DIVÓRCIO
DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
SEPARAÇÃO DE FACTO
CONTAGEM DOS PRAZOS
MORTE
PENDÊNCIA DE ACÇÃO
Sumário

I – Vem merecendo controvérsia doutrinária e jurisprudencial a de saber se, no fundamento do divórcio por separação de facto, previsto na alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil, o cômputo do prazo de um ano consecutivo, ou seja, o seu termo final, já deve estar decorrido à data da interposição da acção ou se, não o estando, ainda se poderá computá-lo até à data final de produção da prova na audiência de julgamento ;
II - considerando-se que aquele prazo, enunciado na alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil, tem natureza nitidamente substantiva, entende-se ser desiderato legal a decorrência de um período temporal em que se consolide a separação de facto, determinante de absoluta presunção da ruptura definitiva do vínculo conjugal ;
III – assim se entendendo que o pressuposto factual da duração daquele prazo mínimo de um ano consubstancia-se como facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, nos termos do disposto no nº. 1, do artº. 342º, do Cód. Civil, com natureza essencial para a procedência da acção, ou seja, o decurso daquele prazo de um ano (no mínimo) traduz-se ou constitui-se como um requisito de cariz ou natureza substantiva que, por sê-lo, urge considerar-se verificado à data da dedução do pedido ;
IV - Para que se verifique o fundamento inscrito na cláusula geral prevista na alínea d), do mesmo artº. 1781º, do Cód. Civil, é mister que a factualidade provada traduza, de forma irremediável ou concludente, a aludida ruptura definitiva do casamento ;
V – com efeito, é exigível que aquela factualidade revele ou apresente uma gravidade equivalente aos fundamentos inscritos nas antecedentes tipificadas alíneas (alíneas a) a c)), ou seja, que evidencie uma gravidade a concluir pelo total comprometimento do casamento, que seja convincente no sentido de traduzir um total rompimento ou comprometimento dos laços conjugais, ou seja, que o vínculo conjugal entre os cônjuges está destruído, sendo uma situação definitiva, e não transitória ou ultrapassável ;
VI – admite-se que a factualidade que, por si só, não é susceptível de preencher a totalidade de qualquer um dos requisitos das demais alíneas – a) a c) -, pode ser aditada à demais enunciada, de forma a aferir-se acerca do preenchimento da cláusula geral inscrita na alínea d) do mesmo normativo ;
VII – tendo ocorrido, na pendência da acção de divórcio, dissolução do casamento por óbito do cônjuge-marido, Autor na acção, esta prossegue apenas para efeitos patrimoniais, desde que impulsionada pelos herdeiros daquele, conforme prescreve o nº. 3, do artº. 1785º, do Cód. Civil.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – C…………………., residente na Estrada………………., intentou o presente processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB ............................, residente na Rua ……………….., pugnando pela procedência da acção, com consequente decretamento do divórcio entre Autor e Ré.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
- A. e R. contraíram casamento civil sem convenção nupcial em 26 de Junho de 2010, sob o regime imperativo da separação de bens, inexistindo filhos do casamento ;
- Estão separados de facto desde 07-02-2020, data em que a Ré apresentou queixa-crime contra o aqui autor pela prática de um crime de violência doméstica, estando a correr o respectivo inquérito-crime sob o NUIPC 85/20.3PEAMD, tendo nessa data sido efectuada uma busca domiciliária à casa que foi morada de família, propriedade do aqui Autor, no âmbito dos referidos autos ;
- No dia 14-02-2020 a Ré regressou à casa que foi morada de família, acompanhada de agentes da PSP, tendo desta levado todos os seus pertences, nomeadamente roupas, calçado e demais bens pessoais ;
- Desde tal data que A. e R. não fazem vida em comum, inexistindo, por conseguinte, desde então, qualquer convivência conjugal própria do casamento ;
- nomeadamente, não dormem juntos, não passeiam, não recebem amigos nem familiares, não se falam, não tomam as refeições juntos e não vivem em economia comum ;
- quer o  A., quer a Ré, não têm o propósito de manter o vínculo matrimonial, não existindo também, sequer, qualquer hipótese de restabelecerem a vida em comum, uma vez que se verificou uma ruptura definitiva do casamento, como está patente nos factos descritos ;
- Na verdade, a ruptura definitiva da vida em comum está patente em toda a factualidade atrás descrita, nomeadamente a separação de facto, factualidade esta que constitui uma impossibilidade da manutenção da sociedade conjugal ;
- Não pretende manter, nunca mais, qualquer contacto coma Ré, seja pessoal, seja telefónico, não sendo, por conseguinte, sequer possível existir uma tentativa para pôr fim ao casamento mediante processo de divórcio por mútuo consentimento.
A acção foi proposta em 06/03/2020.
2 – Designada data para tentativa de conciliação, nos termos do nº. 1, do artº. 931º, do Cód. de Processo Civil, veio esta a realizar-se, conforme acta de fls. 20 e 21, sem que se lograssem obter reconciliação, nem acordo para a convolação do divórcio para mútuo consentimento.
3 – Em 05/06/2021, o Autor veio apresentar articulado superveniente, referenciando, em resumo, o seguinte:
- os factos que descreve no presente articulado ocorreram já após a realização da tentativa de conciliação ;
- efectivamente, tendo já ocorrido a tentativa de conciliação, em 22-06-2020, mas estando ainda a decorrer o prazo para a Ré apresentar a sua contestação, ou seja, não estando sequer agendada a audiência de discussão e julgamento, tal apresentação é legítima, conforme decorre dos nºs. 1 a 3, do artº. 588º, do Cód. de Processo Civil ;
- A. e Ré mantém-se separados de facto desde 07-02-2020, ou seja, no passado dia 07-02-2021 completou-se um ano de duração da separação de facto dos cônjuges ;
- situação que, naturalmente, se manteve mesmo após tal data, pois A. e Ré não voltaram sequer a falar um com o outro ;
- tendo o Autor estabelecido, após a separação de facto, uma nova relação afectiva ;
- como prova da ruptura definitiva do casamento, importa ainda referir que, na sequência do arquivamento do inquérito instaurado contra o A. no processo-crime movido pela Ré, a que se aludiu na petição inicial, notificado em 14-11-2020, a Ré constituiu-se assistente no referido inquérito e requereu a abertura de instrução com vista a que fosse proferido despacho de pronúncia e o A. fosse submetido a julgamento ;
- tendo, a final, sido proferido despacho de não pronúncia ;
- os presentes factos, para além de serem objectiva e subjectivamente supervenientes, interessam à boa decisão da causa.
Conclui, requerendo pela admissibilidade do presente articulado superveniente, bem como pela notificação da Ré para, querendo, responder ao mesmo.
4 – Notificada a Ré para, querendo, apresentar contestação, veio apresentá-la em 16/06/2021 – cf., fls. 52 a 54 -, aduzindo, em súmula, o seguinte:
- O A. não faz qualquer alusão ao fundamento legal em que baseia a presente ação, limitando-se a fazer uma referencia genérica ao art. 1781.º CC ;
- Sendo que, aparentemente, alega como fundamento para a instauração da presente acção, a separação do casal ocorrida no dia 7 ou 14 de Fevereiro de 2020 (datas avançadas pelo A., embora tal não corresponda à verdade) ;
- Tendo dado entrada da presente ação no dia 6 de Março de 2020, ou seja, nem um mês depois ;
- Autor e Ré tiveram uma relação conjugal, que durou cerca de 29 anos, sendo os últimos 11 de casamento civil ;
- sempre foi uma esposa extremosa, atenciosa e empenhada na vida conjugal, não havendo qualquer incumprimento da sua parte dos deveres ou obrigações conjugais ;
- pelo que não é possível verificar-se a rutura definitiva de uma vida conjugal que durava há 28 anos, em cerca de três semanas, não assistindo ao A. qualquer fundamento nem fáctico, nem legal para a instauração da presente acção ;
- a Ré não se separou do A., e ao contrário do que este refere, não trouxe os seus bens pessoais ;
- antes regressou a casa, acompanhada das forças de segurança, apos uma discussão do casal, em virtude do Autor possuir uma arma de fogo que foi desde logo apreendida ;
- todavia, não se separou do A., deixando ficar os seus pertences e objetos pessoais na casa em que ambos viviam, tais como roupas, documentos, joias, bens de família e até mesmo medicamentos ;
- pois, na companhia das forças de segurança, a R. apenas trouxe algumas roupas e artigos de higiene pessoal ;
- a instauração de queixa-crime seria fundamento do divorcio a pedido da R. e não do A. ;
- no entanto, apesar de ter fundamento para tal, nunca pediu nem aceitou o divórcio ;
- até porque ambos reataram a relação conjugal meses mais tarde, o que durou pelo menos até Julho de 2020 ;
- ficou emocionalmente frágil e muito debilitada psicologicamente nos últimos anos de casamento ;
- Tendo começado a viver em união de facto em junho de 1992, durante todo este período viveram em economia comum, vivendo mensalmente do seu ordenado ;
- o A. movimentava livremente a conta bancaria da R., fazendo uso de cartão de débito próprio, conta que era esgotada mensalmente antes do final de cada mês ;
- No decurso da relação conjugal, a R. foi entregando ao A., para que este depositasse em contas a prazo, todos os valores provenientes da venda do seu património próprio ;
- a conta bancaria “de solteira” da R., que era alimentada primeiramente pelo seu ordenado e posteriormente pela sua reforma, era movimentada livremente pelo A., através de cartão de débito próprio ;
- daí fazendo os pagamentos das despesas mensais que eram necessários, saldo que era totalmente esgotado em cada mês em proveito comum do casal.
Conclui, no sentido de ser julgada improcedente a acção, com sua consequente absolvição do pedido.
5 – Conforme despacho de 08/07/2021, em face da junção aos autos do assento de óbito do Autor, foi declarada suspensa a instância.
6 – Mediante sentença datada de 03/12/2021, no âmbito da deduzida habilitação de herdeiros (apenso A), foram declarados habilitados os requerentes
- P ............................e
- G ............................,
como herdeiros de C ............................, “para com eles prosseguir a causa principal, intervindo nela na posição processual que a este cabia (autor)”.
7 – Por despacho de 31/01/2022, foi declarada cessada a suspensão da instância, determinando-se a citação dos habilitados para a causa, tendo estes, em 16/02/2022, declarado, expressamente, pretenderem o prosseguimento da causa principal, intervindo nos autos na posição processual que incumbia ao Autor.
8 – Em 28/04/2022, entre o mais, foram proferidos os seguintes despachos:
Nos termos do artigo 588º do CPC admito o articulado superveniente apresentado pelo A. por ser legal (tratando-se da alegação de factos ocorridos posteriormente à entrada em Juízo da petição inicial) e tempestivo (uma vez que os prazos referidos no nº 3 do citado preceito legal são prazos limite, não estando a parte impedida de apresentar o articulado superveniente em momento anterior).
Notifique a R. para, querendo, responder a tal articulado superveniente em 10 dias (artigo 588º/4, parte final, do CPC)”.
9 – Tal resposta foi apresentada em 16/05/2022, alegando a Ré, em súmula, o seguinte:
- o articulado superveniente não é admissível, por não conter factos que possam ser considerados como supervenientes, e em virtude do mesmo constituir uma alteração ilegal da causa de pedir ;
- com efeito, nem os factos ocorreram posteriormente, nem a parte apenas deles teve conhecimento após a instauração da ação ;
- no entendimento dos Autores, os factos são supervenientes porque ocorreram já após a realização da tentativa de conciliação de 22/06/2020, ou seja, a contagem do período da separação, para os efeitos pretendidos (art.1781.º a) CC), teria início desde a data da tentativa de conciliação ;
- todavia, ao intentar a presente ação, o A. não fundamentou o seu pedido de divorcio na separação de facto por um ano consecutivo, ao abrigo do art. 1781.º, al. a), do CC. ;
- pelo que, a atender-se ao prazo decorrido após a instauração da ação, estaria a ser ampliada a causa de pedir, sem acordo da outra parte, o que além de ser vedado pelos artigos 264° e 265° do CPC ofenderia as garantias do contraditório (n° 3 do art. 3o do CPC) ;
- a separação de facto é composta por um elemento objetivo – a falta de vida em comum dos cônjuges – e por um elemento subjetivo – o propósito, de ambos ou de um dos cônjuges, de não restabelecer a comunhão matrimonial (art. 1782.º do CC) ;
- ou seja, o decurso de um ano consecutivo de separação de facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da ação ;
- é, assim, irrelevante o período de separação ocorrido após a instauração da ação, nem podendo ser contabilizado o período na pendência do processo até porque o A. veio a falecer ;
- tal despacho mostra-se, assim, ferido de nulidade, ao abrigo do disposto no art.195.º CPC ;
- em termos de impugnação, não é verdade que A. e R. não tivessem voltado a falar, pois reataram a relação conjugal após a separação ;
- o que durou alguns meses até a R. ter descoberto que o A. tinha uma relação extraconjugal ;
- tendo o Autor sempre mantido a esperança de reatar a relação conjugal com a R. ;
- colocando, inclusive, na declaração de IRS o estado civil de casado, ao invés de separado de facto.
Conclui, no sentido de ser indeferido o articulado superveniente e, não podendo constituir tema de prova, ser declarado nulo o despacho de admissão do mesmo.
10 – Em 22/06/2022, foram proferidos despachos, nos quais:
- Foi julgada improcedente a arguição da apontada nulidade ;
- Foi dispensada a realização de audiência prévia ;
- Foi proferido saneador stricto sensu ;
- Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova ;
- Foram apreciados os requerimentos probatórios ;
- Foram solicitados ao DIAP da Amadora certidões do despacho final proferido no Inquérito identificado no artº. 3º da P.I., e da decisão do JIC datada de 18/05/2021, proferida nos mesmos autos, com nota de trânsito em julgado ;
- Foi designada data para a audiência de julgamento.
11 – Tal audiência de discussão e julgamento realizou-se com observância do legal formalismo, conforme actas de 21/09/2022, 03/10/2022, 06/02/2023 e 27/03/2023.
12 – Em 26/10/2022, vieram os Autores Habilitados requerer a junção aos autos de dois documentos, nomeadamente:
- certidão judicial contendo a cópia de uma acção intentada pelo seu pai contra a Ré, em 24/03/2020 ;
- certidão da escritura de revogação de testamento celebrada pelo pai dos Autores em 15/05/2020.
13 – Após pronúncia da Ré no sentido da inadmissibilidade de tal junção – cf., fls. 131 e 132 -, na audiência de julgamento realizada em 03/10/2022, foram proferidos os seguintes despachos:
Vêm os autores requerer a junção aos autos de duas certidões, tratando-se a primeira de uma cópia de uma acção judicial intentada pelo autor contra a ré em 24-03-2020 e a segunda de uma revogação de testamento datada de 15-05-2020, opondo-se a ré a tal junção por extemporânea nos termos do artigo 423º do C.P.C.
Efectivamente tendo em conta a data de tais documentos, nada impedia o autor de os ter junto em momento próprio, ou seja nos 20 dias que antecedem a data de inicio da realização da audiência final, nos termos do artigo 423º, n.º 2 do CPC.
Nestes termos, não admito a junção da certidão consistente na instauração de uma acção judicial em 24-03-2020, por extemporânea.
Quanto à revogação de testamento, apesar de extemporânea, admito a junção de tal documento uma vez que o mesmo foi referido pelas testemunhas do autor, designadamente A ............................ e M …………… e, caso o autor não tivesse procedido à junção de tal documento, teria sido o Tribunal a ordenar a sua junção nos termos do artigoº 6º do C.P.C.
Acrescenta-se ainda que uma vez que em tal documento apenas é referido que o autor revoga todo e qualquer testamento anteriormente feito, entende-se que tal documento deve ser complementado pelo autor com certidão de testamento que o autor tenha feito em data anterior a favor da ré, concedendo-se para tal o prazo de 10 dias, suspendendo-se na altura própria esta audiência de julgamento”.
E,
Tendo em conta o acima referido quanto à junção de cópia do testamento a favor da ré, suspende-se a presente audiência até os autores juntarem tal documento e a ré exercer o contraditório sobre o mesmo”.
14 – Mediante requerimento de 13/10/2022, veio a Ré pronunciar-se acerca da admissibilidade de tal documento, mencionando, em resumo, que:
- tal admissão constitui nulidade, ao abrigo do disposto no artº. 195º, do Cód. de Processo Civil, pois tal documento, para além de extemporâneo, é impertinente ;
- não indicam os Autores quais os factos que pretendem ver provados com tal junção, revelando-se o mesmo destituído de qualquer força probatória ;
- o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada pelo ónus probatório de determinado facto, pois a tal se opõe o princípio do dispositivo na vertente de instrução probatória ;
- pelo que argui a nulidade da junção aos autos do documento admitido em sede de audiência, bem como a nulidade do despacho que notifica os Autores para a junção do alegado testamento.
15 – Os Autores Habilitados responderam a tal alegação, conforme requerimento de 26/10/2022.
16 – Em 15/11/2022, os Autores Habilitados apresentaram nos autos o seguinte requerimento:
Na sequência da notificação para juntarem aos autos certidão do testamento feito pelo seu falecido pai, os requerentes solicitaram informação à Conservatória dos Registos Centrais, cujos serviços informaram que tinha sido outorgado pelo mesmo, por instrumento de aprovação, um testamento cerrado em 26-06-2006, o qual ficou depositado nessa mesma data no antigo 26º Cartório Notarial de Lisboa (cfr. doc. 1 junto, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).
Nessa sequência, foi requerida certidão do aludido testamento cerrado, à Senhora Notária que actualmente possui a guarda do espólio do Cartório Notarial onde ficou depositada o referido testamento, Ex.mª Senhora Dr.ª AV, a qual acabou por informar o mandatário dos ora requerentes que, afinal, “o testamento cerrado de que se fala não se encontra depositado no 26º Cartório Notarial de Lisboa, cujo arquivo se encontra à [sua] guarda” (cfr. doc. 2 junto, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).
Pelo exposto, não conseguindo os ora requerentes dar cumprimento ao ordenado por Vª Exª, por razões que lhes são alheias, desde já requerem seja considerada justificada a correspondente omissão, mais requerendo ainda que, caso assim o entenda, e sem perder de vista a necessidade de não prolongar ademais a realização da audiência em curso, se digne oficiar à Senhora Notária que esclareça esta situação, no mínimo bizarra, de não aparecer um testamento e não se saber o que aconteceu, e, ainda, se digne voltar a inquirir a testemunha Â……………., por na óptica dos requerentes tal se mostrar essencial para a descoberta da verdade e da decisão da causa, já que no seu depoimento referiu ter também sido testemunha no testamento em causa o qual, de resto, de acordo com a informação fornecida pela Conservatória dos Registo Centrais, foi o único testamento feito pelo pai dos ora requerentes, o falecido C ............................”.
17 – Em 06/12/2022, foi proferido o seguinte despacho:
Requerimento da R. de 13.10.2022:
Tal como já tinha sucedido com o requerimento de 16.05.2022, a R. confunde arguição de nulidade com discordância relativamente ao teor da decisão judicial.
Os AA. requereram a junção de dois documentos em 26.09.2022, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre a admissibilidade ou não da mesma, o que fez por despacho proferido na acta da audiência de julgamento de 03.10.2022.
Não existe pois nulidade do referido despacho uma vez que ele tinha que ser proferido, não se tratando portanto de um acto processual que a lei não admite.
O que sucede é que a R. não concorda com os fundamentos desse despacho que admitiu a junção aos autos de um dos documentos.
Contrariamente ao que a R. entende, este Tribunal considera tal documento pertinente para a boa decisão da causa, por ser a expressão da vontade do A., e, como já se disse, se os AA. não tivessem junto tal documento teria sido o Tribunal a ordenar oficiosamente a sua junção uma vez que foi feita alusão ao mesmo no decurso do julgamento, nos termos do artigo 6º do CPC, invocando-se também agora o disposto no artigo 411º do mesmo diploma legal.
O Tribunal pode conhecer também de factos não alegados pelas partes nos articulados mas discutidos em sede de audiência de julgamento, com vista ao apuramento da verdade, dever que lhe incumbe.
Assim, por não se verificar a nulidade prevista no artigo 195º/1 do CPC, julgo improcedente a sua arguição.
Dada a importância do conteúdo do testamento que o falecido A. outorgou em 26.06.2006 e revogou em 2020, a fim de melhor se entender o seu relacionamento com a R., oficie ao Cartório Notarial a cargo da Sra. Notária AV para esclarecer o sucedido quanto ao desaparecimento de tal testamento, nomeadamente identificando o Sr. Notário que na altura estava incumbido de receber e guardar tal testamento.
Prazo: 10 dias.
 Remeta cópia dos requerimentos dos AA. de 15.11.2022 para melhor compreensão”.
18 – Devidamente notificada, a Sra. Notária, em 19/12/2022, respondeu nos seguintes termos:
Na sequência da Vossa Notificação via mail, venho pelo presente indicar que o Notário Titular, à data do depósito do dito testamento cerrado, era o Licenciado …, atualmente falecido e que esteve em exercício até ao ano de dois mil e catorze.
Ao dispôr para qualquer esclarecimento adicional.
Com os meus melhores cumprimentos,
A Notária,
…”.
19 – Em 13/01/2023, a Ré apresentou nos autos o seguinte requerimento:
BB ............................, R. nos autos à margem referenciados, notificada do documento junto aos autos, vem, muito respeitosamente, expor e requer a V/Ex.a:
1 - Face ao teor da informação prestada pelo Cartório Notarial de Lisboa, atendendo a que o documento junto aos autos, constitui apenas a revogação de todo e qualquer testamento feito pelo A., sem qualquer alusão ao(s) beneficiário(s) do mesmo, o mesmo se torna impertinente e sem qualquer utilidade para a boa decisão da causa, devendo ser desentranhado, o que desde já se requer”.
20 – Na mesma data de 13/01/2023, os Habilitados Autores, apresentaram pronúncia nos seguintes termos:
P ............................e G ............................, autores nos presentes autos de divórcio, tendo sido notificados do ofício da Senhora Notária, Dr.ª AV, vêm reiterar o pedido já oportunamente efectuado nos autos, de reinquirição da testemunha A ............................exclusivamente sobre a questão do testamento em causa, por na óptica dos requerentes tal se mostrar essencial para a descoberta da verdade e da decisão da causa, já que no seu depoimento tal testemunha referiu ter também sido testemunha no testamento em causa o qual, de resto, de acordo com a informação fornecida pela Conservatória dos Registo Centrais, foi o único testamento feito pelo pai dos ora requerentes, o falecido C .............................
TERMOS EM QUE, para junção do presente aos autos e sequência dos ulteriores trâmites processuais”.
21 – Tendo, em 19/01/2023, sido proferido o seguinte despacho:
Indefiro o desentranhamento do documento consistente na revogação do testamento efectuada pelo falecido A. visto que a sua junção aos autos já foi admitida por decisão transitada em julgado e que cabe ao Tribunal, não às partes, a livre apreciação do valor das provas.
Indefiro a reinquirição da testemunha Â…………… uma vez que a mesma já depôs sobre a matéria daquele testamento e sua revogação, tendo já declarado o que sabia sobre o assunto”.
22 – Em 05/02/2023, os Habilitados Autores juntaram aos autos o seguinte requerimento:
P ............................e G ............................, autores nos presentes autos de divórcio, vêm, mui respeitosamente, requerer a Vª Exª se digne admitir-lhes a junção aos autos da cópia de uma notificação judicial avulsa requerida pela Ré – BB ............................ – contra o pai dos requerentes – C ............................ -- em Janeiro de 2021, na qual a Ré notifica este de que revoga toda e qualquer procuração que lhe possa ter sido conferida por ela requerente, pois, segundo alega na referida notificação a Ré, “encontrando-se requerente e requerido em processo de divórcio, a requerente tem justo receio que esses instrumentos de mandato sejam usados contra a sua vontade, o que lhe causará prejuízo”, sendo por isto “imperioso revogar todo e qualquer procuração que possa estar na posse do requerido e que lhe tenha sido conferido
pela assistente”.
Na óptica dos requerentes, tal documento reveste interesse para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, pois no mesmo é a própria Ré quem fala precisamente dos presentes autos de divórcio e é com base nestes autos que fundamenta o pedido de notificação judicial avulsa do pai dos requerentes.
Relativamente à oportunidade da junção ora requerida, os requerentes esclarecem que desconheciam em absoluto a existência deste documento até à presente data, pois o seu falecido pai nunca lhes referiu a sua existência, pelo que não poderiam ter providenciado, em data anterior, a junção de um documento que desconheciam existir, tendo os requerentes apenas agora acesso a tal documento, de uma forma furtuita, descobrindo o mesmo enquanto folheavam uma pasta que continha documentação bancária, não lhes sendo possível sequer imaginar que no meio de tal documentação se encontrava este documento e também por tais motivos lhes ser objectivamente impossível juntar o mesmo aos autos em data anterior.
“Apesar da rigidez para que o preceito [constante no artº 423º, nº3 do CPC] parece apontar, em parte associada principio da autorresponsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º (acerca do necessário equilíbrio entre a autorresponsabilidades das partes e a oficiosidade do inquisitório, cf. Paulo Pimenta, ob. cit., pp. 372-373 e RL 25-9-18, 744/11)” (in, Código de Processo Civil Anotado, António Abrantes Geraldes, vol. I, 2ª ed. pp. 521).
TERMOS EM QUE, para junção do presente aos autos, bem como do documento ora junto, e sequência dos ulteriores trâmites processuais”.
23 – Consta da acta da audiência de julgamento de 06/02/2023 ter sido dada a palavra à Ilustre Mandatária da Ré, “que no uso da mesma requereu o seguinte:
Aberta a audiência, a Mma. Juiz deu a palavra à ilustre mandatária da ré que no uso da mesma requereu o seguinte:
O Autor tem sucessivamente vindo a apresentar propositadamente nos dias de audiência de julgamento documentação, quando deveria tê-lo feito com a devida antecedência até 20 dias antes, ao abrigo do disposto no art.º 423.º, n.º 2 do CPC.
Tal junção no dia da audiência não constitui boa prática judicial, revelando-se um expediente pouco honesto, e sem cabimento processual, que visa entorpecer a acção da justiça e retardar a normal tramitação da acção.
Numa primeira análise transversal do requerimento ora apresentado pelo Autor, verifica-se que mais uma vez não foram indicados os factos susceptiveis de prova através de tal junção, por conseguinte, por ser extemporâneo, nada pretender provar, não deve ser admitida tal junção.
Por outro lado, deve o Autor ser condenado em multa como litigante de má fé, bem como indemnizar a parte contrária, em valor a fixar por V. Exa.
- Sem prejuízo de tal documento vir a ser admitido não prescinde do prazo legal de vista”.
Após, o que foi proferido o seguinte despacho:
Conforme já referido em despachos anteriores a propósito da junção de outros documentos, a notificação judicial agora apresentada é relevante para a descoberta da verdade material, por ser susceptível de revelar o estado do relacionamento entre as partes e de demonstrar a eventual ruptura deste casamento.
Por outro lado a explicação apresentada pelos AA. para a junção tardia de tal documento, ou seja depois de iniciada a audiência de julgamento, é plausível uma vez que os AA. intervêm na causa como habilitados do A. falecido e por isso é natural que não tenham tido acesso atempado aos documentos que interessam para a boa decisão da causa.
Por conseguinte, nos termos do disposto nos artigos 6º, 411º e 423º, n.º 3, primeira parte do CPC, admito a junção aos autos do documento agora apresentado.
Porém, uma vez que a R. não prescinde do seu direito de exame quanto a tal documento, torna-se necessário, uma vez mais, suspender a presente audiência de julgamento, não se designando desde já outra data por se ignorar qual o teor da resposta da R. e se em função da mesma será necessário proceder à realização de outras diligências antes da conclusão deste julgamento”.
24 – De tal despacho foi interposto recurso, admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo, o qual foi julgado improcedente por Acórdão desta Relação de 15/06/2023 – cf., Apenso B.
25 – Posteriormente, foi proferida sentença, datada de 26/04/2023, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência, decreto o divórcio entre o A. C ............................ e a R. BB ............................, declarando dissolvido o respectivo casamento.
Custas pela R. (artigo 527º do CPC).
Valor: € 30.000,01.
Registe e notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no artigo 78º do Código do Registo Civil”.
26 - Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“1 – A sentença em crise padece de contradição e obscuridade da decisão, e da pronuncia sobre questões que não poderia conhecer (art. 615.º n.º1, al. c) e d) CPC);
2 – Existe contradição ao considerar provado o facto 19, referindo mais adiante, na sua fundamentação “Não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393.º/1 do Código Civil e artigo 607.º/5, tornando a sentença ilegal e ferida de nulidade.
3 - Do mesmo modo que o tribunal a quo não poderia ter em consideração, nem dar como provado o facto 6, cujo teor revela uma confissão da R., não efetuada em juízo, tendo tal depoimento sido foi produzido em Inquérito, ao abrigo de segredo de justiça, não podendo ser valorado no presente processo, em razão do disposto no art.355.º, n.º3 CC, e 421.º CPC
4- Ademais, tal declaração/confissão da R. é inadmissível, por se tratar de direitos indisponíveis no âmbito do processo de divorcio litigioso, e porque não foi prestada presencialmente em juízo, violando o disposto nos art. 355.º n.º2 e art. 354.º b) do CC, e ferindo de nulidade a decisão em crise, ao abrigo do disposto no art. 195.º n.º2 CPC.
5 – O tribunal a quo conheceu de questões que não podia tomar conhecimento e condenou em objecto diverso do pedido (art. 615.º n.º1 d) e e) CPC)
6 - O A. invocou como fundamento para o divorcio a separação de facto e rutura definitiva da vida em comum (cfr. art. 7.º da PI); no entanto, na data da instauração da ação, não havia decorrido um mês de separação do casal, não se encontrando cumprido o requisito previsto no art 1781.º a) CC.
7 - Quanto à rutura definitiva alegou, abstratamente, que a R. apresentou queixa-crime pela pratica do crime de violência doméstica (art. 3.º PI).
8 - No entanto, o tribunal a quo veio pronunciar-se sobre a violação dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação e cooperação, o que não foi invocado pelo A..
9 - Tendo o tribunal a quo ido longe demais ao pronunciar-se sobre a violação reiterada e grave dos deveres conjugais, ferindo mais uma vez a sentença de nulidade.
10 - O articulado superveniente apresentado pelo A., aqui Recorrido, não é admissível, por não conter factos que possam ser considerados como supervenientes, constituindo uma alteração ilegal da causa de pedir;
11 – Ora, nem os factos alegados pelo Recorrido ocorreram posteriormente, nem a parte apenas deles teve conhecimento após a instauração da ação.
12 - No entanto, ao intentar a presente ação, o A., aqui recorrente não fundamentou o seu pedido de divorcio na separação de facto por um ano consecutivo, ao abrigo do art. 1781.º, al. a), do CC.
13 - A atender-se ao prazo decorrido após a instauração da ação, estaria a ser ampliada a causa de pedir, sem acordo da outra parte, o que além de ser vedado pelos artigos 264° e 265° do CPC ofenderia as garantias do contraditório (n° 3 do art. 3.º do CPC).
14 - O decurso de um ano consecutivo de separação de facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da ação.
15 - Assim, o prazo de um ano deve, via de regra, já ter decorrido à data da propositura da ação de divórcio (que coincidirá com a receção da correspondente petição inicial na secretaria do tribunal, nos termos do art. 259.º, n.º 1, do CPC), porquanto os pressupostos do divórcio devem estar preenchidos nesta data.
16 - Sendo irrelevante o período de separação ocorrido após a instauração da ação, nem podendo ser contabilizado o período na pendência do processo até porque o A., aqui Recorrido, veio a falecer.
17 - Mesmo contabilizando o período de separação desde a tentativa de conciliação (22/6/20) até á data do óbito (21/5/2021), hipótese que apenas se coloca, sem conceder, uma vez que A. e R. reataram a relação conjugal neste período, não se mostra decorrido um ano consecutivo de separação.
18 - Com efeito, o articulado, apresentado pelo Recorrido, não é admissível do ponto de vista legal, por conter factos que não são supervenientes e por constituir uma verdadeira alteração e ampliação da causa de pedir, sem acordo da outra parte, o que além de ser vedado pelos artigos 264° e 265° do CPC ofende as garantias do contraditório (n° 3 do art. 3.º do CPC).
19 - Consequentemente, mostra-se ferido de nulidade o douto despacho que o admitiu, ao abrigo do disposto no art.195.º CPC, que aqui se argui para os devidos efeitos legais.
20 - A audiência de discussão e julgamento teve início no dia 21 de Setembro de 2022, com continuação no dia 3 de Outubro, dado o adiantado da hora, para inquirição das testemunhas arroladas pela R., aqui Recorrente.
21 - Muito próximo da data designada para continuação da audiência, vieram os AA requerer a junção de documentos, um deles intitulado “Revogação de Testamento” (Ref.: 43362457) com vista à “comprovação dos factos relatados pelas testemunhas na audiência de julgamento”, o que mereceu desde logo a oposição da R. dada a extemporaneidade e impertinencia do mesmo (Req. 3/10/2020, ref.ª 43435628);
22 - Alegaram os AA, aqui Recorridos, para tal junção, a comprovação do depoimento prestado pelas testemunhas em audiência, o que foi admitido pelo tribunal a quo.
23 - A R., aqui Recorrente, veio arguir a nulidade do despacho de admissão de tal documento, em virtude do incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, poder influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n. 1, 197.º e 199.º, todos do CPC. (Requerimento apresentado em 13/10/2020, com a ref.: 43556337).
24 - Em virtude dos AA não disporem do testamento em si, o Tribunal substituiu-se à parte, tentando localizar tal documento, fazendo inúmeras diligencias que se vieram a revelar inúteis;
25 - E foi ainda mais longe ao pedir esclarecimentos à Sr.ª Notária pelo desaparecimento do testamento revogado pelo A. (oficio de 7/12/2020, com a ref. 141315307, enviado ao Cartório Notarial de Lisboa, e dirigido à Sr.ª Notaria AV).
26 - Repare-se que tal testamento, que representaria a vontade do testador em vida, foi pelo mesmo revogado, e por essa razão levantado, deixando de existir ainda que em arquivo notarial.
27 - O depoimento de testemunhas arroladas nos autos não constitui ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos não juntos aos autos, com fundamento na parte final do nº3 do artº 423 do C.P.C.
28 - O A. não indicou os factos que pretendiam ver provados com tal junção, na verdade, nada alegou na PI quanto a essa matéria.
29 - Com efeito, o referido documento revela-se sem qualquer força probatória, completamente impertinente e desnecessário.
30 - O incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, o que aqui se argui nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC.
31 - A R., aqui Recorrente, veio arguir a nulidade do despacho de admissão de tal documento, em virtude do incumprimento pelo juiz, da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, poder influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n. 1, 197.º e 199.º, todos do CPC. (Requerimento apresentado em 13/10/2020, com a ref.: 43556337).
32 – Na última data designada para alegações finais (6/2/2023), vieram os AA, juntar mais um documento, desta vez uma notificação judicial avulsa realizada pela R. em 2021, o que foi desde logo admitido por despacho (Referência: 142433619, de 6/2/2023)
33 - O Douto despacho em crise violou o disposto no art. 423.º n.º2 CPC, indo contra a intenção do legislador, que visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias.
34 - A junção de documentos, após a produção da prova em audiência pelos AA., desrespeita o dever de cooperação processual (art.7.ºCPC), promovendo o atraso e delonga do processo,
35 - Tal procedimento, admitido pelo tribunal a quo, constitui uma interrupção constante do trato sucessivo da audiência de discussão e julgamento, violando o princípio da continuidade da audiência de julgamento.
36 - Servindo os documentos para fazer prova dos factos articulados na petição e contestação, o requerimento da sua junção tem que indicar que factos já articulados que esses documentos se destinam provar.
37 - Mais uma vez, os AA, aqui Recorridos não alegaram quais os factos que pretendiam ver provados com a junção de tal documento, revelando-se este sem qualquer força probatória, completamente impertinente e desnecessário.
38 - Tal admissão põe em causa o princípio de igualdade das partes em juízo (art.4.º CPC).
39 - O tribunal a quo confundiu os poderes-deveres decorrentes para o juiz do cumprimento do princípio do inquisitório, substituindo-se aos AA, sobre quem impendia o ónus da prova, violando o princípio dispositivo e o princípio da igualdade das partes (art.4.ºCPC).
40 - Assim, o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada com o ónus da prova de determinado facto, carreando aos autos após o encerramento da discussão da causa, prova documental que aquela não juntou, porque a tal se opõe o princípio dispositivo na vertente da instrução probatória.
41 - A admissão sucessiva dos documentos juntos pelos AA, após a produção da sua prova em audiência, bem como a solicitação pelo tribunal a quo do testamento revogado, põe em causa o princípio da igualdade das partes, da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento.
42 - Ao permitir que os AA., sistematicamente apresentem documentação não junta pelo A. nos articulados, o tribunal a quo, no seu douto despacho, não sopesou os princípios em presença, violando o princípio da igualdade das partes no processo.
43 - A admissão da junção de documentação sucessiva pelos AA, após a produção da sua prova em audiência, bem como a solicitação pelo tribunal a quo do testamento revogado, põe em causa o princípio da igualdade das partes, da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento.
44 - Tais despachos, põe em causa o princípio da igualdade das partes no processo (art. 4.º CPC), violando ainda os art. 5.º 6.º,7.º, 8.º, 411.º, 423.º CPC.
45 - Factos incorretamente julgados e que impõem decisão diversa: 5, 6, 8, 9, 10, 16, 19, 21.
46 - A separação de facto por período inferior a um mês, não pode constituir fundamento para o divorcio litigioso.
47 - A circunstância da Recorrente e recorrido viverem em locais distintos de uma mesma cidade, tal não quer dizer, necessariamente, que tenham cortado entre ambos qualquer tipo de ligação.
48 - Haverá que ter em atenção as suas idades, os seus estados de saúde, os anos que decorreram desde o casamento, o meio em que se integram, as suas condições sócio-culturais, a circunstância de viveram num período pandémico, vivendo como marido e mulher, e se juntos, tendo relações, contactos ou intimidades.
49 - A separação de facto por um ano consecutivo é um elemento constitutivo do direito potestativo ao divórcio, ou seja, requisito de natureza substancial e não perante um prazo meramente processual e por se tratar de um prazo de carácter substantivo, tem que se verificar, pelo menos, à data do pedido.
50 - Por isso, o tribunal não pode recorrer ao disposto no artigo 611 n.º1 do C.P.C. para ter em consideração o eventual decurso do prazo da separação de facto até ao encerramento da discussão em primeira instância.
51 - Nos termos do art. 611.º, n.º 1, do CPC, o tribunal a quo não poderia decidir sobre objecto diverso do pedido, como decidiu a sentença em crise, sobre a violação dos deveres conjugais;
52 - Às restrições de ordem processual a que o divórcio pudesse ser decretado com fundamento na separação de facto, acresce a falta de requisitos de ordem substantiva.
53 - Da prova produzida deve retirar-se que o recorrido residia alternadamente entre Alfragide e Parede.
54 - O A. não alegou factos essenciais que consubstanciassem o fundamento previsto na al. d) do art. 1781.º CPC,
55 - Os documentos juntos já no decurso da audiência como se de uma manta de retalhos se tratasse não têm base factual de suporte.
56 - À data da propositura da ação, não havia decorrido um ano consecutivo, não se mostrando-se preenchido o fundamento formal para a instauração do divorcio sem o consentimento.
57 - Decidindo como decidiu, a sentença em crise violou o princípio da igualdade das partes no processo (art. 4.º CPC), bem como os art. 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 411.º, 423.º, 547.º, 607.º/5 do CPC e os artigos 364.º, 393.º, 1781.º a) e d) do Código Civil”.
Conclui, no sentido da revogação da sentença, que deve ser substituída por outra que considere improcedente, por não provado, o pedido do Autor.
27 – Os Apelados Habilitados Autores apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes CONCLUSÕES:
“1. ª – Vem a Apelante insurgir-se no presente recurso contra a douta sentença que julgou a acção nos seguintes termos: Pelo exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência, decreto o divórcio entre o A. C ............................ e a R. BB ............................, declarando dissolvido o respectivo casamento.
2. ª – A Apelante pretende com o presente recurso a revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que considere a presente acção improcedente por não provada, defendendo como fundamento dessa sua pretensão a existência de vícios da sentença e também erro de julgamento de facto e de direito, cumprindo, todavia, adiantar desde já que não assiste razão à Apelante pelo que o seu recurso não deverá merecer provimento.
3. ª - Nas suas conclusões 1ª e 2ª a Apelante defende que a “existe contradição ao considerar provado o facto 19”, referindo mais adiante, na sua fundamentação, “não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393.º/1 do Código Civil e artigo 607.º/5, tornando a sentença ilegal e ferida de nulidade”.
4. ª - Na óptica dos ora Apelados, a MMª Juíz a quo considerou, e bem, tal facto como provado, atendendo à certidão da Conservatória dos Registo Centrais de fls. 171 verso (a que se alude na fundamentação da douta sentença recorrida, página 5, 1ª e 2ª linhas), certidão esta da qual decorre precisamente o teor deste ponto, não podendo a MMª Juíz a quo, de resto, face ao teor de tal certidão, deixar de dar como provado tal facto.
5. ª - Já quanto à consideração, também constante na fundamentação da sentença, de que “não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393.º/1 do Código Civil e artigo 607.º/5 do CPC)”, importa analisar o contexto em que a mesma é proferida, para se concluir, com toda a facilidade, que a Apelante não só não tem razão, como está a actuar com má fé, ao retirar a frase do contexto em que a mesma foi proferida.
6. ª – Com efeito, tal consideração destina-se a justificar a razão pela qual a MMª Juíz a quo não deu como provado que o testamento cerrado tinha como beneficiária a Apelante, não obstante as testemunhas indicadas – que também foram testemunhas do referido testamento, terem afirmado expressamente que nesse testamento o falecido C…………… tinha instituído a Apelante como sua herdeira.
7. ª - Em suma, ao contrário do que defenda a Apelante nas suas conclusão 1ª e 2ª, não existe nenhuma contradição na douta sentença recorrida ao considerar provado o facto 19, quando se confronta tal facto provado com a afirmação também constante no texto da douta decisão recorrida de que “não pode[ndo] o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado, não estando a douta sentença recorrida ferida dos vícios de ilegalidade e de nulidade.
Deverá, assim, improceder o recurso neste segmento.
8. ª - Nas conclusões 3ª e 4ª, a Apelante defende que a douta sentença recorrida está “ferida de nulidade”, ao abrigo do disposto no 195º, nº2 do CPC, pois, segundo alega, “o tribunal a quo não poderia ter em consideração, nem dar como provado o facto 6, cujo teor revela uma confissão da R., não efetuada em juízo” “em razão do disposto no art.355.º, n.º3 CC, e 421.º CPC”.
9. ª - Todavia, ao contrário do que defenda a Apelante nas suas conclusão 3ª e 4ª, a douta sentença recorrida considera provado o facto descrito no ponto 6 com base na certidão judicial relativa ao inquérito nº 85/20.3PEAMD junta em 01.07.2022 –limitando-se a transcrever uma passagem do despacho de arquivamento – e não com base numa confissão da Apelante, não estando, por conseguinte, com base nesse argumento da Apelante, a douta sentença recorrida ferida dos vícios de ilegalidade e de nulidade, devendo, assim, improceder o recurso neste segmento.
10. ª - Nas conclusões 5ª a 9ª, 49ª a 51ª e 54ª, a Apelante defende que “o tribunal a quo conheceu de questões que não podia tomar conhecimento e condenou em objecto diverso do pedido (art. 615.º n.º1 d) e e) CPC)”.
11. ª – Sucede que, para além da Apelante se ter limitado a fazer uma singela referência à disposição legal da al. e) do nº1 do artº 615º do CPC, desprovida de qualquer demonstração, tal alusão, constante nas conclusões de recurso da Apelante é absolutamente despropositada, pois a MMª Juiz a quo condenou a Apelante exactamente no pedido formulado pelo Autor.
12. ª - Na óptica da Apelante a MMª Juiz a quo violou ainda a segunda parte da disposição legal constante na al. d) do artº 615º do CPC, ou seja, conheceu de questões de que não podia conhecer todavia, a resposta a esta tese não poderá deixar de ser negativa, improcedendo também nesta parte a Apelação da recorrente, pois o pai dos Apelados alegou, quer na petição, quer no articulado superveniente, os factos essenciais e, por sua vez, a MMª Juíz a quo não se afastou um milímetro sequer das questões de facto e de direito levantadas pelo A. [pai dos aqui Apelados].
13. ª - Nas conclusões 10ª a 19ª, a Apelante defende que “o articulado superveniente apresentado pelo A., aqui Recorrido, não é admissível, por não conter factos que possam ser considerados como supervenientes, constituindo uma alteração ilegal da causa de pedir”.
14. ª – Porém, ao contrário do que defende a Apelante, é forçoso concluir, desde logo, que o douto despacho que admitiu o articulado superveniente não padece de nenhum vício, mormente o vício de nulidade e, por outro lado, tal despacho também não enferma de qualquer erro, seja de facto, seja de direito, para além de que tal decisão transitou em julgado, o que impede, s.m.o. que o mesmo seja novamente apreciado, devendo, por conseguinte, improceder o recurso da Apelante também nesta parte.
15. ª - Nas conclusões 20ª a 44ª e 55ª, da sua alegação de recurso, sintetizadas nas conclusões 43ª e 44ª, a Apelante defende que “a admissão da junção de documentação sucessiva pelos AA, após a produção da sua prova em audiência, bem como a solicitação pelo tribunal a quo do testamento revogado, põe em causa o princípio da igualdade das partes, da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento” e que “tais despachos, põe em causa o princípio da igualdade das partes no processo (art. 4.º CPC), violando ainda os art. 5.º 6.º,7.º, 8.º, 411.º, 423.º CPC”.
16. ª - Contudo, parece aos ora Apelados, que dúvidas não existem que deve improceder o recurso da Apelante também nesta parte, pois as questões suscitadas nas conclusões 20ª à 44ª foram já decididas, e bem, por esse Tribunal da Relação de Lisboa, com força obrigatória dentro do processo, nos termos do disposto no artº 620º, nº1 do CPC, impedindo que, quer a MMª Juíz a quo, quer o Tribunal ad quem, possam
apreciar novamente tais questões, atendendo ao limite do caso julgado formal, que neste aspecto reveste carácter absoluto.
17. ª - Na sua conclusão 45ª a Apelante insurge-se contra os factos provados sob os pontos 5, 6, 8, 9, 10, 16, 19 e 21 e nas conclusões 47ª, 48ª e 53ª a Apelante defende terem sido provados determinados factos que não constam na douta sentença como provados.
18. ª – Os Apelados entendem, desde logo, que a Apelante não deu – minimamente - cumprimento ao referido ónus de fundamentação da sua discordância nos termos do citado art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, na modesta opinião dos Apelados, o Douto Tribunal ad quem não deverá apreciar o respectivo mérito da questão.
19. ª - A Apelante assenta a razão da sua discordância nos depoimentos das suas testemunhas M ……………………. e P ……………………… relativamente às quais a Mª Juíz a quo explica porque razão não “atribuiu relevância aos seus depoimentos”.
20. ª – Quanto aos factos dados como provados nos pontos 19 e 21, os mesmos têm como suporte probatório os documentos juntos ao autos e que a MMª Juíz a quo expressamente refere na douta sentença.
21. ª – Quanto aos factos constantes nos pontos 8, 9, 10 e 16 como se pode constatar dos depoimentos das testemunhas A ............................(aos costumes disse que conhece o autor sendo este seu parente por afinidade, que conhece os habilitados, e que conhece a ré), M ............................(aos costumes disse que era amiga de longa data do autor, que conhece os habilitados, e que conhece a ré), O.......................................(aos costumes disse que viveu em união de facto com o autor desde o dia 22/03/2020 até à data da morte deste, e que não conhece a R.) e V………….. (aos costumes disse que foi amigo do autor e que conhece a ré há mais de 50 anos por terem sidos colegas de profissão), dúvidas não poderão restar que bem andou a MMª Juíz a quo ao considerar provados os alegados factos constantes nos pontos 8, 9, 10 e 16, não assistindo à Apelante razão, pelo que deverá improceder o recurso da Apelante também neste segmento.
22. ª - Nas suas conclusões 46ª, 49ª e 50ª (sobre as quais os Apelados já se pronunciaram a propósito da questão do alegado vício previsto na al. e) do artº 615º do CPC) a Apelante defende ainda que o facto do A. ter intentado a presente acção de divórcio apenas um mês após a Apelante ter saído definitivamente de casa, e de ter ocorrido a separação de facto por mais de um ano já na pendência da acção são factos impeditivos da procedência do pedido.
23. ª - Como bem explica a Mª Juíz a quo, a Apelante não tem razão acerca de tal questão, sendo pacífico hoje nos tribunais superiores o entendimento oposto”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso.
28 – O recurso foi admitido por despacho datado de 19/10/2023, como apelação, a subir nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
Previamente, consignou-se inexistirem quaisquer das nulidades de sentença enunciadas pela Recorrente, referenciando-se expressamente que:
Não se verifica nenhuma das nulidades da sentença apontadas pela recorrente nos termos das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC porquanto:
- não há qualquer contradição entre os fundamentos da mesma e o seu dispositivo, sendo este a decorrência lógica e jurídica daqueles;
- a sentença não comporta qualquer ambiguidade ou obscuridade, sendo perfeitamente claro e inteligível o sentido da decisão proferida, e assim a A. a entendeu pois dela recorreu por lhe ser desfavorável;
 - não há excesso de pronúncia porque a violação dos deveres conjugais espelha a ruptura definitiva do casamento, sendo este um dos fundamentos invocados para requerer o divórcio;
- as decisões de admissão do articulado superveniente e dos documentos transitaram em julgado, bem como as que julgaram improcedentes as nulidades arguidas nos autos, tendo sido negado provimento ao único recurso interposto pela R. relativamente a um desses documentos como decorre do apenso B”.
29 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
**
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. Das NULIDADES da SENTENÇA
1.1 Da contradição e obscuridade da decisão – artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil ;
1.2 Da pronúncia sobre questões que não poderia conhecer - artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil ;
1.3 Da condenação em objecto diverso do pedido - artº. 615º, nº. 1, alín. e), do Cód. de Processo Civil ;
2. Das NULIDADES ARGUIDAS no ÂMBITO do PROCESSO
2.1 Inadmissibilidade legal do articulado superveniente e, consequentemente, do despacho que o admitiu ;
3. Das NULIDADES e VÍCIOS da AUDIÊNCIA
3.1 Da sucessiva junção aos autos de documentação no decurso da audiência ;
3.1.1 Da junção do documento denominado “revogação de testamento” e da arguição de nulidade por requerimento de 13/10/2020 ;
3.1.2 Da junção do documento designado “notificação judicial avulsa”, admitido por despacho de 06/02/2023 ;
3.2 Da violação dos princípios da igualdade das partes, da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento ;
Da violação dos princípios da igualdade das partes e do dispositivo, na vertente da instrução probatória, decorrentes do Tribunal se ter substituído aos Autores Habilitados na solicitação do testamento revogado ;
4. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
4.1 Dos factos provados 5 e 6 e a pretensão que passem a figurar como não provados ;
4.2 Dos factos provados 8, 9, 10, 16, 19 e 21 e a pretensão que passem a figurar como não provados ;
5. DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
Nesta, ponderar-se-á, em obediência ao objecto recursório, acerca do seguinte:
5.1 Do não decurso do prazo de 1 ano conducente à separação de facto e da impossibilidade de verificação do fundamento do divórcio separação de facto, por um ano consecutivo, no momento do julgamento da causa, e não na data da interposição da acção (sua relevância e consideração) ;
5.2 Da inexistência de factualidade alegada reveladora da ruptura da vida em comum, preenchedora da causa de divórcio inscrita na alín. d), do artº. 1781º, do Cód. Civil.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (ressalva-se a rectificação dos lapsos de redacção e assinalam-se com * os factos objecto de impugnação):
1. C ............................ e BB ............................ contraíram casamento civil um com o outro em 26 de Junho de 2010, sob o regime imperativo da separação de bens.
2. Não há filhos do casamento.
3. Em 07.02.2020 a R. apresentou queixa-crime contra o A. pela prática de um crime de violência doméstica, o que deu lugar ao inquérito nº 85/20.3PEAMD, tendo nessa data sido efectuada uma busca domiciliária à casa de morada de família e tendo sido apreendida uma arma de fogo do A.
4. Nesse dia a R. saiu da casa onde vivia com o A., sita na Estrada de ……………...
5. No dia 14.02.2020 a R. regressou à casa de morada de família, acompanhada de agentes da PSP, tendo nesta data levado os seus pertences, nomeadamente roupas, calçado e bens pessoais, bem como roupa de cama e de casa, louças, livros, bibelots e objectos da família dela. *
6. Tal inquérito foi arquivado por despacho de 29.10.2020 por não haver indícios suficientes do A. ter cometido aquela factualidade, escrevendo-se em tal despacho que a R. declarou na qualidade de testemunha que o A. demonstrava agressividade verbal e comportamentos possessivos e manipuladores, que era vítima de violência psicológica e económica e que tem muito medo pela sua integridade física, acreditando que o A. pode atentar contra a sua vida. *
7. A R. constituiu-se assistente nesse processo e requereu a abertura de instrução em 31.03.2021 com vista a que fosse proferido despacho de pronúncia e o A. fosse submetido a julgamento, tendo sido proferido despacho de não pronúncia em 18.05.2021 por a instrução ser legalmente inadmissível, decisão essa transitada em julgado.
8. Desde 07.02.2020 que A. e R. não vivem na mesma casa, não dormem juntos, não passeiam juntos, não recebem amigos nem familiares juntos, não tomam refeições juntos e não vivem em economia comum. *
9. Quer o A. quer a R. não têm o propósito de restabelecer a vida em comum. *
10. Em Março de 2020 o A. estabeleceu uma nova relação afectiva com O………….., passando a viver com esta como marido e mulher, situação que se verificou até ao falecimento do A. em Maio de 2021. *
11. A R. foi citada pessoalmente para a presente acção no dia 12.05.2020 numa morada de Mem-Martins.
12. Em 20.05.2020 a R. requereu apoio judiciário junto do ISS fazendo constar do respectivo formulário que reside na Parede, concelho de Cascais, não indicando o A. como fazendo parte do seu agregado familiar nem fazendo qualquer referência a este, e ressalvando que o estado civil é casada mas que se encontra separada de facto.
13. Antes do seu casamento o A. e a R. viveram juntos como marido e mulher durante cerca de 18 anos.
14. A R. era uma esposa extremosa, atenciosa e preocupada com a saúde do A.
15. A R. sentia-se emocionalmente fragilizada nos últimos anos de casamento, achando que estes foram tormentosos para si porque o A. se isolava muito, não a acompanhava em festas familiares, não lhe falava durante 10/15 dias, gritava com ela e fazia ameaças veladas de que ia usar contra ela a arma de fogo que possuía, tendo medo de que isso acontecesse.
16. Em Junho/Julho de 2020 a R. percebeu que não havia hipótese de reconciliação com o A. e deu o casamento por terminado. *
17. Em Agosto de 2020 a R. descobriu que o A. tinha uma relação extraconjugal.
18. Na declaração de IRS que entregou em 13.05.2021, relativa ao ano de 2020, o A. colocou o estado civil de casado ao invés de separado de facto.
19. Em 26.06.2006 o A. outorgou um testamento cerrado, depositado no antigo 26º Cartório Notarial de Lisboa, tendo sido este o único testamento outorgado pelo A. *
20. No dia 15.05.2020, mediante escritura de revogação de testamento e perante as testemunhas A ............................e M ……………….., o A. declarou revogar todo e qualquer testamento anteriormente feito.
21. Em Janeiro de 2021 a R. requereu a notificação judicial avulsa do A., com o nº 85/21.6T8AMD, a fim de lhe comunicar a revogação de toda e qualquer procuração que lhe haja sido conferida pela R., alegando esta que “encontrando-se requerente e requerido em processo de divórcio, a requerente tem justo receio que esses instrumentos de mandato sejam usados contra a sua vontade, o que lhe causará sério prejuízo … é imperioso revogar toda e qualquer procuração que possa estar na posse do requerido e que lhe tenha sido conferida pela requerente”. *
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Na mesma sentença, foram considerados NÃO PROVADOS os seguintes factos (consta a rectificação de alguns lapsos de redacção ; passa-se a identificá-los com letras, atenta a ausência de identificação na sentença apelada):
a) A R. regressou a casa após uma discussão do casal em virtude do R. possuir uma arma de fogo ;
b) A R. não se separou do A., deixando ficar os seus pertences e objectos pessoais na casa em que ambos viviam, tais como roupas, documentos, joias, bens de família e medicamentos ;
c) Na companhia das forças de segurança a R. apenas trouxe algumas roupas e artigos de higiene pessoal ;
d) A. e R. reataram a vida em comum em Abril de 2020, o que durou pelo menos até Julho de 2020 ;
e) O A. manteve sempre a esperança de reatar a relação conjugal com a R. ;
f) A. e R. sempre viveram em economia comum, vivendo mensalmente do ordenado da R. e posteriormente da sua reforma ;
g) O A. movimentava livremente a conta bancária da R., fazendo uso de cartão de débito próprio, e esgotando totalmente o saldo em cada mês em proveito comum do casal ;
h) Antes do casamento, o A. apoderou-se de todos os valores que a R. lhe foi entregando para que depositasse em contas a prazo, provenientes da venda do património próprio da R., como € 55.000,00 da totalidade do valor da venda de um imóvel em Queluz que tinha adquirido antes de viverem juntos e € 18.000,00 em 2008 do produto da partilha de bens de uma herança ;
i) A. e R. compraram um imóvel no Algarve em 2003 que o A. colocou astuciosamente apenas no seu nome.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Das NULIDADES de SENTENÇA
Da contradição e obscuridade da decisão – artº. 615º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil
Da pronúncia sobre questões que não poderia conhecer - artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil
Da condenação em objecto diverso do pedido - artº. 615º, nº. 1, alín. e), do Cód. de Processo Civil
Alega a Recorrente que a sentença sob sindicância padece de contradição e obscuridade da decisão, e pronuncia-se sobre questões que não poderia conhecer - art. 615.º n.º 1, als. c) e d) CPC.
Assim, existe contradição “ao considerar provado o facto 19, referindo mais adiante, na sua fundamentação «Não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393.º/1 do Código Civil e artigo 607.º/5»”, o que inquina a sentença de ilegalidade e nulidade.
Acrescenta que, por outro lado, “o tribunal a quo não poderia ter em consideração, nem dar como provado o facto 6, cujo teor revela uma confissão da R., não efetuada em juízo, tendo tal depoimento sido foi produzido em Inquérito, ao abrigo de segredo de justiça, não podendo ser valorado no presente processo, em razão do disposto no art.355.º, n.º3 CC, e 421.º CPC”.
Aduz que a “declaração/confissão da R. é inadmissível, por se tratar de direitos indisponíveis no âmbito do processo de divorcio litigioso, e porque não foi prestada presencialmente em juízo, violando o disposto nos art. 355.º n.º2 e art. 354.º b) do CC, e ferindo de nulidade a decisão em crise, ao abrigo do disposto no art. 195.º n.º2 CPC”.
Noutra vertente, considera, ainda, ter o Tribunal a quo conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento e condenado em objecto diverso do pedido – cf., artº. 615º, nº. 1, alíneas d) e e), do Cód. de Processo Civil.
Assim, entende ter o Autor invocado como fundamento para a o divórcio a separação de facto e a ruptura definitiva da vida em comum.
Todavia, “na data da instauração da ação, não havia decorrido um mês de separação do casal, não se encontrando cumprido o requisito previsto no art 1781.º a) CC” e, relativamente à ruptura definitiva, “alegou, abstratamente, que a R. apresentou queixa-crime pela pratica do crime de violência doméstica (art. 3.º PI)”, tendo vindo o tribunal a quo a pronunciar-se “sobre a violação dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação e cooperação, o que não foi invocado pelo A.”.
Pelo que, entende ter ido o tribunal a quolonge demais ao pronunciar-se sobre a violação reiterada e grave dos deveres conjugais, ferindo mais uma vez a sentença de nulidade”.
Na resposta contra-alegacional apresentada, referenciam os Apelados que, no que concerne à alegada contradição ao considerar-se como provado o facto 19, tal facto foi correctamente considerado como provado “atendendo à certidão da Conservatória dos Registo Centrais de fls. 171 verso (a que se alude na fundamentação da douta sentença recorrida, página 5, 1ª e 2ª linhas), certidão esta da qual decorre precisamente o teor deste ponto, não podendo a MMª Juíz a quo, de resto, face ao teor de tal certidão, deixar de dar como provado tal facto”.
Acrescentam que relativamente à consideração consignada na fundamentação da sentença “de que «não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393.º/1 do Código Civil e artigo 607.º/5 do CPC)», importa analisar o contexto em que a mesma é proferida, para se concluir, com toda a facilidade, que a Apelante não só não tem razão, como está a actuar com má fé, ao retirar a frase do contexto em que a mesma foi proferida”.
Assim, referenciam que aquela fundamentação/justificação teve como fundamento explicitar “a razão pela qual a MMª Juíz a quo não deu como provado que o testamento cerrado tinha como beneficiária a Apelante, não obstante as testemunhas indicadas – que também foram testemunhas do referido testamento, terem afirmado expressamente que nesse testamento o falecido C………………… tinha instituído a Apelante como sua herdeira”.
Pelo que, contrariamente ao defendido pela Apelante, inexiste qualquer contradição na sentença recorrida na consideração como provado daquele facto 19, “quando se confronta tal facto provado com a afirmação também constante no texto da douta decisão recorrida de que «não pode[ndo] o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado», não estando a douta sentença recorrida ferida dos vícios de ilegalidade e de nulidade”.
Relativamente ao invocado pela Apelante de que a sentença recorrida incorre em nulidade, nos termos do nº. 2, do artº. 195º, do CPC, pois, segundo alega, “o tribunal a quo não poderia ter em consideração, nem dar como provado o facto 6, cujo teor revela uma confissão da R., não efetuada em juízo”, atento o disposto no art.355.º, n.º3 CC, e 421.º CPC, defendem que tal facto é de considerar provado “com base na certidão judicial relativa ao inquérito nº 85/20.3PEAMD junta em 01.07.2022 – limitando-se a transcrever uma passagem do despacho de arquivamento – e não com base numa confissão da Apelante, não estando, por conseguinte, com base nesse argumento da Apelante, a douta sentença recorrida ferida dos vícios de ilegalidade e de nulidade, devendo, assim, improceder o recurso neste segmento”.
Por fim, no que concerne ao demais alegado de que o tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento e condenou em objecto diverso do pedido, entendem que relativamente a esta última causa de nulidade, é efectuada “uma singela referência à disposição legal da al. e) do nº1 do artº 615º do CPC, desprovida de qualquer demonstração”, sendo tal alusão completamente despropositada, “pois a MMª Juiz a quo condenou a Apelante exactamente no pedido formulado pelo Autor”.
E, no que concerne à alegada violação da 2ª parte da alínea d), do mesmo nº. 1, do artº. 615º, ou seja, que o Tribunal teria conhecido de questões de que não poderia conhecer, não tem igualmente qualquer pertinência, “pois o pai dos Apelados alegou, quer na petição, quer no articulado superveniente, os factos essenciais e, por sua vez, a MMª Juíz a quo não se afastou um milímetro sequer das questões de facto e de direito levantadas pelo A. [pai dos aqui Apelados]”.
Apreciando:
Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas c), d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (sublinhado nosso).
Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Estipulando acerca dos limites da condenação, referencia o nº. 1, do artº. 609º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
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Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [6].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.
Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma tenha incorrido no aludido excesso de pronúncia.
Com efeito, não vislumbramos que a decisão sob apelo tenho violado o nuclear princípio do dispositivo, ou seja, que esta tenha conhecido de qualquer causa de pedir não invocada pela parte competente, in casu, o Autor, ou de excepções não invocadas, para além das que permitem o oficioso conhecimento.
Conhecimento em excesso, aliás, que não é sequer invocado pela Recorrente.
Com efeito, o que a mesma alega é que determinado facto – nº. 6 – não poderia ser julgado como provado, o que constitui matéria com potencial relevância em sede de impugnação da matéria factual, e não traduzindo qualquer violação de regras procedimentais, capaz de macularem a decisão com o imputado vício.
Efectivamente, considera se tal factualidade traduz ou não confissão da Ré, se tal facto poderia ser considerado provado com base na aludida confissão e se esta era ou não legalmente admissível, é matéria enquadrável em diferenciada sede, que não a de apreciação dos vícios de sentença.
Por outro lado, não se vislumbra, ainda, que na sentença tenham sido conhecidas questões que não poderiam ser conhecidas, atentos os fundamentos de divórcio aduzidos em sede de petição inicial e, posteriormente, em sede do articulado superveniente.
Com efeito, a factualidade aduzida nos dois articulados, alegadamente fundante das causas ou fundamentos de divórcio inscritos nas alíneas a) e d), do artº. 1781º, do Cód. Civil, foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo na triagem factual efectuada, permitindo o consequente enquadramento jurídico, sem que se logre concluir pelo extravasar das questões que legalmente poderiam ser apreciadas. E, saber se foram ou não devidamente apreciadas, é questão atinente ao mérito da acção, e não ao campo da mácula processual em que nos movemos.
O que determina, necessariamente, e sem outras delongas, improcedência das invocadas nulidades da sentença, com legal inscrição na 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil e, consequentemente, juízo de improcedência, nesta parte, da apelação em apreciação.
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No que concerne à causa de nulidade equacionada pela transcrita alínea c), refere Ferreira de Almeida [8] tratar-se na presente causa de nulidade de “uma «construção viciosa», ou seja, de um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão ; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional”.
Por outro lado, acrescenta, a sentença padece de ambiguidade “quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão”, sendo que este fundamento de nulidade da 2ª parte da alínea c) apenas ocorre “se tais vícios tornarem a «decisão ininteligível» ou incompreensível”.
Na presente causa de nulidade da sentença não está em equação “um problema de viciação da pronúncia de facto”, mas antes “uma contradição entre o segmento decisório final e a fundamentação – podendo esta ser, incluindo a decisão de facto, intrinsecamente coerente.
A fonte do vício (obscuridade ou ambiguidade) situa-se na fundamentação, na sua ambiguidade ou na sua obscuridade, vindo depois a contaminar a decisão, tornando-a ininteligível. A fundamentação assume aqui o papel de elemento de interpretação extrínseco (hoc sensu), auxiliando o destinatário na interpretação da decisão, dela se extraindo que não é seguro que a decisão tenha o sentido unívoco que aparentava ter, sendo, sim, ininteligível”.
Pelo que “o elemento viciador em causa tanto pode situar-se nos fundamentos, como no segmento decisório da sentença”, sendo que o “vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão” [9].
Analisada a decisão apelada, e de forma liminar, não se constata, minimamente, que a mesma seja contraditória entre os fundamentos e a decisão, ou seja, que exista uma construção viciosa ou um vício lógico de raciocínio, capaz de a inquinar.
Efectivamente, ponderada a fundamentação apresentada, não é legítimo concluir que a mesma contradiga ou esteja em distonia com a decisão proferida, isto é, que da mera e imediata análise da fundamentação aduzida fosse expectável ou legítimo concluir por diferenciada decisão. Inexiste, efectivamente, qualquer erro lógico-discursivo, no sentido de que a decisão proferida não encontre qualquer lastro ou conforto no juízo seguido na fundamentação exarada, ou seja, que a decisão, no iter de interpretação da fundamentação exarada, e mediante uma análise de lógica dedução, tivesse surgido de forma surpreendente ou inesperada.
Por outro lado, também não se pode afirmar que a decisão recorrida seja ambígua, de forma a torná-la ininteligível ou incompreensível.
Efectivamente, não é possível afirmar, de forma pertinente, que da fundamentação da mesma resulte, ainda que parcialmente, diferenciadas interpretações, com multiplicidade de sentidos, susceptível de a inquinar nos termos descritos. Ou seja, que da interpretação feita constar seja possível extrair uma multiplicidade de sentidos, afastando-a de um sentido unívoco, susceptível de afectar a decisão ao ponto de a inquinar de ininteligibilidade ou incompreensibilidade.
Ademais, conforme consignámos, no presente vício, tradutor da causa de nulidade em apreciação, não se pondera nem se equaciona qualquer problemática de viciação de pronúncia de facto.
Donde, a invocada contradição entre o facto provado 19 e o teor da fundamentação subsequente, nos termos expostos pela Recorrente, nunca teria na presente sede o local pertinente de apreciação, mas antes no campo da impugnação factual (conforme melhor veremos infra).
Donde, conclui-se no sentido de total improcedência de configuração do presente vício de contradição ou obscuridade na decisão, igualmente soçobrando, neste segmento, as conclusões recursórias.
*****         
Na pronúncia ultra petitum enunciada na transcrita alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, ocorre violação do “princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância”, ao não serem observados “os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido” [10].
Não pode, deste modo, o juiz, “ultrapassar na sentença os limites do pedido (ou dos pedidos deduzidos), em violação do princípio dispositivo. É que lhe impõe o nº. 1 do artº. 609º ; a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido, ex-vi da al. e) do nº. 1 do artº 615º”.
Assim, não pode o juiz, “sob pena de nulidade, condenar ultra-petitum, ou seja, em quantidade superior ou em objecto (qualidade) diversos dos constantes do pedido”, sendo exemplo de condenação em objecto diverso o caso do “autor pedir a restituição da coisa comodatada e a sentença condenar o réu a entregar-lhe uma outra coisa em substituição daquela ou a prestar um outro facto que não o da entrega da coisa”. Bem como o exemplo de que “tendo o autor pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade por ter adquirido, por compra, certo prédio, não pode o juiz, na sentença, reconhecer esse direito com fundamento em que o ter adquirido por sucessão, ainda que os factos em que se baseie tenham sido alegados, a outro título, no processo” [11].
Ora, este “balizamento cognitivo (…) é operado pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir) tal como definido (a título principal) pelo autor na petição inicial”.
O mesmo autor, sustentado no entendimento de Miguel Mesquita [12], advoga, no que á presente causa de nulidade concerne, o que apelida de “flexibilização do princípio do pedido”, tendo por base a necessidade de ponderação “do princípio da efectividade (eficiência/eficácia)”, bem como tendo “sempre presente o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da justa medida e da proibição do excesso”.
Tal adopção determina que “seja de reconhecer ao juiz a faculdade de «sugerir (ex-officio) uma modificação do pedido» e em que, por tal, «o princípio do pedido deva ser suavizado ou mitigado» quando o autor requeira unicamente certa providência que os factos alegados e provados demonstrem revestir-se de um carácter demasiado drástico ou oneroso”.
Ora, um dos campos de intervenção do julgador situa-se ao nível dos “poderes/deveres do juiz com vista ao aperfeiçoamento dos articulados (artº 591º, nº. 1, al. c)) ou mesmo os seus poderes instrutórios dimanados do princípio do inquisitório (artº 411º)”.
Todavia, conclui-se, “«qualquer desvio, na sentença, relativamente ao pedido exigirá sempre o prévio respeito pelos princípios da cooperação, do contraditório e do dispositivo e da igualdade das partes»”, devendo sempre o tribunal “«trabalhar com base nos factos alegados, não abrindo a porta a novos factos sob pena de violação do princípio do dispositivo»” [13] [14].
Deste modo, “o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes ; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”.
Pelo que “não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa ; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto ; se o pedido respeita á entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu ; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)” [15].
Ora, no que respeita ao enquadramento no vício inscrito na alínea e), ora em apreciação, resulta evidente e apodítico inexistir qualquer condenação (que nem sequer se equaciona) que extravase o quantum do pedido deduzido, ou que tenha incidido sobre objecto diferenciado do contido no mesmo pedido.
Pelo que, não se pode aludir, com razão, que a decisão apelada tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido.
Com efeito, o Autor, no pedido acional deduzido, pugna pela dissolução do seu casamento, por divórcio, o que funda quer em separação de facto, quer em aludida ruptura definitiva do casamento.
E, foi relativamente a tal pedido que o Tribunal a quo se pronunciou, pelo que, saber se o fez ou não com acerto, nada tem a ver com a imputada mácula processual em apreciação, sendo certo que, sempre se dirá, que na apreciação do preenchimento do conceito da aludida ruptura definitiva do casamento surge como normal e necessária a apreciação da eventual violação de deveres conjugais.
O que determina, sem ulteriores delongas, concluir-se no sentido da decisão recorrida não estar igualmente maculada por esta causa de nulidade, com legal inscrição na alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, assim improcedendo a sua invocação e, consequentemente, reconhecimento da inviabilidade das conclusões recursórias apresentadas.
II) Das NULIDADES ARGUIDAS no ÂMBITO do PROCESSO
Referencia a Recorrente que o articulado superveniente apresentado pelo Autor não é legalmente admissível, em virtude de não conter factos que possam ser considerados como supervenientes, o que se traduz numa alteração ilegal da causa de pedir. Assim, os factos alegados não ocorreram posteriormente, nem a parte apenas teve conhecimento dos mesmos após a instauração da acção.
Acrescenta que o Autor, ao intentar a presente acção, “não fundamentou o seu pedido de divorcio na separação de facto por um ano consecutivo, ao abrigo do art. 1781.º, al. a), do CC.”, pelo que, ao “atender-se ao prazo decorrido após a instauração da ação, estaria a ser ampliada a causa de pedir, sem acordo da outra parte, o que além de ser vedado pelos artigos 264° e 265° do CPC ofenderia as garantias do contraditório (n° 3 do art. 3.º do CPC)”.
Assim, entende que o “decurso de um ano consecutivo de separação de facto é, com efeito, um facto constitutivo do direito potestativo (extintivo) de um dos cônjuges requerer o divórcio sem o consentimento do outro, devendo, por isso, verificar-se esse requisito à data da propositura da ação”, ou seja, tal prazo deve “já ter decorrido à data da propositura da ação de divórcio (que coincidirá com a receção da correspondente petição inicial na secretaria do tribunal, nos termos do art. 259.º, n.º 1, do CPC), porquanto os pressupostos do divórcio devem estar preenchidos nesta data”. O que determina total irrelevância do “período de separação ocorrido após a instauração da ação, nem podendo ser contabilizado o período na pendência do processo até porque o A., aqui Recorrido, veio a falecer”.
Assim, entende que, in casu, mesmo a contabilizar-se “o período de separação desde a tentativa de conciliação (22/6/20) até á data do óbito (21/5/2021), hipótese que apenas se coloca, sem conceder, uma vez que A. e R. reataram a relação conjugal neste período, não se mostra decorrido um ano consecutivo de separação”.
Donde, conclui, mostra-se “ferido de nulidade o douto despacho que o admitiu, ao abrigo do disposto no art.195.º CPC, que aqui se argui para os devidos efeitos legais”.
Na resposta apresentada, referenciam os Apelados que o despacho que admitiu tal articulado superveniente não padece de qualquer vício, nomeadamente de nulidade, nem enferma de qualquer erro.
Para além de que, aduzem, tal decisão transitou em julgado, o que impede nova apreciação, na presente sede, pelo que deve improceder, neste segmento, o recurso da Apelante.
Conhecendo:
Decorre dos pontos 3, 8, 9 e 10 do relatório supra o seguinte:
- o Autor apresentou articulado superveniente em 05/06/2021 ;
- tal articulado foi admitido por despacho de 28/04/2022, tendo-se determinado a notificação da Ré para, querendo, apresentar resposta, no prazo de 10 dias ;
- tal resposta foi apresentada em 16/05/2022, pugnando a Ré pela sua inadmissibilidade e concluindo no sentido do seu indeferimento e, não pondo constituir tema de prova, que fosse declarado nulo o despacho que o admitiu ;
- por despacho datado de 22/06/2022, foi julgada improcedente a arguição de tal nulidade.
Resulta, assim, do exposto, ter formado caso julgado formal o despacho que admitiu tal articulado superveniente, pois a Ré não interpôs recurso autónomo contra o mesmo, nos termos do artº. 644º, nº. 2, alín. d), do Cód. de Processo Civil, pelo que tal decisão possui força obrigatória no âmbito dos presentes autos, conforme decorre do nº. 1, do artº. 620º, do mesmo diploma.
Por outro lado, tal como se referencia nessa decisão intercalar transitada, a discordância da admissibilidade de tal articulado, nomeadamente no que concerne ao preenchimento dos pressupostos da sua admissibilidade, seria susceptível de ser afrontada mediante a interposição do competente recurso, e não através da invocação da prática de qualquer nulidade, por alegado desvio de cumprimento do formalismo processual, pois aquele despacho liminar de (não) admissão sempre teria que ser prolatado, conforme legal prescrição prevista no nº. 4, do artº. 588º, do Cód. de Processo Civil, o que desde logo afastaria o reconhecimento de tal vício processual.
Por fim, aferir acerca do modo de apuramento da decorrência do prazo de um ano, contido na alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil, para o preenchimento do fundamento de divórcio separação de facto, ou seja, aferir se tal contagem é necessariamente efectuada por referência à data da propositura da acção, ou se é igualmente admissível o cômputo do prazo que decorra na pendência da acção até à prolação da sentença, é matéria concernente ao mérito da causa, em nada implicando com a admissibilidade ou inadmissibilidade daquele articulado supervenientemente apresentado.
Por todo o exposto, improcedem, neste segmento, as conclusões recursórias apresentadas.
III) Das NULIDADES e VÍCIOS da AUDIÊNCIA
Alega, ainda, a Apelante que em data muito próxima para a continuação da audiência de discussão e julgamento (03/10/2022), os Autores Habilitados vieram requerer a junção de documentos, sendo um deles designado “«Revogação de Testamento» (Ref.: 43362457) com vista à «comprovação dos factos relatados pelas testemunhas na audiência de julgamento», o que mereceu desde logo a oposição da R. dada a extemporaneidade e impertinencia do mesmo (Req. 3/10/2020, ref.ª 43435628)”.
Teno o Tribunal a quo admitido tal junção, acrescenta ter vindo “arguir a nulidade do despacho de admissão de tal documento, em virtude do incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, poder influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n. 1, 197.º e 199.º, todos do CPC. (Requerimento apresentado em 13/10/2020, com a ref.: 43556337)”.
Acrescenta que em virtude dos Requerentes Habilitados “não disporem do testamento em si, o Tribunal substituiu-se à parte, tentando localizar tal documento, fazendo inúmeras diligencias que se vieram a revelar inúteis”, chegando, inclusive, a “pedir esclarecimentos à Sr.ª Notária pelo desaparecimento do testamento revogado pelo A. (oficio de 7/12/2020, com a ref. 141315307, enviado ao Cartório Notarial de Lisboa, e dirigido à Sr.ª Notaria AV)”.
Aduz que os requerentes não indicaram os factos que pretendiam provar com tal junção, revelando-se aquele documento sem qualquer força probatória, completamente impertinente e desnecessário, pelo que acabou por arguir “a nulidade do despacho de admissão de tal documento, em virtude do incumprimento pelo juiz, da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, poder influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n. 1, 197.º e 199.º, todos do CPC. (Requerimento apresentado em 13/10/2020, com a ref.: 43556337)”.
Por outro lado, na última data designada para a continuação da audiência de julgamento, com a produção das alegações finais (06/02/2023), vieram, ainda, os Autores Habilitados “juntar mais um documento, desta vez uma notificação judicial avulsa realizada pela R. em 2021, o que foi desde logo admitido por despacho (Referência: 142433619, de 6/2/2023)”.
Considera que este despacho “violou o disposto no art. 423.º n.º2 CPC, indo contra a intenção do legislador, que visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias".
Pelo que, entende que a “junção de documentos, após a produção da prova em audiência pelos AA., desrespeita o dever de cooperação processual (art.7.ºCPC), promovendo o atraso e delonga do processo”, sendo que este procedimento sancionado pelo Tribunal a quoconstitui uma interrupção constante do trato sucessivo da audiência de discussão e julgamento, violando o princípio da continuidade da audiência de julgamento”.
Aditam, igualmente, que também nesta situação os ora Recorridos não alegaram quais os factos que pretendiam provar com tal documento, que se revela sem qualquer força probatória, para além de impertinente e desnecessário.
Assim, entende que tal admissão coloca em causa “o princípio de igualdade das partes em juízo (art.4.º CPC)”, pois o Tribunal a quoconfundiu os poderes-deveres decorrentes para o juiz do cumprimento do princípio do inquisitório, substituindo-se aos AA, sobre quem impendia o ónus da prova, violando o princípio dispositivo e o princípio da igualdade das partes (art.4.ºCPC)”.
Efectivamente, “o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada com o ónus da prova de determinado facto, carreando aos autos após o encerramento da discussão da causa, prova documental que aquela não juntou, porque a tal se opõe o princípio dispositivo na vertente da instrução probatória”.
Donde, conclui, aquela “admissão sucessiva dos documentos juntos pelos AA, após a produção da sua prova em audiência, bem como a solicitação pelo tribunal a quo do testamento revogado, põe em causa o princípio da igualdade das partes, da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento”, colocando, ainda, em crise os princípios “da cooperação, da celeridade processual e da continuidade da audiência de julgamento”.
Na resposta apresentada, defendem os Apelados que o recurso, nesta parte, deve igualmente improceder, pois tais questões já foram decididas, e bem, por Acórdão da Relação de Lisboa, que tem força obrigatória dentro do processo, de acordo com o disposto no nº. 1, do artº. 620º, do CPC, o que impede nova apreciação, por legal imposição do caso julgado formal.
Apreciando:
Relativamente à junção do documento designado “notificação judicial avulsa”, admitido por despacho de 06/02/2023, resulta dos pontos 22 a 24 do relatório supra o seguinte:
- A junção aos autos de tal documento foi requerida em 05/02/2023, na pendência da audiência de julgamento, traduzindo-se o mesmo em cópia de uma notificação judicial avulsa requerida pela Ré contra o Autor, em Janeiro de 2021, notificando este de que revoga toda e qualquer procuração que lhe possa ter conferido ;
- Na audiência de julgamento (continuação) realizada no dia seguinte – 06/02/2023 -, tendo sido dada a palavra à Ré, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, pronunciou-se no sentido de ser indeferida tal junção ;
- Subsequentemente, foi proferido despacho que admitiu aos autos tal documento ;
- Deste despacho, veio a Ré, ora Apelante, interpor recurso, o qual, após ter sido admitido, veio a ser julgado improcedente por Acórdão desta Relação de 15/06/2023 (devidamente transitado em julgado, que constitui o Apenso B destes autos), confirmando-se o despacho de admissibilidade ;
- Sumariou-se neste Acórdão, de acordo com o ali exarado, que ”mostrando-se o documento cuja junção é pedida relevante para a demonstração da ruptura do casamento, tendo sido obtido pelos habilitados herdeiros do falecido marido sem que se indicie que este tomou a opção de não o juntar aos autos, nada obsta à sua admissão, ainda que pedida já ma pendência do julgamento.
II – Compete às partes a definição da sua estratégia e dos meios de defesa que pretendem usar, devendo o tribunal aceitá-los com largueza, desde que se revelem minimamente relevantes e pertinentes à prova.
III – Sendo minimamente pertinente e sendo a junção autorizada ao abrigo do artigo 423º nº. 3 do CPC, não pode considerar-se que a junção viola o princípio da continuidade da audiência nem a celeridade processual, nem o princípio da cooperação das partes nem o princípio da boa-fé processual”.
Resulta, assim, com evidência do exposto que relativamente à admissibilidade do identificado documento – notificação judicial avulsa - a questão foi definitivamente resolvida pelo enunciado douto aresto desta Relação, assim se impondo caso julgado formal nessa matéria, que, logicamente, inviabiliza nova apreciação – cf., o nº. 1, do artº. 620º, do Cód. de Processo Civil.
Decaindo, consequentemente, nesta parte, as conclusões recursórias enunciadas.
No que respeita à junção do documento denominado “revogação de testamento”, dos pontos 12 a 15 e 17 a 21 do relatório supra, resulta o seguinte:
- O requerimento de junção aos autos de tal documento, traduzido em certidão da escritura de revogação de testamento celebrada pelo pai dos Autores em 15/05/2020, foi apresentado pelos Autores Habilitados em 26/10/2022 ;
- A Ré pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade de tal junção ;
- Em sede de audiência de julgamento, realizada em 03/10/2022, foi prolatado despacho que admitiu a junção de tal documento, determinando-se, ainda, a notificação dos Autores para juntarem aos autos certidão do testamento que o Autor tenha feito anteriormente, a favor da Ré, alvo da escritura de revogação ora junta ;
- Por requerimento de 13/10/2022, a Ré pronunciou-se acerca da (in)admissibilidade de tal documento, arguindo a nulidade da sua junção aos autos, bem como do despacho que determinou a notificação dos Autores Habilitados para a junção do testamento ;
- Tendo os Autores Habilitados respondido a tal alegação, conforme requerimento de 26/10/2022 ;
- Mediante despacho de 06/12/2022, decidiu-se pela inexistência de qualquer nulidade de tal despacho, antes se estando perante situação em que a Ré discorda dos fundamentos de admissibilidade da junção daquele documento, concluindo-se pela improcedência da arguição de tal nulidade ;
- Pelo mesmo despacho, e perante a alegação dos Autores de que o Cartório Notarial havia informado acerca do desaparecimento do aludido testamento, diligenciou o Tribunal, junto do Cartório Notarial competente, pela obtenção de esclarecimentos acerca do mencionado desaparecimento ;
- O que a Sra. Notária veio fazer em 19/12/2022 ;
- Perante tal esclarecimento, a Ré, em 13/01/2023, veio requerer o desentranhamento do documento junto, e já admitido, de revogação do testamento ;
- O que foi indeferido por despacho datado de 19/01/2023.
Resulta, assim, do exposto, que relativamente do documento em equação, a sua admissão nos autos foi decidida por despacho transitado em julgado, pelo que, igualmente no que concerne a tal decisão, urge concluir pela existência de caso julgado formal, nos termos equacionados no nº. 1, do artº. 620º, do Cód. de Processo Civil. E, assim sendo, pois admitia autónoma apelação – o artº. 644º, nº. 2, alín. d), do mesmo diploma -, não pode tal decisão ser questionada no presente recurso, nem ser novamente apreciada nos presentes autos.
Por outro lado, tal como é referenciado no despacho que conheceu acerca da invocada nulidade, o que sucede é a circunstância da Ré não concordar com os fundamentos de admissibilidade da junção de tal documento aos autos, nos termos expostos pelo despacho que o admitiu, o que não traduz a prática de qualquer nulidade, por alegada prática de acto não legalmente admissível, mas antes efectiva discórdia quanto à admissibilidade de tal meio probatório,  a impugnar mediante a apresentação do competente recurso.
Por fim, sempre se dirá, ainda, que a prática do Tribunal em determinar a junção dos autos do testamento outorgado pelo Autor, que esteve na base da posterior outorga de escritura de revogação de testamento, diligenciando mesmo oficiosamente para aferir acerca da alegada impossibilidade de junção (por não ser possível ao Cartório competente determinar o seu paradeiro), é ainda campo onde se reconhece pertinência ao exercitar do princípio do inquisitório, enunciado no artº. 411º, do Cód. de Processo Civil.
E, um exercitar sem qualquer afectação ou violação dos enunciados princípios da igualdade das partes ou do dispositivo, na vertente da instrução probatória, não sendo minimamente extraível da conduta processual do Tribunal a quo uma qualquer indevida substituição dos Autores Habilitados na aquisição de elementos probatórios.
Donde, também neste segmento, e seu ulteriores delongas, impõe-se juízo de improcedência das conclusões recursórias.
IV) Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
“ 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada. E, tendo a Recorrente/Apelante Ré dado cumprimento, pelo menos  em parte (conforme melhor veremos infra) e num mínimo aceitável, ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil (apesar da total ausência da indicação exacta das passagens da gravação em que funda o seu recurso, acaba por proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes), nada obsta a que o presente Tribunal proceda à parcial reapreciação da matéria factual fixada, procedendo-se, assim, à devida audição da prova indicada e análise das transcrições efectuadas.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [16].
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados[17] (sublinhado nosso).
- dos factos provados 5 e 6
Os presentes factos possuem a seguinte redacção:
5. No dia 14.02.2020 a R. regressou à casa de morada de família, acompanhada de agentes da PSP, tendo nesta data levado os seus pertences, nomeadamente roupas, calçado e bens pessoais, bem como roupa de cama e de casa, louças, livros, bibelots e objectos da família dela.
6. Tal inquérito foi arquivado por despacho de 29.10.2020 por não haver indícios suficientes do A. ter cometido aquela factualidade, escrevendo-se em tal despacho que a R. declarou na qualidade de testemunha que o A. demonstrava agressividade verbal e comportamentos possessivos e manipuladores, que era vítima de violência psicológica e económica e que tem muito medo pela sua integridade física, acreditando que o A. pode atentar contra a sua vida”.
Relativamente ao facto provado 5, alega apenas a Recorrente Impugnante que não pode ser dado como provado “face às contradições das testemunhas”.
Todavia, não indica quais as contradições a que se refere, nem quais as eventuais testemunhas autoras de tais putativas contradições.
Donde, relativamente ao presente facto impugnado, não logra a Ré Recorrente observar, minimamente, o disposto na transcrita alínea b), do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, isto é, não indica quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da consideração de tal facto como provado, nomeadamente donde decorre a afirmada contradição na prova testemunhal produzida.
Pelo que, no que ao mesmo concerne, tendo em consideração o mesmo normativo, impõe-se a rejeição da impugnação da matéria factual.
No que concerne ao facto provado 6, alude a Ré Impugnante (ainda que situando fundamentalmente tal alegação no campo da invocação das nulidades, já apreciadas) que tal revela uma confissão da Ré, “não efectuada em juízo, tendo tal depoimento sido produzido em Inquérito, ao abrigo de segredo de justiça, não podendo ser valorado no presente processo, em razão do disposto no art. 355º, nº. 3 CC, e 421º CPC”.
Acrescenta que tal “declaração/confissão da R. é inadmissível, por se tratar de direitos indisponíveis no âmbito do processo de divórcio litigioso, e porque não foi prestada presencialmente em juízo, violando o disposto nos art. 355º, nº. 2 e art. 354º b) do CC”.
Na resposta apresentada, referenciam os Apelados ter-se a Sra. Juíza a quo limitado “a transcrever uma passagem do despacho de arquivamento, tendo por base a certidão judicial relativa ao inquérito nº. 85/20.3PEAMD junta em 01.07.2022 (na qual constam as decisões finais relativas ao inquérito e à instrução e onde se faz alusão à apreensão de uma arma do A., pai dos ora Apelados) (….), da qual decorre exactamente o teor deste ponto 6, não podendo a MMª Juiz, de resto, face a tal certidão, deixar de dar como provado tal facto, já que o mesmo é um facto essencial (cfr. artº 5º, nºs 1 e 2 do CPC)”.
Concluem, assim, que tal facto é considerado como provado com base na certidão judicial relativa ao identificado inquérito, e não com base em qualquer confissão da Apelante.
Na fundamentação consignada na sentença recorrida, refere-se ter estado na base da fixação dos factos provados, para além de outra prova documental, a “certidão judicial relativa ao inquérito nº. 85/20.3PRAMD junta em 01.07.2022 (na qual constam as decisões finais relativas ao inquérito e à instrução e onde se faz alusão à apreensão de uma arma do A.)”.
Decidindo:
Em primeiro lugar, urge consignar que o facto provado apenas menciona o arquivamento do inquérito, o motivo deste arquivamento e o teor ao ali parcialmente declarado pela queixosa, ora Ré/Recorrente.
Em segundo lugar, afigura-se-nos que tal menção indirecta ao ali referenciado pela queixosa não se traduz propriamente em matéria confessória, pelo que lhe são inaplicáveis as regras relativas à confissão enquanto meio de prova.
Donde estamos perante um meio probatório de livre apreciação por parte do Tribunal, limitando-se o facto impugnado a citar parte do consignado no despacho de arquivamento prolatado pelo Magistrado do Ministério Público, e não propriamente a transcrever o teor das declarações aí prestadas pela ora Ré Recorrente, ali queixosa e posteriormente assistente.
Pelo que, entendendo-se nada impedir a sua valoração nos presentes autos, conclui-se pela sua manutenção como facto provado, improcedendo, neste segmento, a impugnação factual deduzida.
- dos factos provados 8, 9, 10, 16, 19 e 21
Tais factos, objecto de impugnação, possuem a seguinte redacção:
8. Desde 07.02.2020 que A. e R. não vivem na mesma casa, não dormem juntos, não passeiam juntos, não recebem amigos nem familiares juntos, não tomam refeições juntos e não vivem em economia comum.
9. Quer o A. quer a R. não têm o propósito de restabelecer a vida em comum.
10. Em Março de 2020 o A. estabeleceu uma nova relação afectiva com O……….., passando a viver com esta como marido e mulher, situação que se verificou até ao falecimento do A. em Maio de 2021.
16. Em Junho/Julho de 2020 a R. percebeu que não havia hipótese de reconciliação com o A. e deu o casamento por terminado.
19. Em 26.06.2006 o A. outorgou um testamento cerrado, depositado no antigo 26º Cartório Notarial de Lisboa, tendo sido este o único testamento outorgado pelo A.
21. Em Janeiro de 2021 a R. requereu a notificação judicial avulsa do A., com o nº 85/21.6T8AMD, a fim de lhe comunicar a revogação de toda e qualquer procuração que lhe haja sido conferida pela R., alegando esta que “encontrando-se requerente e requerido em processo de divórcio, a requerente tem justo receio que esses instrumentos de mandato sejam usados contra a sua vontade, o que lhe causará sério prejuízo … é imperioso revogar toda e qualquer procuração que possa estar na posse do requerido e que lhe tenha sido conferida pela requerente”.
- dos factos 19 e 21
Referencia a Impugnante que atendendo ao depoimento das testemunhas M…………………. e P……………………., tais factos não poderiam considerar-se provados.
Na resposta apresentada, os Apelados aduzem que tais factos têm como suporte probatório os documentos juntos aos autos, nomeadamente o facto provado 19 funda-se na certidão da Conservatória dos Registos Centrais de fls. 171 vº., e o facto provado 21 tem como suporte probatório a cópia da notificação judicial avulsa junta em 05/02/2023.
Na sentença apelada, relativamente à factualidade provada, fruto de suporte documental, fez-se constar o seguinte:
A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, baseou-se na conjugação e ponderação dos seguintes meios de prova:
-  na análise dos documentos consistentes no assento de casamento junto com a petição inicial (fls. 8 e 9), no aviso de recepção de fls. 15, no requerimento de apoio judiciário de fls. 24 a 31, no assento de óbito junto com o requerimento de 16.06.2021, na certidão judicial relativa ao inquérito nº 85/20.3PEAMD junta em 01.07.2022 (na qual constam as decisões finais relativas ao inquérito e à instrução e onde se faz alusão à apreensão de uma arma do A.), na declaração de IRS de fls. 83 a 87, na revogação de testamento de fls. 129 e 130, na certidão da Conservatória dos Registos Centrais de fls. 171 verso e na cópia da notificação judicial avulsa junta em 05.02.2023;” (sublinhado nosso).
Decidindo:
A prova testemunhal indicada pela Impugnante, no que aos presentes factos concerne, nada aduz, sendo totalmente irrelevante.
Aliás, toda a argumentação expedida pela Recorrente, no que concerne àquela factualidade, centra-se na pretendida não admissibilidade de tal prova documental, conforme já exposto, e não na potencialidade probatória daí resultante.
Pelo que, atendendo à prova documental referenciada - certidão da Conservatória dos Registos Centrais de fls. 171 verso e na cópia da notificação judicial avulsa junta em 05.02.2023 -, tal factualidade tem efectivo suporte probatório e, como tal, deve manter-se nos seus precisos termos.
Improcedendo, assim, nesta parte, a impugnação apresentada, devendo tais factos manter-se como provados.
- dos factos 8, 9, 10 e 16
Alega a Recorrente Impugnante que atendendo aos depoimentos das testemunhas M …………………….. e P…………………, prestados na audiência de julgamento de 03/10/2022, os enunciados factos não se podem considerar provados, procedendo à parcial transcrição daqueles depoimentos.
Acrescenta que para julgar tal factualidade como provada, baseou-se o Tribunal a quo nas declarações de parte prestadas pelo Autor Habilitado P………………, filho do Autor, “cujo depoimento não merece qualquer credibilidade, pois debitou toda a matéria dos articulados de cor, os quais referiu ter lido com atenção”, tendo procedido à parcial transcrição de tais declarações.
Aduz, ainda, terem existido “demasiadas contradições nos depoimentos de Â……………….., M............................e O……………….. (esta última dizia ser o último relacionamento)”.
Sem concretizar quaisquer destes depoimentos, não indicando as passagens da gravação dos mesmos fundantes do seu recurso, nem procedendo à transcrição dos excertos considerados relevantes, referenciou que:
- Â………………. “referiu que o A. falava diariamente com ele, mas nunca revelou que tinha outra pessoa” ;
- BB............................, “que é proprietária de um apartamento no Algarve, no mesmo prédio do A., referiu que fez férias no Algarve, em Junho, no mesmo período do A., com quem ia à praia diariamente e que durante este período o A. se encontrava sozinho” ;
- por seu lado, “o depoimento de O………….. foi no sentido contrário, referindo que no mesmo período fez férias com o A. no Algarve e que iam diariamente à praia”, e que, referindo esta testemunha ser enfermeira de profissão, “torna inacreditável que no período da pandemia tenha começado a viver com o A.”.
Na resposta contra-alegacional apresentada, os Apelados entendem que tal factualidade foi devidamente considerada como provada, socorrendo-se dos depoimentos de 4 testemunhas, os quais situou e parcialmente transcreveu, nomeadamente de:
- A ............................“(que aos costumes disse que conhece o autor sendo este seu parente por afinidade, que conhece os habilitados, e que conhece a ré)” ;
- M ............................“(que aos costumes disse que era amiga de longa data do autor, que conhece os habilitados, e que conhece a ré)” ;
- O.......................................“(que aos costumes disse que viveu em união de facto com o autor desde o dia 22/03/2020 até à data da morte deste, e que não conhece a R.)” ;
- V………………….. “(que aos costumes disse que foi amigo do autor e que conhece a ré há mais de 50 anos por terem sido colegas de profissão)”.
E que, na ponderação de tais depoimentos, foi adequada a consideração de tal matéria factual como provada, devendo, neste segmento, improceder a pretensão recursória.
Na fundamentação exarada na sentença sob sindicância, também abrangente dos pontos factuais em controvérsia, fez-se constar o seguinte:
A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, baseou-se na conjugação e ponderação dos seguintes meios de prova:
(….)
- nas declarações de parte do A. P………….. que confirmou a vida em comum das partes por vários anos antes do seu casamento e soube através do próprio pai, aqui A., nas conversas telefónicas que mantinha com este, que as partes estão separadas desde Fevereiro de 2020, sem qualquer possibilidade de reconciliação por banda do A. que estava muito ofendido com o comportamento da R., e que este iniciou em Março de 2020 um novo relacionamento amoroso com O……………. que durou até à morte daquele, situações que comprovou pessoalmente quando regressou do estrangeiro no verão de 2020;
- nas declarações de parte da R. que foram muito relevantes dada a sua intervenção directa nos factos aqui em discussão, tendo relatado as razões da sua saída de casa que na sua opinião se reconduziam a uma situação de violência doméstica, que achou que o A. ficou abalado e triste com a ida da polícia a casa, que concluiu no verão de 2020 que deixou de ser possível qualquer reconciliação com o A. e que se apercebeu em Agosto de 2020 que este tinha outra mulher;
-  nos depoimentos unânimes das testemunhas Â………………, M ............................ e V…………….., amigos do A. que conviviam regularmente com o casal e falavam ao telefone praticamente todos os dias com o A., e constataram que este ficou destroçado com a queixa-crime apresentada pela R. e estava irredutível em querer o divórcio e não pretender manter contacto com a R. desde aquela altura, para além das duas primeiras terem estado presentes quando a R. foi buscar os seus pertences com a PSP à casa de morada de família e de terem sido testemunhas do A. no acto de revogação de testamento anteriormente outorgado por este. Apesar destas testemunhas terem assegurado que também foram testemunhas do A. na outorga desse testamento a favor da R., não se deu como provado que a R. era beneficiária do mesmo porque o artigo 2206º do Código Civil exige a redução a escrito do testamento cerrado e este não foi fisicamente encontrado no Cartório Notarial em que foi depositado, como resulta da informação da actual Sra. Notária de fls. 173, não podendo o Tribunal dar como provada a existência de um documento para o qual a lei exige a forma escrita sem que o mesmo tenha sido encontrado (artigo 393º/1 do Código Civil e artigo 607º/5 do CPC). Também as ditas testemunhas, no convívio com o A., puderam presenciar o seu novo relacionamento em união de facto com a testemunha O…………., tendo ainda a testemunha Â…………… reconhecido que a R. era uma boa esposa, atenciosa com o A.;
- no depoimento da testemunha O……………. que declarou ter passado a viver com o A. como marido e mulher a partir de Março de 2020 e até ao falecimento deste, relacionamento este que foi testemunhado por vários amigos do A. e pelo filho deste, como já referido, e de ter sido também corroborado pela própria R. nas suas declarações de parte ao dizer que se apercebeu do mesmo em Agosto de 2020. Também esta testemunha foi peremptória em afirmar que o A. se recusava a manter qualquer contacto com a R., o que teve oportunidade de constatar pessoalmente;
- nos depoimentos essencialmente semelhantes das testemunhas I…………… (irmã da R. que, por força desta relação de parentesco e convivência, soube explicar como a R. tratava do marido e da casa e como se sentia neste casamento, reportando nomeadamente a degradação da relação conjugal nos últimos anos, o medo que a R. tinha do A. por este possuir uma arma e o facto da própria R. lhe ter dito em Junho/Julho de 2020 que não havia mais hipótese de reconciliação e que dava o casamento por terminado), J …………. (amigo do casal e visita quase diária do mesmo que se reportou às qualidades da R. como esposa e constatou após Maio de 2020 que não era possível a reconciliação dos cônjuges), M ……………….. (empregada doméstica do casal que também qualificou a R. como boa esposa e afirmou que a partir de Julho/Agosto de 2020 e até o A. morrer via uma Sra. passar o fim de semana na casa das partes) e P………………. (amiga da R. que aludiu ao medo desta de voltar para casa pela maneira como era tratada e que esta no verão de 2020 percebeu que a reconciliação não era viável), corroborando neste segmento as declarações de parte da R.
A conclusão do Tribunal quanto aos factos não provados derivou do seguinte:
O Tribunal não ficou convencido de a R. ter deixado os seus bens na casa de morada de família, tendo trazido apenas algumas roupas e artigos de higiene pessoal, porque a R. continuou sempre a residir noutra casa na Parede, onde precisa de ter o que lhe pertence para viver com conforto e comodidade, porque as testemunhas Â……………… e M ............................ que estavam presentes quando a R. retirou os seus bens na companhia da polícia afirmaram, a primeira que a R. remexeu em muitas coisas e até quis levar uma televisão e outro objecto existente na cozinha, e a segunda que tal demorou horas e viu dois carros para levar os pertences, incluindo edredons, o que contraria o alegado facto de a R. ter levado tão pouca coisa, e porque a testemunha O…………… que foi viver com o A. na casa de morada de família confirmou que não havia nesta qualquer roupa de mulher. E sobretudo porque a própria R., em declarações de parte, admitiu que esteve 3/4 horas a retirar bens da casa de morada de família, tais como livros, documentos, um serviço de louças, bibelots, roupa de cama, tendo levado uma carrinha para o transporte.
Não é verosímil que as partes se tenham reconciliado entre Abril e Julho de 2020 porque:
-  tal é refutado por todas as testemunhas do A. e pelo seu filho …, ora A., que garantiram que aquele estava muito chocado e destroçado com a queixa-crime feita pela R. e que não a perdoava, estando firme no seu propósito de divórcio. A própria R. em declarações de parte achou que o A. ficou abalado e triste com a ida da polícia a casa;
- o  A. nunca desistiu desta acção de divórcio desde Março de 2020 (data da sua instauração) até Maio de 2021 (data do seu óbito) e não foi possível a reconciliação dos cônjuges na tentativa de conciliação que teve lugar nestes autos em Junho de 2020, o que evidencia a determinação daquele em pôr fim a este casamento;
- o A. iniciou em Março de 2020 um relacionamento afectivo em condições análogas às dos cônjuges com outra mulher, o que é contraditório com a alegada reconciliação;
- em Maio de 2020 o A. revogou todo e qualquer testamento anteriormente outorgado, o que abrange naturalmente qualquer testamento eventualmente celebrado em benefício da R. e que o A. não quis excluir daquela revogação nem quis manter, atitude esta que também é incompatível com a pretensa reconciliação naquele período;
- a própria R. assumiu comportamentos que não são consentâneos com o suposto reatar da vida em comum com o A. em Abril de 2020 e por isso não se atribuiu relevância aos depoimentos das testemunhas Il ……………, M ………………… e P …………… que disseram ter visto as partes algumas vezes juntas quer na casa de Alfragide quer na casa da Parede até Julho de 2020, acreditando-se antes que, tais encontros, a terem acontecido, tiveram como objectivo o esclarecimento de assuntos comuns na sequência do rompimento da relação ou alguma tentativa de reaproximação por parte da R. mas não demonstram uma efectiva reconciliação das partes: a R. apresentou uma queixa-crime contra o A. pela prática do crime de violência doméstica da qual nunca quis desistir; saiu da casa de morada de família e não regressou; levou diversos bens, incluindo livros, bibelots, objectos da família dela, louças e roupa de cama, o que evidencia a intenção de se fixar noutra casa; manteve-se a viver primeiro em Mem Martins, onde foi citada para esta acção, e depois na Parede, indicando esta morada tanto junto do ISS como do Tribunal e na procuração forense que juntou aos autos; pediu apoio judiciário em Maio de 2020 sem fazer qualquer referência ao A. como sendo seu cônjuge ou fazendo parte do seu agregado familiar e anotando que se encontra separada de facto; manteve sempre a versão de ter sido vítima de violência doméstica por parte do A., ter sido desapossada do seu dinheiro próprio pelo A. ao longo de toda a relação conjugal e ter medo que este atente contra a sua vida por possuir uma arma de fogo, tudo isto sendo manifestamente incompatível com a vontade de, logo no mês seguinte à instauração desta acção de divórcio, retomar uma relação que sente como abusiva e dominadora. Posteriormente, a R. insistiu no processo crime para que o A. fosse levado a julgamento pelo crime de violência doméstica e revogou toda e qualquer procuração emitida a favor deste por temer o seu uso em prejuízo da própria, o que é bem revelador da animosidade e da desconfiança que caracterizava a relação das partes;
- a circunstância de em 13.05.2021, aquando da entrega da declaração de IRS, o A. ter colocado o estado civil de casado em vez de separado de facto nada significa porque, efectivamente, as partes ainda se mantinham casadas entre si em 2020, ano a que se reporta essa declaração de rendimentos, e porque em Maio de 2021, como a R. admitiu em declarações de parte, qualquer um dos cônjuges já dava seguramente este casamento como findo desde data bem anterior”.
Apreciando:
Ora, ponderando-se o teor do declarado pelas identificadas testemunhas e partes, com especial enfase no referenciado nas partes transcritas, resulta evidente que a aludida matéria de facto encontra-se pertinentemente considerada como provada.
Prova que, realce-se, é bastamente justificada e explicitada pela fundamentação consignada na sentença apelada, que explicita, com acerto e clareza, as razões de convencimento de ocorrência de tal factualidade, justificando, ainda, o motivo pelo qual não era sustentável concluir pala concreta existência de qualquer reconciliação entre o casal.
Acresce que as contradições indicadas pela Impugnante nos depoimentos de Â…………………, BB J............................e O…………………, não passam de meras deduções da própria impugnante ou são facilmente justificadas pelo facto da relação amorosa do Autor com a indicada O………… ser muito recente, e num período muito curto após a separação das Ré, sendo assim perfeitamente aceitável a justificação dada por algumas das testemunhas acerca da existência de algum recato ou constrangimento do Autor no assumir publicamente aquela relação num período temporal tão próximo, assim se compreendendo o evitar do Autor em contar o sucedido, mesmo aos amigos mais próximos, bem como que aquele e a referenciada O………. tivessem no início algum recato, evitando serem desde logo visto juntos. O que, para além do mais, é igualmente compreensível num contexto em que o processo de divórcio do Autor encontrava-se pendente, e poderia, no entendimento deste e da nova companheira, ser prejudicial ao mesmo.
Por todo o exposto, conclui-se igualmente, no que á presente factualidade concerne, pela improcedência da impugnação apresentada, devendo a mesma manter-se na elencagem da factualidade provada.
O que determina juízo de total improcedência da impugnação da matéria de facto, decaindo, nesta parte, a pretensão recursória suscitada.
V) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
Na sentença apelada ajuizou-se, basicamente, nos seguintes termos:
- o Autor invoca, em primeiro lugar, o fundamento de divórcio constante da alínea d), do artº. 1781º, do Cód. Civil, ou seja, a existência de factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento ;
- como segundo fundamento de divórcio, o Autor invoca a existência de separação de facto entre os cônjuges por um ano consecutivo (o artº. 1782º, do Cód. Civil) ;
- no preenchimento deste fundamento é necessária a verificação cumulativa de 2 requisitos:
» a inexistência de vida em comum entre os cônjuges (requisito objectivo) ;
» o propósito de ambos ou, pelo menos, de um deles, de não restabelecerem a vida em comum (requisito subjectivo) ;
- a adopção do princípio da actualidade da sentença plasmado no artº. 611º, do Cód. de Processo Civil, que implica a consideração dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção ;
- determinando que deva ser considerada a factualidade enunciada na petição inicial e no articulado superveniente ;
- concluindo-se pela separação de facto dos cônjuges por um ano consecutivo, ainda que este prazo se tenha completado na pendência da causa ;
- resulta dos factos provados terem Autor e Ré violado os deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação e cooperação ;
- em face de tal violação reiterada e grave entende-se estar demonstrada a ruptura definitiva do casamento, pois deixou de existir a comunhão de vida própria dessa união, deixou de haver afecto entre os cônjuges ;
- sendo que nenhum deles pretende manter a vida em comum, pois o Autor sempre desejou o divórcio, intenção que manteve até ao seu falecimento, enquanto a Ré deu o casamento como terminado no verão de 2020 ;
- tendo-se perdido os vínculos conjugais, está irremediavelmente comprometida a possibilidade da vida em comum, não sendo exigível ao Autor a manutenção do casamento ;
- da factualidade provada resulta, igualmente, que Autor e Ré deixaram de ter entre si qualquer comunhão de mesa, leito e habitação, vivendo em casa distintas e de forma totalmente independente, desde 07/02/2020, situação que já perdurava há mais de um ano quando foi apresentado o articulado superveniente em 05/06/2021, sendo já consistente, nessa data, a separação de facto, e mostrando-se já preenchidos todos os pressupostos do pedido formulado pelo Autor ;
- provado ficou, igualmente, que nenhuma das partes pretende retomar a vida em comum ;
- estão, assim, demonstradas:
- Quer a ruptura definitiva deste casamento ;
- Quer a separação de facto dos cônjuges, por um ano consecutivo,
assim havendo fundamento para o requerido divórcio.
Na presente sede recursória, a Recorrente Ré invoca, basicamente, dois fundamentos de discórdia relativamente á sentença;
- Por um lado, o período de separação de facto de 1 ano, legalmente exigível, deva ser computado até ao momento d a interposição da acção, e não até à data do julgamento da causa, pois, sendo um requisito de natureza substancial (e não um prazo meramente processual) não é possível recorrer ao disposto no artº. 611º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, para ter em consideração o eventual decurso do prazo até ao encerramento da discussão em primeira instância ;
- Por outro, não foram alegados e, como tal, não se logram como provados, factos essenciais preenchedores do fundamento de divórcio previsto na alínea d), do artº. 1781º, do Cód. Civil.
Vejamos.
Prescreve o nº. 3 do art.º. 1773º do Cód. Civil [18] que “o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781º”.
Prevendo acerca da ruptura do casamento, estatui o art.º 1781º (idêntica redacção) do Cód. Civil que:
“são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a) A separação de facto por um ano consecutivo ;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum ;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano ;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento (sublinhado nosso).
Os deveres que reciprocamente vinculam os cônjuges encontram-se elencados no art.º 1672º do Cód. Civil, o qual prescreve que “os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”.
- Da causa de ruptura separação de facto
A par dos factos que mostrem a ruptura definitiva do casamento, prevê o nosso sistema legal uma causa denominada de objectiva, que na anterior redacção do regime do divórcio traduzia-se como aquela que se concretiza “numa situação de ruptura da vida conjugal cuja relevância como fundamento do divórcio não depende da culpa de qualquer dos cônjuges” [19].Encontra-se elencada na citada alínea a) do art.º 1781º [20], justificando-se pela situação de ruptura da relação matrimonial por ela originada. A consagração legal de tal causa demonstra considerar-se que, “nos condicionalismos a que essas causas se referem, o casamento se encontra numa situação de ruptura que torna injustificada a continuação da relação matrimonial entre os cônjuges e inexigível o sacrifício que lhes é imposto pela sua conservação” [21].
Deste modo, acrescenta o n.º 1 do art.º 1782º entender-se “que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer”.
A causa objectiva [22] de divórcio em equação – separação de facto -, depende, nas palavras de Fernando Brandão Ferreira Pinto [23] de duas condições legalmente definidas: “uma negativa”, traduzida na inexistência, durante três anos consecutivos (presentemente um ano), de comunhão de vida entre os cônjuges, e “outra positiva, terem ambos os cônjuges ou apenas um deles o propósito de não restabelecer aquela comunhão”. Acrescenta o mesmo autor [24] que a “nossa lei presumiu que havendo entre os cônjuges uma separação de facto que se prolongou no tempo, chega uma altura (....), em que já se perderam as esperanças de qualquer retorno a uma plena comunhão de vida e, como entende que não há interesse social, antes pelo contrário, em conservar um matrimónio que não existe na realidade, mas só na aparência, quis que qualquer dos cônjuges (…..) tivesse possibilidade de converter aquele divórcio de facto em divórcio de direito (....)”.        
Ainda no âmbito do conceito de separação de facto, Pereira Coelho [25] refere não ser muito fácil, na verdade, “definir com precisão a «separação de facto». Mas a ideia fundamental será esta: a separação é o contrário da comunhão e, portanto, existe um estado de separação quando a comunhão conjugal cessou, os laços de casamento se desataram e os cônjuges deixaram de manter aquelas relações que, normalmente, se estabelecem pelo matrimónio entre marido e mulher. Na separação de facto, as relações entre os cônjuges serão as mesmas que existem (ou não existem) na separação judicial, com a diferença apenas de que aqui a separação não é juridicamente reconhecida, não é «de direito», mas «de facto»”.
A separação de facto pressupõe, deste modo, “para além dum elemento puramente objectivo – a inexistência de uma comunhão de vida -, um elemento subjectivo integrado pela intenção de fazer cessar esta comunhão, partilhada por ambos ou tida por um só dos cônjuges, mesmo sem aceitação do outro” [26] [27].  
Questão controversa é a de saber se o cômputo do prazo de um ano consecutivo, ou seja, o seu termo final, já deve estar decorrido à data da interposição da acção ou se, não o estando, ainda se poderá computá-lo até à data de produção da prova na audiência de julgamento.
No sentido de que tal prazo já deverá estar decorrido à data da interposição da acção (e consequente formulação do pedido), podemos enunciar, exemplificativamente, os seguintes doutos Acórdãos (todos in www.dgsi.pt ):
-  do STJ de 01/03/1979 [28], no qual se sumariou que o prazo exigível de separação de facto (que na altura era de seis anos) “não é processual, mas de carácter substantivo, havendo portanto de verificar-se à data do pedido” ;
-  do STJ de 24/10/2006 [29], o qual referenciou expressamente que “o decurso do lapso de tempo exigido pela alínea a) do artigo 1781 do Código Civil é um requisito de natureza substantiva, que, por isso, tem de estar verificado à data do pedido”, pelo que “a inverificação deste requisito pode e deve ser conhecida oficiosamente não só porque integra matéria de direito, de livre aplicação pelo Tribunal (cfr. artigos 664 e 729, nº. 1 do Código de Processo Civil), como também porque o direito em discussão é dos que não se incluem na disponibilidade das partes” ;
- do STJ de 03/10/2013 [30], decorrendo do juízo exposto que o prazo de um ano para o funcionamento da causa separação de facto, prevista na alínea a), do artº. 1781º, do CC, tinha que já se encontrar completado à data da instauração da acção, o que é reafirmado, ainda que de forma indirecta, no ponto IV do sumário ;
- da RL de 21/09/2017 [31] , no qual se referenciou “que o pressuposto da duração temporal da separação se deverá verificar à data da propositura da acção.
E que, o disposto na alínea a) do artigo 1781.º do CC tem natureza marcadamente substantiva, e mostra-se densificada no n.º 1 do artigo 1782.º do CC, que visa preservar um período de tempo considerado essencial para a consolidação da situação de facto, como que a presumir, juris et de jure, a ruptura definitiva do vínculo conjugal, sem envolver, no entanto, a prova específica ou directa desta, como sucede na hipótese prevista na alínea d) do aludido artigo 1781º.
O pressuposto factual consubstanciado na duração daquele prazo assume a natureza de um facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, essencial para a procedência da acção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC.” ;
- da RL de 10/05/2018 [32], no qual se sumariou que o “prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, tem de ocorrer no momento da propositura da acção”.
Ajuizando de forma diferenciada, ou seja, no sentido do termo final de tal prazo poder prolongar-se até ao final da produção da prova na audiência de julgamento, podemos referenciar, exemplificativamente, os seguintes doutos arestos (todos in www.dgsi.pt ):
- do STJ de 03/11/2005 [33], referenciou não se dever objectar que “o prazo legal de um ano de separação não se havia ainda completado na data da instauração da acção, quando sobre este marco de referência temporal tem prevalência o princípio da actualidade da decisão plasmado no artigo 663º do Código de Processo Civil” (sublinhado nosso) ;
- do STJ de 06/03/2007 [34], começa por referenciar que o mencionado artigo 663º do C.P.C. manda “tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento de encerramento da discussão”. Assim, pugna pelo cômputo do prazo que decorra na pendência da acção (naquele caso a separação de facto é datada de 15/11/2002, tendo a acção sido intentada em 03/01/2003), aduzindo que “não faria sentido, seria penoso para as partes e revelaria um notório desajustamento social e um excessivo apego a literalismos, vir agora dizer a um casal separado de facto há mais de quatro anos, ambos a quererem divorciar-se, pondo termo a relação irremediavelmente comprometida, que deveriam intentar nova acção, com custas e desgaste inerentes para demonstrar o que, aqui, está exuberantemente patente” ;
- da RL de 23/02/2021 [35], no qual se defendeu que na contagem do prazo inscrito na alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil “deve o Tribunal atender ao tempo decorrido na pendência da acção” ;
- da RL de 28/04/2022 [36], onde, para além de vasta citação das duas diferenciadas correntes jurisprudenciais, se referencia que “o prazo de «um ano consecutivo» em causa pode incluir o lapso de tempo decorrido até ao final da audiência de discussão e julgamento, sendo este, assim, o termo final daquele prazo”, solução que “corresponde ao atual estado do direito de família português, designadamente das tendências legalmente consagradas em matérias de casamento e divórcio, alicerçadas em relações efetivas, sócio-afetivas, em liberdade de ser e estar”.
In casu, constata-se o seguinte:
- A presente acção foi instaurada em 06/03/2020 ;
- O julgamento, no qual foi produzida prova, findou em 06/02/2023 ;
- Conforme produção probatória aí efectuada, a separação de facto ter-se-á consumado em 07/02/2020 (cf., o facto provado 3. e 8.) ;
- Pelo que, à data da interposição da acção de divórcio, ainda não havia sequer decorrido um mês desde a separação de facto do casal, ou seja, naquela data ainda não havia decorrido o exigível consecutivo prazo de um ano ;
- Todavia, na data do termo final na dada de produção da actividade probatória, o mesmo já se poderia ter por integralmente completado, determinando, consequentemente, preenchimento de tal fundamento de divórcio.
Temos entendido, de acordo com a primeira das posições jurisprudenciais enunciadas, que o pressuposto de duração temporal de separação deverá verificar-se à data da propositura da acção.
Com efeito, considerando-se que aquele prazo, enunciado na alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil, tem natureza nitidamente substantiva, entende-se ser desiderato legal a decorrência de um período temporal em que se consolide a separação de facto, determinante de absoluta presunção da ruptura definitiva do vínculo conjugal.
E, assim, vimos defendendo que o pressuposto factual da duração daquele prazo mínimo de um ano constitui-se como facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, nos termos do disposto no nº. 1, do artº. 342º, do Cód. Civil, com natureza essencial para a procedência da acção. Ou seja, o decurso daquele prazo de um ano (no mínimo) traduz-se ou constitui-se como um requisito de cariz ou natureza substantiva que, por sê-lo, urge considerar-se verificado à data da dedução do pedido.
Ora, apesar de entendermos a argumentação que sustenta posição diferenciada, reconhecendo-lhe, inclusive, indiscutíveis méritos na área da economia processual e na marcada contínua tendência de valorização da liberdade dos cônjuges perante o vínculo constitutivo do casamento, afigura-se-nos que o mérito subjacente àquela posição mantém a sua validade e pertinência.
Donde, não se podendo concluir, in casu, pelo preenchimento do fundamento de divórcio inscrito na citada alínea a), do artº. 1781º, do Cód. Civil – separação de facto por um ano consecutivo, à data da dedução do pedido accional -, procedem, neste segmento, as conclusões recursórias.
- Do fundamento de divórcio ruptura definitiva
Referencia, ainda, a Recorrente Ré não terem sido alegados (e, logicamente, não provados) factos essenciais preenchedores do fundamento de divórcio inscrito na alínea d), do mesmo artigo 1781º, ou seja, a ocorrência de outros factos, que não os subjacentes às três antecedentes alíneas, que demonstrem ou evidenciem a ruptura definitiva do casamento.
A presente causa de divórcio configura-se como uma autêntica cláusula geral, que comporta “sete elementos, sendo os cinco primeiros de relevância positiva (os mesmos terão que verificar-se) e os dois últimos de relevância neutra (o divórcio não se encontra dependente da sua verificação):
a) Dever ser revelada por um ou mais factos ;
b) Estes factos têm que ser diversos daqueles que são fundamento de outras causas de divórcio ;
c) Têm que ser reveladores da falência do casamento ;
d) A ruptura terá que revelar-se como definitiva (e não uma mera ruptura esporádica ou temporária) ;
e) Deve consistir numa situação objectiva, passível de ser constatada, não resultando de um simples e mero acto de vontade de um dos cônjuges ;
f) Não depende da eventual culpa de qualquer dos cônjuges ;
g) Não depende da verificação de qualquer prazo” [37].
Deste modo, a culpa “é irrelevante para o efeito de decretar o divórcio mas não como elemento de avaliação do preenchimento do conceito de «rutura definitiva do casamento»”, pois, por um lado, “o legislador não modificou, revogou ou alterou os deveres conjugais a que os cônjuges se mostram reciprocamente vinculados, antes os manteve, e, por outro lado, eliminou de forma definitiva a culpa, enquanto fundamento do divórcio, e as suas consequências patrimoniais”, pois tratou-se apenas de “transferir a questão da culpa para o juízo de avaliação e concretização do conceito legal de «rutura definitiva do casamento»”.
Todavia, os factos tradutores da ruptura definitiva do casamento “não podem implicar uma simples rutura ocasional, temporária, um pequeno desentendimento entre o casal, tendo que ser definitiva, no sentido de ser irremediável, sem solução, sem qualquer possibilidade de restabelecimento da relação conjugal e de uma plena comunhão de vida que o casamento implica e pressupõe” [38].
Refere Cristina M. Araújo Dias [39] que através da reforma legal operada pela Lei nº. 61/2008, de 31/10, eliminou-se a “modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, entendendo-se que o divórcio não deve ser uma sanção. Como se diz na exposição de motivos do projecto de lei referido, «o cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado «divórcio ruptura», por «causas objectivas», designadamente a separação de facto»”.
Donde, contrariamente ao que sucedia no antecedente regime, “o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa para aplicar sanções patrimoniais (…), regulando a lei as consequências patrimoniais do divórcio independentemente da culpa”.
Deste modo, eliminando-se as causas subjectivas de divórcio, mantém-se a “apreciação do juiz do caso concreto para preencher os conceitos indeterminados referidos na lei, nomeadamente para a determinação do que seja a «ruptura definitiva do casamento». De facto, podem aqui caber todos os factos que demonstrem tal ruptura, ou seja, será necessário formar o mesmo juízo que o tribunal fazia do comprometimento da vida em comum para efeitos do art. 1779º agora revogado”. 
Por sua vez, Rute Teixeira Pedro [40], reportando-se ao mesmo artigo 1781º, refere que nas três primeiras alíneas “a lei tipifica um conjunto de constelações fácticas cuja verificação, sob o ponto de vista legal, é significativa da ruptura do casamento e, por isso, sendo provada a respectiva ocorrência, determinante, in casu, do decretamento do divórcio. Na apreciação de tais causas de divórcio, não é dada ao julgador margem para atribuir, em concreto, um significado diverso à factispecies (…). Diversamente, a previsão normativa da al. d), formulada com recurso á técnica da cláusula geral, é dotada de ductilidade suficiente para abranger uma multiplicidade de cenários fácticos que o legislador não tipificou. A definição do significado dos comportamentos que a esta al. se procurem subsumir caberá ao juiz que apreciará se os mesmos revelam a rutura definitiva do casamento”.
E, reafirmando que se tratam de causas objectivas de divórcio, aduz que em nenhuma das alíneas “se exige a demonstração de uma atuação culposa de um dos cônjuges como facto constitutivo do direito ao divórcio”, pelo que o tribunal “não emitirá uma declaração de culpa dirigida a um ou ambos os consortes, sendo, portanto, tal censurabilidade irrelevante para a conformação dos efeitos do divórcio”.
No referente à citada alínea d), não está em equação qualquer situação de divórcio unilateral a pedido, antes sendo de exigir uma causa ou fundamento para o mesmo, pelo que, também nesta alínea ”se exija a demonstração da rutura do casamento através de factos externamente apreensíveis e que os mesmos apresentem uma gravidade equivalente à das constelações fácticas descritas nas als. anteriores”, ainda que reportando-se a factos diferentes destas.
Deste modo, a adoptada técnica legislativa “comunica amplitude à previsão normativa da al. d), a que, assim, poderão ser subsumidos factos muito diversos. Desde logo, revelarão a rutura definitiva do casamento as hipóteses fácticas em que se verifica a violação culposa dos deveres conjugais assumidos pelos cônjuges (art. 1672º), quando tal violação, pela sua reiteração ou gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum. Falamos, p. ex., de situações de violência doméstica ou de adultério. Apesar de a culpa não ser, como referido, um requisito necessário para a procedência do pedido ao divórcio fundado na al. d), a demonstração da sua existência não impede a aplicação da alínea, podendo até ser decisiva para caracterizar os factos como significativos da rutura do casamento, na medida em que os mesmos factos praticados sem culpa podem ser insuficientes para ter essa carga de sentido. A extensão normativa da al. d) não se esgota, no entanto, nessas hipóteses, que se encontravam previstas, antes da reforma de 2008, no anterior art. 1779º. Para recortar as situações que poderão relevar ao abrigo desta al., a doutrina e a jurisprudência continuam a fazer apelo aos critérios da gravidade dos atos, na sua singularidade ou reiteração, e da sua essencialidade para o comprometimento definitivo do casamento”. 
Consta da Exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/10, que esteve na origem da citada Lei nº. 61/2008, de 31/10, ter-se procurado a prossecução de um regime jurídico do divórcio, em consonância com uma visão actualizada do matrimónio, entendido este como espaço de vida a dois assente fundamentalmente no laço afectivo. Expôs-se expressamente que “decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atente contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro.
(…) Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – a clássica forma de divórcio-sanção – que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos; o divórcio não deve ser uma sanção. O cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por “causas objectivas”, designadamente a separação de facto. E nesta modalidade de divórcio, ao contrário do que hoje acontece, o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa, para aplicar sanções patrimoniais; afastam-se agora também estas sanções patrimoniais acessórias. As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por actos ilícitos, ficam alheias ao processo de divórcio. Encurtam-se para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. Se o sistema do “divórcio ruptura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento”.
“O abandono do fundamento da culpa é, aliás, ponto de convergência na legislação europeia como se pode ler na obra atrás citada: “A eliminação a qualquer referência à culpa é consistente com a evolução da lei e da prática nos sistemas legais europeus analisados. Em muitos desses sistemas a culpa foi abandonada. Mesmo os poucos que, de forma parcial, a mantém muitas vezes na prática evoluíram na direcção do divórcio sem culpa. De qualquer dos modos é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges” (in Boele-Woelki et al. (2004), Principles of European Family Law Regarding Divorce and Maintenance Between Former Spouses, Commission on European Family Law, Antwerp-Oxford, Intersentia, p.55)”.
Nas palavras de Pereira Coelho e Guilherme Oliveira [41], “a utilização de uma cláusula geral é o sistema que vem a ser consagrado nas legislações mais recentes e na verdade afigura-se o preferível. A enumeração legal das causas do divórcio traduzia, no fundo, o carácter repressivo e penal de que o divórcio se revestia na teoria clássica do divórcio-sanção. Era, de alguma maneira uma expressão do princípio nullum crimen sine lege: a “pena” do divórcio só devia ser imposta aos ilícitos conjugais como tais tipificados na lei. Abandonada a teoria do divórcio-sanção, não havia porém razão para que o sistema do numerus clausus das causas do divórcio permanecesse. A violação dos deveres conjugais podem revestir formas tão variadas que qualquer catálogo é necessariamente deficiente. De resto, a lição do direito comparado ensina-nos que as poucas legislações que se mantêm fiéis ao sistema do numerus clausus não se dispensam, quase todas, de inserir na lista uma cláusula geral, o que torna o sistema confuso” [42].
Conforme referenciado no douto Acórdão do STJ de 09/01/2018 [43], “com a nova “lei”, pretendeu afastar definitivamente o modelo que se baseava na ideia de divórcio-sanção e substituiu-o pelo chamado divórcio-constatação, divórcio-fracasso, divórcio-falência ou divórcio rutura, partindo do pressuposto que a relação matrimonial se fundamenta em exclusivo no afeto e que desaparecendo o afeto entre os cônjuges desaparece a razão de ser da relação matrimonial, justificando reconhecer a vontade da pessoa quando já não pretende continuar vinculada ao seu cônjuge, respeitando o livre desenvolvimento da personalidade garantido no artigo 26º da CRP e daí que na Exposição de motivos da Lei se expresse claramente:
“É o facto de a dimensão afectiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio. Daqui decorre também que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, pelo que representa de quebra das expectativas iniciais, se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar”.
E, citando Guilherme de Oliveira [44], aduz o mesmo aresto ter sido adoptada claramente a ideia do “divórcio-ruptura, ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na ruptura definitiva do matrimónio, e de que esta ruptura pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos (alínea d)).
Dito de outro modo, a ruptura do casamento não é relevante apenas quando se provam as “causas determinadas” pela lei (das alíneas a), b) e c)), mas também noutras situações que não são especificadamente previstas.
(…) O conhecimento da experiência dos sistemas estrangeiros que têm praticado esta via de dissolução mais amplamente de que o nosso país sugere que a utilização da alínea d) do novo art.1781º não deve permitir a relevância de factos banais e esporádicos.
Os factos a que os sistemas jurídicos dão relevo devem ser factos capazes de convencer o tribunal de que os laços matrimoniais se romperam, e se romperam definitivamente. A importância dos factos mencionados pela jurisprudência estrangeira pode chegar ao atentado contra direitos fundamentais de um cônjuge, ou atingir um patamar de gravidade ostensiva capaz de revelar claramente o fim do matrimónio” (sublinhado nosso).
Pelo que, conclui o mesmo douto Acórdão, o que é determinante “para que se verifique o fundamento previsto na alínea d) do artigo 1781º do Código Civil é que, perante os factos provados, se possa concluir com segurança que o vínculo conjugal está destruído, e que essa situação não é transitória, mas consolidada, e sem quaisquer perspectivas de ser ultrapassada, isto é que se está perante uma rutura definitiva do casamento” (sublinhado nosso).
Tal entendimento é igualmente sufragado no douto Acórdão do mesmo STJ de 27/04/2017 [45], no qual se referenciou que “a rutura definitiva do vínculo matrimonial deve ser consubstanciada em factos objetivos que, pela sua gravidade ou reiteração, impliquem, em conformidade com as regras da experiência comum, uma situação consolidada de rompimento da vida conjugal, sem qualquer propósito de restabelecimento por parte dos cônjuges, independentemente das respetivas culpas, não se bastando com factos banais ou esporádicos nem tão pouco com razões ou sentimentos de índole meramente subjetiva de qualquer dos consortes. Tem-se mesmo acentuado a necessidade de um padrão de exigência nivelado, em termos de sistemática hermenêutica, com as situações previstas nas alíneas a) a c) do citado artigo 1781.º, afora as suas especificidades, de forma a prevenir os riscos de algum voluntarismo.
Na larga maioria dos casos, a situação de rutura do casamento manifesta-se através de práticas reiteradas que se prolongam no tempo, indiciadoras do rompimento da sociedade conjugal sem qualquer propósito de a restabelecer, importando assim que se demonstrem os traços fundamentais dessa reiteração, diferentemente do que dantes se exigia no modelo de divórcio-sanção baseado em violação culposa dos deveres conjugais. Noutros casos, poderá mesmo a indiciação da rutura definitiva do casamento resultar de um núcleo fáctico único ou mais singular cuja gravidade seja de molde a implicar tal rutura” (sublinhado nosso).
Acresce que, in casu, tendo-se já o casamento dissolvido por óbito do cônjuge-marido, Autor na presente acção, esta prossegue apenas para efeitos patrimoniais, impulsionada pelos herdeiros daquele, conforme prescreve o nº. 3, do artº. 1785º, do Cód. Civil, o que se nos afigura não ter sido expressamente ressalvado na sentença sob apelo.
Pelo que, o efeito da presente acção “não será o de produzir a extinção da relação matrimonial, mas antes o de definir a data da produção dos efeitos patrimoniais da dissolução do casamento, já que, à luz do regime do art. 1789º, a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges poderá retroagir a um momento anterior ao da ocorrência da morte que ditou a dissolução do casamento. Assim, em vez de aquela extinção se produzir no momento da morte do cônjuge falecido, produzir-se-á, entre os cônjuges, em caso de procedência da ação de divórcio, a partir do momento da propositura da ação ou mesmo a partir da data anterior em que se deu início a falta de coabitação, na hipótese de a mesma ficar provada no processo e de ter sido formulado o pedido previsto no art. 1789º, nº. 2”.
Acresce, ainda, que “a definição da data da produção de efeitos patrimoniais em momento anterior ao da morte do cônjuge falecido determinará, desde logo, a destruição retroactiva da vocação sucessória do cônjuge sobrevivo ocorrida no momento da abertura da sucessão (art. 2031º)” [46].
Aqui chegados, de retorno ao caso concreto, urge então apreciar se a factualidade provada traduz a ruptura definitiva do casamento celebrado entre o então Autor e a Ré, ou seja, se é possível concluir, perante aquela factualidade, com a necessária segurança, que o vínculo conjugal ou matrimonial se encontrava destruído, e que tal situação é definitiva, sem perspectivas de alteração ou de inversão, no sentido de se encontrar solidificada, traduzindo efectiva e concreta ruptura do casamento.
Não se olvidando, logicamente, que incumbe ao Autor Requerente do divórcio (ora substituído pelos Habilitados herdeiros) o ónus de demonstração da realidade factícia alegada, na qual fundamenta o seu pedido de divórcio, sob pena de, não o cumprindo, ter-se que julgar pela improcedência do pedido.
Na sentença sob sindicância, a propósito do eventual preenchimento do fundamento de divórcio inscrito na apreciada alínea d), do artº. 1781º, do Cód. Civil, consignou-se o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 1672º do Código Civil, do contrato de casamento derivam para os cônjuges os deveres recíprocos de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Dos factos provados resulta que o A. e a R. violaram os deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação e cooperação uma vez que:
-  apesar de não se terem apurado indícios suficientes do cometimento do crime de violência doméstica em sede de inquérito, a R. apresentou uma queixa-crime contra o A. pela pretensa prática desse ilícito e insistiu com o pedido de abertura de instrução para que o A. fosse efectivamente levado a julgamento, o que, de acordo com as regras da experiência comum, não deixa de constituir uma humilhação e vexame para o A. que se viu constituído arguido sem fundamento;
-  o A. iniciou uma nova relação afectiva na vigência do casamento, vivendo com outra pessoa como marido e mulher desde Março de 2020 até ao óbito daquele;
-  a R. saiu da casa de morada de família, tendo as partes deixado de residir na mesma casa em Fevereiro de 2020, situação que perdurou até à morte do A. em Maio de 2021, não mais tendo actividades em conjunto como dormir na mesma cama, tomar refeições, passear, receber amigos, sem terem o propósito de retomar a vida em comum;
-  perdeu-se a confiança entre os cônjuges, indispensável à colaboração de ambos nos assuntos que dizem respeito à vida conjugal, tendo o A. revogado todo e qualquer testamento anteriormente feito, o que abarca evidentemente qualquer testamento que eventualmente tenha outorgado a favor da R., e tendo esta revogado toda e qualquer procuração conferida ao A. alegando que receia que este a possa usar contra a sua vontade e causar-lhe sério prejuízo.
Em face desta violação reiterada e grave entende-se que está demonstrada a ruptura definitiva do casamento entre A. e R. pois deixou de existir a comunhão de vida própria dessa união, deixou de haver afecto entre os cônjuges.
Tanto assim é que nenhum deles quer manter a vida em comum: o A. sempre desejou o divórcio e manteve essa intenção até ao seu falecimento e a própria R. deu o casamento como terminado no verão de 2020. Acresce que na sua contestação como nas declarações que prestou como testemunha no processo crime e nas que prestou como parte na audiência de julgamento destes autos a R. sempre defendeu que era vítima do A., que este não a respeitava e que sentiu os últimos anos de casamento como tormentosos, ao ponto de recear pela sua integridade física e vida. Ora, não obstante o arquivamento do inquérito pelo alegado crime de violência doméstica, aquele lamento da R. é sintomático de mal-estar na relação marital, sentimento que continuou a manifestar-se quase até ao óbito do A. pois em Março de 2021 a R. ainda pretendia que este fosse levado a julgamento pelo aludido crime, requerendo para tal a abertura da instrução.
Tendo-se perdido os vínculos matrimoniais, está irremediavelmente comprometida a possibilidade da vida em comum, não sendo exigível ao A. a manutenção do casamento”.
Ora, perante o quadro factual enunciado, assente na elencagem provada, é legítimo concluir que esta traduz um quadro objectivo que, atenta a sua gravidade e reiteração, implica, por apelo às regras de experiência comum, a aludida situação de rompimento definitivo dos laços conjugais ?
Ou seja, é possível concluir-se, com a necessária segurança, encontrar-se o vínculo conjugal destruído, de forma consolidada e não transitória, de forma a que possa concluir-se pela falência do casamento ?
Antes de respondermos a tais questões, urge, ainda, referenciar que na sentença sindicada acabaram-se também por juntar os factos que, por si só, não constituíam, no nosso entendimento (e contrariamente ao ali sufragado), fundamento bastante ou suficiente para preenchimento da causa tipificada na alínea a) – separação de facto por um ano consecutivo.
Ora, num determinado entendimento, a factualidade que, por si só, não é susceptível de preencher a totalidade de qualquer um dos requisitos das demais alíneas – a) a c) -, poder-se-á juntar à demais enunciada, de forma a aferir-se acerca do preenchimento da cláusula geral inscrita na alínea d) do mesmo normativo.
Efectivamente, conforme referencia Rute Teixeira Pedro [47], “[…] a separação de facto, a alteração das faculdades mentais e a ausência não poderão, por si, constituir fundamento bastante do divórcio, se não se verificarem os requisitos previstos, respectivamente, nas als, a), b) e c). Nesse caso, poderão, ainda assim, ser carreados para o processo para, conjuntamente com outros factos que lhes acrescentem significado, fundar um pedido à luz da al. d)” (sublinhado nosso).
Ora, quer se pondere, quer não se pondere tal adição, a descrita factualidade contida no transcrito segmento da sentença, que encontra respaldo na elencagem dos factos provados, revela-se, claramente, como bastante ou suficiente para o preenchimento da aludida cláusula geral, ou seja, traduz, de forma irremediável ou concludente, a aludida ruptura definitiva do casamento.
Efectivamente, afigura-se-nos que tais factos revelam e apresentam uma gravidade equivalente aos fundamentos inscritos nas antecedentes tipificadas alíneas, enformando-se a sua violação de suficiente gravidade a concluir pelo total comprometimento do casamento.
Precisando, vislumbramos claramente que a factualidade enunciada é totalmente convincente no sentido de concluir pelo total rompimento ou comprometimento dos laços conjugais, ou seja, que o vínculo conjugal entre Autor e Ré encontrava-se destruído, que essa situação era definitiva e não transitória e que não era, de alguma forma, ultrapassável.
Assim, tal factualidade é bastamente suficiente para traduzir um quadro de reiteradas práticas indiciadoras do rompimento da sociedade conjugal, sem quaisquer hipóteses ou perspectivas da sua convalidação ou restabelecimento, antes revelando, por si só, um grau de potencial gravidade capaz de traduzir o cessar daquele vínculo conjugal.
Efectivamente decorre daquela – nomeadamente e fundamentalmente, da insistência da cônjuge Ré em que o cônjuge Autor fosse julgado pelo crime de violência doméstica, mesmo após prolação de despacho de arquivamento pelo Ministério Público ; do facto do Autor ter iniciado nova relação afectiva no mês imediato ao da separação de facto, com quem passou a viver como marido e mulher ; da mútua perda de confiança e de afeição entre os cônjuges, evidenciada na revogação, por parte do cônjuge marido, de todo e qualquer testamento anteriormente feito, o que abarca evidentemente qualquer testamento que tivesse outorgado a favor da Ré mulher, tendo esta, por sua vez, revogado toda e qualquer procuração conferida ao cônjuge marido, alegando receio de uso contra a sua vontade e susceptibilidade de causar-lhe sério prejuízo - uma concreta situação em que a vida a dois do casal e a manutenção da relação decorrente do casamento sempre se tornaria impossível de perdurar, ou seja, não era exigível a qualquer dos cônjuges que mantivesse a relação familiar constituída através do contrato de casamento.
O que parece configurar-se como suficiente e bastante para justificar o deferimento do pedido de divórcio formulado, agora limitado aos efeitos patrimoniais deste, constatando-se a existência de uma efectiva ruptura definitiva do vínculo conjugal, pelo que inexiste razão para censurar o juízo que entendeu preenchido o fundamento ou causa de ruptura do casamento inscrita na alínea d), do transcrito artº. 1781º, do Cód. Civil.
O que determina, neste segmento, juízo de não acolhimento das conclusões recursórias, mas antes de sufrágio e confirmação da sentença recorrida, pelo que, sem outras delongas, que se nos afiguram dispensáveis, concluímos pela  improcedência da presente apelação.
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Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Ré/Apelante/Recorrente no recurso interposto, é a mesma responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goze.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante/Recorrente BB ............................, em que figuram como Habilitados Autores/Apelados/Recorridos P ............................e G ............................ e, consequentemente, decide-se pela confirmação da sentença apelada, esclarecendo-se que o divórcio decretado entre o Autor C ............................ e a  identificada Ré  limita-se aos efeitos patrimoniais deste.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são suportadas pela Ré/Apelante/Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goze.

Lisboa, 11 de Julho de 2024
Arlindo Crua
António Moreira
Higina Castelo
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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[7] Ob. cit., pág. 606.
[8] Ob. cit., pág. 370 e 371.
[9] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 604 e 605.
[10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 737.
[11] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[12] RLJ, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº. 3983, pág. 129 a 151.
[13] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372 a 375.
[14] Acerca da disponibilidade da tutela jurisdicional a operar pelo princípio do dispositivo, através das modificações objectivas da instância, por alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos dos artigos 264º e 265º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 1º, 4ª Edição, pág. 40.
[15] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 67 e 68.
[16] Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 285.
[17] Idem, pág. 285 a 287.
[18] Redacção da Lei nº. 61/2008, de 31/10, aplicável ao caso sub júdice.
[19] Miguel Teixeira de Sousa, O Regime Jurídico do Divórcio, Almedina, 1991, pág. 34.
[20] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao Código Civil.
[21] Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 80.
[22] a diferenciação entre causas objectivas e subjectivas de divórcio perde, reconheça-se, muita razão de ser no âmbito do vigente regime, em que já não está em equação um juízo de culpa dos cônjuges.
[23] Causas do Divórcio, 2ª edição, Elcla Editora, 1992, pág. 115.
[24] Idem, pág. 118 e 119.
[25] Curso de Direito de Família, 1ª edição, Coimbra, 1965, pág. 496.
[26] Fernando Brandão Ferreira Pinto, ob. cit., pág. 121.
[27] Mencionando que tal intencionalidade de não restabelecer a comunhão de vida não é algo que deva ser procurado no estado anímico dos cônjuges, sendo antes um propósito que há-de exteriorizar-se através do comportamento dos cônjuges ou de uma sua declaração expressa, cf.., Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 86.
[28] Relator: Abel de Campos, Doc. nº. SJ197903010675482, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[29] Relator: Ferreira Girão, Doc. nº. SJ200610240028982, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[30] Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº. 2610/10.9TMPRT.P1.S1.
[31] Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 445/13.6TBPTS.L2-2, no qual o ora Relator figurou como 2º Adjunto.
[32] Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 29812/15.9T8LSB.L1-2, no qual o ora Relator figurou como 2º Adjunto.
[33] Relator: Lucas Coelho, Processo nº. 05B2266.
[34] Relator: Sebastião Póvoas, Doc. nº. SJ20070306002971.
[35] Relator: Diogo Ravara, Processo nº. 1942/19.5T8CSC-D.L1-7.
[36] Relator: Paulo Fernandes Silva, Processo nº. 2271/20.7T8BRR.L1-2, com um voto de vencido (Desembargador Pedro Martins).
[37] Divórcio e Responsabilidades Parentais, 2ª Edição, Guia Prático, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 38.
[38] Idem, pág. 38 e 39.
[39] Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio, 2ª Edição, Almedina, 2009, pág. 36 a 41.
[40] Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol, II, 2017, Almedina, pág. 682 a 684.
[41] Curso de Direito da Família, 4ª Edição, pág. 619 e 620.
[42] Enunciam Carlos Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira – Direito da Família, Tópicos para uma Reflexão Crítica, 2ª Edição Actualizada, AAFDL, 2011, pág. 20 e 21 – acolher a Lei nº. 61/2008, de forma inequívoca, “o regime do divórcio-fracasso (clean break), como decorre do artigo 1781º, alíneas a), c) e d), que a doutrina tende a distinguir do divórcio-remédio a que se reportaria a alínea b) do mesmo artigo, sem que se veja de facto razão para tal dicotomia técnica”.
[43] Relator: Pedro de Lima Gonçalves, Processo nº. 8992/14.6T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[44] A Nova Lei do Divórcio, págs.13/14 – Lex Familiae.
[45] Relator: Tomé Gomes, Processo nº. 273/14.1TBSCR.L1.S1, in www.dgsi.pt .
[46] Rute Teixeira Pedro, ob. cit., pág. 688.
[47] Ob. cit., pág. 684.