FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
RESTITUIÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO
ÓNUS DA PROVA
FACTURAÇÃO POR ESTIMATIVA
Sumário

i) Se a A. formula pedido à R., sua comercializadora de electricidade, assente na repetição/restituição do pagamento indevido, por não consumo nas suas instalações, e inexistindo comando legal algum que inverta as regras do ónus da prova, é a A. que terá de provar os factos constitutivos do seu direito, mesmo que dúvida existisse sobre tal encargo (art. 342º, nº 1 e 3, do CC), ou seja, que não consumiu energia alguma ou em parte;
ii) Assente que os consumos associados às facturas foram calculados e facturados por estimativa, feita de acordo com o estabelecido no Regulamento de Relações Comerciais do Sector Eléctrico (nº 561/2014, publicado na 2ª Série do DR, de 22/12, com alterações introduzidas pelo Regulamento nº 632/2017), seu art. 266º, e no Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados, aprovado pela ERSE, e, face à ausência de prova que os cálculos estimados estão errados, inexiste razão válida para a A. obter de volta os valores que liquidou à R.

Texto Integral


I – Relatório

 

1. A..., S.A, com sede em ..., instaurou acção declarativa de condenação contra IBERDROLA CLIENTES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta no reconhecimento da inexistência de qualquer dívida da autora à ré, anulando-se as facturas referidas no artigo 3º da petição inicial e, ainda, a sua condenação na devolução à autora das quantias de 8.465,15 €, 2.091,22 € e 2.500 €, tudo acrescido do valor devido a título de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de fornecimento de energia que abastecia as câmaras de refrigeração que tem nas suas instalações, sendo que no período que mediou entre 14.9.2018 e 15.1.2019 foram facturados à autora, àquele título, os valores de 2.340,94 €, 2.037,96 €, 1.842,72 € e 1.895,24 € quando o contador estava avariado e a autora não teve as câmaras ligadas, sendo tais valores indevidos, apesar de liquidados apenas por força da ameaça de corte de energia, não tendo ainda a ré procedido à restituição do valor da nota de crédito que emitiu e remeteu à autora, que se cifra em 2.091,22 €, com tudo sofrendo a autora prejuízos e despesas relativos à contratação de serviços jurídicos na importância de 2.500 €.

A ré contestou, alega, em suma, que os serviços facturados foram aqueles que foram fornecidos pelo operador de rede (EDP), sendo esta ré um mero intermediário entre aquele operador e o consumidor, pelo que, se houver alguma incorreção quanto aos mesmos terá direito de regresso sobre o operador, requerendo o chamamento da EDP Distribuição – Energia, S.A. Mais alegou que a nota de crédito resulta de uma fatura rectificadora de uma outra (que não foi cobrada) e, portanto, de uma operação contabilística, não constituindo título de crédito, e que os valores facturados consubstanciam valores apurados por estimativa que, ainda que se provasse não refletir o consumo real do local abastecido, nunca levariam a um reembolso total das facturas, salientando o consumo de energia imediatamente antes do início da avaria do contador e mesmo depois desta, indicador de que no período em causa existiu consumo. 

Foi admitido o incidente de intervenção acessória da chamada E- REDES – DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE, S.A. (anteriormente denominada EDP DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A.).

A mesma contestou, alegando, em suma, que, na qualidade de operador de distribuição da rede elétrica, abastece o local de consumo em causa onde se verificou a avaria do contador e modem que não permitia o acesso às leituras registadas no equipamento, mantendo-se, contudo, o abastecimento de energia, cujos consumos foram determinados através de estimativa, nos termos dos parâmetros regulamentares aplicáveis ao sector, por reporte, designadamente, ao consumo da instalação nos períodos homólogos anteriores.

*

A final foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos formulados pela A.

*

2. A A. recorreu, tendo formulado as seguintes (desnecessariamente longas) conclusões:

1. As questões que ao Tribunal compete dirimir são:

a) Apurar se assiste à autora o direito à devolução das quantias peticionadas e se lhe assiste o direito a ser indemnizada pelos prejuízos alegadamente sofridos.

2. Ora, no caso concreto, atenta a prova produzida, importa sublinhar que a recorrente entende terem sido incorrectamente julgados os factos vertidos nas alíneas a) a e) dos factos tidos por não provados, que devem considera-se como provados. A saber:

a) a e) …(transcrição).

3. A impugnação, que ora se faz, da decisão proferida sobre matéria de facto, tem na sua origem a prova produzida nos autos e, nomeadamente, a prova testemunhal e documental. De facto,

4. A convicção do Tribunal deve alicerçar-se nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas e demais prova. Concretizando

5. E, antes de mais, referir que, o contrário do fixado em sede de sentença, é às “Rés” que cabe o ónus da prova do consumo.

6. Precisamente porque, como comprovado e confessado os valores pagos assentam em estimativa de consumo que impugnada, como foi, compete às Rés provar o efectivo consumo.

7. Sendo que, atentas as características das instalações - sazonais e irregulares, não se podia ter, como foi o caso, em “consideração as 12 semanas anteriores ao período assinalado”.

8. E, impugnada esta estimativa, a verdade é que as Rés, como era seu ónus probatório, não provaram o consumo e, só por isso, fica claro que assiste à autora o direito à devolução das quantias peticionadas e consequentemente, assiste-lhe, ainda, o direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos.

Sem prescindir

9. Quanto aos factos dados como não provados cumpre referir que, os devem considerar-se como provados, atendendo a que foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal concluir de forma distinta.

10. Quanto ao facto da alínea a), resultou provado, pelos depoimentos testemunhais e pelos documentos que as câmaras de refrigeração que a autora tem nas suas instalações são as únicas fontes de consumo de energia,

11. E, o mesmo se diga quanto aos factos das alíneas b), c) e d). Pois que,

12. Ouvidas as testemunhas da autora e conjugados os seus depoimentos com as guias de transporte juntas pela parte com o seu articulado inicial, com as facturas referentes aos períodos de consumo, nomeadamente, de Janeiro a Maio de 2019, tal prova é suficiente para sustentar, com a segurança e certeza nesta sede exigidas, a prova dos mesmos factos.

13. Como se pode ler na sentença recorrida: “...

i. Com efeito, as testemunhas AA e BB – o primeiro detentor de um armazém de fruta em Espanha, cliente da autora, e o segundo agricultor e sócio de uma associação de produtores em ... - aludiram ao facto de,

ii. No ano de 2018, pela circunstância de se encontrarem ligados ao negócio da produção e comercialização de maçã, ter sido um ano de pouca produção, e

iii. Explicaram que, por força disso, a primeira testemunha não pediu à autora para arrumar a fruta que lhe comprou nos armazéns e respetivas câmaras de refrigeração como era habitual, levando a fruta que adquiriu diretamente dos pomares e

iv. A segunda que assistiu a parte deste carregamento de fruta sem que esta tivesse passado pela prévia refrigeração.

14. Objectivamente, as câmaras de refrigeração da autora apenas são ligadas para esta armazenar a produção dos seus pomares, como resultou provado.

15. E, provado que, tais câmaras não foram ligadas durante todo o período em discussão e que toda a fruta vendida pela autora não deu entrada nas mesmas.

16. No ano de 2018 a produção de maçã sofreu uma diminuição,

17. E, logo por isso, é errada a estimativa, tendo em conta os anteriores 12 semanas.

18. Pois que não considera a diminuição daquele ano, com reflexos, objectivos, na inexistência de consumo de energia.

19. Aliás, a testemunha BB, também ela detentora de câmaras de refrigeração para armazenar a produção deste fruto, afirmou que manteve-as desligadas explicando até, objetiva e convictamente, porque compensa ter tais máquinas desligadas do que mantê-las ligadas com o consumo inerente ao posterior arranque.

20. Mais, conforme, novamente, se pode ler na sentença, “resultou que a maçã comercializada pela autora nesse período ao cliente e testemunha AA e respetiva empresa, e que a testemunha BB viu ser entregue, o foi diretamente dos pomares para a transportadora, sem que passasse pelas tais câmaras de refrigeração.”

21. E, ainda que não tivesse ficado provado que não tenha existido qualquer consumo de energia por parte da autora.

22. Nunca se poderia considerar uma estimativa assente em energia consumida por câmaras, agora, desligadas, no ano em questão, ao contrário do ano anterior e, com quebras de produção.

23. A testemunha BB referiu que viu carregar nos camiões as maçãs para o CC e que, nessa ocasião, as câmaras estavam desligadas, mais aludindo a que, naquele ano, aquele terá sido o único cliente por causa da parca produção,

24. E, ainda que se entenda que não ficou provado que as câmaras são a única fonte de consumo de energia elétrica, como já referido, nunca se poderia considerar o consumo estimado com câmaras a consumir.

25. Por fim, quanto ao facto não provado da alínea e), prova foi produzida que o sustentasse.

26. Nomeadamente, bastaria atentar aos factos vertidos nos pontos 20 a 25 os factos provados.

27. Em concreto, a prova testemunhal, analisada à luz das regras de experiência comum, impõe a alteração da decisão da matéria de facto e, consequentemente, da matéria de direito.

28. Atentemos na sentença, mas antes atentemos no que dizem as testemunhas. Assim, temos:

a) AA, industrial de armazém de frutas. Aos costumes disse conhecer a firma autora pois comprou-lhe maças no ano de 2018, lá comprava habitualmente mas desde 2021 que não compra, e conhecer as rés sendo também cliente da EDP pois também tem armazém de frio em Portugal, nada o impedindo de dizer a verdade.

Declarações gravadas através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.10:11:50, fim da gravação contador nº.10:41:42.

b) BB. Aos costumes disse conhecer a firma autora. Declarações gravadas, do que foi informado da sua realização, através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.10:43:32, fim da gravação contador nº.11:11:30.

c) DD. Trabalha na Iberdrola Clientes Portugal desde maio de 2016 na área de gestão de risco, sempre nestas funções. Declarações gravadas, do que foi informado da sua realização, através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.11:11:41, fim da gravação contador nº.11:33:53.

d) EE, técnico de redes eléctricas na E-Redes há 7 anos. Declarações gravadas, do que foi informado da sua realização, através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.11:39:20, fim da gravação contador nº.11:53:49.

e) FF, engenheiro eletrotécnico, desde 1998, da E-Redes como gestor de área das contagens. Declarações gravadas, do que foi informado da sua realização, através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.11:54:40, fim da gravação contador nº.12:13:11.

f) GG, engenheiro eletrotécnico há 10 anos, trabalha na E-Redes há 9 anos, atualmente é analista de negócio, desde novembro de 2015. Declarações gravadas, do que foi informado da sua realização, através do sistema áudio do citius e num CD-R nº.172, início da gravação contador nº.12:14:10, fim da gravação contador nº.12:37:35.

Assim,

29. Atentando ao depoimento destas testemunhas facilmente se conclui que:

i. As câmaras de refrigeração são os únicos consumidores da energia fornecida pela ré, no âmbito do contrato aludido em 5.

ii. As câmaras de refrigeração apenas são ligadas para armazenar a produção dos pomares da autora.

iii. No âmbito da atividade da autora, no ano de 2018, a fruta, porque em quantidade reduzida, atenta a quebra de produção que se verificou, foi vendida e transportada sem ter dado entrada nas câmaras de refrigeração que esta tem nas suas instalações.

iv. Em virtude disso, não existiu consumo de energia por parte da autora, no período em questão - Setembro de 2018 a janeiro de 2019 - pois que não houve refrigeração, por não haver maça para refrigerar.

30. O valor pago assentou em estimativa, não justificada / não provada.

31. Já, a Autora provou a inexistência de câmaras a funcionar no período em questão e, em manifesto erro, a sentença recorrida não atenta a esta realidade, que, no máximo, sempre impunha, se não o ganho de causa absoluto, pelo menos, uma claríssima redução e, por isso, devolução, pelo menos, de parte substancial do valor pago pela autora, indevidamente e por coação.

32. E também as testemunhas das “Rés”, não desmentiram, nem puseram em crise, os depoimentos das testemunhas arroladas pela AA.

Assim:

33. É assente que no dia 3 de setembro de 2018 a fornecedora de eletricidade para a Quinta ... informa, “Atenção, o contador está estragado”.

34. Em janeiro de 2019, quatro meses depois é substituído.

35. E, neste período, não há nenhum consumo, não há nenhuma leitura de consumo real.

36. Então vamos para as estimativas. Mas as estimativas, são isso mesmo, umas presunções, e neste Tribunal esta presunção caiu manifestamente por terra.

37. Veio aqui a pessoa que comprou toda a produção de 2018, e que disse claramente, não obstante as várias perguntas, de uma maneira e de outra, a resposta foi só uma, “Eu comprei em 2018 o pomar”, disse-o o AA e disse-o depois o colaborador a quem ele pediu que fosse acompanhando o levantamento da maçã. “Eu comprei toda a produção da Quinta ... de 2018”, nenhuma da produção de 2018 da Quinta ... ficou nas câmaras de refrigeração da Quinta ....

38. Não há mais nada que consuma energia, foi dito também pelas testemunhas, que não seja as câmaras de refrigeração.

39. Ora, não temos maçã para meter na câmara de refrigeração, está assente, não temos mais nada que consuma eletricidade,

40. Ficou clarinho que 2018 foi um péssimo ano de produção de maçãs, não só disse o senhor AA como disse depois o senhor BB.

41. Diz o senhor BB, “também eu tive uma péssima produção e também eu não liguei as minhas câmaras de refrigeração.”

42. Existe um ano de reclamações, e daí o, também o pedido de valor para pagar, dos custos inerentes a estas reclamações, com advogados.

43. Estão documentadas, é mais de um ano a dizer, “Não concordo com isto”, “Eu não tenho...”, logo, as reclamações começam logo, como é dito aqui pelas próprias testemunhas, em 2018, “Não pode ser, eu não faço estes consumos, venham cá”, ninguém vai, e depois, em janeiro, toma lá e agora dá cá €8.000,00 porque sim. Quando? Dir-se-á, em janeiro de 2019 não eram 650 diários, eram 100, então porque é que se pegou nos 650 diários de quilowatts e não se pegou nos 100?! Onde é que está a verdade disto?!

Mais. Porque também, como disse a testemunha AA, “Eu quando alugo as câmaras de refrigeração ao GG, à Quinta ..., e nesse ano não o fiz - também nos deixou claro isso - quando, eu normalmente é até março, abril”, é disto que estamos a falar, ele disse-o claramente, e nós, março e abril temos janeiro, e em janeiro foi €200,00, foi, depois que começou a contar o que nós temos é uma faturação de €200,00, mais nada do que isso.

Não, €2.000,00 por mês de umas câmaras de refrigeração que simplesmente estavam desligadas, toda a gente o confirmou.

44. Não podemos esquecer que falamos de picos de sazonalidade.

45. Mais resultando tal alteração, da decisão sob recurso, da prova documental junta os autos que, igualmente, tem que ser analisada à luz do que seja a experiência comum

46. Com efeito, a prova produzida suporta a versão da AA e, sempre, não permite “corroborar” a estimativa da Ré.

47. O que tem acolhimento na prova testemunhal e documental.

48. Assim, os factos apurados são manifestamente suficientes para permitir concluir que não houve consumo no período em questão ou, sempre, que, nunca a estimativa está certa. Logo,

49. Os factos vertidos nas alíneas a) a e) dos factos tidos por não provados devem considera-se como provados,

50. Devem ter-se por provados, atenta a prova produzida, todos os factos tidos, erradamente, por não provados.

51. E, assim, proceder-se à alteração da decisão de direito.

52. O que se verifica é que a única via para aceder à medição do consumo deste bem deixou de funcionar e de fornecer tal dado para que a assistente indicasse o mesmo à ré para que o pudesse, por seu turno, faturar.

53. E neste caso particular, o operador pode proceder à medição, no caso, por estimativa ou aproximação, do bem fornecido.

54. Mas, tem sempre, que atentar ao caso concreto.

55. Sendo que, decorre da matéria dada como provada que, efetivamente, não foi o que fez a assistente, para apurar o valor estimado do consumo de energia no local para o período de tempo em causa.

56. Ou seja, verifica-se falta de cumprimento das obrigações decorrentes para a assistente.

57. A Assistente não apurou os valores exigidos e, sob coação, pagos, de acordo com o estabelecido no Regulamento.

58. Sendo que ficou provado que no período de tempo em discussão não houve consumo que justificasse faturação ou

59. Sempre, que o consumo eventualmente realizado foi inferior ao que foi estimado.

60. Sendo que, sempre, caberia à Assistente provar o consumo, o que não fez e, ao invés, a autora provou a falta de consumo ou, sempre, a inexistência do consumo, cujo preço, indevidamente, foi exigido.

61. Com efeito, perante a comprovação de uma realidade distinta da percecionada que, no caso, apenas permitiu a faturação de um valor estimado, apurar um valor distinto daquele que foi faturado e já liquidado pela autora.

62. Desta forma, tem a ré de ser condenada na devolução do valor faturado e já pago pela autora, e reconhecido o mesmo direito de crédito, nesta matéria, da ré relativamente à assistente.

63. E, o mesmo se diga quanto à condenação da ré a pagar uma compensação por danos patrimoniais no montante de € 2.500,00, por conta da contratação de serviços jurídicos para tratamento, designadamente, das reclamações apresentadas junto daquela pela autora. Reclamações que, aliás, se consideram provadas.

64. Verificando-se os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil, violado pela sentença recorrida.

65. Em face do exposto, deve julgar-se a acção procedente e, em consequência, condenar-se os Réus nos Pedidos.

Termos em que, como se requer, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, os Réus condenados no pedido.

3. A R. Iberdrola contra-alegou, concluindo que:

A) A sentença sob recurso não merece os reparos feitos pela Recorrente, pois, é a própria Recorrente que indica quais “As questões que ao Tribunal compete dirimir... “ referindo-se ela própria “... aos prejuízos alegadamente sofridos.”;

B) A Recorrente alega que a matéria de facto constante das alíneas a) a e) dos factos não provados, deve simplesmente ser considerada provada e, por essa via, deve ser dado vencimento às suas pretensões: não pagar as facturas que lhe foram presentes, incluindo as taxas e impostos inerentes, como ainda receber o valor de uma nota de crédito emitida para regularização contabilística de uma factura e o alegado valor despendido com advogado;

C) A prova do alegado competia à Recorrente, que não logrou fazer qualquer prova, razão pela qual, somos forçados a concluir que as suas pretensões e a sua interpretação quanto à matéria de facto é absolutamente inverosímil;

D) Acresce que a Recorrente também não aponta qualquer vício de nulidade ou de errada valoração dos factos e da prova produzida;

E) Bem esteve a Meritíssima Juiz quando considerou como não provados os factos constantes das alíneas a) a e) dos factos não provados e proferiu a sentença sob recurso, a qual não padece de qualquer vício que implique a sua revogação.

Pelo que, face ao que vem de expor-se e nos termos que Vª.Exas entendam mui doutamente suprir, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Pois só assim será feita JUSTIÇA

4. A E-Redes – Distribuição de Eletricidade, também contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

II – Factos Provados

 

1. A autora é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de frutas.

2. A ré Iberdrola dedica-se à comercialização de energia elétrica.

3. Os consumos faturados pela ré, no exercício da sua atividade, são-lhe fornecidos pelo operador de rede, que indica periodicamente as leituras dos equipamentos de medição colocados nas instalações de cada um dos clientes.

4. A assistente E-Redes exerce a atividade de distribuição de energia elétrica de alta e média tensão, sendo concessionária da rede de distribuição de energia elétrica de baixa tensão no concelho ....

5. Entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de fornecimento de energia, com o nº ...35, por meio da qual a mesma se obriga a fornecer energia elétrica à autora e esta obriga-se a pagar o preço devido pelos fornecimentos havidos.

6. No âmbito do contrato referido em 5., a assistente abastece em regime de média tensão as instalações da autora, sitas no Lugar ..., ..., ..., onde existe um aparelho de contagem e um modem, aparelho este que permite o acesso remoto pela assistente aos consumos realizados nesse mesmo local.

7. Em virtude de não se encontrarem a ser comunicados os registos de consumo realizados nas instalações da autora, foi gerada uma ordem de serviço na assistente para a revisão do equipamento de contagem.

8. No dia 11/01/2019, uma equipa técnica deslocou-se às instalações da autora e verificou que o contador se encontrava com o display apagado e o modem sem atividade.

9. Em virtude do referido em 8. não era permitida a visualização das leituras de consumo de energia elétrica no contador, nem a sua comunicação remota através do modem.

10. O referido em 9. ocorreu entre os dias 03/09/2018, às 1h30, e 11/01/2019, às 15h45.

11. Em 11/01/2019 foi substituído o equipamento de contagem e o modem aludidos em 8.

12. Entre 14/09/2018 e 15/01/2019, pela ré foram enviadas à autora as seguintes faturas:

i. Fatura ...62, no valor de € 2.340,94, emitida em 14/09/2018, relativa ao período compreendido entre 09/08/2018 e 09/09/2018;

ii. fatura ...97, no valor de € 2.037,96, emitida em 04/12/2018, relativa ao período compreendido entre 09/10/2018 e 09/11/2018, de onde consta a seguinte menção: «esta fatura substitui a fatura nº ...99 com data de 15/11/2018 e montante de 2.091,22 Euros (…)»;

iii. Fatura ...83, no valor de € 1.842,72, emitida em 13/12/2018, relativa ao período compreendido entre 09/11/2018 e 09/12/2018;

iv. Fatura ...88, no valor de € 1.895,24, emitida em 15/01/2019, relativa ao período compreendido entre 09/12/2018 e 09/01/2018.

13. A ré emitiu e enviou à autora a nota de crédito N...33, no valor de € 2.091,22, datada de 04/12/2018.

14. Da nota de crédito indicada em 13. consta a seguinte menção: «a presente nota de crédito anula a fatura ...99 que é substituída pela fatura ...97».

15. A fatura ...99 referida em 14., foi emitida em 15/11/2018 e reporta-se ao período compreendido entre 09/10/2018 e 09/11/2018.

16. Os consumos associados às faturas elencadas em 12. foram calculados e faturados por estimativa.

17. Nos anos de 2016 e 2017, para os períodos temporais compreendidos entre 03/09/2016 e 11/01/2017; 03/09/2017 e 11/01/2018 e 03/09/2019 e 12/11/2019, a autora registou consumos reais de energia no local em causa, nos valores de 71.489, 71.956 e 44.357 kWh, respetivamente.

18. No período compreendido entre 03/09/2018 e 11/01/2019, foi estimado pela assistente um consumo de 60.673 kWh.

19. No dia 02/09/2018, na véspera do início da avaria do contador referida em 8. e 10., a autora apresentava um consumo diário de 650 kWh e, no dia seguinte à correção da avaria, um consumo diário de 125 kWh.

20. Após reclamação da autora, em 26/10/2018, a ré respondeu informando que se encontrava a efetuar as diligências necessárias de forma a poder dar uma resposta final à reclamação num prazo máximo de 60 dias.

21. Na carta datada de 15/04/2019, enviada pela ré à autora, constam os seguintes dizeres: «[A]pós apreciação da reclamação supra identificada, informamos que dado tratar-se de uma reclamação cuja responsabilidade e resolução compete ao Operador de Redes (responsável pela distribuição de energia elétrica, leitura dos equipamentos de medição e qualidade do fornecimento), a IBERDROLA solicitou os devidos esclarecimentos sobre o assunto exposto. Passamos a citar (…) “[N]o seguimento do solicitado, informamos que a avaria do equipamento de medição não impediu o registo total dos consumos, estranhamos o cliente o

cliente não ter consumido durante esse período, pois os quatro horários estimados foram inferiores a 10% do consumo total, como já indicámos anteriormente não iremos proceder à correção sem que o cliente faça prova de não esteve a consumir durante esse período” (…)».

22. A autora, através do seu mandatário, enviou à ré, entre as datas de 28/05/2019 e 09/10/2019, cartas e mensagens de correio eletrónico onde refere, além do mais, o seguinte: «(…) é-lhe exigido o pagamento da quantia de 8.101,57 €. 3. Ora como várias vezes comunicado, o ora solicitado assenta em erro manifesto, que importa atentar e corrigir. 4. De facto, nunca a minha Constituinte consumiu a electricidade que justificasse o pagamento de tais valores. 5. Sobretudo porquanto, os períodos em questão, resumindo-se o consumo eléctrico, a meia-dúzia de lâmpadas (…)».

23. A 19/08/2019, a autora enviou à ré, por mensagem de correio eletrónico, documentação intitulada «guias de transporte», por si emitidas.

24. Após ter sido informada de que a ré iria proceder ao corte do fornecimento de energia, a autora liquidou, além do mais, a quantia das faturas referidas em 12.

25. A autora dirigiu à ré uma mensagem de correio eletrónico datada de 07/10/2019, na qual consta «(…) a entrega deste valor aconteceu sob coação/ameaça de corte do fornecimento, com graves prejuízos inerentes (…)».

*

Factos não provados:

a) As câmaras de refrigeração são os únicos consumidores da energia fornecida pela ré, no âmbito do contrato aludido em 5.

b) As câmaras de refrigeração apenas são ligadas para armazenar a produção dos pomares da autora.

c) No âmbito da atividade da autora, no ano de 2018, a fruta, porque em quantidade reduzida, atenta a quebra de produção que se verificou, foi vendida e transportada sem ter dado entrada nas câmaras de refrigeração que esta tem nas suas instalações.

d) Em virtude do referido em c), não existiu consumo de energia por parte da autora.

e) Por conta das reclamações aludidas em 20. a 25., respetivas reuniões, análise de documentos, aconselhamento, elaboração e envio de missivas, a autora teve que pagar a um advogado, tendo um total de despesas não inferior a € 2.500,00.

*

 

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Apurar se assiste à autora o direito à devolução das quantias peticionadas e se lhe assiste o direito a ser indemnizada pelos prejuízos alegadamente sofridos.

 

2. A A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente a todos os factos não provados, pretendendo que eles passem a provados, com base nos depoimentos das testemunhas, por si arroladas, CC e BB, DD, arrolada pela R., guias de transporte juntas aos autos por si, facturas de consumo eléctrico de Janeiro a Maio de 2019 e depoimentos das testemunhas, arroladas pela chamada, EE, FF e GG (cfr. conclusões 2. a 50. das suas alegações de recurso).

Na motivação da decisão da matéria de facto escreveu-se que:

“A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada e não provada resulta do conjunto da prova produzida em audiência, devidamente conjugada e ponderada de acordo com as regras da experiência comum e do ónus da prova.

Quanto a estas, veja-se que, tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados e o regime legal aplicável, atento o tipo de ação e pedidos formulados pela autora, caber-lhe-á a prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga (a ser ressarcida dos montantes peticionados), nos termos do disposto no artigo 342.º, nº 1, do Código Civil, sendo que, em caso de dúvida, e de acordo com o estatuído no artigo 414.º, do Código de Processo Civil, o Tribunal terá que decidir contra a parte a quem o facto aproveita.

(…)

A prova dos factos dos pontos … e 16. a 19. teve por base a análise conjugada dos documentos juntos pela assistente com a sua contestação (documentos n.ºs 1 a 8) e dos depoimentos das testemunhas EE (técnico de redes elétricas da assistente há 7 anos), FF (engenheiro eletrotécnico e gestor de área – das contagens – na assistente há 13 anos) e GG (engenheiro eletrotécnico da assistente há 9 anos) que descreveram a intervenção que tiveram no caso em apreço, todos de forma objetiva, clara e concisa, com conhecimento direto nos factos no âmbito do exercício das respetivas profissões.

A primeira destas testemunhas fez a vistoria retratada no auto junto ao processo, descrevendo a avaria do contador e do modem e a respetiva substituição, aludindo, a par das outras duas testemunhas, ao facto de, no período em causa, não ser possível o acesso à leitura real do contador.

As testemunhas BB e GG reportaram-se mais especificamente ao procedimento adotado pela assistente e que descrevem como seguindo o regulamento e as normas e guia pelas quais esta rege a sua atividade, explicando a forma como, havendo uma avaria no contador e modem associado, foram calculados os valores de consumo para aquele local no período, reportando-se aos fatores considerados (características das instalações, histórico de consumo), ao diagrama vetorial elaborado e, assim, como chegaram ao consumo estimado que foi enviado para a comercializadora que, conforme referido pela última testemunha, teve em consideração as 12 semanas anteriores ao período assinalado.

Estas testemunhas, conforme se disse e pelos motivos expostos, prestaram depoimento credível, suportado, em tudo, pela documentação junta já identificada, analisada em audiência de julgamento e com a qual foram confrontadas.

(…)

Quanto aos factos dados como não provados cumpre referir que, no essencial, os mesmos assim foram valorados atendendo a que não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal concluir de forma distinta.

Vejamos com maior acuidade.

Quanto ao facto da alínea a), nenhuma prova foi produzida que nos permitisse concluir que as câmaras de refrigeração que a autora tem nas suas instalações sejam as únicas fontes de consumo de energia, desde logo porque ninguém o referiu.

A isto se alia a circunstância de ser do senso comum e resultar das regras da experiência que, tratando-se do estabelecimento onde a autora tem instaladas câmaras de refrigeração, não será possível às mesmas aceder e nestas proceder a carga e descarga do produto sem que haja focos de luz fora das mesmas.

Também dificilmente se concebe que, a exercer ali ainda que parte da sua atividade, para o que necessite, não tenha outras tomadas (que não apenas aquelas onde estarão ligadas as referidas câmaras) a fim de poder utilizar outros aparelhos, ou um ou mais portões elétricos para acesso ao armazém.

Quanto aos factos das alíneas b), c) e d), ouvidas as testemunhas da autora e conjugados os seus depoimentos com as guias de transporte juntas pela parte com o seu articulado inicial, tal prova não foi suficiente para sustentar, com a segurança e certeza nesta sede exigidas, a prova dos mesmos.

Com efeito, as testemunhas AA e BB - o primeiro detentor de um armazém de fruta em Espanha, cliente da autora, e o segundo agricultor e sócio de uma associação de produtores em ... - aludiram ao facto de, no ano de 2018, pela circunstância de se encontrarem ligados ao negócio da produção e comercialização de maçã, ter sido um ano de pouca produção, e explicaram que, por força disso, a primeira testemunha não pediu à autora para arrumar a fruta que lhe comprou nos armazéns e respetivas câmaras de refrigeração como era habitual, levando a fruta que adquiriu diretamente dos pomares e a segunda que assistiu a parte deste carregamento de fruta sem que esta tivesse passado pela prévia refrigeração.

Não obstante, nenhuma das testemunhas concretizou que as câmaras de refrigeração da autora apenas são ligadas para esta armazenar a produção dos seus pomares, nem que tais câmaras não tenham sido ligadas durante todo o período em discussão e que toda a fruta vendida pela autora não tenha dado entrada nas mesmas.

Em primeiro lugar, o que resultou do depoimento destas testemunhas e nisso se crê, é que, no ano de 2018 a produção de maçã sofreu uma diminuição, tanto que, a segunda testemunha, também ela detentora de câmaras de refrigeração para armazenar a produção deste fruto, manteve-as desligadas explicando até, objetiva e convictamente, porque compensa ter tais máquinas desligadas do que mantê-las ligadas com o consumo inerente ao posterior arranque.

Em segundo lugar, resultou que a maçã comercializada pela autora nesse período ao cliente e testemunha AA e respetiva empresa, e que a testemunha BB viu ser entregue, o foi diretamente dos pomares para a transportadora, sem que passasse pelas tais câmaras de refrigeração.

No mais, nenhuma das testemunhas conseguiu asseverar com segurança suficiente ser este o único cliente da autora, ou que não tenha sido vendida mais fruta a outros compradores, ou que, durante todo o período ora em causa, as câmaras de refrigeração tenham estado desligadas e, sobretudo, que ainda que tivessem desligadas, não tenha existido qualquer consumo de energia por parte da autora.

A testemunha BB referiu por um lado, é certo, que viu carregar nos camiões as maçãs para o CC e que, nessa ocasião, as câmaras estavam desligadas, mais aludindo a que, naquele ano, aquele terá sido o único cliente por causa da parca produção, mas, por outro, também referiu que lá não esteve todos os dias, que desconhece se o refugo foi vendido, afirmando que aquele foi cliente exclusivo sem o lograr fundamentar – até porque não faz parte da estrutura empresarial da autora ou demonstrou ter qualquer ligação que lho permitisse saber desse mesmo facto.

Na realidade, o Tribunal fica na dúvida se toda a fruta produzida foi efetivamente vendida sem ter sido previamente reservada nas aludidas câmaras, e, mais importante e ainda que assim não fosse (e, de facto, se comprovasse que as câmaras ficaram desligadas durante todo o período de faturação aqui colocado em causa), nada leva a concluir que fossem a única fonte de consumo de energia elétrica, como já referido. Veja-se aliás, que a existência de consumo no período em discussão só se mostra mais provável e coerente, desde logo, atento o facto dado como provado no ponto 19. e o já referido na análise do facto da alínea a).

Por fim, quanto ao facto não provado da alínea e), nenhuma prova foi produzida que o sustentasse.”.

Ouvimos a prova produzida e gravada em CD, relativamente à matéria controvertida.

A testemunha CC referiu o que consta da motivação da decisão da matéria de facto. Mais precisou que a firma referida nas guias de transporte (juntas com a p.i), sita em Espanha, é sua, que não sabe se a A. tem outros clientes e se mete fruta nas câmaras de outro lado, pois não está lá 24 h.

A testemunha BB disse o que consta da motivação da julgadora a quo. Mais precisou que acompanhou o carregamento para camiões da compra de maçãs à A., por parte da ..., de que é sócio e o CC gerente, por 4 ou 5 vezes. E que não sabe se a A. tem ou não mais clientes.

A testemunha DD, no essencial, declarou que os valores cobrados à A., no período controvertido, assentaram em estimativa.

A testemunha EE relatou o que a juíza a quo fez constar na sua motivação.

A testemunha FF relatou o que a juíza a quo fez constar na sua motivação.

A testemunha GG idem.

Analisando.

2.1. Nada de novo trouxe a audição da prova testemunhal, que não constasse já da motivação apresentada pela julgadora de facto para a tomada da decisão da matéria de facto (acima transcrita).

Também a respectiva análise crítica da prova se mostra acertada, designadamente quando salienta os seguintes elementos: - não há prova produzida que permita concluir que as câmaras de refrigeração que a A. tem nas suas instalações sejam as únicas fontes de consumo de energia, desde logo porque ninguém o referiu; - é do senso comum e resulta das regras da experiência que, tratando-se do estabelecimento onde a A. tem instaladas câmaras de refrigeração, não será possível às mesmas aceder e nestas proceder a carga e descarga do produto sem que haja focos de luz fora das mesmas ou que, a exercer ali ainda que parte da sua atividade, não tenha outras tomadas (que não apenas aquelas onde estarão ligadas as referidas câmaras) a fim de poder utilizar outros aparelhos, ou um ou mais portões elétricos para acesso ao armazém; - nem o CC nem o BB concretizaram que as câmaras de refrigeração da A. apenas são ligadas para esta armazenar a produção dos seus pomares, ou que tais câmaras não tenham sido ligadas durante todo o período em discussão ou que toda a fruta vendida pela A. não tenham dado entrada nas mesmas; - nenhuma dessas testemunhas conseguiu asseverar com segurança suficiente que a A. não tenha outro cliente além do CC, ou que não tenha sido vendida mais fruta a outros compradores, ou que não tenha existido qualquer consumo de energia por parte da A.; - as guias de transporte para a firma espanhola do CC apenas demonstram que foi expedido caixotes de maçãs, nada mais; - vê-se aliás, que a existência de consumo no período em discussão se mostra muito mais provável e coerente, atento o facto provado 19. (não impugnado) e, inclusive, as facturas do consumo de electricidade de Janeiro a Maio de 2019, juntas pela própria A. aos autos (através de requerimento datado de 29.12.2020, docs. 8/12, a fls. 139/160).

Aderimos, portanto, a tal motivação, por fazermos também como nossa igual convicção (arts. 663º, nº 2, ex vi do art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC).

Assim, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto aos factos não provados a) a d).

2.2. Relativamente ao facto não provado e) nenhuma prova foi apresentada pela recorrente na impugnação que deduziu em recurso, pelo que fatalmente a impugnação a tal facto não provado falece.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Importar começar, antes de mais, por delimitar qual a relação estabelecida entre a autora, a ré e a chamada.

(…)

Neste seguimento, o Regulamento n.º 561/2014 sobre as Relações Comerciais (aprovado pela ERSE e publicado na 2.ª Série do DR n.º 246/2014, de 22/12, com as alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 632/2017), que tem por objeto estabelecer as disposições relativas às relações comerciais entre os vários sujeitos intervenientes no Sistema Elétrico Nacional (SEN), os operadores das redes de distribuição devem assegurar o desempenho das suas atribuições, nomeadamente a distribuição de energia, de forma transparente e não discriminatória, considerando-se incluídos na atividade de distribuição de energia elétrica os serviços associados ao uso das redes de distribuição, tais como a contratação, a leitura, a faturação e a cobrança (cfr. artigos 56.º e 62.º, n.º 2 do Regulamento das Relações Comerciais).

Por sua vez, a atividade de comercialização respeita à compra e venda de eletricidade a clientes (artigo 3.º, alínea h) do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15/02). Sendo o comercializador, «a entidade registada para a comercialização de electricidade cuja actividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de electricidade» (cfr. artigo 3.º, alínea i) do mesmo diploma).

Cabe, deste modo, ao comercializador assegurar o relacionamento comercial com os clientes com quem tenha celebrado contratos de fornecimento de energia elétrica, em conformidade com o disposto no artigo 102.º, n.º 2, do já mencionado Regulamento de Relações Comerciais.

Mais se prevê nesse Regulamento que, em matérias relativas a ligações às redes, avarias e leitura dos equipamentos de medição, as mesmas podem ser tratadas diretamente com o operador da rede a cujas redes a instalação do cliente se encontra ligada.

As regras de relacionamento entre os comercializadores e o operador da rede de distribuição necessárias para operacionalizar o relacionamento comercial com os clientes devem constar do contrato de uso das redes celebrado entre comercializador ou comercializador de último recurso e o operador da rede de distribuição, nos termos do artigo 105.º, n.º 5, do Regulamento de Relações Comerciais.

Posto isto, atualmente o operador da rede de distribuição, a nível nacional, é a EDP – Distribuição de Energia, S.A., atualmente E-Redes, Distribuição de Eletricidade S.A. (assistente nos presentes autos), através de contrato de concessão outorgado, nos termos dos artigos 70.º e 71.º, do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15/02.

Conforme decorre da factualidade provada, a assistente é a empresa que exerce, dentro do grupo EDP, a atividade de operador de rede de distribuição no território nacional continental, sendo do seu âmbito de atuação, entre outros, gerir a rede que leva a energia às instalações, bem como proceder à colocação dos equipamentos de medida e ligação do fornecimento.

Por sua vez, apurou-se nos autos que a ré é a empresa que, dentro do grupo EDP, exerce a atividade de comercialização de energia em regime livre, tendo sido com esta entidade que a autora celebrou um contrato de fornecimento de energia elétrica, nos termos do qual a ré se obrigou a fornecer e a faturar energia elétrica à autora e esta a liquidar o respetivo preço.

Temos, assim, que na relação entre a ré e a assistente e entre estas e a autora, a ré atua como entidade comercializadora, a assistente como operadora de rede de distribuição e a autora como cliente final.

*

Ora, está aqui em causa um contrato de fornecimento de energia elétrica, no qual uma parte – a ré -, se obriga a vender à outra – a autora - continuadamente, eletricidade, obrigando-se a outra, em contrapartida, a pagar, com determinada regularidade, o preço correspondente à quantidade de eletricidade consumida, por referência a determinado período (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/04/2021, proc. 250/17.0T8VLF.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Trata-se de um contrato que não tem um regime jurídico específico que o regule, como o contrato de compra e venda, por exemplo, enquadrando-se a sua celebração e trâmites na liberdade contratual, com os afloramentos previstos na legislação que acabamos de referir.

Com efeito, a comercialização e distribuição de energia elétrica aos clientes/consumidores (na aceção dada pelo artigo 3.º, alíneas c) e l), do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15/02, e onde se insere a aqui autora) rege-se, além do mais, pelo estabelecido neste diploma e pelo que se mostra concretizado no Regulamento de Relações Comerciais.

Este tipo de contrato tem por base, atendendo à frequência com que é celebrado, à qualidade dos respetivos intervenientes e ao bem essencial que tem por objeto – eletricidade -, princípios de transparência, informação e equidade.

De acordo com o artigo 142.º do Regulamento de Relações Comerciais, a celebração de um contrato de fornecimento de eletricidade com uma entidade comercializadora é uma das modalidades de contratação de energia elétrica, ficando o cliente isento da celebração de qualquer contrato de uso das redes com os operadores das mesmas (n.os 1 e 5 do referido artigo).

Nestes casos, os comercializadores ficam «responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do acesso às redes dos seus clientes» (cfr. n.º 6 do artigo 142.º do Regulamento).

Após a celebração de um contrato de fornecimento de eletricidade, os operadores de rede de distribuição ficam obrigados a proceder à ativação do fornecimento, nos termos do artigo 180.º do Regulamento, sendo que a faturação dos valores consumidos far-se-á de acordo com variáveis objeto de medição ou determinadas a partir de valores medidos (cfr. artigo 238.º).

Nos termos do artigo 239.º do Regulamento (ex vi do artigo 262.º, n.º 1), o fornecimento e instalação destes equipamentos de medição (como o contador e acessórios) são da responsabilidade do operador de rede, passando os clientes a ser os fieis depositários de tais instrumentos de medição e sendo o operador de rede a entidade responsável por proceder à leitura dos equipamentos de medição colocados nas instalações dos clientes (cfr. artigo 268.º, nº 2).

Por conseguinte, neste âmbito, diz-nos o artigo 266.º que «1 - os erros de medição da energia e da potência, resultantes de qualquer anomalia verificada no equipamento de medição ou erro de ligação do mesmo, que não tenham origem em procedimento fraudulento, serão corrigidos em função da melhor estimativa das grandezas durante o período em que a anomalia se verificou, nos termos previstos no Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados; 2 - para efeitos da estimativa prevista no número anterior, são consideradas relevantes as características da instalação, o seu regime de funcionamento, os valores das grandezas anteriores à data de verificação da anomalia e, se necessário, os valores medidos nos primeiros 3 meses após a sua correção».

Postas estas premissas e tendo por base a factualidade provada, conclui-se que com a celebração do contrato de fornecimento de eletricidade com a ré, na qualidade de comercializadora, ficou a autora isenta da celebração de um contrato de uso da rede de energia elétrica com a assistente, ficando a ré responsável pelo cumprimento de todas as obrigações decorrentes do acesso às redes.

Por sua vez, a assistente ficou responsável pela ativação do fornecimento de eletricidade, instalação dos equipamentos de medição e leitura das respetivas medições.

Sucede que, conforme se provou nos autos, no período de tempo compreendido entre os dias 03/09/2018 e 11/01/2019, verificou-se uma avaria no contador, tendo deixado de funcionar o display que, como é sabido, permite a visualização dos valores de medição do consumo que, por seu turno, serão o pressuposto e base da faturação do fornecimento do serviço.

Ora, não está aqui em causa qualquer interrupção no fornecimento do serviço contratado, nem a autora alega que tal tenha ocorrido, o que alega é que não houve consumo de eletricidade neste período e que o valor faturado não reflete essa realidade.

O que se verifica é que a única via para aceder à medição do consumo deste bem deixou de funcionar e de fornecer tal dado para que a assistente indicasse o mesmo à ré para que o pudesse, por seu turno, faturar.

E neste caso particular, o Regulamento aqui em análise refere como pode o operador proceder para, na manutenção do fornecimento e anomalia na sua contagem, proceder à medição, no caso, por estimativa ou aproximação, do bem fornecido.

Decorre da matéria dada como provada que, efetivamente, foi o que fez a assistente, que recorreu ao aludido Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados, aprovado pela ERSE, para apurar o valor estimado do consumo de energia no local para o período de tempo em causa, valor este comunicado e faturado pela ré.

Ou seja, não se verifica qualquer falta de cumprimento das obrigações decorrentes para qualquer uma das partes, sendo que a ré faturou o valor comunicado pela assistente e esta, por seu turno, comunicou àquela os valores apurados de acordo com o estabelecido no Regulamento.

Ademais, não se provou qualquer outra realidade que permitisse ao Tribunal asseverar que no período de tempo em discussão não houve consumo que justificasse faturação ou sequer que o consumo eventualmente realizado foi inferior ao que foi estimado.

Com efeito, só nesta circunstância é que se poderia, perante a comprovação de uma realidade distinta da percecionada que, no caso, apenas permitiu a faturação de um valor estimado (dir-se-á, intermédio relativamente aos dados reais apurados nos períodos homólogos dos anos anteriores e do ano subsequente ao da avaria do contador e do modem), apurar um valor distinto daquele que foi faturado e já liquidado pela autora.

Mais uma vez se salienta, na linha da factualidade alegada pela autora, que cumpriria apurar que não houve consumo de eletricidade, o que implicaria que se provasse, pelo menos, que neste período em concreto os equipamentos alegados não estiveram ligados à corrente elétrica e, ainda, que tais equipamentos eram os únicos que consumiam energia no local, o que não sucedeu.

Desta forma, não pode a ré ser condenada na devolução do valor faturado e já pago pela autora, nem reconhecido qualquer direito de crédito, nesta matéria, da ré relativamente à assistente.”.

3.1. A apelante discorda pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso 52. a 62. Mas sem razão, face à inalteração da matéria provada e não provada.

A aludida fundamentação mostra-se acertada, face às normas legais convocadas e sua correcta interpretação. Pelo que há que chancelar a mesma. Com as seguintes notas adicionais, necessariamente breves.

1ª – estando-se, na presente acção, perante um pedido assente na repetição/restituição do pagamento indevido, inexiste comando legal algum que inverta as regras do ónus da prova, pelo que a A. é que teria de provar os factos constitutivos do seu direito, mesmo que dúvida existisse sobre tal encargo (art. 342º, nº 1 e 3, do CC), ou seja, que não consumiu energia alguma ou em parte, o que não logrou:

2ª – está assente que existiu consumo, não se tendo provado que ele não se deu (alínea d dos factos não provados), bem como os consumos associados às facturas foram calculados e facturados por estimativa (factos 16. e 18. não impugnados). Perante tal estimativa, feita de acordo com o estabelecido nos supra indicados Regulamento de Relações Comerciais, art. 266º, e no Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados, aprovado pela ERSE, e, ainda, na ausência de prova que os cálculos estimados estão errados, inexiste razão válida para a A. obter de volta os valores que liquidou à R.

3.2. Na mesma sentença recorrida também se escreveu que:

“Ainda, a autora peticiona a condenação da ré no pagamento de uma nota de crédito que foi emitida a favor da mesma.

Pela simplicidade da matéria e pela prova que se produziu quanto à mesma, sem mais considerandos se dirá que tal nota de crédito consubstancia um expediente para correção de uma fatura, no caso, a fatura ...99, que foi anulada e substituída pela fatura ...97, sendo os valores coincidentes e, por isso, não representando qualquer acréscimo patrimonial para a autora no sentido pela mesma pretendido, motivo pelo qual também esta parte do pedido terá que improceder.”.

Quanto ao pagamento da nota de crédito e justificação jurídica deduzida pelo tribunal a quo para o seu não pagamento, a recorrente no seu recurso limitou-se a pedir a condenação no pedido na sua conclusão de recurso 65. Mas não apresentou qualquer razão, motivo ou argumento jurídico para tanto.  

Ora, de há muito que a nossa jurisprudência e doutrina vem entendendo continuadamente e de modo unânime - atendendo que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes – que os tribunais de recurso não têm que conhecer de questões só suscitadas em conclusão da alegação, sem qualquer correspondência, fundamento ou desenvolvimento no texto do corpo das alegações (vide por ex. os Acds. do STJ, de 13.1.2005 e 25.5.2005, respectivamente Procs.04B4132 e 04B4502, em www.dgsi.pt).    

Pelo exposto, não há que emitir pronúncia sobre a dita sub-questão.

3.3. Na dita decisão apelada ainda se disse que:

“Por fim, a autora peticiona a condenação daquela ré a pagar-lhe uma compensação por danos patrimoniais no montante de € 2.500,00, por conta da contratação de serviços jurídicos para tratamento, designadamente, das reclamações apresentadas junto daquela.

Para aferir do mérito de tal pretensão, além do mais, teríamos que perscrutar da existência de danos, que, desde logo, não se demonstraram.

Deste modo, não se provando um dos pressupostos necessários, ao abrigo dos artigos 483.º do Código Civil, é a ré absolvida do pedido de indemnização por danos patrimoniais no montante de € 2.500,00.”.”.

A apelante dissente pela razão constante das suas conclusões de recurso 63. e 64.

Relativamente a esta sub-questão apenas há que relembrar o facto não provado e), infrutiferamente impugnado, que arreda totalmente qualquer hipótese de indemnização.  

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas pela A./recoorrente.

*

                                                           Coimbra, 18.6.2024

                                                           Moreira do Carmo

                                                           Rui Moura

                                                           Fernando Monteiro