PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PRISÃO
CUMPRIMENTO
Sumário

Estando o arguido a cumprir pena de prisão de 2 anos e 6 meses, nada impede que possa prestar trabalho a favor da comunidade findo o cumprimento dessa pena.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 41/20.1SGPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

No âmbito do processo comum que sob o n.º 41/20.1SGPRT corre termos Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 6, por despacho foi decidido: “Pelo exposto, atenta a inadmissibilidade do requerido, indefere-se a anteriormente requerida pelo arguido substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.”
Contra este despacho se insurgiu o Ministério Público, dele interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que “condensou” nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
“=CONCLUSÕES=
1- O arguido AA, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de €5,50 Euros, o que perfaz o montante de €825 Euros.
2- A sentença transitou em julgado a 09.07.2021, e após a conta e liquidação da multa e a sua notificação para requerer o cumprimento por pagamento em prestações ou prestação de trabalho veio, o arguido requerer a 24.11. 2022, a prestação de trabalho em substituição da multa.
3- Contudo, o arguido deu entrada no EP a 30.11.2022 para cumprimento de pena de prisão à ordem de outro processo e, neste momento, encontra-se colocado em cumprimento de outra pena privativa da liberdade à ordem de um novo processo.
4- Salvo o devido respeito, não concordamos com o indeferimento da prestação de trabalho por se entender que não obstante, a maioria da jurisprudência exposta no douto despacho recorrido, pugnamos e defendemos a jurisprudência em sentido oposto, nomeadamente, alguma jurisprudência que admite tal possibilidade de cumprimento de prestação de trabalho enquanto cumpre pena de prisão em conjunto com o cumprimento da prisão efectiva, caso existam essas condições, o que pode ocorrer na situação em que o arguido tenha saídas precárias.
5- Aliás, dispõe o artigo 76.º n.º1, do Código de Execução de Penas, quanto aos tipos de saídas precárias que: podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, licenças de saída jurisdicionais ou administrativas.
6- E de acordo com o n.º 3 do artigo 76.º do Código de Execução de Penas, as licenças de saída administrativas compreendem: a) Saídas de curta duração, para manter e promover os laços familiares e sociais; b) Saídas para realização de actividades; c) Saídas especiais, por motivos de particular significado humano ou para resolução de situações urgentes e inadiáveis; d) Saídas de preparação para a liberdade.
7- E de acordo com o artigo 79.º do Código de Execução das Penas, as licenças de saída jurisdicionais podem ser concedidas quando cumulativamente se verifique :a) O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos; b) A execução da pena em regime comum ou aberto; c) A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva; d) A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.
8- Ora, caso venham a estar verificados os pressupostos para a concessão da licença administrativa ou jurisdicional pelo Tribunal de Execução de Penas, o arguido poderá dessa forma cumprir o trabalho em substituição da multa em liberdade, nos períodos de tempo concedidos.
9- Apesar de se mencionar que a prestação de trabalho será cumprida em meio prisional, o certo é que tal cumprimento pode não ser efectivamente em meio prisional, mas antes no âmbito de saídas precárias que sejam concedidas ao arguido, caso se solicite à DGRSP e ao TEP a ponderação dessa aplicação e, caso o mesmo reúna os requisitos para beneficiar de tais licenças.
10- E, desta forma se dá a possibilidade do arguido poder cumprir a prestação de trabalho como requereu sem conflituar com o cumprimento da pena de prisão.
11- Assim contrariamente ao decidido, entendemos que o cumprimento das horas de trabalho é válida e admissível por lei.
12- Nessa sequência, tal decisão que indeferiu a prestação de trabalho, é violadora das normas previstas nos arts. 48.°, 49.°, 58.° e 59.° do CP, e ainda do art.º 13.° da CRP, e ainda das normas previstas no Código de Execução de Penas.
13- Acresce que, segundo o acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2019, podemos ler no seu sumário: (…) II- Tendo a arguido requerido a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, verificados que se mostram os pressupostos dos art°s 47°, n° 3 e 48° do Cód. Penal ( ex vi artigo 45.º n.º1 e 2 do CP), não deve tal pretensão ser indeferida, pelo facto de a arguida se encontrar presa a cumprir outra pena de prisão de longa duração, sob pena de se considerar poder incorrer na violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.
14- Pugnamos assim que, pelo menos, será adequado e razoável, permitir que o condenado preste o trabalho comunitário, logo que seja restituído à liberdade.
15- E por outro lado, é também posição defendida no Douto Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de setembro de 2019, que estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva, pode e deve ser-lhe deferido o início do cumprimento da prestação de trabalho para momento posterior ao cumprimento da pena de prisão, suspendendo-se o prazo de prescrição desta pena, durante o período em que está impossibilitado de o prestar.
16- Em suma, entendemos ainda que é admissível a prestação de trabalho em ambiente prisional, o que se equaciona que poderia acontecer no âmbito de licença de saída jurisdicional ou administrativa, situações que se presumem que, ocorram quando se encontrem reunidos os pressupostos para a sua concessão.
17- Acresce que tal prestação pelo recluso, é uma forma daquele estar ocupado, prestar uma actividade extra o sistema prisional e consciencialização da sua vida após a reclusão, razão pela qual, o cumprimento de trabalho é até uma forma de preparação para a vida activa do trabalho ou de fazer com que não se percam os hábitos de trabalho, o que por vezes esquecem com o tempo de privação da liberdade.
18- Esta articulação no cumprimento das penas pelos arguidos mesmo que seja em simultâneo, ocupa o condenado no tempo em que está em reclusão sem nada para fazer, sendo também uma forma de o reintegrar socialmente com a aprendizagem de hábitos de trabalho e da forma de vida que deverá adoptar quando estiver em liberdade, sendo em nosso entender que este cumprimento do trabalho pode até ser prestado no âmbito das licenças de saídas precárias, o que em nosso entender se traduz num reforço às finalidades da punição, nomeadamente, quanto à prevenção especial e à prática de futuros crimes.
19- Contudo, caso não seja acolhido este entendimento sempre propendemos para que de acordo com o princípio da igualdade lhe seja deferida a prestação do trabalho para o termo da pena que neste momento cumpre.
20- Face ao supra exposto e porque entendemos ser de admitir a prestação do trabalho como requerido pelo arguido, nem que seja pelo seu deferimento para o termo da pena, pugnamos pela revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita a prestação de trabalho ao arguido, caso seja possível no meio prisional ou situação de eventual licença jurisdicional ou administrativa que venha a beneficiar ou em última análise, deferido o para o termo da pena de prisão que actualmente se encontra a cumprir.
21- Nesta conformidade, por se mostrarem violados os preceitos legais dos artigos 45.º, 47.º 48.°, 49.°, 58.° e 59.° do CP, bem como, o princípio da igualdade do artigo 13.º da CRP, pugnamos pela procedência do presente recurso, com a consequente revogação do Douto Despacho recorrido, no qual indeferiu a prestação de trabalho e a sua substituição por outro que determine a admissão do
arguido a prestar trabalho em caso da possibilidade de obter licença administrativa ou jurisdicional para a prática de actividades ou então que seja decidido deferir essa prestação de trabalho para o termo da pena de prisão.
Contudo, V.ªs Ex.ªs, farão, como sempre JUSTIÇA”

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O recurso foi admitido e cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal não houve resposta pelo arguido.
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Já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concordou com o M.P a quo, pugnando pela procedência do recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II – Fundamentação

São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, a delimitar o objeto do recurso e a fixar os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj).[1]

Objeto.
Se no meio prisional ou na situação de eventual licença jurisdicional ou administrativa de que o arguido venha a beneficiar e subsidiariamente após a extinção da pena de prisão que atualmente está a cumprir é possível prestação de trabalho a favor da comunidade.

I) DO HISTÓRICO PROCESSUAL E DO OBJECTO DO RECURSO
- Os presentes autos têm origem numa certidão do processo 41/20.1SGPRT.
- Nesse processo, foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Do pedido de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade:
Tendo o arguido sido condenado nos presentes autos na pena de 5 meses de prisão substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, veio este requerer a substituição desta pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sucede que, dos elementos recolhidos nos autos e do anteriormente processado resulta que, não obstante tenha já decorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da condenação sofrida pelo mesmo nos presentes autos, não foi ainda possível sequer elaborar qualquer plano de execução do referido trabalho, por o arguido se encontrar sucessivamente privado da liberdade em cumprimento de penas de prisão efetiva. Temos ainda que, da conjugação do ofício que antecede com o certificado de registo criminal atualizado do arguido resulta que o mesmo iniciou recentemente (a 04.11.2023) o cumprimento de uma nova pena de prisão, desta feita com a duração de 2 anos e 6 meses, no âmbito do processo n.º 165/22.0 PDPRT, do Juízo Central Criminal do Porto – J12.
Ora, não sendo a insuficiência económica invocada pelo arguido um requisito material para a procedência desta substituição de pena, todavia, já o é a circunstância de o condenado se encontrar livre na sua pessoa, uma vez que se trata de uma pena de execução em liberdade.
Como tal, temos que não deve ser substituída por trabalho a favor da comunidade o cumprimento da pena de multa se o condenado se encontra em cumprimento de pena de prisão, por se diluir no cumprimento desta e não deverem ser cumuladas.
Neste sentido, entre outros:
- O Acórdão da Relação de Coimbra de 27.03.2019, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“Por existir incompatibilidade entre a prestação de trabalho a favor da comunidade – no caso, decorrente da substituição da pena de multa – e a privação da liberdade, estando o arguido preso preventivamente ou em cumprimento de pena, faltam os pressupostos que permitem a aplicação da dita medida.”
- O Acórdão da Relação do Porto de 05.11.2014, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I – Não deve ser substituída por trabalho a favor da comunidade (artº 48º1 CP) o cumprimento da pena de multa se o condenado se encontra em cumprimento de pena de prisão, por se diluir no cumprimento desta e não deverem ser cumuladas;
II – A prestação de trabalho em substituição do cumprimento da pena de multa tem como pressuposto que o condenado se encontre em liberdade e que o trabalho assuma uma restrição dessa liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas.
- O Acórdão da Relação do Porto de 26.10.2017, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:
“I - Estando o arguido a cumprir pena de prisão efectiva no EP não é permitido cumular a pena de prisão com a prestação de trabalho a favor da comunidade, para cumprimento simultâneo no EP de uma pena de multa.”
Temos assim que, não se mostra legalmente admissível cumular a pena de prisão que se executa com uma pena de prestação de trabalho (forma de execução de uma pena de multa), em cumprimento simultâneo.
Pelo exposto, atenta a inadmissibilidade do requerido, indefere-se a anteriormente requerida pelo arguido substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
Notifique.”
Vejamos.
Importa assim decidir e discutir sobre a questão possibilidade/legalidade do cumprimento da pena de prisão substituída por multa, por prestação de trabalho no interior do próprio EP, durante ou em simultâneo com a pena de prisão efetiva; ou a possibilidade/legalidade do cumprimento da pena de multa de substituição por trabalho a prestar findo o cumprimento da pena de prisão efetiva, o que pressupõe um diferimento daquela para momento posterior.
Quanto à admissibilidade do cumprimento do trabalho neste tipo de penas, é pacífico a sua admissibilidade como resulta do Acórdão do STJ n.º 7/2016.

A maioria da jurisprudência como exposto no despacho recorrido e que defendemos não admite tal possibilidade.
A jurisprudência em sentido oposto, minoritária, nomeadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.11.2009 disponível em www.dgsi.pt.,admite tal possibilidade de cumprimento de prestação de trabalho enquanto cumpre pena de prisão em conjunto com o cumprimento da prisão efetiva, caso existam essas condições, o que pode ocorrer na situação em que o arguido tenha saídas precárias.
Efetivamente, dispõe o artigo 76.º n.º1, do Código de Execução de Penas, quanto aos tipos de saídas precárias que: podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, as mesmas são licenças de saída jurisdicionais ou administrativas. E de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito legal, as licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade.
De acordo com o n.º 3 do artigo 76.º do Código de Execução de Penas, as licenças de saída administrativas compreendem: a) Saídas de curta duração, para manter e promover os laços
familiares e sociais; b) Saídas para realização de atividades; c) Saídas especiais, por motivos de particular significado humano ou para resolução de situações urgentes e inadiáveis; d) Saídas de preparação para a liberdade.
Por sua vez o artigo 79.º n.º 2, do Código de Execução das Penas prevê que as licenças de saída jurisdicionais podem ser concedidas quando cumulativamente se verifique :a) O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos; b) A execução da pena em regime comum ou aberto; c) A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva; d) A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido.
E do n.º3 dispõe que, nos casos de execução sucessiva de penas de prisão ou de pena relativamente indeterminada, o sexto e o quarto da pena determinam-se, respetivamente, em função da soma das penas ou da pena que concretamente caberia ao crime.
O período cada licença de saída não pode ultrapassar o limite máximo de cinco ou sete dias seguidos, consoante a execução da pena decorra em regime comum ou aberto, a gozar de quatro em quatro meses.
Ora, é precisamente por existir uma álea, quanto à verificação dos pressupostos para a concessão da licença administrativa ou jurisdicional pelo Tribunal de Execução de Penas e seu tempo de duração, que entendemos que o arguido não poderá dessa forma cumprir o trabalho em substituição da multa em liberdade, nos períodos de tempo concedidos, porquanto sempre dependente de solicitação à DGRSP e ao TEP e ponderação dessa aplicação caso o mesmo reúna os requisitos para beneficiar de tais licenças.

E isto sem olvidar que a possibilidade do arguido poder cumprir a prestação de trabalho em período de licenças de alguma forma conflitua com os objetivos da sua concessão, sem esquecer que as mesmas se inserem no âmbito do cumprimento da pena de prisão, tanto mais que o período das licenças corresponde a cumprimento de pena.

A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.

Este regime tem aplicação:
- se ao condenado dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos e o mesmo nisso consentir e
- a requerimento do condenado, com vista à substituição, total ou parcial, de pena de multa que lhe foi imposta.

Sendo esta última situação a que está em causa nos autos, com o acrescento de que o condenado se encontra em cumprimento de uma pena de prisão.

Dada a similitude entre o caso dos autos e aquele que foi tratado no Acórdão do TRP de 11.05.2014, Relator Desembargador Augusto Lourenço, disponível in www.dgsi.pt. passamos a segui-lo de perto, por concordarmos com a jurisprudência ali expendida.
«Relativamente ao cumprimento da pena de multa, estabeleceu-se um conjunto de etapas, normativamente ordenadas de forma sucessiva, no sentido de se alcançar o pagamento da quantia económica que traduz aquela forma de sanção, afastando-se a pena privativa da liberdade como alternativa e vincando-se o seu carácter subsidiário, (cfr. artº 47º a 49º, do cód. penal).

Consequentemente, para além do normal pagamento voluntário no prazo legal estatuído, consagrou-se ainda a possibilidade de pagamento diferido e em prestações, quando a situação económica e financeira do condenado o justifique (art. 47º n º 3 do cód. penal) e a substituição total ou parcial por dias de trabalho sempre que se entenda que tal forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 48º nº 1).
Na falta de cumprimento voluntário por qualquer dessas vias segue-se a execução patrimonial e, só em caso de frustração desta, ocorre a conversão da multa em prisão subsidiária cuja execução poderá, ainda, ser evitada mediante o pagamento da quantia devida ou suspensão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta (artº 491º nº 1, do cód. proc. penal e 49º nº 1, 2 e 3, do cód. penal).»
Dispõe o art. 48º nº 1 do Cód. Penal:
1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
No caso concreto o arguido foi condenado em pena de prisão que foi substituída por multa e requereu tempestivamente substituição desta por dias de trabalho a favor da comunidade.

Todavia, como vimos o recorrente condenado encontra-se preso em cumprimento de pena à ordem de outro processo.

Como se assinala no acórdão deste TRP que vimos seguindo “A resposta, prende-se com a natureza da medida e com a finalidade última da aplicação das penas, devendo por isso indagar-se, nestes casos, se a prestação de trabalho dentro do próprio estabelecimento prisional onde o condenado se encontra preso, como pena substitutiva da pena de multa, satisfaz de forma adequada as finalidades da punição.
Não obstante a existência de alguma jurisprudência que admite tal possibilidade, (cfr. Ac. Trib. Rel. Lisboa de 16.11.2009 disponível em www.dgsi.pt), propendemos para a tese maioritariamente aceite que a recusa, (cfr. Ac. do Trib. Rel Guimarães de 11.07.2013 disponível em www.dgsi.pt) uma vez que, estando o arguido preso em cumprimento de pena, falecem os pressupostos que permitem a aplicação de tal medida punitiva, a qual, a aceitar-se nos termos requeridos, seria desvirtuar a sua finalidade, uma vez que se diluía no cumprimento de outra pena - a de prisão - quando é sabido que os reclusos exercem muitas vezes diversas tarefas similares dentro dos próprios Estabelecimentos Prisionais, sem que isso assuma natureza de prestação de trabalho a favor da comunidade e muito menos medida punitiva.
Como decorre da interpretação literal da própria norma, o legislador previu tal pena no pressuposto de que o arguido se encontre em liberdade e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas actividades laborais impostas; só assim a prestação de trabalho comunitário poderá cumprir a sua finalidade, o que não aconteceria se a cumulássemos com o cumprimento da pena de prisão enquanto esta decorre e no mesmo estabelecimento.»
Concordamos com o expendido.
Acresce que dada a diferente natureza das penas não são as mesmas cumuláveis, pelo que sempre haveria de dificuldades intransponíveis decorrentes do facto de as penas deverem ser sucessivamente cumpridas, ver a este propósito Ac R. P. de 26-10-2017 in www.dgsi.pt “Salvo melhor entendimento, parece-nos claro que, estando o recorrente a cumprir pena de prisão efectiva em Estabelecimento Prisional, não faz sentido, nem é legalmente permitido, vide o artigo 77º, n.º3, desconhecendo-se se os respectivos crimes estão ou não em concurso, cumular a pena de prisão com a pena de prestação de trabalho comunitário para cumprimento em simultâneo, dentro do próprio estabelecimento, face à diferente natureza de cada uma das penas, o respectivo grau de gravidade e objetivos que perseguem.”

Quanto à invocada violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.
Tendo em atenção quer o disposto no artigo 13º quer o artigo 20º da CRP e levando em conta, para o que ao caso interessa, que a vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade na dimensão de igualdade de aplicação do direito aos cidadãos através dos tribunais, tem as suas manifestações mais relevantes na aplicação de igual direito a casos idênticos e na utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus «poderes discricionários» (fixação de penas, montantes de indemnização, etc) - vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I” – 4ª edição revista – 2007, pág. 338. – cumpre referir que, no caso concreto, e como se escreve no referido Ac. do TRP “não se pode comprar o que a priori não é comparável nem parte de situações igualitárias entre cidadãos. Uma coisa é estar em liberdade e outra é estar legal e legitimamente preso em cumprimento de pena. A violação do princípio da igualdade só ocorreria se, estando os dois cidadãos em iguais condições (de liberdade ou de prisão) se negasse a um o que outro se concedeu.”
Onde se vê injustiça relativa vemos, nós, mera descriminação positiva baseada em circunstâncias diversas, nomeadamente o facto de o arguido se encontrar preso em cumprimento de uma pena de prisão, sendo a sua liberdade condição de aplicação da pena substitutiva, e os eventuais condenados a quem seja concedida a pretendida substituição, em liberdade.”
No mesmo sentido Ac. RC de 25.09.19 “Estando o recorrente a cumprir uma pena de prisão efetiva que impõe, necessariamente, determinadas obrigações, sendo a mais restritiva delas a privação da sua liberdade, não se mostra lógico e compatível com a ratio do cumprimento desta pena de prisão, o cumprimento em simultâneo, em regime cumulativo, da dita pena de prestação de trabalho, que importa igualmente determinadas regras e obrigações inerentes a esta prestação de trabalho. E, entre elas, conta-se igualmente, de algum modo, uma afetação do seu tempo, a essa prestação. Se é certo que ambas as penas visam a reintegração do recluso/arguido na comunidade e educação para o direito, cada uma destas penas tem diferentes especificidades que importa cumprir em separado.”
E ainda Ac RC de 27.03.19 publicado na mesma plataforma “Salvo o devido respeito, entendemos que, estando o arguido preso preventivamente ou em cumprimento de pena, falecem os pressupostos que permitem a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Como decorre da interpretação literal da lei, o legislador previu tal pena no pressuposto de que o arguido se encontre em liberdade e que tal trabalho assuma, ainda assim, uma restrição dessa mesma liberdade ao sujeitar-se a determinadas atividades laborais impostas; só assim a prestação de trabalho comunitário poderá cumprir a sua finalidade.
Existe, pois, incompatibilidade entre a prestação de trabalho a favor da comunidade e a privação de liberdade.
E não se diga, como o fazem os defensores da tese oposta, que a não ser assim, se viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da CRP, pois não se pode comprar o que, à partida, não é comparável nem parte de situações igualitárias entre cidadãos.”

Pelo que, entendemos que o cumprimento das horas de trabalho não é admissível por lei na situação de cumprimento de pena de prisão, admitindo-se, todavia, que possa ser deferido o seu cumprimento após o término do cumprimento da pena de prisão e aí sim em situação de liberdade mas constrangido pelo trabalho a desempenhar inexistirá qualquer restrição legalmente prevista para o efeito, e, nada obstará, se houver condições de lhe ser deferida como uma forma até para promover a sua reintegração na sociedade.
Nessa sequência, a decisão que indeferiu a prestação de trabalho em situação de cumprimento de pena de prisão não é violadora das normas previstas nos arts. 45.º, 48.°, 49.°, 58.° e 59.° do CP, desde que tendo presente o normativo legal do art.º 13.° da CRP, se lhe permita fazê-lo após o cumprimento da pena de prisão e por essa via evitando-se que o arguido seja discriminado em relação aos demais que dispõem de património, rendimentos ou familiares dispostos a suportar a multa, nem pode ser arredado do tratamento consentido aos demais cidadãos que, estando em liberdade, querendo, podem prestar trabalho a favor da comunidade, em substituição de uma multa em que sejam condenados.
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2019, onde podemos ler no seu sumário: (…) “II- Tendo a arguida requerido a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, verificados que se mostram os pressupostos dos art°s 47°, n° 3 e 48° do Cód. Penal, não deve tal pretensão ser indeferida, pelo facto de a arguida se encontrar presa a cumprir outra pena de prisão de longa duração. Por um lado, encontrando- se a arguida presa não está em condições de pagar a multa, o que foi, aliás, reconhecido pelo Instituto de Reinserção Social, sendo que por outro lado, também não pode desfavorecer a arguida, sob pena de violação do princípio constitucional da "igualdade" (art° 13°, n° 2 CRP), pois a arguida não pode ser discriminada em relação aos demais reclusos que dispõem de património, rendimentos ou familiares dispostos a suportar a multa, nem pode ser arredado do tratamento consentido aos demais cidadãos que, estando em liberdade, querendo, podem prestar trabalho a favor da comunidade, em substituição de uma multa em que sejam condenados; III- A não ser assim, estar-se-á a atentar contra o respeito pela dignidade da pessoa humana, de que não são excluídos os agentes condenados pela prática de um crime, violando-se proteção constitucionalmente materializada no artigo 1.° da Constituição da República Portuguesa e internacionalmente reconhecida e assegurada em inúmeros instrumentos internacionais de direitos humanos de que Portugal é signatário, bem como violar- se-á o princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa. Adequado e razoável será, ao invés, permitir que o condenado preste o trabalho comunitário que, no todo ou em parte, lhe falte cumprir, logo que seja restituído à liberdade, conditio sine qua non para que tal obrigação possa ser executada.”
É também posição defendida no Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de setembro de 2019, que estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva, pode e deve ser-lhe deferido o início do cumprimento da prestação de trabalho para momento posterior ao cumprimento da pena de prisão, suspendendo-se o prazo de prescrição desta pena, durante o período em que está impossibilitado de o prestar.

Ora, tendo presente que o arguido está a cumprir pena de prisão por de 2 anos e 6 meses, no âmbito do processo n.º 165/22.0 PDPRT, do Juízo Central Criminal do Porto – J12., nada impede que possa prestar trabalho a favor da comunidade findo o cumprimento dessa pena, pelo que se atenderá ao recurso nesta parte.
Face ao supraexposto, deve admitir-se a prestação do trabalho deferida para o termo da pena de prisão que atualmente se encontra a cumprir, revogando o despacho recorrido, determinando substitua por outro naquele sentido.

III – Dispositivo

Por todo o exposto, decide-se julgar procedente o recurso do recorrente M.P. e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida quanto aos fundamentos do indeferimento nela invocados, que deverá ser substituída por outra que aprecie a pretensão do arguido não já quanto à impossibilidade legal do diferimento do cumprimento da prestação de trabalho para o termo do cumprimento da pena de prisão mas tão só quanto à verificação ou não dos demais requisitos exigidos para a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho, ou seja, os exigidos pela parte final do artigo 48º, do Código Penal: quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Sem tributação.

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Sumário:
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Porto, 19-06-2024
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Pedro Vaz Pato