CITAÇÃO POSTAL DE PESSOA COLETIVA
SEDE DA SOCIEDADE
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS
ALTERAÇÃO DA SEDE
ÓNUS A CARGO DA SOCIEDADE
SANAÇÃO DA NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário

I – O n.º 2 do artigo 246.º do CPC impõe que a carta registada com aviso de receção enviada para citação de pessoa coletiva seja endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, resultando do seu n.º 4 que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, procede-se à repetição da citação com a advertência constante do mesmo e ao depósito da carta nos termos previstos no n.º 5 do art.º 229º.
II – Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT.
III – Se a sociedade Ré altera o local da sua sede social mas só procede ao registo dessa alteração no dia 31/10/2023, é-lhe imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada na anterior sede em 24/10/2023 e, por isso, não ocorre a falta de citação prevista na al. e) do nº 1 do art.º 188 do CPC.
IV – A nulidade da citação considera-se sanada (artigo 189.º do CPC) no caso em que a Ré interveio no processo com a junção de procuração a favor de mandatário mas não arguiu logo a falta da sua citação, o que só faz posteriormente.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Apelação n.º 3902/23.2T8CBR.C1

_________________________________

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

N..., Ldª, com sede em ...

alegando, em síntese, que:

Foi admitida pela Ré para desempenhar as funções de auxiliar de limpeza; realizava trabalho suplementar que não lhe era pago e que levou a um esgotamento e à resolução do contrato por carta registada com AR enviada a 27/07/2023; a Ré não lhe pagou o subsídio de Natal de 2022 e metade do subsídio de férias vencidas em 01/01/2022; a Ré não lhe conferiu formação profissional e não comunicou à segurança social o seu vencimento integral; a Ré deve-lhe uma indemnização por resolução com justa causa no valor de € 2.442,00.

Termina pedindo que:

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com mui douto suprimento de V/Exa., deve ser a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a condenada a:

I - Pagar à A. a quantia de 10.179,69 (dez mil, cento e setenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

II Corrigir as remunerações registadas junto da Segurança Social, de modo a constar o vencimento que a A. efectivamente recebeu.

III Compensar a A. pelos danos não patrimoniais e que se estimam, in casu, num valor não inferior a 3.000,00 (três mil euros).”

                                                             *

A Ré não apresentou contestação e veio invocar a falta de citação.

                                                             *

Foi proferido o despacho de fls. 44 que julgou improcedente a invocada nulidade de falta de citação da Ré e, de seguida, a sentença de fls. 45 e segs. cujo dispositivo é o seguinte:

“Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a acção, o Tribunal decide:

1) Declarar que entre a Autora/Trabalhadora AA e a Ré/Empregadora N...,L.davigorou um contrato de trabalho subordinado desde 02-06-2021 até 27-07-2023, data em a Autora procedeu à resolução do contrato por justa causa.

2) Condenar a a pagar à Autora as seguintes quantias:

2.1) €.2.817,46 a título de Trabalho Suplementar;

2.2) €.1.224,00 a título de Subsídio de Natal e de Subsídio de férias do ano de 2022;

2.3) €.488,40 a título de formação não ministrada;

2.4) €.3.210,83 a título de Férias, Subsídio de férias e Subsídio de Natal do ano de 2022 e proporcionais de Férias, Subsídio de férias e Subsídio de Natal do ano da cessação;

2.5) €.2.442,00 a título de indemnização por resolução com justa causa;

2.6) Juros moratórios, à taxa legal civil, sobre as quantias referidas em 2.1) a 2.4), desde 14-09-2023 até efectivo e integral pagamento;

2.7) Juros moratórios, à taxa legal civil, sobre a quantia referida em 2.5), desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento.

3) Absolver a da instância quanto ao pedido de condenação da a corrigir as remunerações registadas no “ISS,I.P.”.

4) Absolver a do demais peticionado pela Autora.

5) Fixar o valor da acção em €.13.179,69 (art.º 306.º/2 CPC).

6) Condenar ambas as Partes no pagamento das custas de acordo com o respectivo decaimento (art.º 527.º/1/2 CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar a Autora.”                                     

                                                             *

A , notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…).

*

A Autora apresentou resposta, concluindo que:

(…).

                                                   *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede no sentido de que “deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o despacho e sentença recorridos, nos seus precisos termos.”

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Questões prévias

A) Questão nova

Alega a recorrente que:

- O tribunal recorrido aceitou a PI interposta pela Autora após os30 dias que o patrono detinha para intentar a ação.

- Ou seja, o patrono foi nomeado a 4 de maio e interpôs a ação a 14 de setembro, mais de 4 meses depois da sua nomeação, sendo certo que detinha 30 dias para o fazer.

Acontece que esta questão é nova, ou seja, não foi colocada ao tribunal de 1ª instância e, como tal, não sendo de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada por este tribunal.

Na verdade, como se decidiu no acórdão desta Relação, de 14/12/2006, disponível em www.dgsi.pt:

<<I – A Relação, no âmbito do seu conhecimento no recurso, está limitada pelas questões suscitadas pelo apelante perante o tribunal da 1ª instância, sendo-lhe vedado conhecer de matéria nova, não anteriormente proposta para discussão.

II – Os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.

III – Genericamente e com algumas ressalvas, podemos considerar que questões novas serão aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido por ali não terem sido suscitadas nem serem de conhecimento oficioso.>>

Assim sendo, a este propósito, nada mais se impõe dizer.

B) Reapreciação da matéria de facto

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 . No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

Acontece que, lidas as conclusões do recurso, constatamos que a recorrente apenas alegou que: “aspetos relevantes da matéria de facto foram incorretamente julgados, nomeadamente documentos que não pertencem à autora, o que veio a redundar na condenação posta em crise”.

Ora, conforme se decidiu no acórdão do STJ, de 08-04-2021, disponível em www.dgsi.pt:

II - O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art. 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto, conciliando o princípio da autorresponsabilidade das partes que as obriga ao cumprimento de regras muito precisas no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência a aspetos de ordem material, e não formal.

III - O recorrente que impugne a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; por sua vez, na motivação deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”[2]

Desta forma, dúvidas não existem de que o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto tem de proceder à indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, desde logo, porque tal especificação serve para delimitar o objeto do recurso.

Ora, a Ré alega que foi condenada a pagar à Autora uma quantia que não é devida, que todos os valores peticionados foram pagos, no entanto, pese embora os factos se encontrem discriminados nos respetivos pontos de 1 a 14 da fundamentação de facto da sentença recorrida, a recorrente não indica, desde logo, quais pretende ver julgados como não provados.

Assim sendo, omitindo a recorrente o cumprimento do ónus fixado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, impõe-se a rejeição imediata da impugnação da matéria de facto.

Na verdade, <<a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)).

b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)).

c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.).

d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda.

(…)

As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo>>[3].

Posto isto, dúvidas não existem de que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia e, consequentemente, este tribunal não pode proceder à reapreciação da matéria de facto impondo-se, por isso, nesta parte, a rejeição do presente recurso e, consequentemente, a manutenção da matéria de facto dada como provada e não provada.

                                                             *

Assim, cumpre apreciar as seguintes questões:

1ª – Se ocorreu o vício de falta de citação da Ré.

2ª – Se a Ré não deve à Autora as quantias em que foi condenada, inexistindo justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora.

                                                             *

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados constantes da sentença recorrida:

1. A é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à atividade de prestação de serviços de limpeza.

 2. Em 02 de junho de 2020, a admitiu a Autora ao seu serviço para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar, a tempo integral (40 horas semanais), as funções de Auxiliar de Limpeza [cfr. doc. 1 que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos].

 3. Nas instalações da e em todos os locais onde necessário fosse, no normal desempenho das suas funções.

 4. Auferindo, inicialmente, uma remuneração de € 3,66 (três euros e sessenta e seis cêntimos) por hora.

 5. Desde a data da celebração do contrato, sempre a Autora desempenhou as funções com assiduidade, zelo e empenho, procurando obter a melhor rentabilidade do seu trabalho, em proveito da Ré.

 6. A Autora realizou as seguintes horas mensalmente:

Ano de 2020:

Julho – 237h;

Agosto – 255h;

Setembro –144h;

Outubro – 76h;

Novembro – 111h;

Dezembro – 110h;

Ano de 2021:

Janeiro – 146h;

Fevereiro – 136h;

Março – 157h;

Abril – 153h;

Maio – 136h;

Junho – 186h;

Julho – 178h;

Agosto – 87h;

Setembro – 275h;

Outubro – 171h;

Novembro – 179h;

Dezembro – 190h + 21h30m realizadas durante as férias.

Ano de 2022:

Janeiro – 198h;

Fevereiro – 201h;

Março – 213h;

Abril – 191h;

Maio – 214h;

Junho – 194h;

Julho – 183h;

Agosto – 108h;

Setembro – 89h;

Outubro – 172h;

Novembro – 185h;

Dezembro – 170h;

Ano de 2023:

Janeiro – 81h.

[Cfr. doc. 4 que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos].

 7. Assim, considerando o horário de trabalho da Autora, a mesma realizou as seguintes horas de Trabalho Suplementar:

Ano de 2020 – 140 horas;

Ano de 2021 – 149h30m;

Ano de 2022 – 171 horas.

 8. A nunca pagou à Autora qualquer quantia a título de trabalho suplementar.

[Cfr. doc. 5 que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos].

 9. A não pagou à Autora o subsídio de Natal de 2022, bem como metade do subsídio de férias referente às férias vencidas a 01 de janeiro de 2022.

 10. Durante a vigência do contrato de trabalho, à Autora nunca lhe foi conferida formação profissional.

 11. A não procedeu à comunicação integral dos vencimentos da Autora ao “ISS,I.P.” [Cfr. doc. 6 que se junta e se dá aqui como integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos].

 12. Por força do não pagamento dos créditos laborais, e do trabalho suplementar prestado a Autora optou por resolver o seu contrato de trabalho com justa causa através de carta registada com aviso de receção, enviada a 27 de julho de 2023, a qual a se recusou a receber [Cfr. docs. 2 e 3 que se juntam e se dão aqui como integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos].

 13. A não pagou à Autora qualquer quantia a título de férias e subsídio de férias vencidas a 01 de janeiro de 2023 e proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal do ano da cessação.

 14. Por força do não pagamento dos créditos laborais, e do trabalho suplementar prestado a Autora sofreu stresse, ansiedade, noites sem dormir, angústia e desgaste mental que a forçou a suspender o exercício de funções por incapacidade temporária para todo e qualquer trabalho, fundada pelo esgotamento.

                                                             *

                                                             *

b) - Discussão

Apreciando as questões suscitadas pela Ré recorrente:

1ª – Se ocorreu o vício de falta de citação da Ré.

Alega a Ré recorrente que:

- A ré não foi citada para contestar.

- As citações foram todas devolvidas pois a mesma alterou a sua sede desde 26/6/2023.

- A mandatária da ré, ora signatária, esperou que fosse notificada para contestar, após a submissão de procuração aos autos, o que nunca sucedeu.

- A ré alterou a sua sede em junho de 2023, mas, por questões alheias à sua vontade, a publicação só foi efetuada dia 31/10/2023, mas por tal facto não pode ser a ré prejudicada.

- À ré está a ser negado o acesso à justiça e ao direito, um direito consagrado na nossa CRP.

- A mandatária da ré devia ter sido notificada para contestar o alegado pela A., não tinha o dever de ter conhecimento que estava a correr prazo para tal.

- Estava a signatária a aguardar ser notificada de qualquer ato processual, o que não ocorreu e, em consequência, foi a ré condenada a pagar uma quantia à A. que não é devida.

- A Ré não pode ser condenada por não ter sido citada.

A este propósito foi proferida a seguinte decisão:

Veio a sociedade arguir a nulidade da sua citação para a presente Acção.

Alega, em síntese, que a citação da foi levada a cabo por depósito, a 24-10-2023, de carta na caixa/receptáculo postal da morada que deixou de ser a sede da desde 22-06-2023, pelo que é nula a citação levada a cabo.

A Autora contestou e pugna pela total improcedência da arguida nulidade de citação.

Cumpre apreciar e decidir:

A sede da sociedade Ré, desde a sua constituição, situava-se na morada com o seguinte endereço postal:

Rua ..., ..., ..., ... ....

A 22-06-2023, a fez inscrever no registo comercial a mudança da sede para local com o seguinte endereço postal:

Avenida ... - escritório 5.07, ... ....

A 24-10-2023, foi efectuado o depósito da carta com vista à citação da na caixa/receptáculo postal com o endereço: Rua ..., ..., ..., ... ....

A 31-10-2023, foi a mudança da sede da objecto de publicação.

A 28-11-2023, a juntou aos presentes autos procuração forense a favor da Ilustre Mandatária.

A 07-12-2023, veio a arguir a nulidade da sua citação.

***

Prescreve o art.º 246.º/2 CPC que a citação das pessoas colectivas é feita na sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

Determinam os art.os 3.º/1/o) e 70.º/1/a) do Código do Registo Comercial que a mudança de sede da sociedade comercial é um facto sujeito a registo e a publicação obrigatória.

Prevê o art.º 14.º/2 do C.R.Comercial que os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.

*

No caso concreto, é manifesto que a foi citada na morada que, perante terceiros, vigorava na data em que a carta foi depositada (24-10-2023), pois a mudança de sede apenas foi publicitada a 31-10-2023.

Assim, impunha-se à que visitasse com a necessária frequência o receptáculo postal da anterior morada da sua sede social de modo a que pudesse recolher toda a correspondência que aí fosse depositada até que tivesse lugar a publicação da mudança de sede, pelo que não se verifica a alegada nulidade de citação à luz do art.º 191.º/1 CPC.

Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse, e tivesse ocorrido nulidade na citação da Ré, o certo é que tal nulidade já se encontraria sanada.

Com efeito, a juntou procuração forense a favor da Ilustre Mandatária sem que tenha logo arguido a nulidade da citação, o que apenas fez passados 9 dias.

Deste modo, à luz do art.º 189.º CPC, mesmo que houvesse nulidade de citação, a mesma encontrar-se-ia sanada.

Sobre o tema:

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022 (1610/20.5T8STR.E1.S1):

“I. Considera-se sanada a nulidade de falta de citação, nos termos do artigo 189.º CPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo essa falta.

II. A junção de uma procuração a advogado pressupõe o conhecimento do processo e configura-se como uma intervenção bastante para desencadear o ónus de arguição da falta de citação.

III. O art.º 163.º, n.º 2, do CPC, faculta a consulta do processo antes da constituição do mandato judicial.

...”.

*

Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-03-2021 (163/20.9T8CBR.C1):

“i) Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189.º do NCPC, quando o réu intervier no processo sem arguir logo aquela falta, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto judicial útil, susceptível de pôr termo à revelia do réu;

ii) A junção ao processo de procuração a advogado, sem logo arguir aquela omissão, constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do mesmo, permitindo presumir-se que o réu abdicou conscientemente de arguir a falta de citação;

iii) a tramitação eletrónica do processo não interfere com as 2 anteriores conclusões.”.

§

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Julgar improcedente a alegada nulidade por falta de citação da para a presente Acção.”

Vejamos:

Conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 188.º do CPC:

<<1 – Há falta de citação:

(…)

e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.

Esta falta de citação é classificada como nulidade principal (artigo 198.º do CPC) e só fica sanada com a intervenção do Réu no processo (artigo 189.º do CPC).

Por outro lado, como refere Lebre de Freitas[4] a propósito da falta de citação, concede-se ao citando a possibilidade “de provar que que dela não chegou a ter conhecimento antes do termo do prazo da defesa, por facto que não lhe seja imputável.”

Por outro lado, as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes (n.º 1 do artigo 223.º do CPC) e à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nos artigos 225.º e segs. do CPC, com as necessárias adaptações (n.º 1 do artigo 246.º do CPC), sendo que, a carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do RNPC – n.º 2 do mesmo artigo 246.º.

Acresce que, conforme resulta dos n.ºs 3 e 4 deste artigo 246.º:

<<3 – Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 – Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.>>, ou seja, no caso de a carta registada com AR enviada para citação ser devolvida, é repetida a citação, enviando-se nova carta com aquela advertência de que a citação se considera efetuada, deixando-se a carta na caixa do correio do citando, devendo o distribuidor certificar a data e o local em que depositou o expediente e remeter a certidão ao tribunal.

Pois bem, face aos normativos citados, dúvidas não existem de que este procedimento relatado de repetição da citação só tem lugar no caso de devolução da primeira carta enviada para citação.

Como resulta dos autos, a primeira carta enviada para citação da Ré na sua sede foi devolvida com a menção de objeto não reclamado.

De seguida, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 246.º do CPC, foi repetida a citação com o envio de nova carta com aquela advertência de que a citação se considera efetuada, tendo sido depositada a carta na caixa do correio da Ré, conforme declaração do distribuidor, no dia 24/10/2023 (fls. 34).

Ora, como se refere na decisão recorrida, a Ré foi devidamente citada na morada que vigorava perante terceiros na data em que a carta foi depositada, ou seja, em 24/10/2023, posto que a referida alteração da sede apenas foi publicitada a 31/10/2023 (fls. 39 v.º), só produzindo efeitos após esta data (artigo 14.º do CRC), sendo certo que, ao contrário do que alega a recorrente, impunha-se-lhe que diligenciasse no sentido de recolher a correspondência enviada para tal morada ainda em vigor até à publicação da nova sede, podendo, assim, concluir-se que a recorrente não teve conhecimento da citação por facto que lhe é imputável.

Na verdade, como se decidiu no acórdão da RL, de 17/11/2015, disponível em www.dgsi.pt:

<< I- Ao contrário do que constava do nº 1 do art. 236º do CPC revogado, o art. 246º do NPC, no seu nº 2, impõe agora que a carta registada com aviso de receção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional, estabelecendo o seu nº 4 que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, se proceda ao depósito da carta nos termos previstos no nº 5 do art. 229º.

II- Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT.

IV- Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento.

V- Se a ré sociedade deixa as suas instalações no dia 27 de novembro de 2013, mas só no dia 26 de Fevereiro de 2014 altera o local da sua sede social e apenas em 14 de Março de 2014 procede ao registo dessa alteração, deve-se a motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada na anterior sede em 16 de Janeiro de 2014, não podendo, em tal caso, ter-se como verificada a hipótese de falta de citação prevista na al. e) do nº 1 do art. 188º.>>

Acresce que, ao contrário do alegado pela recorrente, a sua mandatária não tinha de ser notificada para contestar.

Na verdade, em 28/11/2023, a Ré juntou aos autos procuração a favor da ilustre advogada, no entanto, em 23/10/2023, quando foi ordenada a citação da Ré e na audiência de partes de 22/11/2023, quando foi ordenada novamente a notificação da Ré para contestar, tal procuração ainda não se encontrava junto aos autos e, por isso, impunha-se, apenas, a notificação da Ré, inexistindo qualquer fundamento legal para que, posteriormente, face à junção daquela se procedesse a uma nova notificação agora na pessoa da sua mandatária.

Não estão em causa princípios de cooperação ou de urbanidade mas sim o cumprimento das normas respeitantes à citação/notificação para contestar, sendo certo que as pessoas coletivas são citadas ou notificadas na pessoa dos seus legais representantes (artigo 223.º do CPC) e as notificações às partes que constituírem mandatário são feitas na pessoa dos seus mandatários (artigo 247.º do CPC).

Ao contrário do alegado pela recorrente, tendo constituído mandatário, impunha-se-lhe a consulta dos autos para aquilatar do seu estado e não “o aguardar de notificação para qualquer ato processual”.

Acresce que, como também se refere na decisão recorrida, mesmo na eventualidade de ter ocorrido a nulidade da citação, a mesma teria de considerar-se sanada (artigo 189.º do CPC), na medida em que a Ré interveio no processo com a junção de procuração a favor da ilustre mandatária mas não arguiu logo a falta da sua citação, o que só fez posteriormente em 14/12/2023.  

E, por fim, não vislumbramos que, tendo sido cumprido o disposto nos citados normativos aquando da citação da Ré, esteja a ser negado a esta o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 1 do artigo 20.º da CRP).

Assim sendo, inexiste a invocada nulidade por falta de citação da Ré tal como consta da decisão recorrida.

Improcedem, assim, estas conclusões da recorrente.

                                                            

2ª questão

Se a Ré não deve à Autora as quantias em que foi condenada, inexistindo justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora.

Alega a recorrente que:

- A Ré foi condenada a pagar uma quantia à A. que não é devida.

- Como se provou todos os valores peticionados pela A., de trabalho suplementar e subsídios de férias e de Natal, foram sempre pagos a tempo e horas.

- Foram remetidos aos autos, pela autora, recibos de vencimento que não são da mesma, mas sim de uma amiga da A. e ex-trabalhadora da Ré.

- Deve ser desconsiderada a carta de resolução em virtude da alteração da sede da Ré e porque não existia qualquer justa causa.

Antes de mais cumpre dizer que foi rejeitado o recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

Da factualidade articulada na petição inicial e reconhecida por falta de contestação resultam preenchidos todos os elementos constitutivos da causa de pedir invocada e, face às normas legais aplicáveis, tal factualidade determina a procedência da Acção.

Deste modo, por simples adesão aos fundamentos alegados na petição inicial, nos termos do disposto no art.º 57.º/1/2 CPT, deve a acção ser julgada procedente.

(…)

II) – Quanto à indemnização por resolução do contrato:

É pacífico o entendimento de que nos casos em que a rescisão contratual promovida pela Trabalhadora se baseia num comportamento ilícito e culposo da Empregadora a Trabalhadora tem direito a que a mesma lhe pague a chamada indemnização de antiguidade.

Esta indemnização encontra-se prevista no art.º 396.º do Código do Trabalho (CT):

“1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.

3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.

4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.

5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º.”

                                                             *

Contrariamente ao que sucede no caso da indemnização por despedimento ilícito prevista no art.º 391.º CT, em que o Tribunal deve atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial (n.º 2), no caso da indemnização por resolução do contrato a data final a atender é a data da cessação do contrato.

 Ou seja, em caso de rescisão do contrato pela Trabalhadora, a antiguidade para efeitos de indemnização é contada apenas até à data da rescisão do contrato.

Concluindo-se que a Autora/Trabalhadora rescindiu o contrato com justa causa, cumprirá reconhecer-lhe o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Considerando a antiguidade da Autora/Trabalhadora, o valor da sua remuneração mensal, a natureza das infracções perpetradas pela Ré/Empregadora e o circunstancialismo que rodeou a resolução do contrato, julga-se mediana a ilicitude, pelo que se justifica fixar em 30 dias a retribuição a atender.

Deste modo, uma vez que a Autora não atingiu 3 anos de antiguidade, à luz do art.º 396.º/1 (parte final) CT, a indemnização corresponderá a 3 vezes a retribuição mensal base (€.814,00), isto é, €.2.442,00.”

Vejamos:

Conforme consta da sentença recorrida, por falta de contestação, foram considerados provados os factos alegados pela Autora na petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 57.º do CPT.

Importa dizer, desde já, que pese embora tenham sido juntos aos autos dois recibos de vencimento respeitantes à trabalhadora BB, tendo sido considerados confessados os factos alegados pela Autora respeitantes a horas de trabalho suplementar prestadas mensalmente pela mesma, bem como o não pagamento de tais horas por parte da Ré, mostra-se irrelevante o que consta dos recibos a que a Autora faz apelo no sentido de demonstrar o não pagamento do trabalho suplementar, sendo certo que não assiste qualquer razão à Ré quando alega que foi condenada a pagar valores respeitantes a outra trabalhadora e que foram considerados os recibos de vencimento desta.

Acresce que resulta da matéria de facto provada que:

- A Autora prestou no ano de 2020, 140 horas de trabalho suplementar, no ano de 2021, 149 h e 30 m e no ano de 2022, 171 h e que a Ré nunca lhe pagou qualquer quantia a título de trabalho suplementar.

- A Ré não pagou à Autora o subsídio de Natal de 2022, bem como metade do subsídio de férias referente às férias vencidas a 01 de janeiro de 2022 e que durante a vigência do contrato de trabalho, à Autora nunca lhe foi conferida formação profissional.

- Por força do não pagamento dos créditos laborais e do trabalho suplementar prestado a Autora optou por resolver o seu contrato de trabalho com justa causa através de carta registada com aviso de receção, enviada a 27 de julho de 2023, a qual a Ré se recusou a receber.

- A Ré não pagou à Autora qualquer quantia a título de férias e subsídio de férias vencidas a 01 de janeiro de 2023 e proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal do ano da cessação.

Assim sendo, é manifesto que a Ré deve à Autora as quantias peticionadas na petição inicial, tal como consta da sentença recorrida, ou seja, € 2.817,46 a título de trabalho suplementar, € 1.224,00 a título de subsídio de Natal e de subsídio de férias do ano de 2022; € 488,40 a título de formação não ministrada, € 3.210,83 a título de férias, subsídios de férias e subsídio de Natal de 2022 e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano da cessação.

Acresce que, ao contrário do alegado pela recorrente, face à matéria de facto provada, impõe-se concluir pela resolução do contrato com justa causa, uma vez que estamos perante um comportamento culposo da Ré de não pagamento pontual da retribuição (artigo 394.º do CT), pelo que, tal como consta da sentença recorrida, a Autora tem direito à indemnização prevista no artigo 396.º do CT, no valor de € 2.442,00 (€ 814,00 x 3), na medida em que a mesma não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente.

*

Pelo exposto, na improcedência das conclusões da recorrente, impõe-se a manutenção do despacho e sentença recorridos em conformidade.

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[5]

(…).

*

                                                             *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter o despacho e sentença recorridos.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo da Ré recorrente.

                                                             *

                                                             *

                                                                                         Coimbra, 2024/06/28

(Paula Maria Roberto)

(Mário Rodrigues da Silva)

(Felizardo Paiva)

                                                                                                                      

                                                                                                                                                                                             


                                                                    


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                      Felizardo Paiva

[2] No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 01/10/2015, 17/11/2021 e 19/01/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 
[3] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina, págs. 200 e 201.
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 366.
[5] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.