso)
19. Pelo que, mal andou o Tribunal “a quo”, ao não reconhecer e graduar os créditos da CEMG que estão garantidos por duas hipotecas genéricas registadas sob o imóvel penhorado nos presentes autos.
20. E assim deve suceder quando existe uma garantia de natureza real que garante o crédito pelo valor de certo bem, como é o caso da hipoteca.
21. Assim sendo, existindo dívida garantida pelo imóvel penhorado, tem a Credora o direito de reclamar e ver reconhecidos os seus créditos de forma a ser paga pelo produto da venda do mesmo pois só dessa forma torna efetiva a garantia que foi constituída e ao abrigo da qual concedeu os créditos reclamados.
22. E mais, sendo a hipoteca acessória em relação ao direito de crédito subjacente, esta somente se extingue, com a extinção da obrigação garantida (art.º 730.º, al. a) do C. Civil), e a Recorrente ainda não se encontra paga.
23. Aliás, no nosso ordenamento jurídico a hipoteca (enquanto direito real de garantia) é conhecida como a rainha das garantias das obrigações, ou seja, dos direitos de crédito.
24. Através da hipoteca, a lei confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas móveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros (artº. 686º, nº1, do C. Civil).
25. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 17-10-2019, – 2.ª SECÇÃO CÍVEL, no Processo 4052/18.9T8VNF-B.G1:
“I- A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686º, n.º 1, do Código Civil (CC).
II- A garantia decorrente da hipoteca só tem efeitos sobre o bem a que respeita e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem. (…)”
26. E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 24-03-2009, – COIMBRA - VARAS MISTAS, no Processo 1376/06.1TBCRB-A.C1.
27. No caso em apreço as Hipotecas Genéricas conferem à Credora o direito a ser paga pelas dividas da empresa C..., Lda. através do imóvel dos seus garantes/fiadores, pois estes de forma voluntária deram o mesmo de garantia para as responsabilidades assumidas ou a assumir pela C..., Lda.
28. E existindo dívida, tem o credor o direito de se pagar do seu crédito através do produto da venda do imóvel dado de garantia, e penhorado nos presentes autos.
29. Posto isto, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal “a quo” quando proferiu a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos sem reconhecer nem graduar o crédito da aqui Recorrente.
30. Acresce que, o Tribunal aplicou o mesmo entendimento, à Reclamação de Créditos apresentada pela ora Credora em 17.01.2022, por conta da sustação da penhora,
31. O que não se pode conceder, pois os créditos reclamados que o Tribunal considera “sobre terceira” devem ser reconhecidos e graduados, porquanto se encontram garantidos por Hipotecas genéricas como supra se demonstrou, que recaem sobre o imóvel penhorado nos autos.
32. Igualmente, refere o Tribunal que a Hipoteca Genérica constituída em “26-IV-12” foi transmitida à H, contudo esqueceu-se de verificar que a mesma voltou à esfera da aqui Recorrente (AP. 5611 de 2023/01/24), cfr. se afere pela consulta da informação predial junta aos autos.
33.Desta forma, e sob fundamentos errados, verificou e graduou o Tribunal “a quo” apenas alguns créditos, não reconhecendo e graduando, os créditos reclamados pela Recorrente, em 10.04.2019 e 17.01.2022.
34. Razão pela qual mal andou o Tribunal “a quo”, pois os créditos da Recorrente são garantidos por duas Hipotecas Genéricas que lhe conferem o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores.
35. Assim, além do crédito da CEMG garantido por Hipotecas dever ser reconhecido, também deverá ser graduado à frente dos créditos garantidos por penhora.
36. E mais se diga, que à semelhança da acção executiva, a reclamação de créditos, sob pena de ilegitimidade, também tem de ser deduzida necessariamente contra o proprietário do bem que serve de garantia (vide art. 818.º do CC e art. 54.º nº2 do CPC).
37. Pois pode acontecer inclusive que o proprietário não seja sujeito da obrigação, porque onerou o bem de que é proprietário para garantir o pagamento de dívida alheia…o que no caso não sucede, pois os proprietários são também fiadores.
38. Assim sendo, deve o Tribunal corrigir a douta Sentença, no que refere ao reconhecimento e graduação do crédito da Reclamante CEMG garantido por duas hipotecas e quanto ao bem sobre que estas incidem, e que se encontra penhorado nos presentes autos, e, por consequência, sugerindo-se a seguinte redação:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, graduam-se os créditos verificados supra do seguinte modo:
1º - o crédito exequendo (hipoteca de 27-XII-07);
2.º - o crédito reclamado garantido por hipotecas de 20-IV-11 e 26-IV-12;
3º - o crédito exequendo (penhora de 9-XI-18);
4º - o crédito garantido por penhora de 17-IX-21. (…)”
39. Por fim, ressalva-se a surpresa que esta Sentença provocou na aqui Recorrente, pois nunca antes se deparou com uma decisão semelhante…
40. Pois existindo dívida garantida pelo imóvel penhorado, tem a Credora o direito legalmente previsto e acautelado de reclamar os seus créditos de forma a ser paga pelo produto da venda do mesmo pois só dessa forma torna efetiva a garantia que foi constituída e ao abrigo da qual concedeu os créditos reclamados.
41. A Sentença aqui em crise, viola princípios basilares do ordenamento jurídico, nomeadamente, os princípios da certeza e segurança jurídicas.
42. E igualmente, os princípios da confiança e da estabilidade dos contratos, da boa-fé e do acesso ao direito e tutela efetiva.
43. Ora, o Princípio da Segurança Jurídica supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas por forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem.
44. Tal princípio aparece respaldado na nossa Constituição da República Portuguesa, quer no artigo 2.º, quer pelo disposto no n.º 4 do artigo 282.º da CRP.
45. A violação deste princípio, pode levar a que uma norma possa ser declarada inconstitucional a fim de serem preservados os direitos das pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham de boa-fé.
46. Na mesma senda, aparece o princípio da proteção da confiança, o qual censura alterações súbitas, arbitrárias e altamente gravosas de normas em cuja continuidade os cidadãos tenham depositado expectativas legítimas que tenham sido alimentadas pelos poderes públicos.
47. Ora, tudo isto sucede no caso sub judice, como supra se explanou, pois o não reconhecimento da garantia real que é a hipoteca, é só por si gerador da frustração das expectativas dos credores garantidos, que até aqui tinham a possibilidade de ver ressarcidos os seus créditos, pela garantia prestada aquando da celebração do negócio.
48. Este entendimento a ser aplicado enfraquece as garantias prestadas, e em consequência o ressarcimento dos credores.
49. Face a tudo o exposto, deverá a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos em apreço ser corrigida quanto à verificação e graduação, sendo que no que respeita à aqui Recorrente deverá ser o seu crédito verificado e graduado, por garantido por duas Hipotecas Genéricas, conforme supra se sugeriu.
*
Não foram apresentadas contra alegações.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1 - Em 8-XI-07 a “C... comércio de T... Lda” assinou a “FICHA DE ASSINATURAS” junta a fls 42.
2 - Em 17-XII-07 “C.E.M.G.” e executados outorgaram a escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA” junta a fls 44 a 50 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – com o valor de 129.000,00€, a reembolsar em 300 prestações mensais.
3 - A hipoteca supra foi registada em 27-XII-07, a favor da “CEMG”, sobre o prédio descrito na 1ª C.R.P. de Sintra com o nº ….
4 - Em 8-IV-09 “C.E.M.G.” e executados outorgaram a escritura pública de “MÚTUO, HIPOTECA E FIANÇA” junta a fls 26 a 32 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à fracção ‘N’ do prédio descrito na 1ª C.R.P. de Cascais com o nº ….
 5 - Em 29-IX-10 “Finibanco S.A.” e executados assinaram o “CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL (MULTIUSOS)” junto com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo os executados entregue uma livrança (parcialmente em branco).
6 - Em 20-IV-11 os executados outorgaram a escritura pública de “CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA” junta a fls 14 a 16, e 147 a 150 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – para garantia, até 50.000,00€, de responsabilidades da “C... – Comércio de T... Lda”.
7 - A hipoteca supra foi registada em 20-IV-11, a favor da “CEMG”, sobre o prédio descrito na 1ª C.R.P. de Sintra com o nº ….
8 - Em 21-IV-11 “C.E.M.G.” e “C... – Comércio de T... Lda” assinaram o “CONTRATO DE MÚTUO” junto a fls 33v a 37.
9 - Em 26-IV-12 os executados outorgaram a escritura pública de “CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA” junta a fls 22 a 25, e 143 a 146 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – para garantia, até 50.000,00€, de responsabilidades da “C... – Comércio de T... Lda”.
10 - A hipoteca supra foi registada em 26-IV-12 a favor da “C.E.M.G.”, sobre o prédio descrito na 1ª C.R.P. de Sintra com o nº ….
11 - Em 30-IV-12 “C.E.M.G.” e “C... – Comércio de T... Lda” assinaram o “CONTRATO DE MÚTUO E FIANÇA” junto a fls 38 a 41.
12 - Em 27-VI-14 a “C.E.M.G.” preencheu a livrança supra com o valor de 7.493,25€.
13 - Em 5-IV-16 foi registada a “Transmissão de Crédito” a favor da “H STC, S.A.”, relativamente às hipotecas registadas em 27-XII-07, 20-IV-11, e 26-IV-12.
14 - Em 12-V-17 foi registada a “Transmissão de Crédito” a favor da “C.E.M.G.”, relativamente às hipotecas registadas em 27-XII-07 e 20-IV-11.
15 - Em 9-XI-18 foi registada a penhora do prédio descrito na 1ª C.R.P. de Sintra com o nº ….
16 - Por sentença de 5-II-20 “P J S.A.” foi julgada habilitada como cessionária da exequente.
17 - Em 15-IV-20 foi registada a “Transmissão de Crédito” a favor da “P J S.A.”, relativamente às hipotecas registadas em 27-XII-07 e 20-IV-11.
18 - Em 17-IX-21 foi registada a penhora do prédio descrito na 1ª C.R.P. de Sintra com o nº … – a favor da “C.E.M.G.”, no processo 11569/21 (onde foram apresentados, como títulos executivos, os contratos de 20-IV-11, 26-IV-12, 21-IV-11, 30-IV-12, 8-IV-09, e uma livrança subscrita pela “C...” de 11-XII-07).
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consiste, primeiramente, em saber se os créditos a que respeitam as hipotecas de 20-04-2011 e 26-04-2012 devem ser reconhecidos e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos e em segundo lugar se essa sentença deve proceder à graduação como requerido pela apelante, a saber,  
1º - o crédito exequendo (hipoteca de 27-XII-07);
2.º - o crédito reclamado garantido por hipotecas de 20-IV-11 e 26-IV-12;
3º - o crédito exequendo (penhora de 9-XI-18);
4º - o crédito garantido por penhora de 17-IX-21. (…)”.
Conhecendo.
1) Quanto à primeira parte da questão da apelação, a saber, se os créditos a que respeitam as hipotecas de 20-04-2011 e 26-04-2012 devem ser reconhecidos e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos.
O tribunal a quo julgou não verificados os créditos garantidos pelas hipotecas aduzindo que “As hipotecas registadas em 20-IV-11 (pontos 6, 7 e 14) e 26-IV-12 (pontos 9 e 10) destinam-se a garantir responsabilidades de empresa terceira (tal como o mútuo de 21-IV-11 – ponto 8) – pelo que os respectivos créditos não devem ser aqui graduados”, asserção a que também se reporta o despacho prévio ao de recebimento do recurso quando refere que “…os créditos sobre sociedade terceira não podem ser aqui reclamados – devendo as hipotecas que garantem tais responsabilidades ser accionadas em execução instaurada contra a sociedade devedora; o “concurso de credores” inclui apenas os credores dos executados (e, não, de terceiros)”.
Inversamente pretende a apelante que tais créditos devem ser reconhecidos e graduados na execução em que está penhorado o imóvel sobre o qual foram constituídas a hipotecas embora se trate de créditos de que é sujeito passivo um terceiro, no caso, uma sociedade da qual os executados eram sócios gerentes, como é pacífico nos autos, como decorre da própria noção de hipoteca consagrada no art.º 686.º, do C. Civil, do disposto no art.º 818.º do C. Civil e no art.º 54.º, n.º 2, do C. P. Civil.
Na bissectriz entre a decisão da primeira instância e a decisão propugnada pela apelante, a questão que agora se põe é a de saber se o concurso de credores, na e à execução, e a reclamação de créditos que lhe é inerente respeitam apenas aos credores e bens do executado ou se podem incidir sobre os bens do executado penhorados na execução embora pretendam fazer valer e realizar um crédito sobre terceiro.
Na generalidade dos casos haverá confluência na pessoa do executado da titularidade passiva do crédito reclamado e da titularidade ativa do bem penhorado, mas essa confluência pode não ocorrer como no caso acontece, em que o titular passivo do crédito reclamado é uma sociedade de que os executados eram sócios gerentes e o bem penhorado se encontra na titularidade destes indivíduos e não da sociedade.
 Este dilema, como aliás consta na apelação, encontra solução legal no n.º 2, do art.º 54.º, do C. P. Civil o qual, por desvio à regra geral estabelecida pelo n.º 1, do art.º 53.º, do C. P. Civil, segundo o qual “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”, permite que “A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro siga diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor”, como dispõe o n.º 2, do art.º 54.º, do C. P. Civil, podendo a execução prosseguir apenas sobre o terceiro titular dos bens onerados e estes mesmos bens, como decorre do disposto na primeira parte do n.º3, do mesmo art.º 54.º, do C. P. Civil.
A aplicação deste “Desvio(s) à regra geral da determinação da legitimidade” também à reclamação de créditos é confirmada pelo disposto no n.º 1, do art.º 788.º, do C. P. Civil quando dispõe que é “…o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados (que) pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos”, pondo a tónica da reclamação nos bens penhorados e não no titular passivo do crédito reclamado.
Esta mesma orientação decorre também do regime legal de execução de bens de terceiro, consagrado no art.º 818.º, do C. Civil e do regime legal de desoneração dos bens vendidos em execução consagrado no n.º 2, do art.º 824.º, do C. Civil, segundo o qual os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem e no caso de hipoteca, como no caso acontece, também da previsão legal do art.º 686.º do C. Civil, que permite que a mesma incida sobre bens de terceiros e consequentemente confere ao credor o direito de ser pago pelo valor desses bens.
Não podemos, pois, deixar de aportar à conclusão de que a apelante podia reclamar o seu crédito na execução em que foi penhorado o imóvel dos executados, sobre o qual estes haviam constituído hipoteca para garantia de créditos da reclamante sobre a sociedade de que estes eram sócios gerentes, devendo estes ser reconhecidos e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos.
2) Quanto à segunda parte da questão da apelação, a saber, se a sentença deve proceder à graduação dos créditos exequendo e reclamados como requerido pela apelante, a saber, 
1º - o crédito exequendo (hipoteca de 27-XII-07);
2.º - o crédito reclamado garantido por hipotecas de 20-IV-11 e 26-IV-12;
3º - o crédito exequendo (penhora de 9-XI-18);
4º - o crédito garantido por penhora de 17-IX-21. (…)”.
Como é pacífico nos autos e decorre do disposto no n.º 1, do art.º 686.º e no n.º 2, do art.º 822.º do C. Civil, tratando-se de créditos garantidos por hipoteca e que beneficiam de penhora a sua graduação obedece dentro de cada uma dessas categorias de créditos à anterioridade dos respectivos registos, procedendo, pois, a apelação e devendo os créditos ser graduados nos seguintes termos:
1.º O crédito (exequendo) garantido pela hipoteca de 27-XII-07;
2.º O crédito (reclamado) garantido pela hipoteca de 20-IV-11
3.º O crédito (reclamado) garantido pela hipoteca de 26-IV-12;
4.º O crédito (exequendo) que beneficia da penhora de 9-XI-18;
5.º O crédito da apelante que beneficia da penhora de 17-IX-21.   
C) SUMÁRIO
O credor hipotecário pode reclamar o seu crédito na execução em que foi penhorado o imóvel sobre o qual os executados haviam constituído a hipoteca para garantia de créditos sobre a sociedade de que eram sócios gerentes, devendo esse crédito ser reconhecido e graduado na sentença de verificação e graduação de créditos.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, reconhecendo e graduando os créditos nos termos acima constantes.
Custas pelos executados nos termos do disposto no art.º 541.º do C. P. Civil.

Lisboa, 11-07-2024,
Orlando Santos Nascimento
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco