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DEPÓSITO BANCÁRIO
CARTÃO DE CRÉDITO
FURTO
Sumário
O titular do cartão de crédito furtado é responsável pelos débitos provocados pelo mesmo feitos antes da comunicação do furto à entidade bancária se na altura do furto mantinha junto do cartão o PIN essencial para os levantamentos ou pagamentos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O Banco....., S.A., intentou, no Tribunal Cível da Comarca do....., onde foi distribuída ao respectivo -.º Juízo, a presente acção com processo sumário contra:
- X....., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Euros 8.977,43, acrescida de juros de mora, à taxa de 12%, sobre Euros 8.648,78, desde a data da entrada em juízo da petição inicial e até efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, em resumo, que o Réu é titular de uma conta de depósitos à ordem na sucursal Y..... de....., a qual apresentava, em 28/09/2001, um saldo negativo no valor de Esc. 1.733.925$00, para cuja cobertura nunca veio a ser constituída a necessária provisão, sendo os débitos que originaram tal saldo devedor respeitantes a várias transacções havidas entre Réu e Autor, no âmbito das relações comerciais mantidas entre ambos.
Contestou o Réu, alegando, também em resumo, que, no dia 14/10/99, foi vítima de furto, por desconhecidos, que se apoderaram de dois cartões de débito seus, um dos quais associado à conta referida na petição inicial; com esse cartão, os autores do furto adquiriram bens no valor aproximado de 2 mil contos; logo no dia seguinte ao do furto, o Réu avisou o Autor do sucedido e cancelou o cartão, mas o desfalque só parou no dia 19/10/99, data do último movimento efectuado com o cartão; termina pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, pede a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de Esc. 992.891$00, correspondente às transacções efectuadas em 18 e 19 de Outubro de 1999.
Respondeu o Autor, pugnando pela improcedência da reconvenção.
O Réu veio, porém, a desistir do pedido reconvencional formulado (fls. 84), desistência essa que foi devidamente homologada.
Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, por forma que não mereceu reparo a qualquer das partes.
Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu o Réu do pedido.
Inconformado com o assim decidido, interpôs o Autor recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Notificado da admissão daquele recurso, veio o Réu interpor recurso subordinado da sentença, o qual foi admitido como de agravo, mas que esta Relação mandou seguir como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
A – Apelante independente
1.ª - “O recorrido era titular de um cartão de débito VISA ELECTRON, n.º 0011 que lhe foi atribuído pelo Autor e só pode ser utilizado, se ao efectuar pagamentos, o seu titular digitar um código secreto (PIN) que lhe fornecido pelo Banco;
2.ª - O cartão em causa foi furtado ao recorrido e que o respectivo PIN estava junto do mesmo;
3.ª - O recorrido actuou com culpa, já que aquando do furto do cartão por desconhecidos, o mesmo estava acompanhado do respectivo PIN, em desobediência ao estipulado na cláusula 6.ª b) do contrato de utilização celebrado com o Autor, que lhe impunha o dever de agir de outra maneira;
4.ª - A razão de ser da utilização do código PIN é para impedir que terceiros não autorizados pelo titular do cartão, possam efectuar movimentos com o mesmo;
5.ª - Se o recorrido não tivesse por culpa sua, deixado o PIN junto do cartão como lhe estava vedado contratualmente, os movimentos que deram origem ao saldo peticionado na acção, nunca teriam ocorrido, independentemente de se tratar de um cartão de débito ou de o terminal Multibanco se encontrar em situação de “Off line”;
6.ª - É facto público e notório os sistemas informáticos de que dependem as transacções financeiras electrónicas, são susceptíveis de erro. (Como aliás todas as criações humanas);
7.ª - Ao Banco recorrente cabe assegurar aos seus clientes, mediante condições contratuais equilibradas, a segurança das transacções por estes efectuadas, cabendo a estes o rigoroso cumprimento dessas condições;
8.ª - Era condição adequada à não ocorrência dos movimentos verificados no cartão do recorrido o facto, (contratualmente por este aceite) de não deixar o PIN junto do seu cartão de débito, o que como ficou provado não se verificou por culpa exclusiva deste;
9.ª - Se o recorrido não tivesse deixado o PIN junto do cartão, todos os erros informáticos que pudessem ocorrer, como foi o caso do referido “Off line” ou outro qualquer, teriam sido evitados;
10.ª - A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, não se apercebeu que a proibição de deixar o código PIN junto com o cartão é a chave da segurança de todo o sistema, que como se referiu pode ter falhas a montante, mas só possíveis de explorar com acesso ao referido código;
11.ª - A teoria da causalidade adequada na formulação negativa apresentada como argumento para a improcedência da acção, não pode colher, na medida em que atento o antes exposto não se pode considerar o comportamento do recorrido de todo em todo indiferente para a verificação do dano;
12.ª - Pelo contrário a existência de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto, após alguém se ter apossado do cartão e do PIN do arguido, só foram possíveis devido à actuação culposa deste e seriam de verificação impossível se não fosse aquele comportamento;
13.ª - Se o recorrido não deixasse o cartão e o PIN juntos, isso seria condição, no plano naturalístico, para que os movimentos ocorridos, mesmo em situação do terminal Multibanco em “Off line”, nunca se tivessem verificado;
14.ª - O comportamento do recorrido foi causa adequada daqueles movimentos;
15.ª - E ainda que assim não se considerasse que os factos que deram origem aos movimentos peticionados na acção foram devidos única e exclusivamente à actuação culposa do recorrido, (o que só por mera hipótese de raciocínio se concede), então teria de se considerar que este concorreu para a produção do dano pelo que nos termos do art.º 570 do C.C., cabe ao tribunal determinar com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, qual a responsabilidade do recorrido;
16.ª - A douta sentença recorrida violou por erro de interpretação o artigo 563.º do Código Civil”.
B – Apelante subordinado
1.ª - “As partes estão obrigadas a um dever de probidade, ou seja, ao dever de confessar os factos que sabem serem verdadeiros;
2.ª - Tal resulta do art.º 266.º do CPC que estabelece, como princípio geral, o dever de cooperação, de que é corolário o dever de boa-fé processual – art.º 266.º-A do CPC;
3.ª - Ao negar ou omitir esses factos (pessoais), o Banco....., SA violou esse dever de probidade;
4.ª - Significa isto que a postura processual do Banco....., SA, é passível de adequada censura, que passa necessariamente pela sua condenação como litigante de má fé;
5.ª - Ao não decidir como vem de dizer-se, violou a Douta Sentença Recorrida, o disposto no art.º 456.º, n.º 1 e 2, a), b) e c) do CPC, pelo que, nesta parte, deve ser revogado, com as legais consequências”.
Contra-alegou apenas o apelante subordinado, pugnando pela improcedência do recurso independente.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber, em relação ao recurso independente, se existiu culpa na utilização por parte do Réu do cartão de débito que o Autor lhe forneceu que implique o pagamento das quantias reclamadas por este; e, em relação ao recurso subordinado, se é de condenar o Autor como litigante de má fé.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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OS FACTOS
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
1.º - O Autor é uma instituição de crédito legalizada, que se dedica ao comércio bancário;
2.º - O Réu é titular de uma conta de depósitos à ordem com o n.º007100, sediada na Sucursal Y..... de.....;
3.º - Com referência a esta conta, foram efectuados os movimentos constantes dos documentos de fls. 4 a 7 dos autos;
4.º - A esta conta estava associado o cartão “Visa Electron” n.º0011, conforme documento de fls. 64 a 65 dos autos;
5.º - No dia 14/10/99, o Réu foi vítima de furto, por desconhecidos, que se apoderaram do cartão referido no item 4.º;
6.º - Este era um cartão de débito;
7.º - Na noite de 14 para 15 de Outubro de 1999, alguém em nome do Autor telefonou para casa do Réu, no sentido de o alertar para o provável uso indevido deste cartão;
8.º - Na manhã do dia 15/10/99, o Réu avisou a sucursal de.... do Banco Autor e cancelou aquele supra referido cartão, conforme documento de fls. 34 dos autos;
9.º - As aquisições de bens constantes dos documentos de fls. 4 a 7 dos autos foram efectuadas pelos desconhecidos referidos no item 5.º;
10.º - Só era possível ao Réu ou alguém que estivesse na posse do referido cartão efectuar as operações descritas no documento de fls. 4 e 5 dos autos se para o efeito e junto do vendedor apresentasse o cartão e na máquina de pagamento procedesse à inserção do código secreto que lhe foi atribuído;
11.º - Aquando do referido no item 5.º, o cartão do Réu estava acompanhado do respectivo PIN;
12.º - Os movimentos/compras por utilização do cartão constantes dos documentos de fls. 45 a 56 dos autos foram efectuados no dia 14/10/99 antes de qualquer comunicação de extravio, furto ou roubo do cartão do Autor e o lançamento de alguns dos mesmos na conta referida no item 2.º ocorreu em datas posteriores;
13.º - O Réu apresentou queixa crime contra desconhecidos pela prática de um crime de furto e (ou) de falsificação/burla, na sequência da qual foi instaurado processo de inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de..... sob o n.º 796/99, o qual foi arquivado;
14.º - Em 29/12/99, o Réu procedeu ao encerramento da conta referida no item 2.º;
15.º - O mandatário do Réu enviou ao Autor, e este recebeu, a carta junta a fls. 58 dos autos, com data de 20/10/99, na qual, para além do mais, comunica: “Entretanto, o meu constituinte ficou com saldo negativo superior a 1.500 contos, quantia que não tem possibilidade de liquidar de uma só vez. Deste modo, pretende estabelecer com V. Ex.as um plano de pagamento, pelo que agradeço que me transmitam a vossa posição sobre o assunto”;
16.º - Em 2/11/99, o Autor enviou ao Réu, e este recebeu, a carta junta a fls. 69 dos autos, na qual comunica: “Como é do conhecimento de V. Ex.a, encontra-se a sua conta de depósito à ordem n.º 007100 devedora, sendo o seu saldo à data 1999/11/02 de 2.605,173, PTE. Nestas circunstâncias, solicitamos a regularização do referido montante”;
17.º - Em 9/11/99, o mandatário do Réu enviou ao Autor, e este recebeu, a carta junta a fls. 70 e 71 dos autos, na qual, para além do mais, comunica: "Surpreendentemente, pela carta em epígrafe, V. Ex.as solicitam ao meu constituinte o pagamento da quantia de Esc. 2.605.173$00, não encontrando este qualquer explicação para tal débito, pelo que agradeço a V. Ex.as se dignem prestar os esclarecimentos que entenderem por convenientes”;
18.º - Em 06/12/99, o Autor enviou ao mandatário do Réu, e este recebeu, a carta junta a fls. 72 dos autos, na qual comunica: “Cumpre-nos informar que, em virtude de V. Ex.as não nos terem facultado procuração que os legitime como representantes do Ex.mo Senhor X..... o assunto exposto foi alvo de resposta por parte deste Banco, através de carta remetida nesta data, pelo que de momento, nada mais nos oferece referir sobre o assunto”;
19.º - Na mesma data, o Autor enviou ao Réu, e este recebeu, a carta junta a fls. 73 dos autos, na qual comunica: “Relativamente ao assunto exposto, cumpre-nos informar que à presente data, a Conta de Depósitos à Ordem n.º 007100, da titularidade de V. Ex.a regista um saldo devedor no montante de Esc. 1.637.855$00. Mais informamos que, e reiterando a informação prestada pela Sucursal de....., foi aprovada por este Banco uma proposta de financiamento pelo valor total em dívida, proposta esta que V. Ex.a posteriormente recusou”;
20.º - Em 15/12/99, o mandatário do Réu enviou ao Autor, e este recebeu, a carta junta a fls. 74 dos autos, na qual comunica: “Respondendo apenas por uma questão de cortesia, sou a informar V. Ex.as que o meu constituinte nada mais tem a dizer sobre o assunto em epígrafe”;
21.º - Em 28/09/01, a conta referida no item 2.º apresentava um saldo negativo no valor de Esc. 1.733.925$00 para cuja cobertura nunca veio a ser constituída a necessária provisão.
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O DIREITO
A – Recurso independente
O Banco Autor veio pedir a condenação do Réu na quantia correspondente ao saldo negativo que uma conta aberta por este, na sucursal do Autor em ....., apresentava, em 28/09/2001.
Decorre dos factos provados que o Réu foi titular de uma conta de depósitos à ordem, à qual estava associado um cartão de débito “Visa Electron”, naquela sucursal.
Como bem refere a sentença recorrida, o contrato de depósito bancário é definido pelos art.ºs 4.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 298/92, de 31/12, 403.º e 407.º do C. Comercial, como uma típica operação bancária, nos termos da qual o banco se obriga a guardar as quantias depositadas e a restituí-las quando os depositantes o exigirem.
A jurisprudência, que se crê maioritária, vem qualificando o depósito bancário à ordem como sendo um depósito irregular, sujeito, enquanto tal, ao regime dos art.ºs 1205.º e 1206.º do C. Civil, ao qual são aplicáveis, na medida do possível, as normas que regem o contrato de mútuo (v. Acs. do S.T.J. de 17/06/86, 08/10/91, 19/10/93 e 09/02/95, in, respectivamente, B.M.J. n.º 358.º, pág. 565, 410.º, pág. 805, C. J., S.T.J., Ano 1.º, 3.º, pág. 69, e Ano 3.º, 1.º, pág. 75).
E também a doutrina assim o tem entendido (v. Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 479). O banqueiro adquire, assim, a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor. A pedra de toque está na disponibilidade permanente do saldo.
A conta de depósitos à ordem em causa apresentava, em 28/09/01, um saldo negativo no valor de Esc. 1.733.925$00 (item 21.º), cuja cobertura o Réu não provisionou, em devido tempo.
A esta conta estava associado um cartão de débito “Visa Electron”, vulgo cartão “Multibanco”, cartão esse que foi furtado ao Réu, por desconhecidos, na sequência do que foram debitadas na conta em causa várias quantias resultantes da aquisição de bens.
Como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 23/11/99 (citado na sentença recorrida), não obstante o contrato de depósito bancário que lhe subjaz, as operações de levantamento de numerário em máquina de caixa automática e de pagamento automático, são juridicamente fundadas sobre o contrato de utilização, verdadeiro contrato autónomo, querido pelas partes, em consequência do qual uma instituição bancária emite um “cartão de plástico” em nome de um seu cliente com o objectivo de lhe permitir a realização de um conjunto de operações automatizadas.
O tão vulgarizado quanto útil cartão “Multibanco” confere “acesso directo e imediato à conta bancária do titular, mediante a sua inserção em terminais electrónicos, que procedem à leitura da respectiva banda magnética e pela marcação do número de identificação pessoal (PIN) correspondente”.
Este código pessoal (PIN) constitui a chave de segurança do sistema, já que só a introdução dos números que o constituem faculta ao respectivo utente que o cartão funcione como meio de pagamento, “já que os termos da ligação efectuada relativamente à conta do titular permitem certificar a existência de provisão em conta, revelando-se o cartão, na sua ausência, inoperante” (v. Joana Vasconcelos, Cartões de Crédito, R.D.E.S., Ano 34.º, Janeiro-Dezembro de 19993, n.ºs 1-2-3, 346).
A utilização do cartão “Multibanco” a que se reportam os autos ficou sujeita, como é vulgar e justificável, a determinadas condições de utilização pelo seu titular.
De entre essas condições de utilização, importa aqui transcrever a que consta da respectiva cláusula 6.ª, al. b), segundo a qual: “O titular do cartão deverá memorizar o PIN (Número de Identificação Pessoal), abstendo-se de o anotar por qualquer forma ou meio que seja inteligível ou de algum modo acessível a terceiros e especialmente no próprio cartão ou em documento que habitualmente seja guardado junto deste ou que o acompanhe” (v. fls. 64-v.º).
De acordo com a cláusula 15.ª daquelas condições gerais de utilização, “em caso de perda, furto, extravio ou roubo, o titular deverá avisar imediatamente o Banco pelo meio mais rápido ao seu dispor (...) e no prazo máximo de 72 horas por escrito”. (al. a)). “O Banco responsabiliza-se integralmente pelas transacções que surgirem após a comunicação efectuada nos termos acima referidos” (al. b)).
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 10/04/03 (C.J., Ano 28.º, 2.º, 190), “considerando a relação contratual estabelecida entre o titular do cartão e banco emissor, o regime de responsabilidade por tais prejuízos pode sintetizar-se nestes termos:
Responsabilidade do titular do cartão:
- em princípio, o titular é responsável pelos prejuízos que ocorram até à comunicação do extravio ao banco, por ser de considerar que a utilização indevida lhe é imputável a título de negligência, existindo presunção nesse sentido – art.ºs 799.º e 798.º do C.C.;
- actualmente, essa responsabilidade é limitada, salvo os casos de negligência grosseira, ao saldo disponível face ao limite de crédito (1.º, n.º 6, do Aviso 11/2001);
- caso ilida a referida presunção de culpa, demonstrando que os prejuízos foram causados apesar da sua conduta diligente e do cumprimento de todos os deveres de segurança e de cuidado, o titular exime-se de qualquer responsabilidade.
Responsabilidade do banco emissor:
- em princípio, a partir do momento da comunicação, a responsabilidade transfere-se para o emissor, respondendo este por todos os prejuízos originados no facto de não ter promovido, com a maior celeridade possível, a exclusão do sistema do cartão perdido ou furtado; existe também presunção de culpa;
- o banco liberta-se dessa responsabilidade se provar a actuação fraudulenta do titular (neste caso, o titular é responsável por todos os prejuízos anteriores ou posteriores à comunicação.
Não resultando os prejuízos de actuação culposa do titular do cartão ou do banco emissor, devem ser suportados por este, isto é, por quem os sofreu, com base no princípio res suo domino perit”.
Aplicando esta doutrina ao caso presente, é inegável que a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da utilização do cartão em causa pelos desconhecidos que o furtaram cabe por inteiro ao Réu.
Na verdade, como flui dos factos provados, no dia 14/10/99, o Réu foi vítima de furto, por desconhecidos, que se apoderaram do cartão de débito em causa (item 5.º).
E o certo é que, contrariando a referida cláusula 6.ª , al. b), e bem assim as mais elementares normas de prudência, aquando daquele furto, o cartão do Réu estava acompanhado do respectivo PIN, ou código secreto, que permite, como é sabido, a qualquer pessoa que tenha em seu poder o cartão, fazer uso do mesmo (item 11.º).
Os movimentos/compras por utilização do cartão constantes dos autos foram efectuados no dia 14/10/99, ou seja, no próprio dia do furto, antes de qualquer comunicação de extravio, furto ou roubo do cartão ao Autor (item 12.º).
Aliás, é de realçar que foi alguém em nome do próprio Autor quem alertou o Réu do provável uso indevido que estava a ser dado ao cartão em causa (item 7.º), certamente porque o Réu nem se deu conta do furto de que foi vítima.
Perante este quadro fáctico, afigura-se-nos que o uso do cartão em causa pelos desconhecidos se ficou a dever a negligência grosseira por parte do Réu, que, em desobediência ao referido clausulado e contrariando todas as regras de prudência, tinha o cartão acompanhado do respectivo PIN, o que permitiu ao(s) autor(es) do furto o seu uso indiscriminado.
Deste modo, a responsabilidade pelos prejuízos causados ao Autor recai, inegavelmente, sobre o Réu.
Ora, a conta referida no item 2.º dos factos apresentava, em 28/09/01, um saldo negativo no valor de Esc. 1.733.925$00, para cuja cobertura nunca o Réu veio a constituir a necessária provisão, muito embora tenha manifestado ao Autor a vontade de liquidar a mesma (item 15.º e 21.º).
Impõe-se, assim, a revogação da sentença recorrida, a qual terá de ser substituída por outra que condene o Réu a pagar ao Autor aquela quantia, sobre a qual incidem os peticionados juros de mora, à taxa legal de 12% (Portaria n.º 262/99, de 12/4), mas somente a partir da citação (art.º 805.º do C.C.).
Na verdade, embora resulte dos factos (itens 16.º e 19.º) que o Autor enviou ao Réu cartas a solicitar a regularização da conta em causa, o certo é que essas cartas foram enviadas ainda no ano de 1999, muito antes da data (28/09/01) aludida no item 21.º, como sendo aquela em que o saldo devedor da conta se terá cristalizado. Ademais, as quantias referidas naquelas cartas não são coincidentes com o saldo negativo da conta que veio a resultar provado, na referida data de 28/09/01.
.........
B – Recurso subordinado
O Réu pugna, no presente recurso, pela condenação do Autor como litigante de má fé. Sem razão alguma, porém.
De acordo com o disposto no artº 456º, n.º 2, als. a), b) e c) do C. de Proc. Civil, únicas hipóteses que aqui têm relevância, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; ou tiver praticado omissão grave do dever de cooperação.
O que prescreve este artigo constitui o reverso do dever de cooperação aflorado nos artºs 266º e 266º-A, do referido código. As partes devem agir de boa fé e cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Ora, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não vemos que ressaltem dos autos elementos bastantes que permitam concluir ter o Autor, conscientemente, deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterado a verdade dos factos. Na verdade, como resulta do que supra ficou dito, o Autor até vem a obter ganho de causa, pelo que dificilmente se entenderia que fosse ele, concomitantemente, condenado como litigante de má fé.
Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes pelo citado art.º 266.º, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal, ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. «Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada», de tal modo que a «simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir» (Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, 2.º, 263).
Não se mostra, assim, justificada a condenação do Autor como litigante de má fé, pelo que a sentença recorrida, nessa parte, não merece censura.
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DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação subordinada e parcialmente procedente a apelação independente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual se substitui por outra que, na procedência parcial da acção, condena o Réu a pagar ao Autor a quantia de Euros 8.648,78 (Esc. 1.733.925$00), acrescida de juros de mora, à taxa de 12%, desde a citação e até integral pagamento.
Custas, em ambas as instâncias, por Autor e Réu, na proporção do respectivo decaimento; as custas relativas ao recurso subordinado são da inteira responsabilidade do Réu.
Porto, 31 de Março de 2004
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso