PEDIDO CÍVEL
TAXA DE JUSTIÇA
AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO
Sumário

Embora o demandado não tenha contestado o pedido cível, deu causa ao mesmo através do seu comportamento ilícito, pois não fora a conduta ilícita do demandado, não teria existido o pedido de indemnização civil. Por conseguinte, deve o demandado ser condenado no pagamento das custas do pedido cível.

Texto Integral

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Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                       

I. Relatório:                                                 

            A) No processo comum (tribunal singular) n.º 124/21.... que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência genérica de Tondela, foi, em 1/2/2024, proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte:

IV - DECISÃO:

Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supramencionadas, julgo as acusações públicas e particulares totalmente provadas e, em consequência:
1. Condeno o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa;
2. Condeno o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
3. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1 e 2, condeno o Arguido AA na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 EUR (sete euros), perfazendo o montante global de 1.050,00 EUR (mil e cinquenta euros).

Mais decido julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização cíveis deduzidos pela Demandante e, em consequência:
1. Condeno o Demandado AA na obrigação de pagamento à Demandante BB da quantia de 2.525,00 EUR (dois mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para as obrigações meramente civis, desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.

Condeno o Arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, nos termos das disposições conjugados do artigo 513.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal e do artigo 8.º n.º 9, por referência à tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Condeno o Demandado e a Demandante nas custas processuais cíveis, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Assistente/Demandante.

Notifique e registe.

Deposite (cfr. arts. 372.º n.º 5 e 373.º n.º 2 ambos do Código de Processo Penal).

Proceda-se à recolha das impressões digitais e assinatura do Arguido, para efeitos do disposto nos artigos 2.º n.º 2, 5.º n.º 2 al. a), 6.º al. a) e 19.º, todos da Lei n.º 37/2015, de 05/05, na redação atualmente em vigor, bem como dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 171/2015, de 25/08, na redação atualmente em vigor, com remessa oportuna aos serviços competentes.


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Após o trânsito, remeta o competente boletim à Direção de Serviços de Identificação Criminal [art. 374.º n.º 3 al. d) do Código de Processo Penal e art. 6.º alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05/05, retificada pela Declaração de Retificação n.º 28/2015].”
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B) Inconformado, o arguido, em 4/3/2024, recorreu, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença condenatória, proferida nos presentes autos, que condenou o ora recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º n.º 1 e 2 do C.P. e de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1 do mesmo Diploma Legal, bem como no pagamento de uma indemnização, no valor de €2.525,00 à demandante;

(…)

XXIII. Sem prejuízo do que se deixa dito, sempre se impunha a drástica redução da indemnização pelos danos não patrimoniais alegados pela demandante pelo facto de o valor de €2.500,00 ser, manifestamente, excessivo, atendendo à natureza e especificidades dos crimes em causa e, bem assim, aos rendimentos do recorrente;

XXIV. A sentença em crise também viola o preceituado no art. 523.º do CPP e 6.º do Regulamento das Custas Processuais ao condenar, a final, o arguido recorrente nas custas processuais cíveis, olvidando apesar deste não ter contestado os pedidos de indemnização civil da demandante, nenhum impulso processual tendo dado que justifique a sua responsabilidade pelo pagamento daquelas (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto,         de 08.02.2023, Proc.4057/21.2JAPRT.P1, https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1a5f207ef4c7a232802589560 0342185?OpenDocument);

XXV. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, valorou, salvo o devido respeito, de forma manifestamente errada a prova constante dos autos e a produzida em audiência de julgamento, sobrevalorizando as declarações da assistente, e violou as normas legais aplicáveis in casu, designadamente o disposto no art. 32.º da CRP, art. 523.º do CPP e art. 6.º da RCP;

XXVI. Deve, pois, ser revogado o acórdão em crise, substituindo-se por outro que:

1) Elimine os pontos 1 a 5 dos Factos Provados, em virtude da inexistência de prova cabal sobre a identidade do autor das mensagens transcritas no ponto 2, absolvendo-se o arguido da prática dos crimes que lhe foram imputados;

Se assim não se entender, que

2) Elimine os pontos 7 a 11 dos Factos Provados e dê como não provados os danos alegados pela demandante, por ausência de prova testemunhal ou documental que os corrobore e/ou reduza, segundo o critério da equidade, o montante da indemnização a pagar à demandante;

e, ainda, que

3) Revogue a sentença recorrida quanto à condenação do recorrente demandado nas custas processuais cíveis, por aquele não ter contestado os pedidos de indemnização civil da demandante, substituindo-a por outra que condene apenas a demandante no seu pagamento, tudo com as devidas consequências legais.

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   C) O recurso, em 11/3/2024, foi admitido.

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D) O Ministério Público, em 21/3/2024, respondeu ao recurso, defendendo que não merece provimento.

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            E) A assistente, em 25/4/2024, respondeu ao recurso, defendendo que não merece provimento.

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            F) Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 10/5/2024, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

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            G) Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

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            H) Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:
               “I - RELATÓRIO:

Por um lado, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção de Tribunal singular, nos termos do disposto no artigo 283.º do CPP, de:

AA, nascido em ../../1957, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de CC e de DD, ..., portador do cartão de cidadão n.º ...50, residente na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ...;

Imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º n.º 1 e 2 do Código Penal.

Por seu turno, a Assistente BB, para além de aderir à acusação pública nos termos do disposto no artigo 284.º do CPP, deduziu ainda acusação particular, imputando ao Arguido AA a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, a qual foi acompanhada pelo Ministério Público nos termos do disposto no artigo 284.º n.º 4 do CPP.

Finalmente, a Assistente deduziu dois pedidos de indemnização cíveis, peticionando (i) a condenação do Arguido no pagamento àquela da quantia de 3.500,00 EUR (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de 25,00 EUR (vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais, pelo crime de injúria, bem como (ii) a condenação do Arguido no pagamento àquela da quantia de 2.000,00 EUR (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, pelo crime de perturbação da vida privada.

O Arguido apresentou contestação, negando a prática dos factos, oferecendo o merecimento dos autos e arrolando prova testemunhal.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.

Não se suscitaram, nem existem, quaisquer outras exceções, nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.


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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

2.1. Factos provados:

Produzida a prova e discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:

Das acusações:
1. O Arguido AA e a Assistente BB mantiveram uma relação de namoro de longa duração de cerca de quatro anos, tendo essa relação terminado em 2009, enviando o Arguido desde então várias mensagens escritas à Assistente, inicialmente através de “SMS” para o seu telemóvel e, mais recentemente e já durante o ano de 2021, através da aplicação “Facebook” – “Messenger”.
2. A Assistente, no início, apagou as mensagens enviadas pelo Arguido; no entanto, desde 07/10/2021 até 19/11/2021, o Arguido enviou àquela as seguintes mensagens:
· 07/10/2021 às 15h31m: «Então já fizeste a vindima toda ão marido»;
· 07/10/2021 às 18h14m: «Estás a dar a sopa ao marido não te esqueças do babete»;
· 07/10/2021 às 18h36m: «Sempre pensei que encontrasse alguém de jeito mas irtes meter com um homem quase de hoitenta anos.tem vergonha ai se vê que não tens personalidade nenhuma de mulher. Envergonate”;
· 09/10/2021 às 11h24m: «Bom dia»;
· 11/10/2021 às 10h31m: «Bom dia posso falar contigo»;
· 11/10/2021 às 10h46m: «Passa bem com o avozinho sim esse sera o amor da tua vida também não mereces melhor»;
· 12/10/2021 às 11h10m: «Bom dia já estás a fazer o almoço pará o avô... Eras a tal quê dizias eu só me junto com um homem se gostar dele não pelo dinheiro ai se ve mas não te convensas … Gostava de te ver bém e com um homem mais ou menos da tua idade agora com um que a mais velho quê o teu pai devias ter vergonha … Quando estiver com o Ricardo já lê vou procurar se Gosta do padrasto porque eu estou muintas vezes com ele.»;
· 19/10/2021 às 14h28m: «So te digo ele esta bem servido porque arranjou uma mulher que já tem experiência»;
· 20/10/2021 às 07h53m: «Bom dia Belicista … Não te esqueças do comprimido senão não tens nada para te agarares»;
· 20/10/2021 às 09h02m: «Quando estiveres a foder com ele pensa quê sou.eu.que estou em sima de ti senão não te consegues vir»;
· 20/10/2021: «Gostei muito de ti sempre acreditei naquilo que dizias que se eu te deixasse que só arranjavas um homem se gostasses mesmo dele tu dizias que não precisas de um homem para te meter e eu achava te diferente dás outras mulheres mas afinal és pior porque para te foder já não de ve ter pissa pará isso agora tu a pará ver se lhe fodes a carteira mas não Acredito»;
· 20/10/2021 às 21h39m: «Já fizeste o amor hoje Às 4 da manhã»;
· 20/10/2021 às 22h20m: «Tua até deves sonhar com a minha pissa que até te fazia fojir»;
· 21/10/2021 às 07h45m: «Bom dia espero não estar a Estragar nada; Se estiveres a foder pensa na minha pissa e esporate toda a pensares nela coisa que tu tanto gostavas de brincar com ela; Estou com a minha pissa direita. Queres quê te envie uma foto»;
· 19/11/2021: «Não ponhas muito sal olha a tensão»;
· 19/11/2021: «Esse Amor perfeito também lhe cupas a pissa ao acordares de manhã».
3. O Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que através do envio das mensagens perturbava a vida privada, a paz e o sossego da Assistente, ainda assim, não se coibiu de tal conduta.
4. O Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com intenção de ofender a Assistente na sua honra e consideração e com imputação de factos relativos à intimidade da vida privada e familiar desta.
5. O Arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.

Dos pedidos de indemnização cível:
6. Por causa da conduta adotada pelo Arguido, a Assistente sentiu-se ofendida, triste, inquieta, humilhada e desgostosa, bem como enxovalhada, enojada e envergonhada.
7. Chorou por diversas vezes e sentiu medo e receio das palavras escritas pelo Arguido.
8. A determinado momento, por causa das várias mensagens rececionadas, a Assistente foi conduzida ao Centro Hospitalar ..., tendo sido desde então acompanhada em consulta de psiquiatria, com toma de medicação diária.
9. A dada altura, a Assistente foi advertida no local de trabalho, uma vez que não se encontrava psicologicamente bem por causa desta situação, o que lhe estava a condicionar o correto exercício das suas funções.
10. Teve e tem dificuldades em adormecer recorrentemente, pois recorda estas situações.
11. Em virtude deste processo, a Assistente teve que se deslocar pelo menos duas vezes ao Posto da G.N.R. de ..., bem como teve que se deslocar pelo menos três vezes ao escritório do seu Defensor.

(…)

Da qualificação jurídica dos factos:

O Arguido vem acusado da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º n.º 1 e 2, e de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1, todos do Código Penal.


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Do Crime de Perturbação da Vida Privada:

Preceitua o artigo 190.º n.º 1 e 2 do CP o seguinte:

“1 - Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel”.

Trata-se de um crime comum quanto ao sujeito (pode ser praticado por qualquer pessoa), de execução vinculada quanto à conduta (pois o tipo legal descreve o modo de execução, ou seja, o universo das condutas suscetíveis de o originarem) e de dano quanto ao bem jurídico (visto que o crime apenas se consome com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado pela norma).

O bem jurídico protegido pela norma incriminatória é a paz e o sossego de outra pessoa.

O telefonar para o telemóvel de outrem (n.º 2 da norma legal), aditado ao tipo legal de crime através da Lei n.º 59/2007, de 04/09, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2015, p. 745, teve em vista “abranger condutas conhecidas por stalking, descentrando a tutela penal do espaço físico do domicílio para a estender a qualquer espaço físico onde o ofendido se encontre”.

O tipo objetivo para preenchimento da norma em apreço consiste em telefonar para a habitação ou para o telemóvel de outrem.

Em relação ao vocábulo “telefonar”, a jurisprudência tem entendido de forma unânime que o mesmo consiste em comunicar ou fazer comunicação pelo telefone, fazer uso do telefone, nele incluindo a palavra escrita através de telemóvel – neste sentido, ver Ac. TR Lisboa de 20/12/2016, Relator: Des. Vieira Lamim, Proc. n.º 11459/12.3TDLSB.L1 -5; Ac. TR Coimbra de 18/06/2014, Relator: Des. Orlando Gonçalves, Proc. n.º 718/11.2PBFIG.C1; Ac. TR Porto de 07/11/2012, Relator: Des. Pedro Vaz Pato, Proc. n.º 765/08.1PRPRT.P2; Ac. TR Porto de 22/06/2011, Relatora: Des. Paula Guerreiro, Proc. n.º 765/08.1PRPRT.P1.

Com efeito, o artigo 190.º n.º 2 do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através do telemóvel, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis que, com a sua receção, emitem um som de aviso.

Em relação ao tipo subjetivo, estamos perante um crime doloso, no qual se exige, para além do conhecimento e da vontade de praticar o facto (dolo genérico), também a intenção do autor do crime em perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa (dolo específico).

Vertendo ao caso sub judice, da factualidade dada como provada resulta que o Arguido, inicialmente através de “SMS” e, mais recentemente e já durante o ano de 2021, através da aplicação “Facebook” – “Messenger”, remeteu à Assistente no período que mediou entre 07/10/2021 e 19/11/2021, as mensagens que constam do facto provado n.º 2.

Também resulta que a Assistente se sentiu ofendida, triste, inquieta, humilhada e desgostosa, bem como enxovalhada, enojada e envergonhada. Chorou por diversas vezes e sentiu medo e receio das palavras escritas pelo Arguido. Para além da demais factualidade dada como provada.

Mais se provou que o Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que através do envio das mensagens perturbava a vida privada, a paz e o sossego da Assistente, ainda assim, não se coibiu de tal conduta, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.

Por conseguinte, encontram-se, pois, preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito, pelo que a Arguida, com tal conduta, incorreu na sua prática, inexistindo causas de exclusão da culpa e da ilicitude (arts. 31.º e sgs. do CP, nem foi alegada ou se verifica qualquer outra prevista na demais legislação).


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Do Crime de Injúria:

Preceitua o artigo 181.º n.º 1 do CP o seguinte:

“1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.

O bem jurídico protegido pela norma incriminatória é a honra, numa dupla conceção fáctico-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade, mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social, conforme ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 3.ª Ed., 2015, p. 731.

Estamos perante um direito de personalidade tutelado quer do ponto de vista constitucional, quer do ponto de vista civil, conforme resulta dos artigos 1.º e 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 70.º do Código Civil.

O tipo objetivo para preenchimento das normas em apreço consiste na imputação de factos (mesmo sob a forma de suspeita) ou pronunciamento de palavras, contra terceiro e dirigidas exclusivamente a este, desde que os mesmos sejam ofensivos da sua honra ou consideração.

A imputação de um facto é idónea para lesar a honra do Ofendido quando é adequada a desacreditar, desprestigiar ou diminuir o seu bom nome perante os demais cidadãos.

Em relação ao tipo subjetivo, estamos perante um crime doloso (dolo genérico), o qual admite qualquer das formas de dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal, incluindo o dolo eventual, não se exigindo, portanto, que o agente queira ofender a honra e consideração alheias (animus injuriandi), bastando estar ciente que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir – neste sentido, ver Ac. TR Évora de 05/03/2013, Relator: Des. António João Latas, Proc. 5689/11.2TDLSB.E1.

Ora, no caso sub judice, provou-se que o Arguido, através da aplicação “Facebook” – “Messenger”, remeteu à Assistente no período que mediou entre 07/10/2021 e 19/11/2021, as mensagens que constam do facto provado n.º 2, designadamente:
· 07/10/2021 às 15h31m: «Então já fizeste a vindima toda ão marido»;
· 07/10/2021 às 18h14m: «Estás a dar a sopa ao marido não te esqueças do babete»;
· 07/10/2021 às 18h36m: «Sempre pensei que encontrasse alguém de jeito mas irtes meter com um homem quase de hoitenta anos.tem vergonha ai se vê que não tens personalidade nenhuma de mulher. Envergonate”;
· 09/10/2021 às 11h24m: «Bom dia»;
· 11/10/2021 às 10h31m: «Bom dia posso falar contigo»;
· 11/10/2021 às 10h46m: «Passa bem com o avozinho sim esse sera o amor da tua vida também não mereces melhor»;
· 12/10/2021 às 11h10m: «Bom dia já estás a fazer o almoço pará o avô... Eras a tal quê dizias eu só me junto com um homem se gostar dele não pelo dinheiro ai se ve mas não te convensas … Gostava de te ver bém e com um homem mais ou menos da tua idade agora com um que a mais velho quê o teu pai devias ter vergonha … Quando estiver com o Ricardo já lê vou procurar se Gosta do padrasto porque eu estou muintas vezes com ele.»;
· 19/10/2021 às 14h28m: «So te digo ele esta bem servido porque arranjou uma mulher que já tem experiência»;
· 20/10/2021 às 07h53m: «Bom dia Belicista … Não te esqueças do comprimido senão não tens nada para te agarares»;
· 20/10/2021 às 09h02m: «Quando estiveres a foder com ele pensa quê sou.eu.que estou em sima de ti senão não te consegues vir»;
· 20/10/2021: «Gostei muito de ti sempre acreditei naquilo que dizias que se eu te deixasse que só arranjavas um homem se gostasses mesmo dele tu dizias que não precisas de um homem para te meter e eu achava te diferente dás outras mulheres mas afinal és pior porque para te foder já não de ve ter pissa pará isso agora tu a pará ver se lhe fodes a carteira mas não Acredito»;
· 20/10/2021 às 21h39m: «Já fizeste o amor hoje Às 4 da manhã»;
· 20/10/2021 às 22h20m: «Tua até deves sonhar com a minha pissa que até te fazia fojir»;
· 21/10/2021 às 07h45m: «Bom dia espero não estar a Estragar nada; Se estiveres a foder pensa na minha pissa e esporate toda a pensares nela coisa que tu tanto gostavas de brincar com ela; Estou com a minha pissa direita. Queres quê te envie uma foto»;
· 19/11/2021: «Não ponhas muito sal olha a tensão»;
· 19/11/2021: «Esse Amor perfeito também lhe cupas a pissa ao acordares de manhã».

As expressões “So te digo ele esta bem servido porque arranjou uma mulher que já tem experiênciae Sempre pensei que encontrasse alguém de jeito mas irtes meter com um homem quase de hoitenta anos.tem vergonha ai se vê que não tens personalidade nenhuma de mulher. Envergonate”, bem como a afirmação de factos tais como “Bom dia Belicista … Não te esqueças do comprimido senão não tens nada para te agarares”, “Quando estiveres a foder com ele pensa quê sou.eu.que estou em sima de ti senão não te consegues vir”, “Gostei muito de ti sempre acreditei naquilo que dizias que se eu te deixasse que só arranjavas um homem se gostasses mesmo dele tu dizias que não precisas de um homem para te meter e eu achava te diferente dás outras mulheres mas afinal és pior porque para te foder já não de ve ter pissa pará isso agora tu a pará ver se lhe fodes a carteira mas não Acredito”,Tua até deves sonhar com a minha pissa que até te fazia fojir”, “Bom dia espero não estar a Estragar nada; Se estiveres a foder pensa na minha pissa e esporate toda a pensares nela coisa que tu tanto gostavas de brincar com ela; Estou com a minha pissa direita. Queres quê te envie uma foto”, bem como “Esse Amor perfeito também lhe cupas a pissa ao acordares de manhãcomportam uma carga pejorativa para a comunidade em geral.

Objetivamente, tais expressões e afirmações de factos encerram em si mesmas e conjugadas uma com outras, possuem um sentido depreciativo e insultuoso, pelo que se constituem como ofensivas da honra e consideração da Ofendida, enxovalhando-a e humilhando-a como pessoa, denigrindo a sua imagem e reputação aos olhos do cidadão médio, representativo da comunidade.

Finalmente, também se provou que o Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com intenção de ofender a Assistente na sua honra e consideração e com imputação de factos relativos à intimidade da vida privada e familiar desta, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.

Por conseguinte, encontram-se, pois, preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito previsto e punível pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, pelo que o Arguido, com tal conduta, incorreu na sua prática, inexistindo quaisquer causas de exclusão da culpa e da ilicitude (arts. 31.º e sgs. do CP, nem foi alegada ou se verifica qualquer outra prevista na demais legislação).

Diga-se, aliás, que estamos perante uma situação de concurso ideal heterogéneo, isto é, mediante uma única ação, o Arguido violou uma pluralidade de tipos legais (crime de injúria e crime de perturbação da vida privada), não havendo qualquer relação de subsidiariedade, até porque os bens jurídicos tutelados são distintos (crime contra a honra e crime contra a reserva da vida privada), entendimento igualmente seguido na fase de inquérito e que o Arguido até ao momento não colocou em causa.


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(…)

Donde, atendendo às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto, bem como à culpa do Arguido, que é elevada, considera-se justo, pertinente, adequado e proporcional aplicar:

- a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa pelo crime de perturbação da vida privada;

- a pena de 60 (sessenta) dias de multa pelo crime de injúria.


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Do cúmulo jurídico:

Quanto à punição do concurso de crimes, o artigo 77.º n.º 1 do Código Penal dispõe que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena.

A pena conjunta ou única, pena através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o artigo 77.° n.º 2, tem a sua moldura abstrata definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, o que equivale por dizer que, no caso, a respetiva moldura varia entre o mínimo de 60 (sessenta) dias e o máximo de 180 (cento e oitenta) dias de multa.

Sobre a concreta pena única a aplicar, o critério encontra-se determinado pelo legislador no artigo 77.º n.º 1 parte final, no qual é referido que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Não estamos perante uma mera operação aritmética de adição. Com efeito, a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo que a “autoria em série” deve considerar-se, em princípio, como fator agravante da pena – como brilhantemente se explana no Ac. STJ de 02/12/2013, Relator: Cons. Oliveira Mendes, Proc. n.º 742/11.5TACTX.E1.S1.

No caso concreto, os factos praticados pelo Arguido encontram-se umbilicalmente conexionados e foram praticados todos na mesma ocasião – situação que lhe é favorável do ponto de vista dos critérios legalmente previstos para a operação do cúmulo jurídico, pois destes concretos factos não se retira uma especial inclinação criminosa.

Contudo, o caráter persistente e reiterado da conduta, bem como a gravidade das consequências do comportamento do Arguido devem ser tidos igualmente em conta, negativamente.

Já em relação à personalidade do Arguido, apurou-se que o mesmo não tem antecedentes criminais e se encontra integrado a todos os níveis, o que lhe é igualmente favorável.

Assim, a imagem global dos ilícitos perpetrados aponta no sentido de uma gravidade de nível médio.

Por conseguinte, entende-se aplicar a pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa.


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Quanto ao quantitativo diário a aplicar, há que considerar o disposto no n.º 2 do artigo 47º, do Código Penal, norma que determina que o Tribunal deve fixar a pena de multa numa quantia diária entre 5,00 EUR (cinco euros) e 500,00 EUR (quinhentos euros), em função da situação económica e financeira do Arguido e dos seus encargos pessoais.

No caso concreto, o Arguido apresenta uma situação económico-financeira razoável, tem rendimentos baixos, mas tem património imobiliário, para além de que não apresentou despesas fixas mensais relevantes.

Assim, atenta a suprarreferida situação social e financeira do Arguido, fixa-se a taxa diária em 7,00 EUR (sete euros).


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Dos pedidos de indemnização cíveis:

Nos termos do artigo 129.º do CP, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, remetendo para os artigos 483.º e sgs. do Cód. Civil.

A responsabilidade civil por factos ilícitos, geradora da obrigação de indemnizar, assenta nos seguintes pressupostos: prática de um facto ilícito, culpa do lesante, existência de danos indemnizáveis e nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos.

Em relação aos danos patrimoniais, designadamente despesas de deslocação da Assistente ao Posto da G.N.R. e ao escritório do seu Defensor, no valor global de 25,00 EUR (vinte e cinco euros), ainda que não tenham sido juntas concretas despesas e faturas associadas, a Assistente confirmou essas mesmas deslocações e tal custo resulta das regras da experiência e da normalidade do acontecer de forma patente e notória.

Contudo, não sendo possível usar do critério consagrado no artigo 566.º n.º 2 do Código Civil (teoria da diferença), o Tribunal deve fixar uma indemnização em dinheiro que possa casuisticamente “compensar” aquele dano cujo valor não é exato, através do recurso à equidade (artigo 566.º n.º 3 do CC), o que se decide e integralmente pelo valor peticionado.

Já no que concerne aos danos não patrimoniais, dispõe o artigo 496.º n.º 1 do Cód. Civil (doravante, CC) que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (cfr. art. 496.º n.º 3 do CC), nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado[1] e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Apesar deste tipo de dano (de natureza não patrimonial) não ser suscetível de avaliação pecuniária, deverão ser compensados com uma indemnização de natureza pecuniária, que contrabalance o mal sofrido, permitindo ao Demandante utilizar a referida quantia nos gastos que bem entenda em seu benefício.

No caso em apreço, mostra-se provada a prática pelo Arguido/Demandado de factos ilícitos e culposos, tendo-se ainda provado que, em consequência direta e necessária da conduta do Arguido, a Assistente BB sentiu-se ofendida, triste, inquieta, humilhada e desgostosa, bem como enxovalhada, enojada e envergonhada.

Chorou por diversas vezes e sentiu medo e receio das palavras escritas pelo Arguido. A determinado momento, por causa das várias mensagens rececionadas, a Assistente foi conduzida ao Centro Hospitalar ..., tendo sido desde então acompanhada em consulta de psiquiatria, com toma de medicação diária. A dada altura, a Assistente foi advertida no local de trabalho, uma vez que não se encontrava psicologicamente bem por causa desta situação, o que lhe estava a condicionar o correto exercício das suas funções e teve e tem dificuldades em adormecer recorrentemente, pois recorda estas situações.

Tais consequências para a Assistente BB são graves e, portanto, merecedoras da tutela do Direito.

Atendendo a toda a factualidade, ao grau de culpabilidade do Arguido e à situação económico-financeira do mesmo já espelhada supra, entende o Tribunal adequada a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 2.500,00 EUR (dois mil e quinhentos euros), valor já devidamente atualizado na presente data.

Quanto aos juros de mora, o Acórdão do STJ n.º 4/2002, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”, para além de que “os juros de mora relativos à indemnização dos danos fixados por recurso à equidade são devidos desde a data da decisão, e não de um momento anterior, uma vez que o juízo de equidade de que eles resultam é um juízo atualista, por o valor encontrado ser aquele que se considera como correto no preciso momento em que a questão se decide. Para se formular esse juízo, à partida, não se recua no tempo, procurando determinar qual o montante que num qualquer momento anterior seria o adequado” – vide Ac. TR Guimarães de 07/12/2017, Relator: Des. António Beça Pereira, Proc. n.º 863/16.8T8VIS.G1.

Assim, são devidos juros de mora desde a presente data até efetivo e integral pagamento da quantia global de 2.525,00 EUR (dois mil, quinhentos e vinte e cinco euros).


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Das custas cíveis:

Ora, no caso concreto existem duas acusações, uma pública e outra particular, sendo que os pedidos de indemnização cíveis deduzidos são unos do ponto de vista da Demandante e do Demandado, pelo que um será adicionado ao outro.

Assim, no que respeita a custas processuais, vigorando em processo civil o princípio da causalidade (cfr. artigo 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil), deverão as Partes, por terem dado causa ao processo, ser condenadas no seu pagamento, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 54,30% para a Demandante e em 45,70% para o Demandado.”


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IV - DECISÃO:

Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supramencionadas, julgo as acusações públicas e particulares totalmente provadas e, em consequência:
4. Condeno o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa;
5. Condeno o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
6. Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas em 1 e 2, condeno o Arguido AA na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 EUR (sete euros), perfazendo o montante global de 1.050,00 EUR (mil e cinquenta euros).

Mais decido julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização cíveis deduzidos pela Demandante e, em consequência:
2. Condeno o Demandado AA na obrigação de pagamento à Demandante BB da quantia de 2.525,00 EUR (dois mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para as obrigações meramente civis, desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.

Condeno o Arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, nos termos das disposições conjugados do artigo 513.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal e do artigo 8.º n.º 9, por referência à tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Condeno o Demandado e a Demandante nas custas processuais cíveis, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Assistente/Demandante.

(…)


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III. Apreciação dos Recursos:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

As questões a conhecer são as seguintes:

- Saber se:

1) a sentença padece de erro notório na apreciação da prova.

            2) é adequado o quantum da indemnização fixado em concreto.

            3) o demandado deve ser condenado no pagamento de custas cíveis.

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            2) do quantum da indemnização:

            O recorrente considera excessivo o valor determinado pelo Tribunal a quo, pugnando pela sua “drástica redução”, sem indicar, em concreto, qual o valor que entende ser o correto.

            A demandante, em 29/4/2022, a fls. 91/97, deduziu acusação particular contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de injúrias, e, ao mesmo tempo, deduziu pedido de indemnização civil, no valor de € 3.525,00 (€ 3.500,00, a título de danos não patrimoniais, e € 25,00, a título de danos patrimoniais).

            A demandante, em 17/5/2022, a fls. 110/116, aderiu à acusação pública deduzida pelo Ministério Público, no que se refere à prática de um crime de perturbação da vida privada, e, ao mesmo tempo, deduziu pedido de indemnização civil no valor de € 2.000,00 (a título de danos não patrimoniais).

            A sentença recorrida considerou os pedidos de indemnização cíveis unos do ponto de vista da Demandante e do Demandado, pelo que os adicionou, o que não mereceu qualquer crítica por parte do recorrente.

            A sentença recorrida veio a condenar o Demandado no pagamento da quantia de € 2.525,00, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para as obrigações meramente civis, desde a data da prolação da sentença até efetivo pagamento.

É inegável que o fundamento, a causa de pedir do pedido cível tem que ser matéria intimamente ligada ao(s) crime(s) objeto do processo, isto é, constituída pelos factos que integram as respetivas infrações criminais.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/04/2013, (proc. 897/06.0TAOVR.P1 - relator: Desembargador Castela Rio), in www.dgsi.pt:IV- A causa de pedir do pedido de indemnização civil objeto, posto que deduzível, em processo penal é única e exclusivamente o facto tipicamente ilícito e culpável integrado por todos os seus elementos objetivos e subjetivos constitutivos de um tipo legal previsto e punido como crime concomitantemente consubstanciador de um facto tipicamente ilícito civil extra contratual ou extra obrigacional culposo e causalmente danoso responsabilizante criminal e civilmente do agente singular ou (…). V- Assim, padece da nulidade insanável «violação das regras de competência do tribunal» todo o processado desde o momento da dedução de pedido de indemnização civil, inclusive a Decisão Final condenatória que sobre ele recair, quando fundado em causa de pedir diversa daquela.” (nosso negrito).

            No caso em apreço, se é verdade que, quanto ao elemento objetivo dos crimes imputados ao arguido, existe identidade absoluta (teor das mensagens enviadas), não é menos certo que, ao nível subjetivo, estamos perante duas intenções diferentes (a intenção de perturbar a vida provada, a paz e o sossego da demandante, por um lado, e a intenção de ofender a sua honra e consideração com imputação de factos relativos à sua intimidade da vida familiar, por outro)

            Portanto, estão em causa os danos sofridos pela prática de dois crimes.

            Em sede de danos não patrimoniais, o Tribunal a quo fixou o valor de € 2.500,00, ou seja, um montante inferior a metade daquilo que pretendia a demandante (€ 3.500,00 + € 2.000,00).

Os factos praticados pelo arguido, tal como resultaram provados na sentença, são factos voluntários, ilícitos e culposos.

No que concerne à ilicitude, o desvalor da ação, resulta, do disposto no artigo 70.º, do Código Civil, que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

Ora, quer no plano geral e abstrato, quer no plano particular e concreto do arguido, no seu contexto, familiar, social e profissional, a conduta do arguido não pode deixar de considerar-se reprovável e censurável.

A conduta do arguido provocou na assistente aquilo que consta dos pontos 6 a 10 dos factos dados como provados.

Na expressão da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, desde há muito tempo, as normas que regem esta matéria indemnizatória por danos não patrimoniais, “fixam-se definitivamente não numa conceção materialista da vida, mas antes num critério que consiste em que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores e desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado” – neste sentido o Ac. do STJ de 16/04/91, in BMJ 406.º-424.

Ora, é nosso entendimento que os danos sofridos pela demandante e que resultaram provados revestem gravidade suficiente para que sejam tutelados, visto que a honra e a consideração individuais, assim como a vida privada de qualquer cidadão são bens fundamentais do ser humano, pelo que cada um tem o direito a viver em paz e tranquilidade e a não ser molestado na sua personalidade e integridade moral.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais deverá circunscrever-se, nos termos do artigo 496.º do Código Civil, àqueles danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.

O montante da compensação a atribuir por danos não patrimoniais deverá ser fixado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, à sua situação económica e demais circunstâncias que no caso se justifiquem (cfr. artigos 496º, n.º 3, e 494º, ambos do Código Civil).

De igual modo, deverá a compensação ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência e de bom senso, sem deixar de ser significativa

Assim sendo, resulta adequado ao caso concreto fixar a compensação por danos não patrimoniais em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), improcedendo o peticionado.

Enfatize-se que, para a fixação do montante indemnizatório, impõe a lei (n.º 3 do artigo 496.º, do Código Civil) que se usem juízos de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste, sendo certo que trabalha por conta própria e é proprietário de imóveis, e as demais circunstâncias do caso e, ainda, que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina.

Aqui chegados, saliente-se que o recorrente não invoca a violação de critérios jurisprudenciais relevantes, não referindo sequer um único acórdão dos tribunais superiores em que, perante situação semelhante, tenha sido aplicada uma indemnização de menor valor, limitando-se, de um modo vago, a pedir uma “drástica redução” da indemnização.

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            3) da condenação do demandado nas custas processuais cíveis:

            O recorrente alega que, ao não contestar os pedidos cíveis, não gerou qualquer impulso processual do qual resulte o dever de suportar o pagamento de taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, do regulamento das Custas Processuais, pelo que não deve ser responsável pelo respetivo pagamento de custas.

            Baseia a sua pretensão no Acórdão do TRP, de 8/2/2023, Processo n.º 4057/21.2JAPRT.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Pedro Afonso Lucas, em www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte:

“(…) Como de forma expressiva se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2016 (proc. 2039/14.0T8PRT.P1)[3], «O RCP alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio do impulso: paga taxa de justiça quem impulsiona o processo; quem não intervém no processo não paga taxa de justiça».

Cabe, pois, delimitar o que consubstancie, para efeitos de espoletar a responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça, o conceito de impulsionar o processo – o que é, afinal, o impulso processual do interessado a que determinantemente apela o nº1 do art. 6º do RCP?

Nem o RCP, nem as normas relativas à responsabilidade pelo pagamento de custas que podem encontrar-se nos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, nos fornecem a delimitação de tal conceito.

Todavia, não se antolham substanciais dificuldades no alcance da mesma, sendo que desde logo as razões de ser subjacentes à necessidade de implementação de um eficaz sistema de tributação processual nos dão seguras e essenciais pistas para a delimitação aqui em causa.

Salvador da Costa, em “As Custas Processuais”, 9ª ed., a pág. 73, desde logo enuncia que “As custas [onde, como vimos, se inclui a taxa de justiça] significam, grosso modo, o dispêndio necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctico–jurídica”.

E no próprio preâmbulo do DL 34/2008 (RCP), se alude a que o sistema de tributação processual visa alcançar uma «repartição mais justa e adequada dos custos da justiça», e bem assim a «moralização e racionalização do recurso aos tribunais», designadamente penalizando «o recurso desnecessário e injustificado» às instâncias judiciais. Por isso que, e aproximando–nos daquilo que aqui releva, ali logo se anuncia que «Neste âmbito, elimina-se a atual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço» – sublinhado agora aposto.

Ou seja, e nesta perspetiva, o conceito de responsabilidade tributária por via de um impulso processual pressupõe que haja o intuito de obter um benefício (interpretado em sentido objetivo) traduzido na prestação efetiva de um serviço público – de natureza jurisdicional, no caso.

Porém, tal não esgota a clarificação que aqui se impõe, pois que o conceito de impulso claramente inculca o apelo à exigência de uma atuação processual positiva (‘impulsionar’ significa empurrar, impelir, propulsionar, estimular, ativar) que por si só determina a prestação de uma determinada atividade que não seria levada a cabo sem tal atuação.

Podemos assim concluir, ainda que sem grandes preocupações exegéticas, que impulso processual do interessado será toda a atuação levada a cabo por um sujeito no âmbito de um processo judicial, e que determine a prestação de um serviço da competência própria da atividade jurisdicional que não seria levado a cabo não fora tal atuação.

Revertendo a uma situação como a dos presentes autos, é fora de qualquer dúvida que desde logo os demandantes cíveis, por via da dedução de pedido de indemnização civil no âmbito de um processo criminal, determinam que no âmbito desse mesmo processo as questões relativas ao dito pedido sejam oportunamente julgadas, apreciadas e decididas pelo tribunal, em conformidade com as suas competências funcionais próprias, constitucional e legalmente previstas para o efeito.

É esse, e com a configuração e delimitação processual estabelecida pelos termos do pedido de indemnização em causa, o serviço de natureza jurisdicional impulsionado.

Nessa medida, é absolutamente inquestionável haverem aqueles sujeitos processuais dado impulso processual no que tange à demanda indemnizatória cuja apreciação suscitaram.

Por seu turno, caso se verifique que na sua contestação o demandado/arguido coloque em causa os fundamentos daquele pedido de tal forma que, por essa via de oposição, suscite que da parte do tribunal deva ser levado a cabo uma prestação de tal serviço jurisdicional vá além daquela que já lhe incumbia por via daquele outro e primeiro impulso – quanto mais não seja por via da apreciação dos argumentos de defesa invocados –, tal traduzir–se–á num novo impulso processual, diverso daquele primeiro no sentido em que diverso será já o âmbito e o limite daquilo que é pedido ao tribunal no processo.

Porém, se o demandado por exemplo não deduzir contestação material ao pedido de indemnização civil – isto é, não suscitando que da parte do tribunal deva ser apreciado algo mais nessa parte do objeto dos autos do que aqueles que são os estritos termos e argumentos do pedido tal como foi formulado –, então não há qualquer atividade processual que, por si, o mesmo demandado impulsione o tribunal a realizar, e que este não devesse já levar a cabo em qualquer caso.

É precisamente isso que, no entendimento do arguido/recorrente, ocorre no presente caso, defendendo assim não ter impulsionado os autos na parte respeitante ao pedido de indemnização civil que contra si oportunamente foi formulado – pois que, alega, não o contestou.

E julga–se efetivamente que assiste razão ao ora recorrente.

Na verdade, percorrida a sua contestação apresentada nos autos, facilmente se constata – em termos que procuraram ilustrar–se no elenco do relatório acima efetuado – que, como aliás vem alegado no recurso, o arguido/recorrente ali apenas, e por um lado, rebate os fundamentos de facto e de direito em que assenta a responsabilidade criminal que lhe é imputada na acusação pública acompanhada pelos assistentes (quer repudiando a atuação típica que lhe vinha assacada, quer a própria causalidade relativa ao evento fatal que é objeto dos autos) e, por outro, alega circunstâncias de facto relativas às suas personalidade e carácter, bem como às suas condições pessoais, familiares e sócio–económicas (o que faz nos termos e para os efeitos previstos no art. 128º/2 do Cód. de Processo Penal).

É verdade que, por força do princípio da adesão previsto no art. 71º do Cód. de Processo Penal, a causa de pedir do pedido de indemnização civil enxertado em processo penal tem na sua base os atos que consubstanciem a prática de um crime – e, nessa medida, o fundamento de uma e outra pretensão são claramente sobreponíveis.

Donde, e em termos materiais, muito em especial quando o que está em causa é a demanda indemnizatória assente na prática de um facto ilícito, é inevitável que ao contestar a factualidade relevante para efeitos de imputação criminal, o demandado/arguido está também a, reflexamente, colocar em causa o fundamento primeiro da demanda indemnizatória.

E este é, aliás, um dos fundamentos em que se sustenta a decisão ora recorrida, quando além do mais afirma que «temos que atentar que a causa de pedir no pedido cível é o crime».

Porém, não poderá olvidar–se, como também recorda o ora recorrente, que a causa de pedir da demanda indemnizatória vai além dessa estrita coincidência, alargando–se maxime à invocação dos prejuízos que, afinal, se considera haverem sido sofridos pelo demandado e que são suscetíveis de tutela indemnizatória.

Ora, como vem assinalado no recurso, no presente caso o arguido/recorrente não efetuou, em sede da sua contestação, qualquer alusão à factualidade ou ao direito alegado no pedido cível formulado pelos respetivos demandantes, em algo mais que não seja a absolutamente inevitável coincidência com os factos imputados na acusação criminal.
Ora, nessa medida, e revertendo à noção que aqui deve ter–se presente daquilo que é afinal o impulso processual relevante para efeitos de tributação em taxa de justiça, aquela contestação do arguido não gerou qualquer impulso processual suscetível de merecer ou ter de merecer a atenção e decisão do Tribunal em algo mais do que aquilo que já lhe era exigível por via da própria acusação criminal deduzida pelo Ministério Público – e da respetiva contestação nessa parte – e do requerimento de pedido de indemnização civil.

Recorrendo à fórmula mais expressiva utilizada pelo recorrente, a contestação apresentada pelo arguido não determinou que tribunal haja despendido, no que se reporta ao objeto do pedido de indemnização civil, quaisquer recursos ou labor que excedesse o que já teria em qualquer caso de despender sem aquela contestação.

Aliás, e precisamente, bastará ponderar em que é que seria diversa ou mais exigente a atuação e o serviço jurisdicional prestado pelo tribunal na decisão da causa – e sempre apenas e só na vertente relativa ao pedido de indemnização civil –, caso não tivesse havido sequer qualquer peça processual de contestação.

Em boa verdade, não teria sido diversa em nada. A contestação apresentada não suscitou sequer a necessidade de apreciar algum argumento de defesa relativo à demanda cível que já não tivesse, de todo o modo, que ser avaliado e decidido pelo tribunal por reporte direto e imediato à impugnação dos fundamentos da imputação fáctico–jurídica criminal.

E não invalida esta visão das coisas a mera circunstância – na qual se escora a fundamentação da decisão recorrida e a argumentação do Ministério Público na sua resposta ao recurso – de o arguido terminar a sua contestação com a referência a que «devem as acusações ser julgadas improcedentes, por não provadas e, em consequência, ser o Arguido absolvido da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 14.°, n.°3, 131.°, 132.º, n.° 1 e 2, aI. e) do Código Penal e do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 14.°, n.° 1, 143.°, n.° 1, 145.°, n.° 1, aI. a) e n.° 2 por referência ao artigo 132.°, n.° 2, aI. e) do Código Penal, devendo ainda ser julgado improcedente o pedido de indemnização cível contra si formulado, com todas as legais consequências» – sublinhado e realce agora apostos na parte (tida por) relevante.

Num caso como o dos autos, em que a demanda indemnizatória cível assenta exclusivamente na prática de um facto ilícito de natureza criminal, a (propugnada) improcedência da demonstração de tal prática criminal determina inevitavelmente a improcedência dos fundamentos de base da demanda cível.

Ou seja, aquela expressão assim utilizada mais não é que uma quase redundância jurídica, porque se trata de uma consequência absolutamente inevitável da (eventual) absolvição criminal nos termos em que o arguido a defendia.
Nessa medida, aliás, a mesma é inclusive em absoluto inócua e desnecessária – estar ali aposta ou não, é totalmente irrelevante para o grau ou volume da atividade que o tribunal deveria levar a cabo nos autos e para a decisão consequente à mesma.

Nestes termos, e assim perspetivada e delimitada a contestação apresentada nos autos pelo arguido, deverá na verdade considerar–se que, na parte relativa ao pedido de indemnização civil formulado nos autos, a mesma contestação não gerou qualquer impulso processual suscetível de merecer ou ter de merecer a atenção e decisão do tribunal.

E, não se mostrando assim preenchido, relativamente ao arguido, o pressuposto de responsabilidade (previsto no art. 6º/1 do RCP) pelo pagamento da taxa de justiça devida em função do mesmo pedido de indemnização, não é devido tal pagamento pelo arguido/recorrente.

Deve, assim, proceder o recurso interposto pelo arguido”.

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            Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a orientação defendida pelo recorrente.

            Com efeito, o artigo 523.º, do CPP, dispõe o seguinte:

            “À responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil.

Por ser pertinente para a questão que ocupa agora a nossa atenção, entendemos por bem citar o Acórdão do TRG, de 16/3/2023, Processo n.º 2553/21.0T8GMR.C3, relatado pela Exma. Desembargadora Maria João Matos, in www.dgsi.pt, no qual podemos ler o seguinte:

“(…). Precisa-se, antes de mais, que, envolvendo «o conceito de custas (…) um sentido lato abrangente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um sentido estrito, este apenas reportado aos encargos e às custas de parte», é este último «o sentido a que o normativo em análise se reporta» (Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 8.ª edição, Almedina, pág. 8, com bold apócrifo).

Prosseguindo, no art. 527.º, do CPC, procura-se uma correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas e o resultado da atividade processual dos sujeitos intervenientes no processo: a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta precisamente na ideia de que um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as mesmas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda. Logo, procura-se não se impor um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a atividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão.

Compreende-se, por isso, que se afirme que, no regime de custas definido pelo legislador ordinário para o processo civil a responsabilidade pela dívida de custas em sede cível assenta, a título principal, no princípio da causalidade (indiciado pelo princípio da sucumbência), isto é, as custas serão suportadas pela parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for. Só subsidiariamente a responsabilidade pelas custas apelará ao princípio da vantagem ou do proveito resultante do processo, isto é, só quando, pela natureza da ação, não haja lugar a vencimento por qualquer das partes, as custas serão suportadas por quem do processo tirou proveito (conforme Ac. do TC, publicado no DR n.º 130/2015, Série II, de 02.07.2015).

Compreende-se ainda que, se as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, se consagre o princípio da justiça tendencialmente gratuita para quem obtém ganho de causa.

Concretizando os critérios referidos, e quanto «à ação, perde-a o réu quando e condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância». Já no «caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento; mas, se o recorrido não tiver contra-alegado e a decisão do recurso, favorável ao recorrente, não se refletir negativamente na esfera jurídica do recorrido, será responsável pelas custas do recurso quem for condenado nas custas da ação no final». «Se o êxito for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida». Por fim, nos «processos cuja decisão não implica o vencimento de qualquer das partes» - v.g. ação de divisão de coisa comum -, «atende-se ao proveito que cada um tenha tirado do resultado do processo, ou seja, ao valor atribuído a cada interessado» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 419 e 420).

Mais se lê, no art. 535.º, n.º 1, do CPC que, quando «o réu não tenha dado causa à ação e a não conteste, são as custas pagas pelo autor». Logo, em «tais circunstâncias, a imputação dos custos da demanda à parte favorecida pressupõe cumulativamente os seguintes requisitos: que o réu não tenha dada causa à ação (causalidade pré-processual) e que a não conteste (causalidade processual)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588).

Entende-se nomeadamente que «o réu não deu causa à ação» quando «o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo réu», quando «a obrigação do réu só se vencer com a citação ou depois de proposta a ação», quando «o autor, munido de um título com manifesta força executiva, recorra ao processo de declaração» e quando «o autor, podendo logo interpor recurso de revisão, faça uso sem necessidade do processo de declaração» (n.º 2, do art. 535.º citado).

O disposto no art. 535.º, do CPC, faz cessar a aplicação do critério do vencimento previsto no art. 527.º, do mesmo diploma. Compreende-se que assim seja, já que o «critério do vencimento repousa na ideia de que, na normalidade dos casos, a parte vencida dá causa à ação, ou pelo comportamento dentro do processo, peticionando ou contestando sem razão, ou pelo seu comportamento antes do processo, ainda que não contestando a ação contra si proposta. Por isso, deve ser afastado quando o réu nem intervém no processo, contestando, nem teve, antes dele, um comportamento de que resulte ser-lhe imputável a propositura da ação» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 440).

Contudo, embora se aplique aqui a regra «do proveito ou do beneficio retirado da procedência da ação», a «causalidade não deixa de estar presente nas diversas situações prefiguradas pelo legislador, não sendo já encontrada através do binómio vencimento-decaimento, mas por via de outros fatores: a irresponsabilidade do réu pelos factos invocados pelo autor em apoio de um direito potestativo; a antecipação injustificada da propositura da ação; a desnecessidade da ação declarativa em face ao caminho mais direto e mais eficaz da ação executiva ou do recurso de revisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 588, com bold apócrifo).

Concluindo, a matéria de custas judiciais «obedece aos seguintes princípios fundamentais: onerosidade da atividade jurisdicional, responsabilização da parte causadora da demanda pelas custas do processo e proporcionalidade entre o montante global e a natureza, valor e tramitação da ação» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 579).

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            Pois bem no caso presente, embora o demandado não tenha contestado o pedido cível, a este deu causa através do seu comportamento ilícito.

            Não fora a conduta ilícita do demandado, não teria existido o pedido de indemnização civil.

            Por conseguinte, deve o demandado ser condenado no pagamento das custas nos termos que constam da sentença recorrida.

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            IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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            (Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

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     Coimbra, 19 de junho de 2024
                                    José Eduardo Martins
                                       João Peral Novais
                                    Cristina Pêgo Branco



[1] A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que atender à situação económica do lesado viola o princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa – neste sentido, Acórdãos de 22/10/09, Relator: Cons. João Bernardo, 24/04/13, Relator: Cons. Pereira da Silva e de 07/05/14, Relator: Cons. João Bernardo.