RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
FRAUDE FISCAL
REJEIÇÃO
Sumário


Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, em pleno das Secções Criminais, decide julgar não verificada a oposição de julgados e, em consequência, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, rejeitar o recurso interposto pelo arguido.

Texto Integral

Acordam no Pleno das Seções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, devidamente identificado nos autos, interpôs o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de setembro de 2019, alegando existir oposição de julgados entre o decidido neste acórdão e o decidido, no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de facto, no acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto de 11 de abril de 2019, no processo n.º 9287/13.8TBVNG.P2, indicado como acórdão fundamento.

2. A questão de direito consistiria em saber se a omissão de solicitação de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis («IMT»), por caducidade da isenção pela aquisição de prédios para revenda (artigos 7.º, 11.º, n.º 5, e 34.º do «CIMT» – Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis), constitui crime de fraude fiscal p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, al. b), do «RGIT» (Regime Geral das Infrações Tributárias.

3. Por acórdão proferido em 5 de maio de 2021, a conferência da 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça julgou verificada a oposição de julgados e determinou o prosseguimento dos autos, em conformidade com o disposto no artigo 441.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Penal («CPP»).

4. Foram notificados os sujeitos processuais, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 1, do CPP, tendo o recorrente e o Ministério Público apresentado as suas alegações em que formularam conclusões.

1. O recorrente AA conclui:

«1) A decisão recorrida traduz-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 2.ª Secção Criminal, de 11/09/2019, proferido no processo n.º 201/11.6..., que julgou improcedente o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de vila ..., Juiz 1, que condenou o Arguido pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo Art.º 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de €8,00, perfazendo o total de €2.000,00;

2) O Acórdão fundamento é o proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, 2.ª Secção Criminal, de 11/04/2019, no âmbito do processo n.º 9287/13.8TBVNG.P2, que julgou procedente o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de ..., Juiz 2, que absolveu o Arguido da prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo artigo 103.º, n.º 1;

3) Ambos os acórdãos dizem respeito a factos praticados após 2006, e, portanto, no âmbito da redacção pela Lei n.º 6-A/2005, de 30/12, ao Art.º 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho;

4) Ambos os acórdãos assentam em factualidade que se traduz na omissão de solicitação da liquidação do IMT no prazo de 30 dias após a caducidade da respectiva isenção;

5) No acórdão recorrido tal factualidade foi subsumida na alínea b) do n.º 1 do Art.º 103.º do RGIT, ao passo que no acórdão fundamento se considerou que a omissão de solicitação da liquidação do IMT não pode ser considerada como “ocultação de factos ou valores” para efeitos do preenchimento do ilícito típico de fraude fiscal;

6) A alínea b) do n.º 1 do Art.º 103.º do RGIT exige uma conduta de efectiva ocultação de factos ou de valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, o que não se verifica in casu.

7) Para constituir facto típico, a ocultação em causa tem que corresponder a uma acção cujo efeito seja a colocação fora do conhecimento da Administração Fiscal de determinados factos ou valores;

8) Pelo contrário, a obrigação de solicitar a liquidação do IMT na sequência da caducidade da isenção não tem como objectivo cientificar a Administração Fiscal sobre as aquisições efectuadas e respectivos valores, pois de tais factos sempre aquela tem sempre conhecimento, quer por via da actualização das inscrições matriciais no que respeita à propriedade dos imóveis pela sociedade arguida, nos termos do disposto no Art.º 13.º do CIMI, quer por via da comunicação notarial das escrituras, nos termos do disposto no Art.º 49.º do CIMT;

9) Não é susceptível de ocultação aquilo que já é conhecido.

10) O próprio sistema baseia-se no pressuposto de que a Administração Fiscal não depende da iniciativa do sujeito passivo do imposto para proceder à liquidação oficiosa do IMT, nos termos do disposto nas normas supra citadas;

11) Tal circunstância é ainda mais evidente nos presentes autos, na medida em que o Arguido comunicou à Administração Fiscal a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal no prédio adquirido para revenda, ao qual foi atribuído um novo artigo matricial;

12) Por consequência, se a declaração de solicitação de liquidação do IMT não tem o escopo ou o efeito de dar a conhecer à Administração Fiscal as transmissões, e respectivos valores, sobre as quais incide o imposto, em virtude de aquela já possuir tal conhecimento, a omissão de apresentação de tal declaração não é subsumível na alínea b) do n.º 1 do Art.º 103.º do RGIT.

13) Os factos pelos quais o Arguido foi condenado são, na realidade, puníveis como contra-ordenação, e não como crime, nos termos do disposto no Art.º 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, alínea c) do RGIT».

Assim, propõe a fixação de jurisprudência com o seguinte sentido:

«A omissão de solicitação da liquidação do IMT não constitui ocultação de factos ou valores para efeitos do artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.»

2. Por sua vez, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto formulou conclusão propondo fixação de jurisprudência nos seguintes termos:

«O arguido que se dedica ao exercício da actividade de compra de prédios para revenda e que, por esse motivo, beneficia da isenção prevista no art. 7.º, n.ºs 1 e 2, do CIMT, comete o crime de fraude fiscal p. e p. pelo art. 103.º, n.º 1, al. b), do RGIT se, ocorrendo a caducidade da isenção prevista no art. 11.º, n.º 5, do CIMT, não solicitar a liquidação do imposto no prazo legal estabelecido no art. 34.º do CIMT (conquanto actue com dolo e o montante do imposto que quis deixar de pagar em consequência da omissão seja igual ou superior a 15000 euros)».

4. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

5. Tendo em conta o disposto no 692.º, n.º 4 Código de Processo Civil («CPC»), aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, não sendo a decisão da secção criminal vinculativa, há que previamente reexaminar a oposição de julgados afirmada no acórdão de 5 de maio de 2021.

6. Dispõe o artigo 437.º do CPP que:

“1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público”.

Por sua vez, o artigo 438.º do CPP estabelece que:

“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”

7. Tendo presente estas disposições legais, vem o Supremo Tribunal de Justiça, em jurisprudência uniforme e reiterada, requerendo a verificação de um conjunto de pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (por todos, o acórdão do pleno das secções criminais de 8.7.2021, Proc. 3/16.PBGMR-A.G1.S1, em www.dgsi.pt).

Em síntese, verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) o recorrente tenha legitimidade e interesse em agir; (b) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); (c) o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (d) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (e) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência.

E verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas”; (c) a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.

8. Não existem dúvidas no que respeita ao preenchimento dos pressupostos de ordem formal, como se concluiu no acórdão preliminar de 5 de maio de 2021.

O recorrente, sendo arguido, tem legitimidade para a interposição do presente recurso e tem interesse em agir, pois viu a sua condenação criminal ser confirmada pelo acórdão recorrido (artigos 437.º, n.º 4, e 401.º, n.º 2, ex vi artigo 448.º do CPP).

Ambos os acórdãos – recorrido e fundamento – foram proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e transitaram em julgado, encontrando-se este último publicado na base de dados da jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto acessível via internet em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0f2354c1d0f6bcaa80258400003cab7b?OpenDocument.

O recurso é tempestivo, uma vez que foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, nos termos prescritos pelo artigo 438.º, n.º 1, do CPP.

9. Importa, pois, averiguar se os pressupostos de natureza substancial também se encontram verificados.

10. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos transitados em julgado dos Tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, com a eficácia prevista no artigo 445.º do CPP, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

Tendo por objeto a apreciação de decisões em matéria de direito, requer que, como seu pressuposto e fundamento (artigo 437.º do CPP), as mesmas normas, na aplicação a factos idênticos, tenham sido interpretadas diversamente, com base em soluções opostas ou inconciliáveis obtidas em resultado de interpretações diferentes quanto à mesma questão de direito, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento. O que interessa saber “é se, para a resolução do caso concreto, os tribunais, em dois acórdãos diferentes, chegaram a soluções antagónicas” quanto ao sentido da mesma norma aplicada nesses dois acórdãos (Alberto dos Reis apud Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., 2020, pp. 213-214).

A questão de direito a resolver por via do recurso há de corresponder a uma idêntica “situação de facto” colocada perante uma idêntica “hipótese normativa”, na consideração dos seus diversos elementos relevantes, requerendo uma “decisão por um critério de interpretação” de entre “hipóteses interpretativas” divergentes (acórdão de 28.9.2022, Proc. n.º 503/18.0T9STR.E1-A.S1, em www.dgsi.pt, citando Ulrich Schroth, Hermenêutica Filosófica e Jurídica, «Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas», A. Kaufmann/W. Hassemer, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed., Lisboa, 2015, p. 398).

Estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objetivos de segurança jurídica, impõe a lei exigentes requisitos, os quais se evidenciam, desde logo, na sua específica regulamentação (por todos, o acórdão de 3.11.2021, proc. 36/21.8GJBJA-A.E1-A.S, em www.dgsi.pt).

12. Examinado o processo, mostra-se que:

Quanto aos factos do acórdão recorrido

12.1 O acórdão recorrido confirmou a condenação do recorrente AA, como autor de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, que «[r]eforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo regime geral para as infracções tributárias» («RGIT») e 7.o, 11.º, n.º 5, e 34.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro) na pena de 250 dias de multa, à razão diária de €8,00.

Da sentença proferida em 1.ª instância, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto invocando, em suma, que a decisão estava afetada pelos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, que não se encontravam preenchidos os elementos objetivos do tipo de crime de fraude fiscal e que existiam várias inconstitucionalidades.

Pretendia, assim, que a decisão condenatória fosse revogada e substituída por outra que o absolvesse da prática do crime por que havia sido acusado e condenado.

12.2. Foram dados como provados os seguintes factos:

«1 - A arguida "G..., S.A.", encontra-se colectada pelo 2.º Serviço de Finanças de ..., estando enquadrada, em sede de IVA, no regime de isenção previsto no art. 9.º do CIVA e tributada em sede de IRC no regime geral pelo exercício da actividade principal de construção de edifícios residenciais e não residenciais, a que corresponde o CAE 41200, e actividade secundária de compra e venda de bens imobiliários a que corresponde o CAE 68100.

2 - Os arguidos BB e AA são sócios gerentes dessa sociedade desde 08/11/2001, tendo sido nomeados seus administradores aquando da sua transformação em sociedade anónima por deliberação de 25/06/2008 registada na Conservatória do Registo Comercial em 1/7/2008.

3 - Por escritura pública de compra realizada no junto do notário CC, em ..., em 17 de Janeiro de 2007, a sociedade arguida "G..., S.A.", representada pelo arguido BB, na data sócio gerente e actualmente ..., adquiriu uma parcela de terreno destinada a construção urbana, sita na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número três mil trezentos e nove e inscrita na matriz urbana sob o artigo ...2, da freguesia de ..., do concelho de ..., pelo valor de € 830.000,00 (oitocentos e trinta mil euros).

4 - Na data foi exibida certidão emitida em 15/1/2007 pelo 2.º Serviço de Finanças de ..., de onde constava que a sociedade arguida estava colectada pela actividade de compra de bens imobiliários e que exerceu normalmente aquela actividade no ano transacto, tendo sido declarado que o imóvel se destinava a revenda, motivo pelo qual, naquele acto, beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas (CIMT).

5 - Porém, a sociedade e os arguidos BB e AA decidiram dar destino diverso àquele prédio, não o revendendo mas antes decidindo nele construir uma habitação multifamiliar, tendo solicitado à Câmara Municipal o alvará de construção que obteve o nº .60/07 e que foi emitido em 12/4/2007.

6 - Em 16/12/2009 a sociedade arguida "G..., S.A." participou a conclusão da construção no artigo urbano 5722 - ..., de um prédio em regime de propriedade horizontal ao qual foi atribuído o novo artigo com o número 6054 com as respectivas fracções.

7 - Os arguidos, sociedade "G..., S.A." e seus administradores, BB e AA, sabiam que tinham o prazo de 30 (trinta) dias a contar da data em que deram destino diferente ao prédio adquirido para revenda para solicitarem a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

8 - Mais sabiam que estavam obrigados a pagar o IMT por se ter dado a caducidade da isenção da qual tinham beneficiado aquando da aquisição do prédio.

9 - O imposto devido pela aquisição do referido prédio ascende à quantia de € 53.950 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta euros) que corresponde à aplicação da taxa de 6,5% sobre o valor de aquisição que foi de € 830.000,00.

10 - Ao não declararem o novo destino dado ao prédio e ao não pagarem o tributo devido à Administração Tributária, os arguidos agiram de comum acordo, com o intuito de beneficiarem a arguida "G..., S.A.", causando uma diminuição no montante de € 53.950,00, em sede de Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, assim obtendo vantagem patrimonial para a sociedade arguida a que sabiam não ter direito.

11 - Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. (…)

16 - A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença proferida em 4/6/12 e ainda não transitada em julgado, no âmbito do processo de insolvência nº 91/12.1... do 3o Juízo do Tribunal do Comércio de ..., conforme certidão de fls. 296 e ss.

17 - O valor do tributo devido em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis está integralmente por liquidar.”

12.3. Apreciando do mérito do recurso, o Tribunal da Relação julgou não verificado qualquer dos invocados vícios da decisão sobre a matéria de facto, que considerou assente, e julgou improcedente o recurso na parte restante, nomeadamente quanto às inconstitucionalidades invocadas.

Na parte respeitante à qualificação jurídica dos factos, concluiu que se mostravam preenchidos os elementos do tipo de crime de fraude fiscal, dizendo o seguinte:

«O crime em causa pode ser cometido por acção ou por omissão, tal como referido na decisão recorrida: "desde que a falta de apresentação de declarações que devam ser prestadas ou apresentadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável, se consubstancie na ocultação de factos ou valores que delas devem constar", o crime mostrar-se-á praticado. "Ponto é que o agente queira a ocultação dos factos ou valores com a falta de apresentação da declaração com vista ao não pagamento total do imposto".

No caso, "não obstante a caducidade da isenção, por via de o prédio ter sido adquirido para revenda, mas ter-lhe sido dado destino de construção, não foi solicitada a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, alcançando assim vantagem patrimonial a que não tinha direito".

Daqui resulta a ocultação de facto - o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda -, por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária.

Em conclusão, mostra-se preenchido o tipo em causa. (...)».

Quanto aos factos do acórdão fundamento (processo 9287/13.8TBVNG.P2)

12.4. O acórdão fundamento concedeu provimento ao recurso interposto pelo arguido, revogando a sentença que, em 1.ª instância, o havia condenado pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, al. b), do RGIT, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis) euros.

No recurso, o arguido arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, invocou os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável entre a fundamentação e a matéria de facto não provada e de erro notório na apreciação da prova, alegou a existência de erro de julgamento na decisão sobre a matéria de direito (enquadramento jurídico-penal dos factos) e a inconstitucionalidade das normas punitivas interpretadas no sentido em que foram aplicadas.

12.5. Foram dados como provados os seguintes factos:

«2.1. A sociedade comercial “C…, SA”, foi constituída em 2002 e dedica-se à construção de prédios para venda; compra e venda de imóveis; compra, venda e revenda dos constituição e comercialização de loteamentos.

2.2. Na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontra-se colectada em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade principal de “construção de edifícios residenciais e não residenciais”, CAE …..,e actividade secundária de “compra e venda de bens imobiliários”, CAE ….., pelo Serviço de Finanças de ... 2.

2.3. A sociedade arguida começou por ser uma sociedade por quotas, passando a partir de 01/07/2008 a assumir a forma de sociedade anónima.

2.4. Nos anos de 2006 a 2008, o arguido era gerente e /ou administrador da sociedade, consoante o caso, e como tal seu legal representante.

2.5. Com o início da actividade referida, devidamente declarado às finanças, a sociedade arguida vinculou-se às inerentes obrigações fiscais, nomeadamente, as de entregar à Administração Tributária as quantias devidas a título de Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT) referentes aos imóveis por si transaccionados (adquiridos/revendidos).

2.6. De tais obrigações fiscais tinha o arguido perfeito conhecimento, bem sabendo que estavam legalmente obrigados a entregar ao Estado – Fazenda Nacional – nos prazos fixados na Lei, as quantias devidas a título de tal imposto.

2.7. No entanto, o arguido com o objectivo de não liquidar o IMT e consequente não pagamento do imposto devido, por ter sido dado um destino diferente aos prédios rústicos a seguir referidos adquiridos para revenda, não solicitou no prazo legalmente previsto a liquidação do IMT, obtendo, assim, vantagem correspondente ao valor de imposto devido.

2.8. Assim:

2.8.1. Por escritura pública de permuta realizada em 30 de Junho de 2006, realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em ..., o arguido D…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida C…,SA e em representação desta, permutou com F… o prédio rústico sito no Lugar …,freguesia …, inscrito na matriz sob o artigo 1181, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil quinhentos e um, pelo valor de €517.500,00 e com G… um prédio rústico, com a área de cinco mil seiscentos e oitenta e nove metros quadrados, situado no lugar …, freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1205, pelo preço total 435.000,00€, declarando o arguido no momento da escritura que os imóveis em causa se destinavam a revenda.

2.8.2. Por escritura pública de compra e venda realizada em 02 de Setembro de 2008,realizada perante o Notário E…, no seu Cartório Notarial, sito na Rua …, n.º …, em ..., o arguido B…, actuando na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade arguida C…, SA e em representação desta, comprou a H… e I… o prédio rústico sito nos limites dos lugares de … e …, freguesia de …, concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo …., com o valor patrimonial de 52,73€ descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil seiscentos e noventa e três, pelo preço total de €515.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.8.3. Por escritura pública de compra e venda realizada em 25 de Julho de 2008,realizada perante a Notária J…, no seu Cartório Notarial, sito na Av. …, n.º …./…., …, ….- …, Porto, B… e D…, actuando na qualidade de administradores da sociedade arguida “C…, SA” e em representação desta, compraram a K… e L… o prédio urbano composto por terreno para construção denominado lote A-8.10, sito em …, Rua …, …, freguesia de…, Concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo …., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o numero três mil quinhentos e quarenta e cinco, pelo preço total de €500.000,00, declarando os arguidos no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.9. Nessa sequência da permuta e compra e venda efectuadas, as transmissões em causa ficaram isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando tal exarado nas referidas escrituras públicas.

2.10. A isenção de IMT, pela aquisição de prédios para revenda, prevista no artigo 7.° do CIMT, está condicionada a que o adquirente exerça normal e habitualmente essa actividade e que os prédios assim adquiridos sejam revendidos, sem que seja novamente para revenda, no prazo de 3 anos, caducando a isenção caso não se verifique essa revenda, no prazo legal, ou logo que se verifique que foi dado um destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 11°,do CIMT.

2.11. Os mencionados imóveis não foram alienados no prazo de três anos, como referido na escritura pública, sendo devida a liquidação do imposto - IMT - pela referida aquisição.

2.12. Contudo, a sociedade, através de D… e B…, não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).

2.13. Nem o fizeram após terem sido notificados para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.

2.14. Por escritura publica de compra e venda realizada em 14 de Dezembro de 2007, realizada perante o notário M…, no seu cartório notarial sito em …, Freguesia de …, o arguido B…, actuando na qualidade de sócio gerente da sociedade arguida “C…, Lda” e em representação desta, comprou a N…, O…, P… e Q… a parcela de terreno para construção urbana sito em …, …, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número nove mil oitocentos e setenta e cinco, inscrito na matriz sob o artigo….., pelo valor de €285.000,00, declarando o arguido no momento da celebração da escritura que o imóvel em causa se destinava a revenda.

2.15. Nessa sequência, a transmissão em causa ficou isenta de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis com o fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ficando tal exarado na referida escritura pública.

2.16. O mencionado imóvel não foi alienado no prazo de três anos, como referido na escritura pública.

2.17. A sociedade, através do arguido não entregou no Serviço de Finanças da localização do Imóvel (nos termos do artigo 34.º, n.º 2, do CIMT) a correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respectiva liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões), no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6).

2.18. Nem o fez após a sociedade arguida ter sido notificada para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa.

2.19. Em 27-06-2008 foi emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de construção n.º .37/2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, naquele artigo, prédio esse que foi efectivamente construído pela sociedade arguida e participada a sua conclusão à matriz predial urbana da freguesia de … - ..., em 18-05-2010, tendo dado origem ao artigo ….., fracções A, B e C.

2.20. O artigo … urbano de … (lote de terreno), deu origem ao artigo ….. (também lote de terreno), com a participação de um modelo 1 do IMI em 26-11-1008, com motivo de prédio melhorado, e que se traduziu num aumento da área total do terreno de 1.832,22 m2 para 2.048,91 m2.

2.21. A Câmara Municipal de ... emitiu alvará de construção n.º .37/2008, emitido em27-06-2008, autorizando a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, piscinas e muros de vedação, no artigo ….. urbano de ….

2.22. Em 18-05-2010, a sociedade arguida participou através da declaração modelo 1 do IMI, a conclusão da construção, do prédio em regime de propriedade horizontal, no lugar de …, …, ao qual foi atribuído o artigo n.º ….. urbano da freguesia de … - ..., com as fracções A, B e C, construído no artigo ….. (lote de terreno), e participado à matriz, em26-11-2008, como proveniente do artigo ….., também lote de terreno, artigo este adquirido em 14-12-2007, com a indicação de destinado a revenda.

2.23. Em 18-05-2010 foi o artigo ….. (terreno para construção) desactivado, por ter dado origem a um novo artigo.

2.24. O IMT não pago é de €32.879,60, €15.500, €25.750 e €18.525, respectivamente.

2.25. Ao não solicitar a liquidação de IMT tal como devia e podia, no prazo legal de 30 dias após a caducidade da isenção, os arguidos, na qualidade de legais representantes da sociedade arguida e agindo em nome desta, agiram no propósito, que lograram alcançar, de evitar a liquidação daquele imposto.

2.26. Com a conduta dos arguidos a sociedade arguida omitiu valores que efectivamente auferiu, obtendo, assim, um benefício pecuniário a que não tinha direito à custa do erário público da Fazenda Nacional e em detrimento do Estado.

2.27. Ao não entregar a declaração em causa, a que sabia estar legalmente obrigado, o arguido enquanto legal representante da sociedade, omitiu ao Fisco as transacções efectuada e os respectivos valores, impedindo que a Administração Fiscal tivesse conhecimento dos lucros obtidos, conseguindo, assim, obter uma vantagem patrimonial que pretendiam, no valor de €32.879,60, €15.500,00, €25.750,00 e €18.525,00., por aplicação das taxas e regras de tributação aos valores de aquisição dos artigos urbano…., rústicos …. e …., todos da freguesia de ... e artigo …., de …, ….

2.28. Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, a sociedade, através do arguido, não regularizou a sua situação fiscal e nada pagou à Fazenda Publica a titulo de IMT e recusam-se a satisfazer as suas obrigações fiscais em divida, encontrando-se o Estado patrimonialmente prejudicado naqueles valores resultante da aplicação do taxa de5% e 6,5% consoante se trate de prédios rústicos ou urbanos (nos termos dos artigos12.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 17.º, n.º, 1, al. c) e d), do CIMT).

2.29. O arguido estava consciente das obrigações que sobre ele impedia de entregar à Administração Fiscal os supra referidos montantes de IMT, que era devido ao Estado a título de tal imposto e que, não obstante, integraram no seu património e no da sociedade.

2.30. Actuando por si e na qualidade de legal representante da sociedade arguida, actuando em nome e no interesse colectivo desta.

2.31. Ao não entregar a respectiva declaração respeitante à aquisição ocorrida, actuou com o intuito de omitir o lucro da sociedade arguida, de molde a não pagar ao Estado o IMT que era devido, fazendo-o seu e da sociedade arguida, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que se destinava aos cofres do Estado, pelo que não o podiam utilizarem seu benefício pessoal ou em proveito daquela sociedade, bem assim como não o podia integrar no seu património ou no daquela.

2.32. Actuou com o objectivo de se locupletar com tais quantias, obtendo, para si e para a empresa arguida, um enriquecimento patrimonial ao qual sabia não ter qualquer direito, bem como com o propósito de causar o correlativo prejuízo ao Estado Português, comode facto causou pois, ao não entregarem à Administração Fiscal aqueles montantes de IMT diminuíram as receitas tributárias e, por via disso, lesaram o erário público da Fazenda Nacional naquele montante global que não entrou nos cofres do Estado, e deforma indirecta a generalidade dos contribuintes cumpridores.

2.33. Para além disso, ao actuar como actuaram, isto é, ao não entregarem no prazo legal de 30 dias ao Fisco as declarações para não pagar o IMT devido, ofenderam e colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que tais documentos visam atestar, violando, desse modo, a verdade e a transparência fiscal, consequentemente, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando também, e por via disso, o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, pondo ainda em causa os deveres de lealdade e colaboração que devem pautar as relações tidas com a Fazenda Nacional, defraudando-a através do não pagamento de tais montantes de IMT.

2.34. O arguido agiu de forma livre, voluntária, deliberada bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

2.35. A administração fiscal, por via das actualizações das inscrições matriciais quanto à propriedade dos imoveis da sociedade tinha conhecimento dos factos que motivavam a liquidação de IMT,

(…)»

12.6. Apreciando o mérito, o Tribunal da Relação julgou procedente o recurso, fundamentando a decisão de direito nos seguintes termos:

«A sociedade comercial representada pelo recorrente adquiriu, para declaradamente revender no âmbito da sua actividade comercial certificada pela administração fiscal ,quatro imóveis (tendo beneficiado da isenção do IMT), e não procedeu à revenda dos mesmos no prazo de três anos contado das respectivas aquisições, facto que decorre inexoravelmente do decurso do tempo e que opera por mero efeito da lei.

A administração tributária tem conhecimento:

- das isenções (as escrituras públicas foram-lhe comunicadas);

- da certificação da actividade da sociedade comercial adquirente (que emitiu) que lhe permitiu obter o reconhecimento das isenções nos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis;

- do percurso do registo predial dos direitos inscritos relativamente aos imóveis (relativamente aos quais tem acesso directo) e, principalmente;

- das inscrições matriciais dos imóveis (de que é editora e gestora).

A ausência de solicitação da liquidação do IMT (no caso de caducidade da sua isenção pelo decurso do prazo para revenda) por parte do sujeito passivo representa uma omissão, seguramente, mas versará sobre uma declaração de factos (não ter revendido o imóvel nos três anos subsequentes ao reconhecimento da isenção) que o sujeito passivo tem obrigação de revelar à administração fiscal?

A resposta terá de ser negativa.

Não existe qualquer dever legal de informar a administração fiscal do decurso do prazo de três anos sem revenda dos imóveis (entendido como facto) mas, tão só, por força da caducidade da isenção do IMT, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo (dito de forma mais clara, o imposto surge na esfera patrimonial do sujeito passivo no primeiro dia após o decurso do prazo de três anos, entendido como razoável para a celebração do acto de revenda por parte de quem, profissional, habitual e normalmente desenvolve tal actividade, reconhecida pela administração fiscal em todos e cada um dos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis).»

Concluiu, assim, que “o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, nº1,alínea b), do RGIT.”, pelo que absolveu o arguido.

13. Da leitura destas decisões verifica-se que, no essencial, em ambas se apreciou se, na sequência da caducidade da isenção do IMT, a inércia do sujeito passivo é passível de preencher, ou não, os elementos objectivos típicos do crime de fraude fiscal, tendo os acórdãos alcançado diferentes soluções. Importa, contudo, determinar se essa disparidade decisória consubstancia uma efectiva oposição de julgados.

14. Como já anteriormente se mencionou (supra, 11), a questão de direito a resolver há de corresponder a uma idêntica “situação de facto” colocada perante uma idêntica “hipótese normativa”.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem acentuado, unanimemente, a necessidade de existir uma essencial identidade de factos, não se bastando com a mera oposição de soluções jurídicas abstraídas do «diálogo» entre os factos em apreciação, na sua individualidade, e a norma aplicável.

Importa, assim, “que se esteja perante a mesma questão de direito. E isso só ocorrerá quando se recorra às mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente. Interessa, pois, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas. (…) A expressão «soluções opostas» contida no n.º 1, do artigo 437.º do CPP, pressupõe que nos dois acórdãos a situação de facto seja idêntica uma vez que a decisão da questão de direito não pode ser desligada do substrato factual sobre a qual incide. Daí que, justamente, se considere que a identidade ou similitude substancial dos factos constitua também condição para determinar a identidade ou a oposição de julgados. A exigência de uma identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito decorre, aliás, de só assim ser possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito foram adoptadas soluções opostas” (como se afirma no acórdão de 6.1.2021, processo n.º 109/12.8GDARL.E3-A.S1, em «Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», www.dgsi.pt, e em jurisprudência nele citada).

Da situação fáctica, ressalvam-se, naturalmente, particularidades que, casuisticamente, não interfiram com a ratio decidendi da causa. A imposição de equivalência fáctica impõe-se, pois que a sua falta poderá estar na origem de soluções de direito distintas. Assim, “as soluções só são opostas se se verificar o pressuposto da mesmidade da questão de facto e, cumulativamente, o antagonismo de decisões judiciais. O que só ocorrerá quando a situação fáctica sobre que incidiram se apresente com contornos equivalentes para desencadear a aplicação das mesmas normas jurídicas. Sendo diversa a situação de facto subjacente às duas soluções jurídicas colocadas em confronto, não é possível estabelecer comparação entre ambas, sendo até espetável que a decisão seja diferente” (acórdão do pleno de 31.1.2024, processo n.º 1420/11.0T3AVR.G1-G.S1, loc. cit.).

15. Para aferir da identidade de factos, importa, então, perscrutar o núcleo factual relevante de ambos os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto.

15.1. No acórdão recorrido, o recorrente é um dos sócios-gerentes da sociedade “G..., S.A.”, cuja atividade principal respeita à construção de edifícios residenciais e não residenciais, sendo a sua atividade secundária de compra e venda de bens imobiliários (factos provados n.os 1 e 2).

A referida sociedade adquiriu uma parcela de terreno destinada a construção urbana, tendo sido declarado, aquando da realização da escritura pública de compra e venda, que teve lugar a 17 de janeiro de 2007, que o prédio em causa se destinava a revenda, motivo pelo qual, naquele ato, a sociedade beneficiou da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosa («CIMT») (pontos 3 e 4 dos factos provados).

Resulta, ainda, assente que a sociedade e os seus sócios-gerentes, entre eles o aqui recorrente, decidiram dar destino diverso àquele prédio, não o revendendo, mas antes decidindo nele construir uma habitação multifamiliar, para o que solicitaram à Câmara Municipal o competente alvará de construção, o qual foi emitido em 12-04-2007 (facto provado n.º 5). Por sua vez, em 16-12-2009, foi participada pela sociedade arguida a conclusão da construção de um prédio em regime de propriedade horizontal, na parcela de terreno que havia sido adquirida (facto provado n.º 6).

Encontra-se igualmente provado que os arguidos, incluindo o recorrente, sabiam que tinham o prazo de 30 dias a contar da data em que deram destino diferente ao prédio adquirido para revenda para solicitarem a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, sabendo que estavam obrigados a pagar o IMT, por se ter dado a caducidade da isenção da qual tinham beneficiado aquando da aquisição do prédio (factos provados n.os 7 e 8).

Como tal, ao não declararem o novo destino dado ao prédio, e ao não pagarem o tributo devido à Administração Tributária, os arguidos agiram de comum acordo, com o intuito de beneficiarem a arguida “G..., S.A.”, assim obtendo vantagem patrimonial para a sociedade arguida a que sabiam não ter direito (facto provado n.º 10), pelo que se considerou ter sido praticado um crime de fraude fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 1, al. b), do RGIT.

15.2. Sucede que a situação tratada no âmbito do acórdão-fundamento é distinta.

Nessa sede, o arguido era legal representante de uma sociedade cuja atividade principal era “construção de edifícios residenciais e não residenciais”, respeitando a atividade secundária à “compra e venda de bens imobiliários”, tendo celebrado, enquanto representante dessa sociedade, três escrituras públicas (uma de permuta, em 30-06-2006, e duas de compra e venda, em 02-09-2008 e 25-07-2008). As referidas transmissões ficaram isentas do pagamento de IMT, com fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, por ter sido declarado que tais prédios se destinavam a revenda (factos provados n.os 2.1, 2.4 e 2.8.1 a 2.9).

Todavia, resultou assente que os mencionados imóveis não foram alienados no prazo de três anos, pelo que era devida a liquidação do imposto (IMT) pelas referidas aquisições. Sucede que a sociedade em causa não solicitou a respetiva liquidação, no prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção ficou sem efeito, nem após ter sido notificada para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa (factos provados n.os 2.11 a 2.13).

Enquanto representante dessa sociedade, o arguido celebrou, ainda, uma outra escritura de compra e venda, em 14-12-2007, tendo a transmissão em causa ficado isenta de imposto municipal, com fundamento no artigo 7.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, por ter sido declarado que tal prédio se destinava a revenda (factos provados n.os 2.14 e 2.15). Sucede que tal imóvel também não foi alienado no prazo de três anos, não tendo a sociedade, através do arguido, procedido à entrega no Serviço de Finanças da correspondente declaração relativa à aquisição do imóvel, não solicitando a respetiva liquidação de IMT, no prazo de 30 dias a contar da data em que isenção ficou sem efeito (nos termos do artigo 34.º e 36.º, n.º 6), nem após a sociedade arguida ter sido notificada para demonstrar o cumprimento dos requisitos de que dependeu a atribuição da isenção em causa (factos n.os 2.16 e 2.17).

O referido acervo factual conduziu à absolvição do arguido, pelo Tribunal da Relação do Porto, pela prática do crime de fraude fiscal que havia sido condenado.

16. É certo que, nos dois acórdãos em causa, estamos perante a previsão do tipo legal de crime de fraude fiscal assim definido no artigo 103.º, n.º 1, al. b), do RGIT:

«1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

[…]

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária».

Numa primeira apreciação, poder-se-ia considerar estarmos perante situações de facto idênticas. Na verdade, quer num caso quer no outro, trata-se da atuação de um representante de uma sociedade que, em contrato celebrado em escritura pública, adquire a propriedade de um prédio e beneficia da isenção do IMT, por ter declarado que o imóvel se destinava a revenda, sendo que, perante a caducidade dessa isenção, o legal representante da sociedade nada faz.

17. Com efeito, o artigo 7.º do CIMT, sob a epígrafe “Isenção pela aquisição de prédios para revenda”, prevê que:

«1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício nos dois anos anteriores mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, quando daquela certidão constar que, em cada um dos dois anos anteriores, foram revendidos prédios antes adquiridos para esse fim.»

Por sua vez, o artigo 11.º, n.º 5, do mesmo diploma legal, na redação do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, em vigor à data dos factos, estabelece que «A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda».

Os artigos 7.º, n.ºs 1 e 2, e 11.º, n.º 5, do CIMT correspondem aos artigos 28.º, n.º s 1 e 2, e 31.º, n.º 2, da Lei n.º 26/2003, de 30 de julho, que autorizou o Governo a aprovar esse diploma.

Da previsão alternativa do n.º 5 do artigo 11.º resulta, pois, que a caducidade da isenção ocorre quando ocorra alguma das seguintes situações:

i. ao prédio adquirido para revenda foi dado destino diferente; ou

ii. o prédio não foi revendido no prazo de três anos; ou

iii. ou foi vendido novamente para revenda.

Em qualquer uma destas situações, tendo a isenção que lhes havia sido atribuída ficado sem efeito, o sujeito passivo deverá solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação do imposto em falta, em conformidade com o previsto no artigo 34.º do CIMT (Caducidade – Pedido de liquidação), que dispõe:

«1 - No caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11.º, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respectiva liquidação.

2 - O pedido é efetuado em declaração de modelo oficial e deve ser entregue no serviço de finanças onde foi apresentada a declaração referida no artigo 19.º ou, caso não tenha havido lugar a essa apresentação, no serviço de finanças da localização do imóvel».

18. Contudo, aprofundando a análise da matéria de facto descrita em ambos os acórdãos, verifica-se que, na primeira situação, do acórdão recorrido, que respeita apenas à aquisição de «uma parcela de terreno destinada a construção urbana», resulta provado que o recorrente, não obstante ter declarado, no momento da realização da escritura de compra e venda, em 17.1.2007, que «o imóvel se destinava à revenda, motivo pelo qual beneficiou da isenção», decidiu «dar destino diverso àquele prédio, não o revendendo , tendo decidido nele construir uma habitação multifamiliar», e, obtendo o alvará de construção, emitido em 12.4.2007, nele construiu «um prédio em regime de propriedade horizontal», dado por concluído em 16.12.2009, «ao qual foi atribuído o novo artigo com o número 6054 com as respectivas fracções». (cfr. n.ºs 5 e 6 dos factos provados).

Verifica-se, assim, que antes do termo do prazo de três anos legalmente concedido para que procedesse à revenda, os legais representantes da sociedade arguida, decidiram dar e deram um novo destino ao prédio, diferente do declarado no ato de aquisição. Pelo que, ainda antes de terminado o período em que poderia ter lugar a revenda, ocorreu uma causa de caducidade da isenção, nos termos previstos no citado artigo 11.º, n.º 5, o que fez com que, a partir dessa data, o sujeito passivo tivesse o prazo de 30 dias para solicitar a liquidação do IMT em dívida.

Foi essa circunstância – ter sido dado destino diverso àquele prédio – que o Tribunal da Relação do Porto considerou integrar a prática do crime de fraude fiscal, referindo, na sua fundamentação de direito, que: «No caso, “não obstante a caducidade da isenção, por via de o prédio ter sido adquirido para revenda, mas ter-lhe sido dado destino de construção, não foi solicitada a liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o que levou a que não fosse liquidado o tributo devido por aquela aquisição no valor de € 53.950, por via do que a sociedade não pagou o IMT devido nesse valor total, alcançando assim vantagem patrimonial a que não tinha direito”», concluindo, expressamente, que «Daqui resulta a ocultação de facto - o terem dado destino diverso ao terreno adquirido para a revenda -, por omissão, que deveria ter sido declarado à Administração Tributária.».

Conclui, assim, o referido aresto, que a omissão relevante para efeitos de preenchimento do tipo objetivo de fraude fiscal, respeitava, precisamente, a esse novo destino dado ao prédio – construção e já não revenda –, sendo esse o facto que foi ocultado à administração tributária. Como tal, é manifesto que, na mencionada decisão, não é em nenhum momento apreciada a prática do crime de fraude fiscal na perspetiva da omissão de comunicação à autoridade tributária da não revenda no prazo de três anos. Não se trata da caducidade ope legis, por decurso do prazo, mas antes da circunstância de ter sido dado um novo destino ao prédio adquirido, ainda dentro do período temporal em que a revenda podia ter lugar.

19. Diferentemente, o acórdão-fundamento analisa, precisamente, se o sujeito passivo, findo esse período de três anos em que deverá efetuar a revenda, está obrigado a comunicar à autoridade tributária que ela não teve lugar ou tão-só a solicitar a liquidação do imposto em falta no prazo de 30 dias, contado do termo do referido prazo. Nesta medida, o acórdão apreciou se a conduta omissiva do arguido, não diligenciando pela liquidação do imposto em falta, corresponde, ou não, a uma ocultação de factos revelante para efeitos de preenchimento do tipo objetivo de fraude fiscal, previsto no artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do RGIT.

Nesse âmbito, o Tribunal da Relação do Porto concluiu no sentido de que não se encontravam preenchidos os elementos objetivos do referido ilícito, tendo considerado que:

«A sociedade comercial representada pelo recorrente adquiriu, para declaradamente revender no âmbito da sua actividade comercial certificada pela administração fiscal, quatro imóveis (tendo beneficiado da isenção do IMT), e não procedeu à revenda dos mesmos no prazo de três anos contado das respectivas aquisições, facto que decorre inexoravelmente do decurso do tempo e que opera por mero efeito da lei. […]

Não existe qualquer dever legal de informar a administração fiscal do decurso do prazo de três anos sem revenda dos imóveis (entendido como facto) mas, tão só, por força da caducidade da isenção do IMT, solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo (dito de forma mais clara, o imposto surge na esfera patrimonial do sujeito passivo no primeiro dia após o decurso do prazo de três anos, entendido como razoável para a celebração do acto de revenda por parte de quem, profissional, habitual e normalmente desenvolve tal actividade, reconhecida pela administração fiscal em todos e cada um dos negócios jurídicos de aquisição dos imóveis). […]

Em conclusão, de natureza sintética: o sujeito passivo que obteve a isenção do pagamento de IMT (relativamente à aquisição de imóveis para revenda) que caduca por efeito do decurso do prazo de três anos não tem qualquer dever legal especial de informar a administração fiscal do decurso de tal prazo e da caducidade (ope legis) da sua isenção mas, apenas, de solicitar a sua liquidação no prazo de 30 dias contado do termo do referido prazo, não significando o seu silêncio (a ausência de solicitação da liquidação) qualquer ocultação de factos que devam ser revelados à administração tributária e, nesse sentido, não preenchendo tal comportamento o tipo objectivo do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, nº1,alínea b), do RGIT.»

20. Encontramo-nos, assim, perante duas situações distintas que conduziram à caducidade da isenção do IMT (ambas previstas no citado artigo 11.º, n.º 5): a primeira, o ter sido alterado o destino atribuído ao prédio – de revenda, para construção; a segunda, ter decorrido o prazo de 3 anos sem que tenha ocorrido revenda.

Segundo o recorrente, a disparidade decisória entre ambos os acórdãos respeitaria à conduta omissiva do sujeito passivo, ao não ter diligenciado pela solicitação da liquidação do IMT, no prazo de 30 dias após a caducidade da respetiva isenção, comportamento que foi considerado penalmente relevante pelo acórdão recorrido, mas já não pelo acórdão-fundamento. Todavia, e muito embora se trate, efetivamente, em ambos os casos, do efeito de caducidade de isenção do IMT, não se pode desligar esse efeito da causa que o origina, isto é, dos comportamentos que conduzem a tal isenção, que, nos casos apreciados em cada um dos acórdãos, são diferentes.

Assim, não é possível segmentar o conjunto de factos e adotar uma perspetiva de indistinção das situações que legalmente conduzem à caducidade da isenção do IMT, para efeitos de verificação da oposição de julgados, pois que, sendo diferentes os fundamentos em que a caducidade se baseia, diferentes serão as questões de direito e as respostas que lhe devem corresponder, em resultado da diferença de uma das premissas convocadas nos acórdãos em alegada oposição.

21. De facto, se é possível argumentar que a autoridade tributária sabe que tem de verificar se, findo o prazo do período de isenção, o imóvel foi revendido, diferente situação é aquela em que, durante esse período temporal, é atribuído um destino diferente, circunstância cujo controlo pela autoridade tributária assume um acrescido grau de dificuldade. Assim, nesta segunda situação, os argumentos esgrimidos pelo acórdão-fundamento, no sentido em que a autoridade tributária tem conhecimento do percurso do registo predial dos direitos inscritos relativamente aos imóveis e das suas inscrições matriciais, de que é editora e gestora, e que tal é facilmente controlável porquanto a caducidade ocorre ope legis, findo o referido prazo, poderão não ser aplicáveis quando a situação respeite a ser atribuído um destino diferente ao prédio.

Na verdade, foi entendido pelo acórdão-fundamento que inexistia esse dever legal de informação, em virtude de não se tratar de um facto que a administração fiscal desconhecesse, por não se tratar de matéria que se localizasse na esfera do conhecimento ou ciência privativa do sujeito passivo, insuscetível de ser objeto de conhecimento pela administração fiscal. Todavia, tal argumentação poderá não ser já transposta quando se trate de uma alteração do destino dado ao prédio, cuja fiscalização pela administração fiscal não ocorrerá nos mesmos moldes, já que quando se trate de caducidade por mero decurso do prazo, é facilmente comprovável através da mera consulta à inscrição matricial do imóvel, decorridos que sejam três anos desde a sua transmissão, se existiu, ou não, essa revenda.

Entende-se, assim, que as situações de facto apreciadas em ambos os acórdãos não possuem a necessária identidade essencial para efeitos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, uma vez que, não sendo semelhantes, embora igualmente conducentes à caducidade da isenção, não é possível proceder a uma avaliação que permita concluir que, relativamente à mesma questão jurídica, existem soluções opostas.

22. Pelo exposto, impõe-se concluir que o decidido no acórdão recorrido não assume a necessária identidade com o decidido no acórdão fundamento e, consequentemente, não apresenta para a mesma questão de direito uma solução oposta, pelo que não pode concluir-se pela verificação da necessária oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

Quanto a custas

23. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que estabelece o regime da responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso; o quantitativo da condenação é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com o n.º 9 do artigo 8.º e a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, considera-se adequada a condenação do recorrente em 3 UC.

III. Decisão

24. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, em pleno das Secções Criminais, decide julgar não verificada a oposição de julgados e, em consequência, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


Supremo Tribunal de Justiça, 26 de junho de 2024


José Luís Lopes da Mota (relator)

Nuno António Gonçalves

Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida

Ana Maria Barata de Brito

Maria do Carmo da Silva Dias

Pedro B. Ferreira Dias

Leonor Furtado

Agostinho Soares Torres

António Latas

Jorge Gonçalves

João António Gonçalves Fernandes Rato

Heitor Vasques Osório

Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo

Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira

Celso José das Neves Manata

Antero Luís

Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira