ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS AUTOMÓVEIS
Sumário

I. A impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412º, n.º 3, do C.P.P., impõe ao recorrente o ónus de especificação, na motivação e nas conclusões do recurso, das concretas provas que impõem decisão diversa, com indicação do concreto conteúdo das declarações e/ou depoimentos prestados em audiência de julgamento considerados relevantes.
II. O incumprimento do referido ónus impossibilita o Tribunal da Relação de modificar a matéria de facto, não sendo suscetível de convite ao aperfeiçoamento.
III. A necessidade da carta de condução para o trabalho não pode ser invocada como motivo para a redução da pena.

Texto Integral

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Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

1. No âmbito do Processo Sumário n.º 407/23.... que corre termos na Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal de Pombal – Juiz 1, em 15/11/2023, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte:

Dispositivo:

a) Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1 do C. P. Penal, praticado a 05-11-2023, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motorizados pelo período de 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias, nos termos p. e p. no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

b) Descontar um dia de multa pela detenção sofrida neste processo, nos termos do art.º 80.º, n.º 2 do C. Penal, fixando-se, a final, em 89 dias de multa, à aludida taxa diária de € 6,50.

c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, em taxa de justiça que se fixa em 2 UC, reduzindo-se a metade atenta a confissão (cfr. art.º 344.º, n.º 2, al. c), 513.º e 514.º, todos do CPP e art.º 8.º, n.º 9 do RCP), e nos demais encargos do processo.

d) Após trânsito:

- Comunique à ANSR, conforme o n.º 3 do artigo 69.º do Código Penal, e ao IMTT, com menção da data de entrega/apreensão da carta de condução, logo que esta ocorra, e remeta boletim ao registo criminal.

e) Adverte-se o arguido:

- Para que proceda à entrega na secretaria deste Tribunal Judicial ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado desta sentença (no prazo de 40 dias a contar de hoje, descontada a interrupção das férias judiciais, caso não seja interposto recurso desta decisão, ou seja até ao dia 28 de setembro de 2023), a sua carta de condução e outros títulos de condução que porventura seja titular nos termos dos artigos 69º, n.º 3 do Código Penal e 500, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de não o fazendo ser ordenada a sua apreensão e incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1 al. b) do Código Penal.

Mais fica ainda advertido que se conduzir durante o período de inibição comete um crime de violação de proibições, imposições ou interdições p.p. pelo art.º 353 do C. Penal.

- O seu TIR apenas caducará com extinção destas suas penas (art. 214º n.º 1 al. e) do Código de Processo Penal).

- Decorrido o termo do prazo para apresentação da sua carta de condução sem que a mesma seja junta ou apresentada justificação para a sua não entrega, desde já se determina a sua apreensão através do OPC competente nos termos do art.º 500.º, n.º 3 do CPP.

f) Registe e deposite.”

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2. Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 14/12/2023, o arguido, defendendo a sua revogação, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

I- O presente recurso vai interposto da sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal numa pena de multa e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor;

II- Não se podendo descurar da importância da situação profissional, familiar e económica tanto na fixação da medida principal quanto da medida acessória;

III- Pelo que o Tribunal deu como provados factos que não adequados com a verdade, pelo que a sentença está enferma de nulidade

IV- Sem prejuízo, havendo opinião diversa, há que considerar que foram assumidas circunstâncias económicas e familiares mais favoráveis do que as que factualmente o Arguido tem, recaindo sobre o mesmo uma pena excessiva e que não é ajustada à sua situação,

V- E mais importante, é em última ratio, uma pena verdadeiramente injusta, que deverá ser alterada.

VI- Não obstante as nulidades apontadas, por mero patrocínio judiciário, sempre se dirá:

VII- O tribunal de 1.ª instância, na fixação desta sanção, também não considerou como devia o grau de culpa, assumindo que teria havido dolo direto (art. 14º do CP) quando é manifesto que o Arguido agiu com negligência (art. 15º do CP);

VIII- Efetivamente, atendendo ao testemunho do Arguido fica evidente que não houve intenção na sua atuação, apenas negligência, contudo a sentença considerou que o arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e ainda assim não se coibiu de iniciar a condução do veículo, tendo atuado desta feita com dolo direto.

IX- Sendo o grau de culpa dependente do estado de espírito e da vontade do atuante, pelo depoimento do Arguido ficou comprovado, pelo contrário, que não houve atuação dolosa, e o mesmo não se colocou propositadamente num estado de embriaguez e que não conduziria se soubesse que iria dar um valor tão elevado, não se enquadrando, portanto, no preceituado do art. 14º do CP, mas antes no art. 15º do mesmo código;

X- Assim, onde se lê “tendo atuado desta feita com dolo direto” dever-se-á ler “com negligência”, e demais consequências que daí advenham;

XI- Efetivamente, o grau de culpa foi erradamente assumido e dado como provado, pelo que a pena aplicada foi injusta, e a sentença nula;

XII- Além do grau de culpa, faltou ao Tribunal considerar a personalidade do arguido, o seu arrependimento e o facto de estar a lidar com um arguido primário quanto ao crime em crise nos autos.

XIII- Para considerar provados todos estes factos (especialmente o grau de culpa) o tribunal levou em consideração as declarações do arguido, que foram de natureza integralmente confessória sem qualquer reserva - e que também foram levadas em consideração quanto à sua condição pessoal -, e à ausência de antecedentes criminais em crimes da natureza do dos autos, tal como confirmado por Certificado de Registo Criminal.

XIV- Depois de ter discriminado todos os factos que deu como provados e/ou não provados neste processo – que como já exposto supra, deu como provados factos que não deviam ter sido dados como provados- e antes de proceder à fixação da medida concreta de cada uma das penas a aplicar -, o Tribunal devia ter procedido a uma análise crítica de toda a prova existente no processo e devia ter considerado (e ponderado) todas as exigências de prevenção geral e especial que se impunham neste processo não se lhe bastando as referir (mas fazer um verdadeiro exercício dedutivo),

XV- Atendendo às finalidades de prevenção das penas e aos elementos constantes nos artigos 71º e 72º do Código Penal, o tribunal recorrido falhou ao não considerar:

XVI-    A colaboração que o mesmo sempre manifestou na boa e célere administração da justiça, desde a operação de fiscalização até à forma como o mesmo se comportou na respetiva audiência de julgamento;

XVII-  O facto de estarmos a falar, como já se referiu, de um arguido primário, sem antecedente criminal registada na Certidão de Registo Criminal;

XVIII- Sempre consciente, cumpridor, responsável e respeitador.

XIX-    Aqui, também nos parece que o tribunal recorrido ignorou (ou melhor, indicou mas não parece ter realmente considerado na sua fixação da pena) a ausência de qualquer consequência de maior do comportamento do arguido;

XX-     O facto do mesmo se encontrar perfeitamente inserido, tanto em termos sociais como familiares e profissionais;

XXI-    A necessidade que o mesmo tem da plena disponibilidade de condução e que pode implicar sérias consequências para no que respeita ao seu emprego e, sobretudo, para a sua filha de tenra idade, seus pais já muito idosos e sem capacidade de locomoção e a falência do seu agregado familiar pois sendo vendedor a pena implicará o seu despedimento;

XXII-  O facto de o recorrente estar perfeitamente ciente da gravidade da sua conduta (e quanto à qual manifestou imediatamente um sério e profundo arrependimento e vergonha);

XXIII- E o facto do mesmo estar mais que preparado para manter uma conduta lícita e conforme com o ordenamento jurídico português a partir deste momento.

XXIV- Apesar de não se pronunciar quanto à sanção principal, quanto à medida concreta da sanção acessória de inibição de conduzir que foi aplicada ao recorrente diríamos, apenas, que com base em todas as circunstâncias que conhecemos e para as quais nos remetem ao artigos 71.º e 72.º do Código Penal, nos parece que a mesma é manifestamente excessiva e que nos parece da mais elementar justiça a sua redução, isto, claro está, a improcederem, as já invocadas nulidades.

XXV-  Esta pena foi fixada sem levar em consideração a maior parte dos critérios estipulados para o efeito nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal e/ou fazendo uma errada interpretação e/ou subsunção desses preceitos e que tinha algum relevo para este efeito.

XXVI- Se o tribunal recorrido tivesse ponderado (devidamente) todas estas circunstâncias, a medida concreta da SAIC aplicada neste processo teria sido consideravelmente inferior e muito mais ajustada e proporcional às exigências preventivas impostas.

XXVII- Aliás, se o tribunal recorrido tivesse considerado, como devia, a conduta anterior do próprio arguido em termos criminais, até poderia chegar à fixação de uma SAIC muito próxima do seu limite mínimo, já que, neste caso, sempre poderia atenuar especialmente essa mesma pena.

XXVIII- Assim, e como o tribunal recorrido, também aqui, deixou de fazer o que devia, impõe-se agora a imediata intervenção de V.Ex.ª(s) nesta matéria, com consideração de todas estas circunstâncias e com a consequente redução da sanção acessória de inibição de conduzir que foi aplicada ao arguido para o mínimo legal.

Por tudo isto se requer, agora a V. Ex.ª(s) a declaração de todas as nulidades arguidas, com as devidas e legais consequências, nomeadamente ilibação do Arguido ou subsidiariamente a alteração da sentença recorrida e a fixação uma pena acessória coincidente com o limite mínimo legal estabelecido no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.

Ao condenar o arguido nos termos em que o fez, o Meritíssimo Juiz “a quo” realizou uma incorreta interpretação dos factos e da lei, violando o artigo 32º da C.R.P., artigos 71.º e 72.º do Código Penal, artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal., artigo 311º, n.º1, artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P, artigos 152.º e 153.º do C.E., artigo 257.º e 295.º do Código Civil, pelo que a d. sentença sub judice não se deverá manter, devendo proceder-se ao seu arquivamento ou, se se entender pelo contrário, pelo menos à sua alteração- artigo 380º do CPP.

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3. O recurso, em 18/12/2023, foi admitido.

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4. O Ministério Público, em 29/1/2024, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.                     

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5. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, em 6/2/2024, no sentido de que o recurso não merece provimento.

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6. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.

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7. Foi proferido, em 19/3/2024, o seguinte Despacho:

Na parte final das conclusões do recurso, o arguido, além do mais, faz alusão ao artigo 311.º, n.º 1, do CPP, aos artigos 152.º e 153.º, do Código da Estrada, e aos artigos 257.º e 295.º, do Código Civil, o que suscita dúvidas quanto ao que pretende, exatamente, ver apreciado.

Nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 3, do CPP, convida-se, por tal motivo, o recorrente a esclarecer em que medida tais referências estão ligadas ao obeto do recurso.

Prazo. dez dias.

Notifique.”                                                    

Na sequência, o arguido, em 5/4/2024, veio aos autos referir ter havido um lapso na referência aos mencionados artigos, sendo certo que “não se reportam nem à causa, nem ao objeto, nem ao pedido de reapreciação que se veio a requerer por interposição do presente recurso.

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8. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida (com relevo para o objeto do recurso):  
            “(…).
            Factos provados:
            1. O arguido, no dia 05 de Novembro de 2023, pelas 06h00m, na Rua ..., ..., ..., conduzia a viatura automóvel de matrícula ..-..-QN, de marca ..., modelo ..., ligeiro de passageiros.
            2. Com uma taxa de álcool no sangue de 2,27 g/l registada, correspondendo à taxa de 2,157 g/l, depois de deduzido o erro máximo admissível.
            3. O arguido ingeriu bebidas alcoólicas antes de conduzir e iniciou o exercício da condução sabendo que estava sob a influência de tais bebidas.

4. O arguido sabia que a taxa máxima de álcool permitida para o exercício da condução de veículo a motor, em via pública ou equiparada, é de 1,20 g/l.

5. Em tudo agindo de forma livre, voluntária e consciente e com o conhecimento de que as suas condutas eram punidas e proibidas por Lei.

Mais se provou que:

6. O arguido é vendedor de profissão, auferindo uma média de 850 € mensais de salário.

7. Reside em casa dos pais, com estes a sua esposa e a filha com cinco anos de idade.

8. Os pais do arguido encontram-se reformados, auferindo no total, ambos, 800 € de pensões de reforma.

9. A esposa é também vendedora de profissão, auferindo, em média, cerca de 850 € mensais de rendimento.

10. O carro melhor descrito no ponto 1 é de pertença do arguido e remonta ao ano de 2000.

11. O arguido é ainda dono de duas motorizados da década de 80.

12. O arguido contraiu há cerca de três meses um empréstimo no valor global de 17 000 €, encontrando-se a pagar, desde então, 300 € mensais de prestação.

13. O arguido paga ainda 160 € mensais referentes à escola frequentada pela sua filha menor.

14. Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados e mostrou arrependimento sincero pela sua prática.

15. O arguido é tido como uma pessoa amiga do seu amigo, dedicado à família e bastante integrado na comunidade onde se encontra a residir.

16. O arguido apresenta os seguintes antecedentes criminais:

- o arguido foi condenado no âmbito do processo sumário n.º 56/18...., que correu termos no Juízo Local Criminal de Leiria – Juiz 2 – pela prática em 07-07-2018, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, por sentença datada de 31-07-2018, transitada em julgado 22-05-2019, nas penas de 40 dias de multa à taxa de 5 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses e 10 dias. Estas penas foram declaradas extintas, respetivamente, a 18-07-2019 e a 04-07-2019.

            (…).

            Convicção do tribunal:

            (…)  No que diz respeito aos factos vertidos na acusação que o Tribunal deu na íntegra como provados, evidentemente que advêm da confissão integral e sem reservas por parte do arguido e, ainda, ao talão de pesquisa de álcool no sangue, de fls. 6.

            Já no que diz respeito às suas condições socioeconómicas e familiares, o Tribunal ateve-se às declarações prestadas pelo próprio arguido e ao depoimento da testemunha BB, amigo de infância do arguido, que explicou e confirmou que o arguido se encontra perfeitamente inserido a nível familiar, e a nível social, sendo uma pessoa extremamente sociável, bem querida, na comunidade em que se encontra inserido.

            (…).

            Subsunção jurídica dos factos:

            (…).

            Face aos factos dados como provados, não há quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento do tipo objetivo do crime, nas circunstâncias espácio-temporais em apreço.

            Por sua vez, também se encontra provado que a conduta do arguido foi voluntária, foi consciente, sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, inexistindo qualquer causa de exclusão de ilicitude ou da culpa, estando preenchidos os elementos do dolo previstos no artigo 14.º, do Código Penal (elemento intelectual e volitivo).

            Medida das penas (principal e acessória):
            (…).
            Um desses primeiros critérios é o grau de exigências de prevenção geral e essas são muitíssimo elevadas, pois, não raras vezes, quase todos os dias, neste Tribunal, são realizadas audiências de discussão e julgamento pelo mesmo ilícito que está aqui em causa.
            Além do mais, para além de ser um crime muito praticado nesta comarca, é também um crime praticado um pouco por todo o País. Basta atentar ao ultimo relatório annual de segurança interna para ver que é um dos crimes mais praticados em Portugal, neste ultimo ano.

            Outrossim, também e não menos importante, é também de mencionar que, não raras vezes, e hoje também essas explicações foram aqui dadas pelo senhor AA, há uma certa ideia de impunidade associada a estas práticas criminógenas.

            As pessoas sentem-se bem para conduzir e arriscam conduzir nestas circunstâncias, o que está indubitavelmente associado aos elevados índices de sinistralidade rodoviária que se verificam quase diariamente no nosso País e que tantas consequências trágicas têm acarretado e tantas infelicidades têm trazido a muitas famílias portuguesas.

Daí entender que as exigências de prevenção geral são muito elevadas.

Quanto às exigências de prevenção especial, (…), entende-se que o arguido está perfeitamente inserido social, familiar e profissionalmente, não há nada de negativo dado como provado quanto à personalidade do arguido, pelo que entende-se que a pena de multa é ajustada no presente caso.

O grau de ilicitude é elevado, pois a TAS apresentada pelo arguido, já deduzido o erro máximo admissível, é de 2,157 g/l, muito acima da prevista no artigo 292.º, do Código Penal.

            Além disso, a hora em que os factos foram praticados (seis horas da manhã), e o local em que ocorreram (..., Rua ...), onde já há algum trânsito, podiam ter proporcionado um acidente com consequências mais ao menos trágicas.

            O dolo é direto, na sua modalidade mais intense.

            O arguido confessou os factos, integralmente e sem reservas, demonstrou arrependimento.

            O arguido apresenta já um antecedente criminal relativo à prática de um crime igual ao que está agora em causa.

            Face ao exposto, considera-se justo e adequado fixar a pena de multa em 90 dias (…).

            Quanto ao quantitative diário, (…).

            Deve ser tido em conta que o mínimo legal deve ser reservado para casos flagrantemente perto do limiar da pobreza.

            Assim sendo, tendo em consideração a situação económico-financeira do arguido e do seu agragado familiar, entende-se como justo e adequado fixar o quantitative diário de €6,50.

            Quanto à pena acessória, é a pena que mais transtornos causa aos condenados neste género de ilítos criminais e, neste caso, mais ainda porque o arguido é vendedor de profissão.

            Também a nível familiar causa evidentes constrangimentos, mas é uma consequência inevitável de uma conduta absolutamente censurável por parte do senhor AA.

            Para que possamos fixar esta pena acessória, vigoram exatamente os mesmos critérios que presidiram à fixação da pena principal, sendo dado maior ênfase ao seu mencionado antecedente criminal.

            Por outro lado, deve ser dado relevo ao arrependimento sincere do arguido. Por outro lado, a confissão integral e sem reservas não assume particular relevância, pois o arguido foi fiscalizado em flagrante delito.

            (…) entende-se como justo fixar a pena acessória de inibição de conduzir em seis meses e quinze dias. (…).”

                                                                       ****
                                                                       ****

III. Apreciação do Recurso:

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

             As questões a conhecer são as seguintes:

- Saber se:

1) a sentença padece do vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, c), do CPP;

2) a pena principal e a pena acessória aplicadas são adequadas.

                                                           ****

1) da sentença padecer do vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, c), do CPP:

O art.410.º, n.º 2, do CPP, estatui que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

 b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou

c) O erro notório na apreciação da prova.».

O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos juntos aos autos.

Verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

Estamos em sua presença quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.

O erro notório na apreciação da prova tem de ser evidente, que não escapa ao homem com uma cultura média, e nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida em audiência de julgamento.

O vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

A existência do alegado vício tem consequências apenas ao nível da revista alargada da matéria de facto, mas não gera a nulidade da sentença, cujas causas constam do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPP.

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            Revertendo ao caso em apreço, o recorrente pugna no sentido de que o vício ora em causa está presente na sentença recorrida, por entender que “não considerou ou deu como provada matéria que o depoimento do arguido impunha que desse como provada, que tem relevo, sobretudo, para a aferição da medida concreta a aplicar ao arguido”, designadamente, que “a pena podia por em causa a falência de todo o seu agregado familiar com o seu mais que expectável despedimento”.

            Mais defende que deveria ter sido dado como provado que se achava “em estado suficiente para conduzir”.

            Assim sendo, forçoso é constatar que o recorrente, apesar de fazer alusão a tal, não coloca a sua crítica em sede de erro notório na apreciação da prova, uma vez que faz expressa alusão ao que foi dito pelo arguido, isto é, a sua alegação tem como suporte a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e não o teor do texto da sentença colocada em crise.

            Como consequência do exposto, uma eventual modificação da matéria de facto só poderia ser feita em sede de erro de julgamento.

Acontece que o recorrente, em lado algum do seu recurso, especifica as “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, na medida em que não indica, como legalmente se lhe impunha, o concreto conteúdo das declarações e/ou depoimentos prestados em audiência de julgamento que, na sua ótica, imporiam decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, ainda que isso resultasse de um aditamento de factos.

Pelo contrário, limita-se a, de um modo genérico, a tecer considerações sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, manifestando o seu inconformismo, sendo, até, difícil de aceitar que coloque em causa ter agido com dolo direto, uma vez que confessou, integralmente e sem reservas, os factos constantes da acusação.

Salvo o devido respeito, ao alegar o que consta da sua Motivação, em boa verdade, a recorrente está, simplesmente, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquela adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P.

Assim sendo, forçoso é concluir que não cumpre a recorrente o aludido ónus de especificação, quer na motivação da peça recursiva, quer em sede de conclusões.

Por via da apontada deficiência, está este Tribunal de Relação impossibilitado de, em sede de erro de julgamento, proceder à pretendida modificação.

E não se argumente que o caso justifica a prolação de despacho dirigido ao recorrente no sentido de aperfeiçoar a motivação de recurso.

Como advertia o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 140/2004 de 10.3.2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt em relação à redação anterior do artigo 412.º, do CPP, “não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correção dos vícios formais detetados, constitui exigência desproporcionada.

Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjetivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado.

Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, existido sequer qualquer esboço dessa referência”.

O despacho de aperfeiçoamento neste caso “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso” ainda parafraseando o mencionado acórdão.

Do que se extrai que o Tribunal Constitucional, colocado perante a questão da eventual inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4 do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências, decidiu não julgar inconstitucional tal norma com o citado conteúdo interpretativo.

E foi, aliás, na senda dessa jurisprudência constitucional que a Lei nº 48/2007 introduziu disposição, nº 3 do artigo 417º, no sentido de consagrar expressamente a possibilidade de convite à correção da motivação de recurso, mas apenas se esta não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas no artigo 412º, nºs 2 a 5, já não sendo tal possível quando estão em causa vícios do corpo da motivação.

E tanto assim, que no nº 4 do mesmo preceito se menciona expressamente que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

Ora, na motivação do recurso, por um lado, não se encontram referências às concretas passagens das gravações consideradas relevantes e, por outro lado, como consequência lógica disso, não se vislumbra qualquer ligação efetiva entre determinado facto e aquilo que foi dito em audiência de julgamento de específico com ele relacionado.

Do exposto resulta que este Tribunal, em sede de erro de julgamento, está impedido de alterar a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto, salvo o devido respeito, por via da impugnação substancialmente viciada que o recorrente apresentou e que não é passível de convite à correção por parte deste Tribunal.

            Por conseguinte, não há que modificar a matéria de facto.

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2) da adequação das penas (principal e acessória):

Como dispõe o artigo 40.º, nº 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Quanto à medida da pena, em suma, e como já ensinava Beleza dos Santos, «a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente» (R.L.J., 78, 26).

             De acordo com o direito vigente, o Tribunal deve partir da teoria da união, a qual exige se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins de pena. A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto, limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da revisão ressocializadorada da própria pena com respeito ao próprio arguido, a exemplo, deste modo, o fim da prevenção especial.

Além disso, a defesa do Ordenamento Jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ela de exemplo, de contra-motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos.    

Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta. A pena concreta é, pois, fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113).

            Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

            Em síntese, podemos afirmar que “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2ª reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág.84).

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            No que tange à pena principal, o Tribunal a quo aplicou a pena de 90 dias de multa.

            No caso em apreço o grau de ilicitude é elevado, pois o arguido acusou uma taxa de alcoolemia de 2,157 g/l, já muito acima do limite legal (1,20 g/l), o que não deve ser menosprezado.

            Sem dúvida que os tribunais se deparam, frequentemente, com taxas mais elevadas, mas daí não se conclua que a que o recorrente acusou deixa de o ser.

O dolo do arguido é intenso (direto).

É inquestionável que o ora recorrente violou um dever que lhe é imposto, em sede de circulação rodoviária.

            Em termos de prevenção geral, tendo em consideração os acidentes rodoviários que são potenciados pelo consumo de álcool pelos condutores de veículos automóveis, impõe-se, pois, optar por uma pena com algum impacto.

            Nenhum relevo especial assume a circunstância de o arguido não ter causado qualquer acidente ou a circunstância de não haver muito trânsito na via pública, no momento em que foi feita a fiscalização, pois estamos perante a prática de um crime de perigo abstrato.

Em sede de prevenção especial, não pode ser escamoteado que estamos perante um arguido que está inserido socialmente, interiorizou o desvalor da sua conduta, em audiência de julgamento, tendo confessado os factos, integralmente e sem reservas, o que revela que não apresenta desconformidade da sua personalidade face aos valores tutelados pelo direito penal.

No entanto, há que notar, ao contrário do que está alegado no recurso, que o arguido sofreu já uma condenação pela prática de crime semelhante ao dos autos (facto provado n.º 16, conforme resulta do CRC de fls. 16 a 17 verso).

Ponderando o exposto, julgamos ser adequada a pena de 90 dias de multa aplicada ao arguido.

Relativamente ao quantitativo diário da multa, como defende o Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, pág. 127), todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção geral quer à especial, devem exercer influência sobre a determinação da pena e, por via disso, sobre os dias de multa, e não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económica-financeira do condenado deve ser considerado na fase de fixação do quantitativo diário da multa.                    Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de uma forma que represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.

Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder-se concluir se a mesma é, efectivamente e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto.            

Ora, no caso concreto, tendo em consideração os pontos 6 a 13 dos factos dados como provados, de modo algum resulta ser o arguido indigente, pelo que se justifica que a taxa diária se situe acima do mínimo legal.

Nessa medida, entendemos como adequada a taxa diária fixada na sentença recorrida.

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No que tange à pena acessória, todos sabemos que, com a redação dada pela Lei n.º 77/2001 de 13 de julho, a al. a), do art. 69.º, do Código Penal, passou a prever expressamente a condenação na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, a quem for punido por crime previsto no artigo 292°, do Código Penal.

A determinação concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é feita com recurso aos critérios gerais da fixação da medida da pena enunciados no artigo 71.º, do Código Penal, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela sanção acessória é mais restrita, na medida em que tem em vista, sobretudo, prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção.

A aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objetivos de política criminal são, também eles, distintos.

O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respetivas molduras abstratas.

Pois bem, a TAS que consta dos presentes autos está bem afastada do mínimo legal previsto a que alude o artigo 292.º, do Código Penal (1,2 g/l).

Além disso, a circunstância alegada pelo arguido de precisar de conduzir com regularidade, como forma de permitir a sua atividade profissional de vendedor, mais reforça as exigências de prevenção especial a ter em consideração nesta sede, sendo certo que nada está provado nos autos que indique que venha a ser despedido.

Com efeito, a necessidade da carta de condução para o trabalho não pode ser invocada como motivo para a redução da pena, pois tal deveria ter sido levado em consideração pelo próprio recorrente, antes de começar a conduzir sob o efeito de substâncias alcoólicas, porque quem conduz nas condições descritas nos autos, sabendo que necessita de conduzir na sua actividade profissional, revela leviandade, o que é altamente censurável.

A este propósito, pela sua pertinência, passamos a citar o Acórdão do TRE, de 21/11/2023, Processo n.º 32/23.9GBNIS.E1, relatado pelo Exmo. Desembargador Edgar Valente, in www.dgsi.pt:

Importa, por último, referir que a proibição de conduzir não significa, como aliás se nos afigura óbvio, qualquer violação do direito constitucional ao trabalho: “Na verdade, como é sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional nº 440/202, de 23-10-2002, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só «constrangido» esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática dos crimes que a lei expressamente refere, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso.

Aliás, aqueles que para exercerem a sua actividade têm de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem de uma maior benevolência.” Acórdão da Relação de Évora de 21.02.2017 proferido no processo n.º 151/10.3TATVR-A.E1 (Relator Gilberto da Cunha).”

Por conseguinte, tendo presente o grau de ilicitude, as prementes necessidades de prevenção geral e especial, assim como aquilo que se apurou de favorável ao arguido, entendemos que a pena acessória de 6 meses e 15 dias de inibição de conduzir é adequada

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            IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


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            (Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

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    Coimbra, 19 de junho de 2024
                                    José Eduardo Martins

                                                          Alcina da Costa Ribeiro

                                                               Rui Pedro Lima