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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
DANOS
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
NEXO DE CAUSALIDADE
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
Sumário
(art.º 663.º n.º 7 do CPC) 1. A junção de documentos com o recurso motivada pela decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, admitida pelo art.º 651.º n.º 1 do CPC, visa acautelar situações excecionais, apenas se justificando se a parte tiver sido surpreendida naquela decisão com um novo elemento de facto ou direito apresentado pelo tribunal, com o qual não pudesse contar, não podendo servir para que a parte venha fazer uso de documentos para prova de factos já alegados, que podia/devia ter junto ao processo anteriormente. 2. No âmbito da responsabilidade da culpa in contrahendo, os danos indemnizáveis são aqueles que resultam da atuação da parte contrária à boa fé, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária. 3. Não obstante a regra, no âmbito da responsabilidade pré contratual, seja a indemnização correspondente ao interesse contratual negativo, na medida em que as partes sabem que as negociações não são vinculativas da celebração do contrato, que ainda se apresenta apenas como uma possibilidade, casos há em que pode haver lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo, designadamente quando o estado das negociações já é adiantado, criando uma situação de confiança na realização do negócio, devendo recorrer-se ao regime geral da obrigação de indemnizar, previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil. 4. O tempo que os dois Diretores da A. despenderam com as negociações dos imóveis não constitui um dano indemnizável, uma vez que nada se apurou no sentido da A. os ter remunerado adicionalmente por esse serviço realizado no âmbito das suas funções, concretizado no próprio interesse da A. e na expetativa da aquisição futura dos imóveis, não estando minimamente indiciado que a sua situação patrimonial e financeira fosse diferente e mais desfavorável daquela que teria se aqueles não tivessem despendido tempo naquelas negociações. 5. O nexo de causalidade, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar, está previsto no art.º 563.º do C.Civil que vem consagrar o princípio da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - é assim necessário, não só que o evento causador do dano, ação ou omissão do agente, tenha determinado a ocorrência do dano, mas também que surja como causa provável ou adequada do mesmo. 6. Existe obrigação da R. indemnizar a A. pelas despesas que esta teve com as negociações da compra do imóvel, apenas a partir do momento em que as partes acordaram na realização do contrato promessa de compra e venda, só faltando redigir e assinar o documento respetivo, mas não pelas despesas realizadas antes disso, que não apresentam um nexo causal com a violação do dever de lealdade da R., pois só a partir daquele momento pode dizer-se que a R. com o seu comportamento criou na A. a expetativa séria de vir a celebrar o contrato promessa de compra e venda. 7. Só existe obrigação de indemnizar relativamente aos prejuízos que a A. teve, a partir do momento em que viu goradas pela R. em violação do princípio da boa fé, as suas fundadas expectativas de realizar o negócio, sendo que num primeiro momento há uma série de diligências que são por ela efetuadas no seu interesse exclusivo, que se reportam à obtenção de elementos ou informação que a mesma tem como necessários ou úteis para formar a sua decisão de contratar e que, nessa medida, não resultam da quebra da confiança na celebração do negócio, que apenas se forma num estado mais adiantado das negociações, não podendo qualificar-se como danos indemnizáveis aquelas despesas por não se verificar quanto a elas o nexo de causalidade com o facto ilícito imputado à R. 8. Considera-se que a conduta ilícita da R., violadora da expectativa da A. de vir a celebrar o contrato promessa de aquisição do seu prédio, não constituiu uma causa adequada para a realização das despesas que a A. veio a fazer mais tarde com a sua opção de negociar e adquirir outro imóvel, não se verificando quanto a eles o nexo causal previsto no art.º 563.º do C.Civil necessário à constituição da obrigação de indemnizar.
Texto Integral
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
Vem a R … S.A. intentar a presente ação declarativa de condenação contra B.P. – B …, S.A., C … e D …, pedindo a sua condenação solidária ou conjunta, no pagamento da quantia de € 285.192,00 acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que a 1ª R. era proprietária de um prédio e de uma fração em Lisboa, que pretendia vender, sendo o 2º R. seu administrador e o 3.º R. seu filho e a pessoa incumbida de vender o Imóvel. Tendo a A. ficado interessada naquela aquisição foram encetadas e desenvolvidas negociações, tendo os RR. súbita e inesperadamente quebrado as mesmas, quando faltava apenas a confirmação e assinatura do contrato promessa de compra e venda, negociando a venda do imóvel com outrem, em violação das regras da boa fé, com isso causando prejuízos à A., que contabiliza da seguinte forma:
i. Tempo / custo de funcionários da Autora no âmbito da negociação da aquisição do Imóvel na Rua …, n.º … – EUR 19.984,00;
ii. Honorários pagos à consultora R … S.A. no âmbito da negociação da aquisição do Imóvel na Rua …, n.º … – EUR 11.800,00;
iii. Honorários pagos a Advogados no âmbito da negociação da aquisição do Imóvel na Rua …, n.º … – EUR 5.000,00;
iv. Tempo / custo de funcionários da Autora no âmbito da procura de solução alternativa à aquisição do Imóvel na Rua …, n.º …, após a quebra das negociações – EUR 19.128,00;
v. Honorários pagos a consultores no âmbito da procura de solução alternativa à aquisição do Imóvel na Rua …, n.º …, após a quebra das negociações – EUR 6.027,00;
vi. Valor que a Autora acabou por ter de gastar no negócio de aquisição dos seis pisos na Avenida …, … e …, incluindo obras nos pisos e nas zonas comuns – EUR 191.250,00;
vii. Tempo / custo de funcionários da Autora no âmbito da negociação da aquisição dos seis pisos na Avenida …, n.º … e … – EUR 20.912,00;
viii. Honorários pagos a consultores no âmbito da negociação da aquisição dos seis pisos na Avenida …, n.º … e … – EUR 2.091,00
ix. Honorários pagos a Advogados no âmbito da negociação da aquisição dos seis pisos na Avenida …, n.º … e … – EUR 9.000,00
Os RR. foram devidamente citados e vêm contestar concluindo pela improcedência do pedido. Começam por invocar a invalidade dos documentos juntos pela A. que representam a correspondência trocada entre os mandatários das partes, sujeita ao sigilo profissional. Impugnam os factos alegados, mais referindo que contactaram algumas empresas de mediação imobiliária com vista à pretendida venda dos imóveis, sem cláusula de exclusividade, salientando que os imóveis não seriam reservados a favor de qualquer interessado antes da celebração do contrato promessa e que venderiam a quem apresentasse a proposta mais elevada. Dizem que cumpriram o dever de lealdade e que não violaram as regras da boa fé, sendo que em qualquer causa a indemnização admitida seria apenas pelo interesse contratual negativo, nunca podendo ser responsabilizados pelos prejuízos que a A. possa ter tido com a aquisição de outro imóvel.
A A. vem responder concluindo pela improcedência da arguição da nulidade dos documentos que refere não conterem informação confidencial sujeita ao sigilo profissional.
Foi realizada a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador que afirmou a regularidade da lide, foi identificado o objeto do litígio e selecionados os temas de prova e foram admitidos os documentos juntos aos autos pelo A. no entendimento de que tal não configura a violação do sigilo profissional.
Teve lugar a audiência de julgamento com observância dos formalismos legais.
Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o pedido da A., dele absolvendo os RR.
É com esta sentença que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente, juntando seis novos documentos e formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. A decisão proferida quanto à matéria de facto desconsidera as regras da experiência, sendo o crivo ultra restritivo aplicado pelo Tribunal quanto ao standard de prova dos danos exigido, incompatível com as boas prácticas negociais e com a boa fé nas negociações que devem orientar uma sociedade moderna e que o legislador pretendeu incentivar ao consagrar a responsabilidade pré-contratual;
B. O mesmo se refira quanto à decisão sobre a matéria de direito, sendo o crivo aplicado ao conceito de danos indemnizáveis e quanto ao nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano causado igualmente incompatível com as boas prácticas negociais e com a boa-fé nas negociações;
Impugnação da matéria de facto
- alteração para “provado” dos pontos 1, 2, 5, 6, 8 e 9 da lista de factos não provados
C. A prova testemunhal gravada, designadamente o depoimento de F … aos minutos 00:46:32 do depoimento da testemunha F …, prestado em 09.10.2023, impõe a alteração da resposta dada aos artigos 59.º, 62.º, 68.º, 69.º, 76.º e 77.º, todos da petição inicial, e cujo teor corresponde aos pontos 1, 2, 5, 6, 8 e 9 da lista de factos não provados;
D. A circunstância de a testemunha F … não se recordar do número concreto de horas perdidas por si e pelo senhor E … com todo o processo (visitas ao imóvel da Rua …, n.º …, análise de documentação, trocas de comunicações e negociação com RR., visitas a imóveis alternativos com análise de respectiva documentação, visitas aos imóveis sitos na Av. …, n.º … a …, análise de respectiva documentação e negociação com vendedores) apenas implica que não se possa considerar provado o concreto número de horas alegado, porém, tendo o mesmo sido peremptório a afirmar que foram despendidas várias horas, em face do seu depoimento – para além de que resulta das regras da experiência – impunha-se que tal resultasse provado;
E. A prova de tal facto, mesmo sem a concretização das horas, permitiria ao tribunal condenar a R. no pagamento de indemnização equitativa ou, no limite, relegar para incidente de liquidação o apuramento do concreto n.º de horas que aqueles perderam;
F. Devendo a resposta a dar pelo Tribunal ser necessariamente diferente daquela que foi dada, sugere-se para o efeito, que sejam aditados 3 novos factos à lista de factos provados, com o seguinte teor:
• “59 - provado apenas que os senhores F … e E … despenderam várias horas em visitas ao imóvel da Rua …, n.º …, análise de documentação referente ao imóvel, comunicações com a mediadora e prestadores de serviços referentes ao imóvel, reunião de negociação com os Réus, não tendo sido apurado o número concreto de horas”;
• “60 - provado apenas que por causa da ruptura das negociações para compra e venda do imóvel sito na Rua …, n.º …, os senhores F … e E … tiveram de despender várias horas na análise de imóveis alternativos, não tendo sido apurado o número concreto de horas”;
• “61 - provado apenas que após a ruptura das negociações para compra e venda do imóvel sito na Rua …, n.º …, e por causa desta, os senhores F … e E … tiveram de despender várias horas em visitas ao imóvel sito na Rua …, que a Autora acabaria por comprar, com a análise de documentação referente ao imóvel, comunicações com a mediadora e prestadores de serviços referentes ao imóvel, reunião de negociação com novos vendedores, não tendo sido apurado o número concreto de horas”
- Alteração para “provado” do ponto 3 da lista de factos não provados
G. A prova testemunhal produzida em julgamento, por um lado, e uma interpretação correta dos documentos n.º 26 e 27 juntos com a petição inicial, impõem a alteração para “Provado” da resposta dada pelo Tribunal ao facto alegado sob o artigo 65.º da petição inicial e que, erradamente, integrou o ponto 3 da lista de factos não provados constante da sentença.
H. O documento n.º 26 é uma factura emitida por uma entidade terceira a este litígio, a empresa Q …, Lda., que no seu “descritivo” contém a menção “Adjudicação Projecto Imóvel R. …”, a qual não foi impugnada pelos RR., sendo das mais elementares regras da experiência que as empresas não emitem facturas só porque sim, desde logo porque a mera emissão da factura dá lugar ao pagamento de impostos, nomeadamente o IVA.
I. Ainda que não se referindo especificamente à factura, foi confirmado pelas testemunhas F … – aos minutos 00:07:47, prestado em 09.10.2023 – e G … – aos minutos 00:01:43, prestado em 09.10.2023 –, que os serviços a que se refere o artigo 65.º da petição inicial foram prestados, sendo ainda inequívoco que foi produzido o referido relatório técnico, cfr. Documento n.º 1, que se junta;
J. A circunstância de o valor constante do comprovativo de transferência junto como Documento n.º 27 da petição inicial (documento este que não foi impugnado pelos RR.) não significa que tal transferência não tenha sido usada para pagar a factura junta como Documento n.º 26 da petição inicial, antes se devendo ao facto de estarem a pagamento outros valores além daquele (cfr. Documento n.º 2 que se juntou com as alegações), não sendo crível que caso a factura não tivesse sido liquidada a referida R …, S.A., aceitasse continuar a prestar serviços à Autora;
K. Apesar de estarmos perante meios prova livremente apreciáveis, o standard de apreciação da prova não pode ser restrito ao ponto de se desajustar da realidade diária das pessoas e das empresas, resultando da experiência que, comportando a emissão de uma fatura uma obrigação fiscal, um homem médio, no seu perfeito juízo, não emite uma factura só porque sim;
L. Donde, deverá a resposta dada ao facto constante do n.º 3 da lista dos factos não provados ser alterada para “provado”, passando assim a constar dos factos provados um novo facto provado n.º 62, com tal teor ou, caso assim não se entenda, o que não se concede, com o seguinte teor que se sugere:
“A empresa R …, S.A. facturou à Autora o montante de EUR 19.157,25 (dezanove mil, cento e cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), pelos serviços prestados relativamente ao imóvel sito na R. …”
- Alteração para “provado” dos pontos 4 e 10 da lista de factos não provados
M. Também quanto ao alegado nos artigos 66.º e 79.º da petição inicial, cujo teor corresponde ao constante dos pontos 4 e 10 da lista de factos não provados, se impõe a alteração da sentença recorrida e que os mesmos passem a integrar a lista de factos provados;
N. A circunstância de não ter sido junto aos autos um recibo a dar quitação desse valor não deverá ser tida como presunção invertida de não pagamento, ou seja, se é certo que a existência de um recibo de quitação faz presumir que o pagamento foi realizado, nem por isso a sua inexistência deverá fazer presumir que o pagamento não foi realizado;
O. Estando no domínio da livre apreciação da prova, importa analisar os documentos juntos (e não impugnados) em concatenação com os restantes meios de prova produzidos e ainda com as regras da experiência e presunções judiciais, devendo atender-se, neste particular, ao afirmado por F …, aos minutos 00:48:46 do seu depoimento, e ao referido pela testemunha H …, aos minutos 00:03:20 e ss., primeiro, e 00:18:00 e ss., do seu depoimento;
P. Deverá ser admitido, e como tal considerado para efeitos de prova do alegado sob os artigos 66.º e 79.º da petição inicial e, bem assim, para efeitos de impugnação dos pontos n.º 4 e 10 da lista de factos não provados a factura-recibo emitida pelo escritório da Dra. H …, que englobava, entre outros, os serviços prestados no âmbito da negociação da aquisição do imóvel sito na R. …, cuja junção se tornou necessária em virtude do julgamento em 1.ª instância (cfr. Documento n.º 3);
Q. Revista a prova, deverá a resposta dada aos factos constante do n.º 4 e n.º 10 da lista dos factos não provados ser alterada para “provado”, passando assim a constar dos factos provados dois novos factos, n.º 63 e n.º 64, que correspondam respectivamente ao teor dos artigos 66.º e 79.º da petição inicial ou, caso assim não se entenda, o que não se concede, com o seguinte teor que se sugere:
“A Dra. H …, advogada da Autora, emitiu Nota de Honorários no montante total EUR 17.392,20 (dezassete mil, trezentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos) (cfr. Documento n.º 28 junto com a petição inicial), correspondendo € 5.000,00, acrescido de IVA, aos serviços prestados no âmbito da negociação referente à aquisição do Imóvel sito na R. …, n.º …, e € 9.000,00, acrescido de IVA, aos serviços prestados no âmbito da negociação referente à aquisição do Imóvel sito na Av. ….”
- Alteração para “provado” do ponto 7 da lista de factos não provados R. O anteriormente alegado a propósito do valor probatório dos documentos juntos, pode aplicar-se à impugnação da decisão que julgou não provado o alegado no artigo 70.º da petição inicial e que integrou o ponto 7 da lista de factos não provados, tanto mais que pese embora o artigo tenha sido impugnado, o documento junto não foi;
S. É inequívoco que a empresa que emitiu as facturas juntas como documentos n.º 29 e n.º 30, que é terceira nestes autos, prestou os serviços descritos na factura e que os mesmos representam um custo que a Autora não teria de suportar caso a R. não tivesse quebrado inusitadamente as negociações, sendo, salvo o devido respeito, irrelevante para o efeito a circunstância de o valor ser superior ao das facturas emitidas, sendo perfeitamente razoável e verosímil que o comprovativo de transferência constante do documento n.º 31 englobasse o pagamento de outros serviços não reclamados nestes autos;
T. Estando em causa a livre apreciação da prova, além dos documentos juntos há que considerar também que a testemunha I …, funcionário da empresa que emitiu as facturas juntas com documentos n.º 29 e 30, confirmou que a referida empresa prestou serviços à Autora;
U. Daí que se imponha dar como provado o alegado no artigo 70.º da petição inicial, retirando-se da lista de factos não provados da sentença o ponto n.º 7, e aditando-se à lista de factos provados um novo facto n.º 65, que corresponda ao teor do artigo 70.º da petição inicial ou, caso assim não se entenda, o que não se concebe, um novo facto provado com o seguinte teor que se sugere:
“A consultora Duff&Phelps emitiu duas facturas, juntas como Documentos n.º 29 e n.º 30 da petição inicial, no montante de EUR 3.013,50 (três mil e treze euros e cinquenta cêntimos), cada uma, relativas aos serviços elencados nas mesmas”.
- Alteração para “provado” do ponto 12 da lista de factos não provados
V. A prova do alegado no artigo 82.º da petição inicial – cujo teor corresponde ao ponto n.º 12 da lista de factos não provados – além de decorrer da leitura cuidada do Documento n.º 35 junto com a Petição Inicial, resulta também do depoimento das testemunhas I …, aos minutos 00:07:18, F …, aos minutos 00:44:21, e G …, aos minutos 00:04:50;
W. Correctamente analisada a prova produzida, nomeadamente os trechos da gravação dos depoimentos acima referidos, impõe-se alterar a resposta dada ao artigo 82.º da petição inicial, ainda que devendo a redacção do mesmo passar a constar pela positiva (não fazendo sentido dar-se como provado um facto negativo), sugerindo-se assim a seguinte redacção para o novo facto provado:
“66 - Os pisos comprados necessitavam de obras para ficarem em condições de ali ser instalado um escritório.”
- Alteração para “provado” do ponto 13 da lista de factos não provados
X. Relativamente ao alegado no artigo 86.º da petição inicial, resultava já de forma inequívoca do Documento n.º 35 junto com a petição inicial que o empreiteiro J …, Lda., havia emitido as facturas que compõem aquele documento, e que não foram impugnadas pelos RR;
Y. E, sendo certo que não havia ainda sido junta a declaração de quitação, o depoimento de F …, aos minutos 00:44:21, já deixava adivinhar a ordem de grandeza dos montantes gastos pela Autora com as intervenções realizadas no edifício da Av. …, n.º … e …, em Lisboa;
Z. Porém, em virtude do decidido em primeira instância justifica-se plenamente a junção aos autos do documento particular autenticado – objectivamente superveniente – que contém uma declaração de quitação subscrita por aquele empreiteiro, listando, entre outros, os valores pagos relativamente às facturas que compõem o Documento n.º 35 junto com a petição inicial, e que ora se junta como Documento n.º 4;
AA. Termos em que deverá o facto constante do ponto 13 da lista de factos não provados ser incluído na lista de factos provados com a seguinte redacção:
“67 - Para conseguir adequar os pisos às suas necessidades a Autora teve de gastar EUR 906.891,35 (novecentos e seis mil, oitocentos e noventa e um euros e trinta e cinco cêntimos) em obras”;
- Alteração para “provado” do ponto 14 da lista de factos não provados
BB. Quanto ao ponto 14 da lista de factos não provados, a decisão de se responder “não provado” ter-se-ia justificado por se entender que o documento 37 junto com a petição inicial, sendo uma mera proposta, não tinha a virtualidade de provar o que era alegado no artigo 87.º da petição inicial;
CC. Em virtude de tal resposta do tribunal, a Autora logrou obter junto da entidade terceira que prestou os serviços em causa a declaração constante do documento particular autenticado – objectivamente superveniente – que ora se junta como Documento n.º 5, o qual prova plenamente os valores que foram pagos pela Autora àquela por projectos e serviços de fiscalização e que até excedem os que haviam sido alegados no artigo 87.º da petição inicial.;
DD. Assim, deverá ser aditado aos factos provados, um novo facto provado n.º 68, com o teor do artigo 87.º da petição inicial, ou alternativamente com o seguinte teor:
“A Autora incorreu em custos com o projecto e com a fiscalização de valor superior a EUR 48.800,00 (quarenta e oito mil e oitocentos euros)”
- Alteração para “provado” do ponto 15 da lista de factos não provados
EE. Quanto ao artigo 88.º da petição inicial, cujo teor corresponde ao ponto n.º 15 dos factos não provados, aceita-se o entendimento da sentença recorrida, todavia, em face da mesma a Autora logrou obter da entidade terceira que lhe prestou serviços de elaboração de projectos relativos às zonas comuns e parte dos seus imóveis sitos na Av. …, … a …, em Lisboa, a declaração de quitação que se junta como Documento n.º 5, cujas assinaturas dos gerentes com poderes para o acto se encontram reconhecidas;
FF. Perante o teor de tal documento objectivamente superveniente e cuja junção se tornou necessária em virtude da sentença proferida em primeira instância, deverá suprimir-se o ponto 15 da lista de factos não provados e aditar-se um novo facto provado, com o n.º 69, cujo teor resulta do documento n.º 6 ora junto, sugerindo-se para o efeito a seguinte redacção: “Provado apenas que a Autora pagou à sociedade L …, Lda., por projectos relativos às obras realizadas nos 4.º a 9.º pisos do edifício sito na Av. …, n.º … a …, o montante de EUR 58.120,27 (cinquenta e oito mil, cento e vinte euros e vinte e sete cêntimos), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e por projectos relativos a intervenções nas zonas comuns do mesmo edifício o montante EUR 7.330,00 (sete mil, trezentos e trinta euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.”
- Alteração para “provado” do ponto 16 da lista de factos não provados
GG. Quanto ao ponto 16 da lista de factos não provados, que corresponde ao alegado pela Autora no artigo 89.º da sua petição inicial, o mesmo deveria ter sido julgado provado, impondo a prova testemunhal produzida – i.e. se o depoimento da testemunha F …, prestado em 09.10.2023, aos minutos 00:05:08, G …, aos minutos 00:03:33 do seu depoimento, prestado em 09.10.2023, e I …, aos minutos 00:03:29 do seu depoimento, prestado na audiência de 09.10.2023 – a alteração da resposta dada para “Provado”;
HH. Na verdade, mais relevante do que a conclusão de que o imóvel sito na R. …, …, não precisava de obras, era, para efeitos desta acção, perceber a diferença entre o que seria necessário num caso (o da R. …, …) e noutro (o da Av. …), sendo que as testemunhas foram peremptórias ao assinalar as diferenças e quanto a um estar em óptimo estado, praticamente pronto a ser utilizado, e o outro carecer de obras profundas;
II. Assim, requer-se ao tribunal que, com base na reapreciação da prova gravada, em particular dos trechos acima assinalados, altere a resposta dada, aditando um novo facto provado n.º 70, com o seguinte teor:
“No Imóvel da Rua …, n.º …, a Autora não teria de realizar quaisquer obras”.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
JJ. A discordância da Recorrente relativamente à matéria de direito está circunscrita à questão dos danos que deverão ser ressarcidos ao abrigo do instituto da responsabilidade civil pré-contratual, discordando-se da acepção restritiva defendida pelo tribunal a quo na sentença recorrida;
KK. O primeiro conjunto de montantes que, contrariamente ao Tribunal, a Autora considera que correspondem a um dano indemnizável tem que ver com o tempo que os seus directores tiveram de despender com a negociação inusitadamente quebrada;
LL. O tempo que os directores da Autora perderam com as diligências de negociação frustradas / e tendentes às negociações concretizadas, foi tempo que os mesmos deixaram de poder usar no desenvolvimento do negócio da Autora, isto é, no exercício das especificas funções para os quais os mesmos foram contatados, e nessa medida há um verdadeiro dano para a Autora manifestamente causado pela quebra ilegítima das negociações, que é imputável aos Réus;
MM. O segundo conjunto de danos alegados que a Autora considera deverem ser atendidos no domínio da responsabilidade civil pré-contratual, são os relacionados com o tempo que os seus directores perderam com as negociações subsequentes ao, e que só ocorreram por causa do, inesperado romper de negociações por banda dos RR, sendo manifesto o nexo causal entre o facto e o dano;
NN. Não tendo o director geral e o director comercial da Autora a capacidade de estar em dois locais ao mesmo tempo ou de simultaneamente desenvolver o negócio de compra, venda e distribuição de gás e visitar imoveis e analisar a respectiva documentação com vista à aquisição da nova sede da Autora, afigura-se evidente que o tempo que aqueles gastaram com a procura de alternativas ao negócio ilicitamente quebrado é tempo que os mesmos deixaram de imputar à prossecução do objecto social desta e, em particular, às áreas e tarefas para os quais estes foram contratados;
OO. Mais relevante do que a duração das negociações goradas, é a fase em que as mesmas se encontravam aquando da inesperada quebra por banda dos Réus, em que não estava apenas em causa a convicção de que as negociações estavam bem encaminhadas, mas mais do que isso, havia verdadeira convicção de que as negociações estavam encerradas e de que o negócio seria, a muito breve trecho, formalizado;
PP. Atendendo às especificas circunstâncias da quebra de negociações – conforme decorre dos factos provados – afigura-se perfeitamente adequado e legítimo neste caso que a Autora seja compensada pelo dano correspondente ao acréscimo de custo que teve com a negociação de um novo edifício, incluindo as obras realizadas;
QQ. Na linha do defendido por, entre outros, Ana Prata, Menezes Cordeiro e Mariana Fontes da Costa, não existe fundamento para, em geral, restringir os danos indemnizáveis ao interesse contratual negativo no quadro da responsabilidade pré-contratual, uma vez que não restringindo o regime jurídico da responsabilidade pré-contratual, plasmado no Código Civil, entre os dois tipos de danos, inexiste fundamento para o fazer;
RR. A ruptura negocial por parte dos RR. surgiu já após existir entre as partes um verdadeiro acordo pré-contratual final, informal, circunstância que torna inaplicáveis ao caso as principais objecções suscitadas pela doutrina à indemnização pelo interesse contratual positivo no âmbito da responsabilidade pré-contratual;
SS. Na reunião de 29.07.2019 as partes finalizaram o acordo quanto aos elementos essenciais do negócio, designadamente quanto ao preço da compra e venda, o que consubstanciou um verdadeiro acordo pré-contratual final, nada mais havendo por negociar ou acordar após aquela reunião, ficando apenas a faltar a formalização do negócio, i.e., a respectiva redacção por escrito, facto em relação ao qual as partes também se encontravam de acordo;
TT. Retira-se dos factos provados que a Autora deixou a reunião na plena convicção de que os RR. iriam celebrar o contrato promessa nos termos acordados, faltando apenas preencher os requisitos de forma exigidos para que o acordo fosse válido, enquanto contrato-promessa de compra e venda, o que foi delegado nos Advogados;
UU. Em caso de ruptura por uma das partes em momento posterior ao acordo pré-contratual final, tanto doutrina como jurisprudência admitem maioritariamente a indemnização da parte lesada pelo interesse contratual positivo, porquanto os obstáculos tradicionalmente apontados para a não admissão da indemnização pelo interesse contratual positivo não serem nestes casos aplicáveis;
VV. Da mesma forma que se admite que o promitente comprador exija o cumprimento do contrato promessa de imóvel que não preencha os requisitos de forma impostos pelo disposto no n.º 3 do art. 410.º do CC (com excepção dos casos em que tenha dado causa ao vício de forma), também nos casos de ruptura do acordo pré-contratual final deve o comprador – aqui Autora e Recorrente – ser ressarcido dos danos causados na medida da frustração do cumprimento, o que equivale a dizer, ser ressarcido na medida do interesse contratual positivo;
WW. A este propósito vejam-se na jurisprudência, por exemplo, os Acórdãos do STJ proferidos no processo n.º 3729/04.0TVLSB.L1.S1, no processo n.º 09A0457, no processo n.º 05B4063, no processo n.º 06B4223, no processo n.º 44/07.1TBGDL.E1.S1, e na doutrina, por exemplo, Carlos Ferreira de Almeida em Contratos I, 5.ª ed., Almedina, 2013, p. 216;
XX. A Sentença Recorrida faz uma incorrecta interpretação do artigo 227.º do CPC, em particular sobre os danos indemnizáveis ao abrigo do mesmo e sobre o nexo de causalidade entre a quebra das negociações e a confiança gerada e os danos incorridos.
Os RR. vêm responder ao recurso, pronunciando-se pela inadmissibilidade dos documentos com ele apresentados, mais pugnando pela sua improcedência e confirmação da sentença proferida.
II. Questão prévia - da admissibilidade da junção dos documentos com o recurso
A A. vem fazer acompanhar o seu recurso de seis documentos, cuja junção requer, com fundamento em que a mesma se tornou necessária em virtude do decidido na 1ª instância, invocando ainda a superveniência objetiva de dois deles.
A R. vem opor-se à junção dos documentos, referindo não ser a mesma legalmente admissível, constituindo uma forma da A. vir agora fazer a prova que lhe competia já ter feito perante o tribunal de 1ª instância.
A junção de documentos ao processo pela parte não é livre, pelo contrário, é devidamente regulamentada pelo legislador, o que acontece também em sede de recurso, estando previstas nos art.º 425.º e 651.º do CPC as situações em que pode ser admitida nesta específica fase processual.
Regendo sobre os documentos e pareceres que podem ser juntos ao processo já na fase do recurso, integrado no capítulo referente à Apelação, dispõe o art.º 651.º do CPC no seu n.º 1: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” O n.º 2 deste artigo prevê a possibilidade das partes juntarem pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
O art.º 425.º do CPC estabelece: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Importa ter em consideração que este art.º 651.º n.º 1 do CPC, que permite à parte juntar documentos com as suas alegações de recurso, visa acautelar situações excecionais, como dela expressamente consta.
A junção de documentos motivada pela decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, apenas se justifica se a parte tiver sido surpreendida naquela decisão com um novo elemento de facto ou direito apresentado pelo tribunal, com o qual não pudesse contar, não podendo servir para que a mesma venha fazer uso de documentos para prova de factos já alegados, que podia ter junto ao processo anteriormente, designadamente no momento processual próprio. A ser assim, teria de concluir-se não existir qualquer limitação temporal na apresentação dos documentos probatórios pela parte, o que seguramente não foi o pretendido pelo legislador.
Sobre a junção de novos documentos pela parte em sede de recurso motivada pelo julgamento proferido pelo tribunal de 1ª instância, e na sequência do que tem sido o entendimento da jurisprudência a este propósito, diz-nos com toda a pertinência o Acórdão do TRP de 29 de maio de 2014 no proc. 254/05.6TBVLP.P1 inwww.dgsi.pt : “O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida. Assim a junção de documentos às alegações da apelação da sentença só poderá ter lugar se a decisão de 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.”
Também neste sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 26 de setembro de 2012 no proc. 174/08.2TTVFX.L1.S1 inwww.dgsi.pt em cujo sumário se refere: “I- A possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, não se tratando de documento ou facto superveniente, só existe para aqueles casos em que a necessidade de tal junção foi criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância. II- A decisão de 1ª instância pode criar, pela primeira vez, tal necessidade quando se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam. III- Só nestas circunstâncias a junção do documento com as alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto no artº 693-B do CPC.”
Ainda a este propósito, diz-nos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 185: “A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”
É à luz deste entendimento que tem de avaliar-se em concreto a admissibilidade da junção dos documentos pela Recorrente, que são os seguintes:
- Doc. 1 - corresponde a um relatório técnico elaborado pela Q …, Ld.ª, datado de junho de 2019, alegando a Recorrente que: “Tal documento visa a prova de um facto instrumental (que foi elaborado o relatório técnico), sendo o facto essencial o relativo à cobrança, pela Q …, Lda, dos montantes titulados pelas facturas juntas como Documentos n.º 26 da petição inicial, e seu subsequente pagamento, conforme comprovativo de transferência junto como Documento n.º 27 da petição inicial.”
- Doc. 2 - corresponde ao aviso de pagamento emitido pela A. com a identificação da Q …Lda. E, com a indicação da realização de pedido de transferência bancária para pagamento de 4 faturas que identifica, incluindo segundo alega a Recorrente, aquela que foi junta como doc.º 26 com a p.i.;
- Doc. 3 - corresponde a uma fatura e indicativo da sua liquidação, por escritório de advogados, que a Recorrente refere integrar a nota de honorários junta como doc. 28 com a p.i.;
- Doc. 4 - corresponde a uma declaração quitação subscrita por J …, Ld.ª, na qual esta entidade confirma que recebeu da A. o valor que aí consta, que a mesma refere estarem titulados pelas faturas juntas como doc. 36 com a p.i.;
- Doc. 5 - corresponde a uma declaração de quitação subscrita pela Q … Ld.ª, datada de 14 de fevereiro de 2024, na qual esta entidade confirma que recebeu da A. o valor das faturas que aí constam relacionadas com as obras realizadas no edifício sito na Av. …, n.º … a …, em Lisboa;
- Doc. 6 - corresponde a uma declaração de quitação datada de 9 de fevereiro de 2024, subscrita pela L …, Ld.ª, na qual esta entidade confirma que recebeu da A., os montantes aí descriminados relativos à preparação de projetos relacionados com obras realizadas quer nas partes comuns, e nos 4.º a 9.º piso do edifício sito na Av. …, n.º … a …, em Lisboa.
No caso, e com referência aos documentos que agora juntou, a Recorrente não veio invocar qualquer impossibilidade da sua junção em momento anterior, designadamente com a contestação onde alegou os factos correspondentes que com os mesmos agora visa fazer prova.
Vem referir, no entanto, que os doc. 5 e 6 são “objetivamente supervenientes”, além de justificar a sua junção, tal como dos restantes documentos 1 a 4, em virtude do julgamento proferido pelo tribunal de 1ª instância, na previsão da parte final do n.º 1 do art.º 651.º do CPC.
Verifica-se que estes doc. 5 e 6 correspondem a declarações de quitação subscritas em fevereiro de 2024, sendo por isso, como refere a Recorrente, objetivamente posteriores ao julgamento em 1ª instância. Contudo, tal não significa que a A. não as pudesse ter junto em momento anterior, na medida em que se tratam de declarações feitas a pedido que se reportam a factos ocorridos vários anos antes, muito anteriores à audiência de julgamento e não a quaisquer factos supervenientes. Aliás tais documentos, na verdade, não são mais do que um depoimento por escrito do seu subscritor a afirmar um pagamento, sem a junção de qualquer recibo.
Não pode por isso dizer-se que se trata de documentos que não podiam ter sido juntos até à audiência final em 1ª instância, conforme a previsão do art.º 425.º do CPC.
O fundamento essencial invocado pela Recorrente para juntar com o recurso os seis documentos em questão é o de que a sua junção se tornou necessária em virtude do que foi decidido na sentença da 1ª instância, fazendo-o ao abrigo do art.º 651.º n.º 1 in fine do CPC.
À luz do entendimento que se expôs, já se vê que tal não pode merecer qualquer acolhimento, constatando-se que com a junção de tais documentos o que a Recorrente pretende é fazer a prova dos factos que anteriormente alegou na sua contestação, o que se torna ainda mais evidente, quando vem fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto que apresenta em tais documentos, com eles pretendendo pôr em causa a decisão do tribunal de 1ª instância quanto aos factos considerados não provados.
A impugnação da decisão da matéria de facto visa a reapreciação da prova produzida no processo, com vista a apurar seu o eventual erro, tem como pressuposto a avaliação dos mesmos meios de prova que estavam à disposição do tribunal no momento da prolação da decisão.
Querendo servir-se dos documentos ora apresentados, a R. podia e devia ter junto os mesmos com a contestação, quando alegou os factos que com eles agora quer fazer prova, nos termos previstos no art.º 423.º n.º 1 do CPC, sendo que em qualquer caso também os podia ter junto até 20 dias antes da audiência de julgamento, ao abrigo do art.º 423.º n.º 2 do CPC
Como se referiu, a junção de documentos em sede de recurso não pode servir para a parte apresentar novos elementos de prova relativamente aos mesmos factos em discussão, que já podia e devia ter junto em momento anterior, sendo precisamente isso que a R. vem fazer, juntando agora documentos que não apresentou oportunamente para instruir os factos que alegou, não estando integrada a previsão do art.º 651.º n.º 1 do CPC que excecionalmente a admite.
Conclui-se que a junção de documentos em sede de recurso pela Recorrente é extemporânea, à luz das normas mencionadas, pelo que não se admite a mesma, não podendo ter-se em conta tais documentos, concretamente na apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada no recurso.
Custas do incidente pela Recorrente.
III. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da decisão da matéria de facto;
- da (in)existência do direito da A. a ser indemnizada pelos danos causados no âmbito da responsabilidade pré-contratual.
III. Fundamentos de Facto - da impugnação da decisão da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, invocando o seu erro quanto aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos não provados cuja alteração requer.
Por terem sido cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 al. a) do CPC, procede-se à apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada, seguindo-se a ordem e agrupamento dos factos organizada pela Recorrente. - Quanto aos pontos 1, 2, 5, 6, 8 e 9 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
1. O Senhor E … despendeu cerca de 48 horas de trabalho a analisar os documentos referentes ao Imóvel Rua …, n.º …, reuniões com a mediadora imobiliária, visita ao imóvel, análise do relatório técnico, reunião com vendedores, viagem a Paris para reunir com sociedade mãe da Autora e troca de correspondência.
2. O Senhor F … despendeu cerca de 32 horas de trabalho na análise dos documentos referentes ao Imóvel na Rua …, n.º …, participar em reuniões com a mediadora imobiliária, as duas visitas ao imóvel, análise do relatório técnico, a reunião com vendedores e troca de correspondência.
5. Com a análise de documentação referente a outros prédios, visitas e reuniões com mediadores e vendedores, despendeu o Director Geral da Autora cerca de 40 horas.
6. Com a análise de documentação referente a outros prédios, visitas e reunido com mediadores e vendedores, despendeu o Director Comercial da Autora cerca de 48 horas
8. Para a concretização do negócio do prédio sito na Avenida … o Senhor E … despendeu cerca de 48 horas.
9. Por sua vez, o Senhor F … despendeu cerca de 40 horas
Pretende a Recorrente que estes factos sejam excluídos dos factos não provados e que se aditem 3 novos pontos aos factos provados com o seguinte teor:
“59 - Os senhores F … e E … despenderam várias horas em visitas ao imóvel da Rua …, n.º …, análise de documentação referente ao imóvel, comunicações com a mediadora e prestadores de serviços referentes ao imóvel, reunião de negociação com os Réus, não tendo sido apurado o número concreto de horas”;
60 - por causa da rutura das negociações para compra e venda do imóvel sito na Rua …, n.º …, os senhores F … e E … tiveram de despender várias horas na análise de imóveis alternativos, não tendo sido apurado o número concreto de horas;
61 - após a rutura das negociações para compra e venda do imóvel sito na Rua …, n.º …, e por causa desta, os senhores F … e E … tiveram de despender várias horas em visitas ao imóvel sito na Rua …, que a Autora acabaria por comprar, com a análise de documentação referente ao imóvel, comunicações com a mediadora e prestadores de serviços referentes ao imóvel, reunião de negociação com novos vendedores, não tendo sido apurado o número concreto de horas”.
Para o efeito a Recorrente invoca como único meio de prova o depoimento da testemunha F …, nos excertos gravados que aponta, referindo que embora o mesmo não tenha sabido concretizar o número de horas despendidas na análise da documentação e negociações com vista à aquisição dos imóveis, é possível concluir que foi um elevado número de horas de trabalho.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma a decisão destes factos: “No que respeita aos factos não provados, o tribunal não conseguiu aferir pelos meios de prova apresentados quais as horas concretas despendidas pelos representantes da Autora nas diligências prévias à aquisição do imóvel da Rua …, pelo que considerou não provados os factos 1 e 2 do elenco referido. (…) No que que se refere a horas concretas despendidas, não foram apresentados meios de prova concludentes no sentido de se confirmar os factos não provados 5 e 6. (No que que se refere a horas concretas despendidas, não foram apresentados meios de prova concludentes no sentido de se confirmar os factos não provados 8 e 9. No que respeita ao facto não provado com o nº 9 o tribunal considerou que a nota de honorários elaborada pela Sra Advogada respeitante aos serviços em causa, não comprova o pagamento dos valores aí constantes, não tendo sido apresentado o respectivo recibo.”
A testemunha F … tem conhecimento direto dos factos a que depôs por trabalhar para a A., sendo seu Diretor Comercial, tendo sido ele que, em conjunto com o Diretor Geral e Administrador da A. E …, procurou e diligenciou pela compra de um imóvel em Lisboa, onde a A. queria vir a instalar-se.
No seu depoimento, designadamente nos excertos da gravação indicados pela Recorrente, o que esta testemunha revela é que com a aquisição dos imóveis ele e F … E … despenderam o que diz ser “um elevado” número de horas, “várias horas”, “algumas horas” que não consegue estimar nem dizer em detalhe. O mesmo refere a troca de e-mails e a realização de reuniões com a mediadora do imóvel dos RR. e com o vendedor, discussões internas de avaliação do prédio, dando de conta de todo um trabalho que a A. teve de repetir mais tarde, relativamente ao imóvel que veio a adquirir na sequência de se ter gorado o negócio com os RR., bem como com a pesquisa de outros imóveis.
Os elementos probatórios constantes dos autos, e em concreto o depoimento da testemunha indicada, permitem perceber apenas, o que aliás vai ao encontro da experiência comum e não deixa de ser um facto notório: que até pela dimensão do negócio que pretendia concretizar, a A. teve de gastar tempo em visitas aos imóveis da Rua … e da Av. …, reuniões, avaliação de documentos e relatórios e que o fez com a intervenção da testemunha F … e do seu Diretor Geral E …, uma vezes em conjunto, outras individualmente.
Esta matéria aliás foi dada como provada pelo tribunal a quo, já constando concretamente dos pontos 46, 49, 52 e 53 dos factos provados.
Se se atentar na fundamentação apresentada pelo tribunal a quo ao dar como não provados os pontos aqui impugnados, verifica-se que tal resposta vem na sequência de não ter sido possível apurar o número de horas despendidas por cada uma das pessoas indicadas e não por se questionar a realização desse trabalho que foi afirmado como provado. E, na verdade, o depoimento da testemunha F … invocado pela Recorrente, com as expressões: “elevado número de horas, várias horas ou algumas horas” não permite perceber minimamente, nem sequer por aproximação, qual o número de horas ou tempo que foi despendido nesse trabalho ou a sua dimensão.
Salienta-se ainda que a alteração proposta pela Recorrente quanto à redação dos factos que devem ser dados como provados, vai manifestamente além do teor destes factos não provados, bem como da matéria alegada nos art.º 59.º, 62.º, 68.º, 69.º, 76.º e 77.º da p.i, a que foi dada resposta nos pontos 1, 2, 5, 6, 8 e 9 dos factos não provados impugnados.
Resta concluir que o depoimento da testemunha F …, nos excertos de gravação indicados, não revela qualquer erro da decisão, não admitindo a alteração dos pontos 1, 2, 5, 6, 8 e 9 dos factos não provados no sentido pretendido, na consideração dos factos já tidos como provados nos pontos 46, 49, 52 e 53, improcedendo nesta parte a impugnação apresentada. - Quanto ao ponto 3 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
3. A Autora pagou os serviços de uma empresa de consultoria de engenharia civil, a R … S.A. - visita técnica ao Imóvel Rua …, n.º …, e pela elaboração do relatório técnico, EUR 19.157,25 (dezanove mil, cento e cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos).
Pretende a Recorrente a alteração deste ponto, de forma a que se considere provado o facto alegado no art.º 65.º da p.i.: “a Autora contratou os serviços de uma empresa de consultoria de engenharia civil, a R … S.A., que pela visita técnica ao Imóvel Rua …, n.º …, e pela elaboração do relatório técnico, cobrou EUR 19.157,25”, ou pelo menos que se considere provado que “a empresa Q … Ldª faturou à Autora o montante de EUR 19.157,25 pelos serviços prestados relativamente ao imóvel sito na R. …”
Invoca como elementos de prova para fundamentar a alteração pretendida os doc. 26 e 27 juntos com a p.i. conjugados com o depoimento da testemunha F … nos excertos gravados que aponta, bem como os doc. 1 e 2 que juntou com o recurso, sendo certo, como se referiu, que estes últimos documentos não podem ser atendidos pelo tribunal.
O tribunal a quo apresentou a seguinte motivação: “Apesar do documento 27 corresponder a uma transferência bancária para a empresa em causa no facto não provado com o nº 3, o tribunal não conseguiu fazer a correspondência entre esse pagamento e a factura que corresponde ao documento 26, desconhecendo-se igualmente se a factura em causa corresponde aos serviços referidos 3, tendo em conta o seu descritivo e não se encontrando nos autos o relatório elaborado.”.
No ponto 15 dos factos provados consta que a Q …, S.A. cujos serviços de consultoria a A. contratou, realizou uma visita técnica ao imóvel da Rua ….
Está em causa apenas saber se pode ter-se como assente que a A. pagou esses serviços pelo valor de € 19.157,25 que alega.
Os depoimentos indicados pela Recorrente mostram aquilo que o tribunal a quo teve como assente, referindo F … que solicitaram a análise técnica do estado do imóvel, tendo contratado a empresa Q … Ldª, que trabalha com eles, que visitou o imóvel com um engenheiro e um arquiteto e elaborou um relatório; também a testemunha G …, engenheiro civil que trabalha para a Q … Ldª disse que foi ao edifício fazer o levantamento das suas condições, parte elétrica, tudo.
Quanto aos documentos invocados, pode apenas levar-se em conta os doc. 26 e 27 juntos com a p.i. e não os documentos 1 e 2 apresentados com o recurso.
O doc. 26 representa uma fatura datada de 06.09.2019 emitida pela Q … Ldª à A. com a indicação “adjudicação projeto imóvel R. …” e com o valor de € 15.575,00 mais IVA, num total de € 19.157,25.
Já o doc. 27 comprova uma transferência bancária da A. para a Q … Ldª, no montante de € 22.306,05.
A conjugação destes elementos probatórios permite que se tenha como provado este facto. É certo que o valor da transferência bancária não corresponde exatamente ao valor da fatura emitida, mas conforme referiu F …, a Q … Ldª trabalhava com a A., o que mostra que lhe eram solicitados outros trabalhos. Por outro lado, a testemunha G … referiu que fizeram também uma visita técnica ao edifício da Av. …, não sendo expectável que o fizessem se a A. não tivesse pago a fatura relativa a trabalhos anteriores. Finalmente, o facto do relatório técnico elaborado não ter sido junto não evidencia que não tenha sido feito – a testemunha F … referiu a sua existência, além de que é expectável que seja esse o procedimento de uma empresa que é contratada para fazer uma visita técnica que tem de dar a conhecer ao cliente a sua apreciação de forma fundamentada.
Conclui-se por isso que os meio de prova enunciados admitem a alteração deste facto não provado que se elimina, aditando-se um novo facto com o n.º 59 aos factos provados e a mesma redação, procedendo nesta parte a impugnação apresentada:
59. A Autora pagou os serviços de uma empresa de consultoria de engenharia civil, a Q … Ldª - visita técnica ao Imóvel Rua …, n.º …, e pela elaboração do relatório técnico, EUR 19.157,25 (dezanove mil, cento e cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos). - Quanto aos pontos 4 e 10 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
4. A Autora pagou honorários à sua Advogada por serviços prestados relativamente à minuta de CPCV a assinar, no montante de EUR 5.000,00 (cinco mil euros).
10. A Autora pagou à sua Advogada, honorários relativos à preparação e negociação do novo CPCV e da escritura de compra e venda dos pisos na Avenida …, n.º … e …, no montante de EUR 9.000,00.
Entende a Recorrente que estes factos estão provados, pugnando pela alteração da decisão com a sua integração nos factos provados, referindo que ainda que assim não se entenda, deve ser dado como provado que: “a Advogada emitiu Nota de Honorários à Autora no montante total € 17.392,20 correspondendo € 5.000,00, acrescido de IVA, aos serviços prestados no âmbito da negociação referente à aquisição do Imóvel sito na R. …, n.º …, e € 9.000,00, acrescido de IVA, aos serviços prestados no âmbito da negociação referente à aquisição do Imóvel sito na Av. ….
Invoca como meios de prova para fundamentar a alteração pretendida, o doc. 28 junto com a p.i., os depoimentos das testemunhas F … e H n… nos excertos gravados que indica, bem como o doc. 3 junto com o recurso, salientando-se que este documento não pode ser atendido, na sequência do que já ficou exposto.
Na sentença recorrida consta a seguinte motivação destes factos: “No que respeita ao facto não provado com o nº 4 o tribunal considerou que a nota de honorários elaborada pela Sra Advogada respeitante aos serviços em causa, não comprova o pagamento dos valores aí constantes, não tendo sido apresentado o respectivo recibo. (…) No que respeita ao facto não provado com o nº 9 o tribunal considerou que a nota de honorários elaborada pela Sra Advogada respeitante aos serviços em causa, não comprova o pagamento dos valores aí constantes, não tendo sido apresentado o respectivo recibo.”
Existiu um lapso manifesto na referência que aqui é feita ao facto provado nº 9, reportando-se a segunda parte do excerto desta motivação ao ponto 10 dos factos não provados.
Os pontos 27 e 29 a 34 dos factos provados dão como assente a prestação de assistência jurídica por advogado à A. no âmbito das negociações desenvolvidas com os RR. com vista à aquisição do imóvel.
O doc. 28 junto com a p.i. representa uma nota de honorários emitida pela Exm.ª Advogada H …, onde é descriminada a prestação de serviços de assistência jurídica à A. relativamente às negociações dos dois imóveis em questão e à execução do contrato de compra e venda do imóvel da Av. …, com a menção do valor dos serviços prestados.
O excerto da gravação do depoimento da testemunha F … indicado pela Recorrente não se reporta a esta matéria, mas um pouco mais à frente, aos 50m23, o mesmo alude ainda que de uma forma vaga às despesas que a A. teve com advogado. Sendo a pergunta do Exm.º Advogado no sentido de saber se teve despesas com advogado reponde: “sim, sim”.
Já a testemunha Dr.ª H …, advogada, sendo dela a nota de honorários junta aos autos, referiu ter assessorado a A. na negociação com os RR. na revisão do contrato promessa e trocando correspondência com o advogado dos RR., precisando as diligências que realizou no âmbito das negociações do imóvel da R., bem como a assessoria que lhe prestou na compra do imóvel da Av. … que mais tarde aquela veio a realizar.
O normal é que um advogado cobre ao cliente os serviços prestados no âmbito da sua profissão, para os quais foi contratado, não havendo qualquer indício de que a Exm.ª Advogada tenha trabalhado de forma gratuita, ou que não tenha sido paga pelos serviços que prestou e que constam da nota de honorários que emitiu.
É verdade, conforme se refere na motivação apresentada, que não foi junto aos autos um documento que comprove o pagamento pela A. daquela nota de honorários, o que não seria difícil. Afigura-se, no entanto, que o doc. 28 junto com a p.i. que representa a nota de honorários da Exm.ª Advogada, onde consta a indicação dos serviços prestados com referência aos negócios em discussão nos autos, assessoria que foi confirmada em audiência de julgamento pelas testemunhas indicadas, constituem elementos probatórios bastantes no sentido de formar a convicção do tribunal quanto à realização do pagamento daquela nota de honorários, o que se apresenta como perfeitamente verosímil.
Conclui-se que os elementos de prova referidos são suficientes para convencer da realidade dos factos impugnados, procedendo a impugnação apresentada pela Recorrente nesta parte.
Em consequência, altera-se a decisão no sentido de eliminar tais pontos dos factos não provados, aditando-se os mesmos aos factos provados com os n.º 60 e 61 e a seguinte redação:
60. A Autora pagou honorários à sua Advogada por serviços prestados relativamente à minuta de CPCV a assinar, no montante de EUR 5.000,00 (cinco mil euros).
61. A Autora pagou à sua Advogada, honorários relativos à preparação e negociação do novo CPCV e da escritura de compra e venda dos pisos na Avenida …, n.º … e …, no montante de EUR 9.000,00. - Quanto ao ponto 7 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
7. A Autora pagou aos seus consultores, por visitas técnicas a imóveis com vista a sua aquisição, o montante de EUR 6.027,00 (cfr. Documentos n.º 29 a 31 que se juntam e dão por reproduzidos).
Pretende a Recorrente que este facto está provado, pedindo a alteração da decisão com a sua integração nos factos provados, referindo ainda que caso assim não se entenda, deve ser dado como provado que: “os consultores da A. emitiram duas faturas juntas como doc. 29 e 30 da p.i. no montante de € 3.013,50 cada uma.”
Invoca como meios de prova para fundamentar a alteração pretendida, os doc. 28, 29, 30 e 31 juntos com a p.i., bem como o depoimento da testemunha I …, não indicando qualquer excerto da gravação do seu depoimento que tenha como relevante.
O tribunal a quo fundamentou da seguinte forma esta decisão: “Apesar do documento 31 corresponder a uma transferência bancária para a empresa em causa no facto não provado com o nº 7, o tribunal não conseguiu fazer a correspondência entre esse pagamento e as facturas que correspondem aos documentos 29 e 30, por não haver coincidência de valores, datas ou referências.”
Embora a Recorrente invoque o depoimento da testemunha I …, não cumpre quanto a ele o requisito exigido no art.º 640.º n.º 2 al. a) do CPC, no sentido de indicar o excerto de gravação do seu depoimento que tem como relevante para mostrar o erro da decisão e determinar a alteração da matéria em causa, razão pela qual, nesta parte, se rejeita a impugnação apresentada, conforme a cominação aí expressamente prevista.
Quanto aos doc. 29 e 30 juntos com a p.i. correspondem a duas faturas emitidas à A. que descriminam serviços de consultoria prestados por uma empresa denominada American Appraisal na avaliação de um imóvel em Lisboa, não sendo possível fazer corresponder tais documentos a serviços prestados relativamente a qualquer imóvel em concreto e com vista à sua compra pela A., sendo certo que o doc. 31 junto com a p.i., comprovativo de uma transferência bancária realizada para aquela empresa, também não corresponde ao valor das duas faturas anteriores.
Os elementos de prova indicados pela Recorrente não revelam o erro da decisão de facto nesta parte, sendo insuficientes para determinar a alteração pretendida, improcedendo a impugnação deste ponto de facto. - Quanto ao ponto 12 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
12. Nenhum dos pisos comprados estava em condições para ali ser de imediato instalado um escritório, isto é, todos necessitavam de obras.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como provado.
Invoca para fundamentar a alteração pretendida, o doc. 35 junto com a p.i., designadamente quanto ao que consta das pág. 8, 9 e 10, bem como o depoimento das testemunhas I …, F … e G …, nos excertos da gravação que aponta.
Na sentença é apresentada a seguinte motivação deste facto: “Considerando o teor do relatório de análise do edifício, que apenas considerou em estado médio os pisos 8 e 9 por estarem em tosco e todos os outros em bom e excelente, tal como fez para o edifício da Rua … em que analisou todos os pisos como bom ou excelente, não podemos considerar que fossem necessárias obras em todos os pisos, sendo certo que dos restantes não foram retiradas fotos – facto não provado 12.”
O relatório de análise do edifício a que o tribunal a quo alude na motivação corresponde ao doc. 35 junto com a p.i. que a Recorrente invoca.
Consta de tal relatório na classificação do estado de conservação dos pisos 4 a 9, quanto aos pisos 4 a 7 – Bom e quanto aos pisos 8 e 9 – Médio, refere-se ainda que “os pisos identificados necessitam de obras, em que os pisos 8 e 9 necessitam de obras mais profundas, uma vez se encontrarem em tosco”, mais adiante diz-se que o valor das obras dos pisos 8 e 9 corresponde a cerca de metade e o remanescente aos restantes 4 pisos.
A testemunha F … referiu que o prédio precisava de obras nos 6 pisos, dizendo que uns estavam em tosco e outros precisavam de ser remodelados para adaptar às necessidades, o que também foi confirmado pela testemunha G …, engenheiro civil e I … que trabalha na empresa contratada pela A. para fazer o relatório em questão.
Estes elementos de prova permitem dizer que todos os pisos necessitavam de obras, ainda que com uma dimensão diferente: os pisos 8 e 9 precisavam de obras mais profundas (como consta do ponto 55 dos factos provados) e os restantes pelo menos de obras de adaptação ou remodelação para a instalação de escritório.
Procede nesta parte a impugnação da matéria de facto, eliminando-se o ponto 12 dos factos não provados que passa a constar dos factos provados, com o n.º 62 e a seguinte redação:
62. Nenhum dos pisos comprados estava em condições para ali ser de imediato instalado um escritório, isto é, todos necessitavam de obras. - Quanto ao ponto 13 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
13. Para conseguir adequar os pisos às suas necessidades a Autora teve de gastar EUR 909.750,00 (novecentos e dez mil euros) em obras.
Entende a Recorrente que este facto deve ser dado como provado, corrigindo-se apenas o valor pago para € 906.891,35, com fundamento no doc. 35 e 36 juntos da p.i., conjugados com os depoimentos das testemunhas F … e I …, e se assim não se entender deve ser dado como provado que “a empresa J …, Lda facturou à Autora € 906.891,35, pelas obras realizadas com vista a adequar os pisos que a Autora adquiriu no imóvel sito na Av. … às suas necessidades.” O tribunal desconhece que tipo de obras foram realizadas no imóvel da Avenida … admitindo-se apenas que os pisos 8 e 9 precisavam de obras para os adequar à sua finalidade; e não foi junto qualquer documento que comprove o pagamento das facturas juntas como documento 36. Por essa razão foi considerado não provado o facto 13 do respectivo elenco.
A testemunha F … depôs sobre a necessidade de obras no imóvel da Av. … que adquiriram, referindo que a A. teve um custo com as mesmas acima de 1 milhão de euros, salientado que ficaram proprietários de 50% do prédio, acrescendo ainda despesas de obras a realizar nas partes comuns.
Já a testemunha I … também refere o valor de cerca de 1 milhão de euros das obras a realizar, que diz ser apenas uma estimativa, conforme consta do relatório que a sua empresa fez a pedido da A. e que constitui o doc. 35 junto com a p.i.
O doc. 35 representa um relatório feito a 11 de janeiro de 2021, de análise comparativa dos dois imóveis feita a pedido da A., aí se indicando o valor das obras com suporte nos documentos que foram apresentados à empresa pela A., o que mostra que não foi a subscritora do relatório que fez qualquer orçamento ou avaliação das obras a realizar no imóvel da Av. …, não sendo juntos a tal relatório os mencionados documentos de suporte.
Já o doc. 36 representa faturas emitidas pela J …, Ld.ª, referenciando serviços de empreitada no Edifício da Conde Valbom, sem qualquer descriminação, o que não permite perceber se se reportam a trabalhos necessários à adaptação dos pisos adquiridos às necessidades da A., ou a outras obras não necessárias que a A. aí tenha optado realizar, não sendo também junto qualquer comprovativo do pagamento de tais serviços que mostre que as faturas em questão foram aceites e liquidadas.
Os elementos probatórios em questão não permitem que se conclua com um mínimo de segurança que a A. gastou nas obras que realizou no Edifício da Av. … a quantia que indica. Contudo, é possível dizer que foram efetivamente por ela realizadas obras que certamente tiveram um custo, ainda que não tenha sido possível apurar qual.
Nestes termos, procede em parte a impugnação deste facto, eliminando-se o ponto 13 dos factos não provado, acrescentando aos factos provados o ponto 63 com a seguinte redação:
63. Para conseguir adequar os pisos às suas necessidades a Autora gastou em obras quantia não precisamente apurada. - Quanto ao ponto 14 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
14. A que acrescem os custos incorridos com o projeto e com a fiscalização, no valor de EUR 48.800,00 (quarenta e oito mil e oitocentos euros).
A Recorrente pretende que este facto seja alterado para provado invocando para o efeito o doc. 37 junto com a p.i. e o doc. 5 junto com o recurso, não podendo atender-se a este último documento, como se expôs.
O tribunal a quo apresentou a seguinte motivação para esta resposta: “O documento 37 corresponde a uma proposta de serviços no edifício da Conde Valbom que desconhecemos se foi aceite e paga pelo que consideramos não existir prova do facto 14 do respectivo elenco.”
Avaliando o doc. 37 junto pela A. a 02.03.2022 verifica-se que, tal como se refere na sentença, o mesmo constitui apenas uma proposta de serviços para o edifício da Av. …, que a Q … Ldª envia à A. a 07.05.2020 apresentando um orçamento global de € 48.000,00.
Como se refere na sentença recorrida, desconhece-se se a proposta em questão foi aceite na totalidade ou em parte, não existindo qualquer documento que indique que os serviços foram efetivamente prestados por esta empresa, que o valor em questão tenha sido faturado à A., nem tão pouco que tenha sido pago por ela, o que se afigura não seria de difícil prova.
Conclui-se que o documento invocado é manifestamente insuficiente para dar este facto como provado, improcedendo a impugnação nesta parte. - Quanto ao ponto 15 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
15. A que acresce que a Autora teve ainda que pagar parte do valor de obras levadas a cabo pelo condomínio, correspondendo a sua quota parte do pagamento a EUR 99.700,00 (noventa e nove mil e setecentos euros).
Pretende a Recorrente que este facto seja excluído dos factos não provados e que em alternativa se considere provado mais um facto, nos seguintes termos:
“a Autora pagou à sociedade L …, Lda., por projectos relativos às obras realizadas nos 4.º a 9.º pisos do edifício sito na Av. …, n.º … a .., o montante de EUR 58.120,27 acrescido de IVA à taxa legal em vigor, e por projectos relativos a intervenções nas zonas comuns do mesmo edifício o montante EUR 7.330,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor.”
Para fundamentar a alteração da decisão quanto a este facto a Recorrente invoca como único elemento de prova o doc. 5 juntou com o recurso, que como se referiu anteriormente não pode ser atendido.
Não sendo indicado qualquer outro elemento probatório a avaliar, improcede a impugnação da matéria de facto nesta parte. - Quanto ao ponto 16 dos factos não provados, é a seguinte a sua redação:
16. No Imóvel da Rua …, n.º …, a Autora não teria de realizar quaisquer obras.
Pretende a Recorrente que este facto seja tido como provado, invocando para o efeito o depoimento das testemunhas F …, G … e I … nos excertos gravados que indica.
O tribunal a quo apresentou a seguinte fundamentação: “Não há qualquer meio de prova que demonstre que no edifício da Rua … a Autora não teria que realizar qualquer obra, pelo menos as de adaptação à sua organização, tal como pode ter acontecido com os pisos do edifício da Conde de Valbom que foram considerados em bom estado. O relatório de análise comparativa refere apenas que o primeiro edifício não necessita de grandes obras para serem lá instalados os serviços da Autora o que não quer dizer que não tivessem que ser realizadas algumas obras. Por isso foi considerado não provado o facto 16 do respectivo elenco.
Nenhuma das testemunhas indicadas diz que a A. não teria de realizar quaisquer obras no imóvel dos RR., pelo contrário.
Desde logo a testemunha F … refere que “não era um imóvel antigo que necessitasse de grandes trabalhos” e que tinha todas as condições para ser adquirido, o que mostra que pelo menos alguns trabalhos teriam que ser realizados.
A testemunha I …, nesta parte, mostrou não ter qualquer conhecimento direto dos factos, na medida em que afirmou nunca ter visitado o imóvel em questão, não obstante o estudo comparativo dos dois imóveis que a sua empresa fez a pedido da A., tendo elaborado o relatório que é junto com a p.i. como doc. 35. Veja-se ainda assim que neste relatório os pisos deste prédio são considerados em bom estado, tal como 4 dos pisos do imóvel da Av. …, o que não significou que a A. não tenha tido que fazer obras de remodelação e adaptação nos mesmos, conforme alegou.
Também a testemunha G …, que fez a visita técnica ao imóvel da R. afirmou que o mesmo estava em bom estado, mas não disse que a A. não tinha de realizar quaisquer obras para se instalar ali.
Resta concluir que os meios de prova indicados pela Recorrente não apontam para um erro da decisão ao considerar este facto não provado, improcedendo a impugnação nesta parte.
De tudo o que ficou exposto resulta a parcial procedência da impugnação da matéria de facto apresentada, na sequência do que se eliminam os pontos 3, 4, 10, 12 e 13 dos factos não provados e se aditam 5 novos pontos aos factos provados, com os n.º 59 a 63 e com a redação oportunamente enunciada, improcedendo no demais a impugnação apresentada pela Recorrente.
*
Na sequência da parcial procedência da impugnação da matéria de facto, são os seguintes os factos provados com interesse para a decisão da causa:
1. A Autora é uma sociedade que tem por objecto “1 -A importação, armazenagem, exploração, distribuição, transporte e comercialização, por grosso e a retalho, de gás de petróleo liquefeito, incluindo gás canalizado, e de outros produtos petrolíferos e seus derivados ou de outras formas de energia que sejam legalmente permitidas exercer, bem como de bens, equipamentos, materiais e quaisquer outros produtos relacionados com quaisquer formas de energia; a prestação de serviços relacionados com os produtos e actividades referidas anteriormente designadamente de serviços logísticos, de consultoria de formação e a prestação de serviços operativos e de gestão, incluindo serviços administrativos, financeiros, recursos humanos, legais, industriais, comerciais, de marketing, de investigação e outros, directa ou indirectamente relacionados com este objecto social; elaboração de projectos relacionados com os produtos e actividades referidos anteriormente e em execução, instalação, exploração, manutenção, reparação e assistência técnica de redes e ramais de distribuição de gás ou de outras formas de energia, reservatórios, equipamentos e outros relacionados com os referidos produtos e actividades e/ou com actividades complementares no sector petrolífero e energético; a compra, venda, arrendamento ou qualquer outra forma de gerir bens imóveis. 2 A sociedade pode adquirir participações noutras sociedades, existentes ou a constituir, incluindo sociedades com objectos sociais diferentes e sociedades reguladas por leis especiais, bem como participar em consórcios, associações em participação e agrupamentos complementares de empresas ou outras formas de agrupamento empresarial”
2. A Autora integra o chamado “Grupo P …”, um grupo de origem francesa presente nos setores da importação, armazenagem, distribuição e comercialização de produtos petrolíferos, gás de petróleo liquefeito e outros produtos químicos, em diversos mercados europeus, africanos e nas caraíbas (cf. https://..../.../).
3. A 1.ª Ré é uma sociedade que tem por objecto “compra, venda e administração de imóveis próprios e alheios; Construção civil e promoção imobiliária; Serviços médicos e afins, bem como todas as atividades de saúde humana e apoio social; Arrendamento de imóveis e alojamento local; Prestação de serviços cinegéticos agrícolas e florestais e comercialização de artigos para caça, agrícolas e florestais.”.
4. Até 28 de Agosto de 2019 a 1.ª Ré era a proprietária do prédio sito na Rua …, n.º …, …-A e …-B, freguesia do Coração de Jesus, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número duzentos e quatro da freguesia do Coração de Jesus e inscrito na matriz predial da freguesia de Santo António sob o artigo … (anteriormente inscrito sob o artigo … da extinta freguesia de Coração de Jesus)
5. Até 28 de Agosto de 2019 a 1.ª Ré era igualmente a proprietária da fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano sito na Avenida …, números …, …-A e …-B, freguesia de Coração de Jesus, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de Coração de Jesus e inscrito na matriz predial da freguesia de Santo António sob o artigo ….
6. A Ré pretendia vender e a Autora pretendia adquirir o prédio e a fracção em conjunto.
7. O 2.º Réu é administrador da 1.ª Ré e é seu beneficiário efectivo.
8. O 3.º Réu é filho do 2.º Réu e era a pessoa a quem foi incumbida a tarefa de vender o Imóvel Rua …, n.º ….
9. No primeiro semestre de 2019, a Autora iniciou um processo para aquisição de um prédio no centro de Lisboa, para aí instalar a sede do Grupo P … em Portugal.
10. O Imóvel Rua …, n.º …, foi referido à Autora pela mediadora imobiliária, Senhora M …, tendo a Autora, desde logo, mostrado interesse em visitá-lo.
11. A pedido da Autora, a Senhora M … procurou obter o máximo de informações sobre o Imóvel Rua …, n.º …, e contactar o proprietário, para agendar visita.
12. Na sequência das diligências realizadas pela mediadora imobiliária, em 14 de Junho de 2019 os Senhores E … e F …, respectivamente Administrador e Director Comercial da Autora, procederam à primeira visita ao Imóvel Rua … n.º ….
13. A visita ao Imóvel Rua …, n.º …, foi feita com o 3.º Réu, tendo a senhora M … estado igualmente presente.
14. Após a reunião, a mediadora imobiliária enviou à Autora diversos documentos referentes ao Imóvel Rua …, n.º …, que lhe haviam sido remetidos pelo 3.º Réu, e.g., certidões permanentes, cadernetas prediais, licenças de utilização, “teaser”, layouts e plantas
15. Posteriormente, no dia 25 de Junho de 2019, a empresa “Q … Ldª.” (adiante “Q … Ldº”), cujos serviços de consultoria a Autora contratou, realizou uma visita técnica ao Imóvel na Rua …, n.º ….
16. O Imóvel Rua …, n.º …, correspondia exactamente ao que a Autora pretendia, quer em termos de localização, quer em termos de estado, quer em termos de preço, quer ainda por ficar com o prédio todo por sua conta, quer, finalmente, pelo facto de o imóvel se encontrar em bom estado de conservação e os seus andares totalmente preparados para actividades de escritório, o que permitia à Autora, logo após a sua aquisição, usufruir de imediato das instalações.
17. Em 23 de Julho de 2019 a Autora formalizou oficialmente uma proposta de aquisição do Imóvel Rua … n.º …, por EUR 7.250.000,00 (sete milhões, duzentos e cinquenta mil euros), suportando o vendedor a comissão da mediadora (6%).
18. No dia 24 de Julho de 2019, a mediadora imobiliária, Senhora M …, comunicou à Autora que o vendedor a havia informado que já tinha recebido uma proposta de EUR 7.000.000,00 (sete milhões de euros), excluindo a comissão devida à mediadora imobiliária.
19. A Autora aceitou alterar a sua proposta de molde a igualar a outra proposta que o vendedor já havia recebido – de EUR 7.000.000,00, suportando a Autora a comissão devida à mediadora imobiliária, a qual, por sua vez, acordou reduzir a sua comissão a 4% do valor do negócio.
20. A Autora foi informada pela mediadora imobiliária que o vendedor tinha aceite a sua proposta de aquisição do Imóvel Rua …, n.º ….
21. No seguimento da aceitação da proposta, a mediadora imobiliária, a pedido dos representantes da Autora, agendou uma reunião com o 2.º e 3.º Réu, para que as partes se conhecessem, para o dia 29 de Julho de 2019.
22. Na reunião de 29 de Julho de 2019 estiveram presentes os vendedores Dr. C … e D …, os representantes da Autora, Dr. E … e Eng.º F …, e a mediadora imobiliária, Senhora M ….
23. Na referida reunião, 2.º Réu comunicou que, afinal, pretendia receber um valor superior pelos imóveis.
24. A Autora propôs pagar EUR 7.200.000 (sete milhões e duzentos mil euros), aceitando suportar a comissão da mediadora imobiliária, a qual, por sua vez, aceitou reduzir a mesma para EUR 204.000 (duzentos e quatro mil euros), incluindo IVA e os Réus aceitaram esta proposta da Autora.
25. Os Réus informaram ainda que pretendiam que o processo avançasse rapidamente uma vez que 2.º Réu pretendia ir de férias na terça-feira, dia 6 de Agosto de 2019, pelo que o CPCV teria de ser assinado antes desse dia, o que os representantes da Autora prontamente aceitaram.
26. Ainda nesse mesmo dia, e conforme havia sido combinado na reunião, o 3.º Réu remeteu aos representantes da Autora e à mediadora imobiliária um e-mail com os contactos dos mandatários dos Réus “para dar seguimento ao processo de formalização da aquisição do imóvel sito na RRS 103”
27. Ao final do mesmo dia 29 de Julho de 2019, o advogado dos Réus enviou aos representantes da Autora, e à sua Advogada a minuta de CPCV.
28. No dia seguinte o Senhor E … deslocou-se a Paris para informar a administração da sociedade mãe da Autora que as negociações para aquisição do imóvel onde se instalaria a sede do Grupo P … em Portugal tinham sido concluídas com sucesso e para recolher as necessárias assinaturas para a celebração da escritura.
29. No dia 30 de Julho de 2019, o mandatário dos Réus remeteu uma nova versão da minuta de CPCV, corrigindo o montante a pagar que estava inscrito na minuta enviada anteriormente.
30. Tendo a mandatária da Autora, em resposta à comunicação do mandatário dos Réus, informado que ainda estava a analisar a minuta de CPCV mas que aceitava a correcção ao valor, que correspondia ao acordado entre as partes.
31. Na noite de 31 de Julho 2019, a mandatária da Autora remeteu ao mandatário dos Réus um e-mail devolvendo a minuta de CPCV revista por si, com pequenas sugestões de alteração, e sugerindo que o CPCV fosse assinado no dia 2 de Agosto de 2019.
32. Pouco depois o mandatário dos Réus confirmou a recepção da minuta do CPCV revista, que iria analisar com os seus Clientes.
33. Não tendo obtido mais novidades no dia 1 de Agosto de 2019, e sabendo da urgência que havia para concluir o negócio no dia 2 de Agosto de 2019, a mandatária da Autora, contactou telefonicamente o mandatário dos Réus, tendo sido informada por aquele que a assinatura do CPCV do imóvel estava prevista para o dia seguinte, sábado, dia 3 de Agosto de 2019.
34. Na sequência da informação dada telefonicamente, a Autora, através da sua mandatária, solicitou aos Réus que a informação fosse transmitida por escrito, uma vez que queria ter a certeza absoluta que a assinatura se faria no dia seguinte, uma vez que tinha de tratar de diversa documentação para o efeito.
35. Os Réus não enviaram a confirmação por escrito, que lhes havia sido solicitada, nem naquele dia, nem no dia seguinte, 3 de Agosto de 2019.
36. No dia 4 de Agosto de 2019, pelas 03:07h, a Autora recebeu um email reencaminhando um e-mail enviado pelo 3.º Réu para o advogado dos Réus com o seguinte texto: “Em relação ao email que recebeu na quarta feira 31/8 às 23:46 da advogada da O … do qual tivemos conhecimento na quinta-feira 01/08 cumpre-me informar que na sequência da reunião havida segunda-feira 29/7 com a O … ficou acordado que esta nos daria uma resposta terça feira 30/7. Uma vez que tal não aconteceu consideramos suspenso o assunto então tratado.”
37. No mesmo dia 4 de Agosto de 2019 o Senhor E … respondeu ao e-mail do 3.º Réu, enviando comunicação com o seguinte teor: “Na sequência do email de hoje do Sr D … e conforme solicitado pela Sra M … segue um resumo das condições acordadas na reunião do dia 29 de Julho para aquisição do edifício da Rua …, nº … e que constam do documento que anexamos, manuscrito na referida reunião pelo Dr C … e que corresponde ao acordo aceite e fechado por todos os presentes nessa mesma reunião. Preço de compra a pagar pela RP … A … SA à sociedade vendedora = 7.200.000,00 euros (sete milhões e duzentos mil euros); valor da comissão a pagar directamente pela P … à agência imobiliária = 165.853,66 euros (cento e sessenta e cinco mil, oitocentos e cinquenta e três euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido de IVA, correspondente a 2,3% do valor de aquisição do imóvel. Assim, aguardamos a vossa indicação de hora, durante o dia de amanhã ou de terça feira, para a assinatura do CPCV conforme combinado.”
38. No dia 3 de Agosto de 2019 a 1ª Ré assinou um CPCV do Imóvel Rua …, n.º … com uma entidade terceira, denominada N …, Lda., constando desse documento que o preço total da venda correspondia a 7.350.000,00 euros (sete milhões, trezentos e cinquenta mil euros).
39. Esse CPCV foi levado a registo no dia 5 de Agosto de 2019.
40. Em 22 de Outubro de 2019, a Autora remeteu ao 2.º e 3.º Réus carta registada com aviso de recepção, com assunto “Incumprimento de deveres de boa fé nas negociações e interpelação para pagamento de indemnização pelos prejuízos causados. Encerramento de conta”, fazendo referência ao incumprimento dos Réus e interpelando-os para ressarcir a Autora dos danos causados.
41. Em particular, naquela carta referiu a Autora:“Fazemos igualmente referência à diversa troca de correspondência entre as partes e entre os nossos respectivos advogados, entre 29.07.2019 e 06.08.2019, relativa à formalização do contrato promessa de compra e venda (“CPCV”) do Imóvel e à lamentável e inaceitável quebra das negociações levada a cabo por V. Exas, sob pretextos falsos e oportunistas. Com efeito, foi com espanto, incredulidade e, sobretudo, desapontamento, que, em face do acordado na reunião de 29.07.2019 – em particular quanto ao preço e inclusive à redução da comissão da intermediária – que tomámos conhecimento da intenção de V. Exas. de não formalizar o CPCV com a P … e, mais, que V. Exas. acabaram por celebrar um CPCV com uma outra entidade, por valores pouco mais altos do que os acordados com a P …, mas cuja existência omitiram, levando-nos a crer que a nossa proposta – não sendo a única – era a melhor e que estava aceite. O desalento face à vossa má fé é ainda maior perante o empenho e celeridade com que todas as partes envolvidas trabalharam, com vista à rápida formalização do CPCV – e que é facilmente comprovável pela correspondência trocada – designadamente para satisfazer o V/ pedido de que este processo estivesse concluído antes do período de férias. Em face da V/ postura, o que hoje constatamos é que apesar de V. Exas. nos terem levado a confiar que o negócio estava feito, inclusive selando o negócio com um aperto de mão, para V. Exas. a palavra dada não é palavra honrada e, afinal de contas, pretenderam apenas e tão só gastar o nosso tempo e recursos, e usar-nos como meio de pressão em negociações com terceiros. Com efeito, a V/ conduta causou-nos um prejuízo – designadamente, relativos à frustração das nossas legítimas expectativas, ao tempo e meios despendidos, ao tempo perdido numa negociação que, se percebe agora, nunca teve o suporte e a seriedade que nos levaram a crer que teria, e, pior, à perda definitiva da oportunidade de concretizar o negócio que nós pretendíamos realizar e que V. Exas. nos levaram a legitimamente confiar que estava completamente acordado – que nesta data se cifra em EUR 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), e cujo ressarcimento desde já exigimos, pelo que ficam V. Exas. formalmente interpelados para no prazo máximo de 30 dias proceder ao pagamento deste montante, o que poderão fazer mediante transferência bancária para o IBAN n.º PT50 ….”
42. A esta carta da Autora responderam os Réus, através do seu Advogado.
43. Tendo a Autora, desta feita através de Advogados, remetido a 22 de Novembro de 2019 nova carta registada com aviso de recepção, com assunto “Incumprimento de deveres de boa fé nas negociações e interpelação para pagamento de indemnização pelos prejuízos causados. Carta enviada pela RP A … S.A. em 21.10.2019” a interpelar os Réus para que indemnizassem a Autora pelos danos que o incumprimento daqueles dos seus deveres de boa fé nas negociações causou à Autora.”
44. Em particular, referiu nesta carta a Autora o seguinte: “RP A … S.A. considera que V. Exas. são plenamente responsáveis pelos actos praticados pelas pessoas que vos representam, consubstanciando a violação por aqueles de deveres de boa fé nas negociações uma violação pela própria sociedade representada. Como referido na carta de 21.10.2019, a conduta dos V/ representantes causou um prejuízo à minha Cliente – designadamente, relativo à frustração das suas legítimas expectativas, ao tempo e meios despendidos, ao tempo perdido numa negociação que, se percebe agora, nunca teve o suporte e a seriedade que a nossa Cliente foi levada a crer que teria, e, pior, à perda definitiva da oportunidade de concretizar o negócio que a nossa Cliente pretendia realizar e que V. Exas. a levaram legitimamente confiar que estava completamente acordado – que em 22.10.2019 se cifrava em EUR 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), e cujo ressarcimento a RP A … S.A. desde já exige, ficando V. Exa. formalmente interpelada para no prazo máximo de 30 dias proceder ao pagamento deste montante, o que poderá fazer mediante transferência bancária para o IBAN n.º PT50 ….”
45. Os Réus não responderam a esta carta, nem pagaram a indemnização exigida.
46. Os representantes da Autora, em particular o Senhor E …, administrador da Autora, gastaram tempo a analisar os documentos referentes ao Imóvel Rua …, n.º …, reuniões com a mediadora imobiliária, visita ao imóvel, análise do relatório técnico, reunião com vendedores, viagem a Paris para reunir com sociedade mãe da Autora e troca de correspondência e do senhor F …, Diretor Comercial da Autora, na análise dos documentos referentes ao Imóvel na Rua …, n.º …, participar em reuniões com a mediadora imobiliária, as duas visitas ao imóvel, análise do relatório técnico, a reunião com vendedores e troca de correspondência.
47. O encargo para a Autora com o valor hora do seu Director Geral, Sr. E … é de EUR 339,00.
48. O encargo para a Autora com o valor hora do seu Director Comercial o Senhor F … é de EUR 116,00.
49. Após os factos relatados a Autora, através do seus representantes, os Senhores E … e F … teve de ir novamente analisar propostas de aquisição de prédios, analisar a documentação dos prédios com potencial, proceder a novas visitas, solicitar e analisar novos relatórios técnicos referentes aos novos prédios visitados, negociar com os vendedores desses prédios.
50. Na altura em que a Autora pretendeu adquirir o Imóvel Rua …, n.º …, o mercado imobiliário em Lisboa estava particularmente difícil para quem pretendia comprar.
51. Em 14 de Abril de 2020, a Autora adquiriu pelo preço de EUR 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil euros), 6 pisos (do 4 ao 9), 30 lugares de estacionamento e 6 arrecadações, no prédio sito na Avenida …, n.º … e …, em Lisboa, para aí instalar a sua sede e a sede do Grupo P … em Portugal.
52. Para a concretização deste negócio o Senhor E … teve de analisar a documentação referente ao imóvel, teve de o visitar, teve de participar em reuniões com o vendedor.
53. Por sua vez, o Senhor F … teve de analisar a documentação referente ao imóvel, teve de o visitar, teve de participar em reuniões com o vendedor, mediadores e consultores.
54. A Autora pagou aos seus consultores, pela visita técnica e pelo correspondente relatório referente ao imóvel na Avenida …, o montante de EUR 2.091,00.
55. Os dois últimos pisos necessitavam obras profundas uma vez que se encontravam ainda em “tosco”.
56. A partir do início do mês de março do ano de 2019, os Réus iniciaram o processo de venda dos imóveis identificados nos autos.
57. Os Réus sempre foram claros no contacto que tiveram com os agentes de mediação imobiliária, bem como com as entidades a quem apresentaram os imóveis, referindo as condições fundamentais que estariam sempre por base nas negociações: i) jamais seria assinado qualquer contrato de exclusividade; ii) jamais os imóveis seriam reservados a favor de quaisquer interessados antes da celebração do correspondente contrato-promessa de compra e venda; iii) os Réus venderiam o imóvel a quem apresentasse a proposta de valor mais elevado.
58. As condições atrás referidas foram sempre transmitidas pelos Réus não só a todos os agentes de mediação imobiliária, mas também a todos os interessados na aquisição dos imóveis em causa, nomeadamente a Autora.
59. A Autora pagou os serviços de uma empresa de consultoria de engenharia civil, a Q … Ldª - visita técnica ao Imóvel Rua …, n.º …, e pela elaboração do relatório técnico, EUR 19.157,25 (dezanove mil, cento e cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos). (aditado)
60. A Autora pagou honorários à sua Advogada por serviços prestados relativamente à minuta de CPCV a assinar, no montante de EUR 5.000,00 (cinco mil euros). (aditado)
61. A Autora pagou à sua Advogada, honorários relativos à preparação e negociação do novo CPCV e da escritura de compra e venda dos pisos na Avenida …, n.º … e …, no montante de EUR 9.000,00. (aditado)
62. Nenhum dos pisos comprados estava em condições para ali ser de imediato instalado um escritório, isto é, todos necessitavam de obras. (aditado)
63. Para conseguir adequar os pisos às suas necessidades a Autora gastou em obras quantia não precisamente apurada. (aditado)
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IV. Razões de Direito - da (in)existência do direito da A. a ser indemnizada pelos danos causados no âmbito da responsabilidade pré-contratual
A Recorrente afirma a sua discordância com a decisão por entender que o tempo que os seus Diretores perderam com as diligências de negociação frustradas com os RR., bem como o que despenderam com a procura de um imóvel alternativo e com as negociações da compra do imóvel que vieram a concretizar, corresponde a um verdadeiro dano indemnizável, afirmando ainda que os prejuízos que invoca só ocorreram por se terem quebrado as negociações anteriores, existindo por isso o nexo causal entre o facto ilícito praticado pelos RR. e tais danos, sendo também indemnizáveis no âmbito da responsabilidade pré-contratual os danos decorrentes do interesse contratual positivo.
A sentença sob recurso, depois de enunciar e avaliar os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual prevista no art.º 227.º do C.Civil, considerou que houve uma rutura injustificada das negociações por parte da R. (que não dos 2º e 3º RR. que apenas agiram enquanto seus representantes), sendo a sua conduta censurável e contrária aos deveres de boa fé, conferindo à A. o direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados, admitindo tanto a indemnização pelo interesse contratual negativo como positivo. Afirma, porém, que o tempo despendido pela A. nas negociações não representou um dano para ela, e que sempre é necessária a existência de um nexo de causalidade entre os prejuízos sofridos e a rutura das negociações, que teve como não verificado relativamente aos danos invocados pela A. com a negociação e aquisição do imóvel alternativo.
Razões de lealdade e confiança são inerentes ao princípio da boa fé, que se impõe, quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respetivamente o art.º 227.º e 762.º n.º 2 do C.Civil.
Surgindo o contrato pelo encontro de duas vontades, este nem sempre aparece de forma instantânea, sendo muitas vezes antecedido de uma série de atividades ou procedimentos, destinadas a alcançar o acordo final, que constituem o denominado “processo na formação do contrato”, que se desenrola em diversas fases.
Diz-nos Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pág. 224: em ambas as fases, negociatória e decisória, o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade.
A doutrina tradicional considerava as negociações e o processo de formação contratual sem relevância jurídica. Atualmente tal posição encontra-se ultrapassada, conferindo o art.º 227.º do C.Civil, com a epígrafe “culpa na formação dos contratos” relevância jurídica às negociações.
Este art.º 227.º do C.Civil, dispõe, no seu nº 1, que: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados à outra parte.”
Diz-nos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2013, inwww.dgsi.pt : “aquele que inicia e prossegue negociações criando na outra parte expectativas de negócio, mas formando no decurso dessas negociações o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, de forma arbitrária e culposa, defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, deve indemnizar os prejuízos que causa.”
O art.º 227.º do C.Civil surge na conciliação do princípio da tutela da confiança com o princípio da liberdade contratual. As negociações entre as partes podem criar nas mesmas a expectativa da realização do contrato. Se tal confiança vem a ser lesada, com violação das regras da boa fé, verifica-se um facto ilícito que constitui o lesante no dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos causados. Tal não se confunde, porém, com a criação de uma obrigação da parte concluir o contrato só pelo facto de ter encetado negociações; visando estas a obtenção de um acordo, cada parte tem sempre de contar com a possibilidade do mesmo não vir a ser concretizado. A norma em causa apenas tutela a rutura das negociações sem motivo legítimo, em violação das regras da boa fé.
Na situação em presença não merece controvérsia a conclusão a que chegou a sentença recorrida de que existiu culpa in contrahendo por parte da R. em violação das regras da boa fé, ao romper as negociações já encetadas e em fase adiantada com a A., frustrando a sua expectativa de concretizar o negócio, quando já tinha sido alcançado um acordo quanto aos termos e condições do contrato promessa de compra e venda a celebrar, faltando apenas ultimar a sua formalização, existindo culpa da sua parte quando sem justificação inviabiliza a concretização do negócio já apalavrado – a Recorrente refere estar de acordo com tal entendimento e a R. não recorreu da sentença, pelo que se dispensa outras considerações sobre esta questão, estando desde já afirmada a existência de culpa in contrahendo por parte da R. na quebra das negociações.
A Recorrente contesta a decisão proferida quanto ao entendimento ali seguido de que o tempo que os Diretores da A. despenderam nas diversas negociações contratuais e na avaliação dos negócios com vista à aquisição de um imóvel, não constitui um dano indemnizável.
Os danos indemnizáveis são aqueles que resultam da atuação da parte contrária à boa fé, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária – vd. neste sentido, Acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010 no proc. 1212/06.9TBCHV.P1.S1 inwww.dgsi.pt
Contrariamente ao que a Recorrente vem afirmar nas suas alegações, quando defende a indemnização pelos danos resultantes do interesse contratual positivo, a verdade é que a sentença admitiu que os danos indemnizáveis no âmbito da responsabilidade pré contratual tanto podem ser os que resultam do interesse contratual negativo como positivo, não existindo divergência nessa parte.
Refere-se na mesma: “A indemnização a que haja lugar, contempla, neste âmbito, o chamado interesse contratual negativo, no sentido de se pretender reparar os prejuízos que a parte evitaria, se não tivesse, sem culpa sua, confiado no cumprimento dos deveres da contraparte em relação à conclusão do negócio, segundo os ditames da boa fé mas aceitando-se também que abranja, em certos casos, os danos cobertos pelo interesse contratual positivo. Neste sentido cf. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, pág.183, quando afirma que “se a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, pode a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse contratual positivo (ou de cumprimento). (…) No elenco dos danos ressarcíveis, no quadro da responsabilidade pré-contratual, compreendem-se tanto os danos emergentes como os lucros cessantes que se encontrem causalmente ligados ao incumprimento do dever pré-contratual. Em princípio, apenas são objeto da obrigação de indemnizar os danos que constituam lesão do chamado interesse contratual negativo ou interesse da confiança, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na expectativa negocial criada pela parte contrária. Quando, porém, caso se houvesse procedido regularmente, o contrato tivesse chegado a aperfeiçoar-se, parece dever ter a outra parte o direito de exigir o interesse de cumprimento. É que, em tal hipótese, da culpa in contrahendo resultou a não perfeição do contrato e, assim, deve ter a outra parte o direito de reclamar aquilo que teria se não o contrato tivesse sido aperfeiçoado, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve. O que verdadeiramente delimita o âmbito dos danos ressarcíveis no âmbito de aplicação da norma contida no art. 227º CC é apenas a sua ligação causal ao acto ilícito entendido nos termos ao art. 563.º ao estatuir que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. E, assim, independentemente de se entender se a ré faltosa deve indemnizar o interesse negativo (ou da confiança) ou o interesse positivo (ou do contrato), ou até ambos, que possam ter sido violados pela ruptura nas negociações, é preciso estabelecer se existe nexo de causalidade entre os danos sofridos pela autora e o facto ilícito praticado pela Ré.”
Este entendimento não nos merece censura, pelo contrário, considera-se que não obstante a regra, no âmbito da responsabilidade pré contratual, seja a indemnização correspondente ao interesse contratual negativo, na medida em que as partes sabem que as negociações não são vinculativas da celebração do contrato, que ainda se apresenta apenas como uma possibilidade, casos há em que pode haver lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo, designadamente quando o estado das negociações já é muito adiantado, criando uma situação mais efetiva de confiança na realização do negócio.
Sobre esta questão afirma-se de forma clara no Acórdão do STJ de 10 de setembro de 2019 no proc. 462/15.1T8VFR.P1.S1 inwww.dgsi.pt na defesa de posição em que nos revemos: “Paulo Mota Pinto propõe que o “interesse”, nesses casos, seja analisado na perspectiva de ausência de lesão, ou seja, o “interesse” seria a situação em que estaria o credor prejudicado sem a ocorrência do evento lesivo. A construção desta situação hipotética, para o apuramento e quantificação do dano, poderá fazer-se de dois modos: ou pela adição de algum elemento (interesse positivo) ou pela abstração de algo que aconteceu (interesse negativo). Assim, ou se levará em conta a situação em que o credor prejudicado estaria caso o contrato tivesse sido cumprido – ou seja, com a adição de um elemento –; ou a situação em que ele estaria caso não tivesse celebrado o contrato que foi incumprido – ou seja, com a abstração de um elemento. Deste modo, a indemnização pelo interesse contratual negativo corresponde às vantagens que a parte lesada teria obtido, somadas aos danos e despesas que teria evitado, se não tivesse iniciado as negociações injustificadamente interrompidas pela parte desistente; a indemnização pelo interesse contratual positivo corresponde, por outro lado, aos exactos proveitos que a parte lesada conseguiria se o contrato se tivesse concluído e tivesse sido regularmente cumprido. (…) Não deixa de ser verdade que alguma doutrina e jurisprudência têm admitido, em casos contados, a indemnização pelo interesse positivo ou de cumprimento, designadamente nas situações em que a culpa in contrahendo se traduz na violação do dever de conclusão de um contrato quando já existe consenso sobre as cláusulas do mesmo. Segundo esta orientação, o dever de conclusão do contrato encontra apoio no esbatimento da distinção entre a configuração de um abuso do direito na invocação da nulidade imputável ao interessado e a falta de preenchimento da forma. Afastando-se, embora, desta orientação, Almeida Costa e Henrique Antunes admitem a indemnização dos danos pelo critério do interesse contratual positivo nas hipóteses em que as partes, pelo seu comportamento, satisfazem os fins que o legislador entendeu prosseguir com o dever de formalização do negócio, pelo menos dos fins que são dissociáveis da estrita exigência documental, como sucede na realização antecipada das prestações características do contrato negociado, em que essa execução antecipada assume a força da ‘vinculatividade alternativa’ à celebração do negócio. Só nestas situações, como também defende Baptista Machado, é que a obrigação de indemnizar deveria referir-se ao interesse de cumprimento, dando-se o contrato por concluído e vinculante, equivalendo o resultado à sanção correspondente à proibição do venire contra factum proprium.”
Como refere também Menezes Cordeiro in Novas Perspetivas do Direito Comercial, pág. 94: “A violação do n.º 1 do art. 227.º tem como consequência o dever de indemnizar todos os danos causados e não apenas o interesse negativo. Não é lícito romper negociações: a ilicitude existe, sim, quando deliberadamente se crie na contraparte a convicção de que irá haver contratação e, sem justificação, se promove a ruptura.”
É neste sentido que igualmente se pronuncia a Exm.ª Sr.ª Prof.ª Dr.ª Joana Farrajota, no parecer por ela subscrito e junto aos autos pela Recorrente, em termos com os quais se concorda, destacando-se o que aí é referido a pág. 23: “O critério operativo na definição dos danos indemnizáveis é um da causalidade: são suscetíveis de ser indemnizados todos os danos que tenham como causa o comportamento ilícito da parte, in casu, a rutura das negociações em violação do princípio da boa fé. Estes danos podem por isso abranger tanto os danos qualificados pela doutrina como negativos – despesas incorridas tendo em vista o negócio a celebrar, como positivos – prejuízo resultante da não celebração do contrato. A distinção entre interesse positivo e negativo é, por isso e para este efeito, supérflua.”
Deve recorrer-se ao regime geral da obrigação de indemnizar, previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil, aplicável independentemente de qual seja a sua fonte, para se determinar a indemnização pelos danos resultantes da culpa in contrahendo independentemente de quais sejam – neste sentido vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 28 de abril de 2009 no proc. 09A0457 inwww.dgsi.pt
Sendo o facto ilícito a rutura das negociações pela R., em violação das regras da boa fé, quebrando a expectativa da A. de celebrar o contrato promessa já acordado nas suas condições e apenas pendente de formalização, vejamos então quais os danos reclamados pela A. que são indemnizáveis.
Os factos provados, mais concretamente os que constam dos pontos 17 a 32 revelam que a A. confiou e fundadamente criou a expectativa de que iria celebrar o contrato promessa de compra e venda do imóvel com a R. num ponto em que já as partes já haviam definido as condições do contrato, que necessitava apenas de ser formalizado através do documento próprio que se impunha redigir e assinar e cuja minuta foi trocada entre os seus advogados.
Está assente que a A. através dos seus Diretores E … e F … analisou os documentos referentes ao imóvel da R., teve reuniões com a mediadora imobiliária, visitou o prédio, analisou o relatório técnico que pediu e teve troca de correspondência e reunião com vendedores, tendo ainda o Sr. E … efetuado uma deslocação a Paris com vista aos procedimentos necessários para a realização da compra do imóvel pela A., sendo que em face da rotura das negociações, teve de procurar outros imóveis até vir a concretizar a compra de outro alternativo, diligências com as quais o Senhor E … e o Senhor F … despenderam tempo não apurado.
Como entendeu a sentença sob recurso, considera-se que as horas de trabalho despendidas pelos seus Diretores não representaram um prejuízo para A. contabilizado no valor hora de trabalho que a mesma apresenta e peticiona, originado pela quebra das negociações, já que nada se apurou relativamente a qualquer custo adicional que a mesma tenha tido por tal ocupação, nem tão pouco pelo facto dos mesmos estarem a desenvolver esse trabalho e não outro.
Naturalmente que os referidos Diretoras despenderam parte do seu tempo de trabalho nas negociações de um contrato que não veio a concretizar-se e nas negociações de um outro contrato alternativo, mas fazem-no sempre no interesse da A. e no exercício das suas funções, não podendo qualificar-se como um dano para a mesma, na medida em que não só não resultou apurado que tal dispêndio de tempo tenha resultado para si numa despesa acrescida, não tendo aqueles sido especificamente contratados ou remunerados por esse serviço, nem tão pouco se apurou em concreto qualquer prejuízo que a mesma pudesse ter tido pelo facto daqueles Diretores estarem ocupados em tais diligências e não com outros assuntos que pudessem exigir a sua intervenção.
Nada se apurou, nem nada foi alegado, no sentido da A. vir a remunerar adicionalmente os seus trabalhadores por esse serviço realizado no âmbito das suas funções, concretizado no próprio interesse da A. e na expetativa da aquisição futura dos imóveis, não estando minimamente indiciado que a sua situação patrimonial e financeira fosse diferente e mais desfavorável, daquela que teria se aqueles não tivessem despendido tempo naquelas negociações, pelo que não estamos perante a existência de um dano indemnizável.
O nexo de causalidade, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar, está previsto no art.º 563.º do C.Civil que vem consagrar o princípio da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. É assim necessário, não só que o evento causador do dano, ação ou omissão do agente, tenha determinado a ocorrência do dano, mas também que surja como causa provável ou adequada do mesmo.
Dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 400, em anotação a esta norma: “A fórmula usada no artigo 563.º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável , como quem diz adequada desse efeito. Cfr. M. Andrade, ob. cit. pág, 355 e ss.”
Ainda a respeito do nexo de causalidade em face do direito constituído, diz-nos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 657: “Faz-se aí apelo ao prognóstico objetivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis do lesante, seria razoável emitir quanto à verificação do dano. A indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito prever, nessa altura, que não ocorressem se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras, o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido.”
Como se diz no Acórdão do STJ de 31 de março de 2011 no proc. 3682/05.3TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : “(…) Por conseguinte, apenas estarão cobertos pelo interesse negativo do contrato, os danos que não teriam sido sofridos se o lesado não tivesse confiado na conclusão do contrato pelo que se impõe a reconstituição da situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando o lesado das despesas que efectuou na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teria efectuado se não tivesse confiado); por outras palavras, na situação em que ele se encontraria se nunca tivesse havido negociações. De outro modo dito, o conteúdo da obrigação de indemnizar pelo interesse negativo do contrato cobre os gastos que se fizeram em vistas da celebração de um contrato determinado, sempre que sejam específicos (mas não se estende aos que sempre se teriam efectuado com o simples facto de se iniciar a negociação, ou seja, às despesas realizadas entre o início dos contactos e a formalização da proposta negocial a discutir).”
Os pontos 10 a 36, 59 e 60 dos factos provados mostram que:
(i)num primeiro momento o imóvel da R. foi referido à A. pela mediadora imobiliária, tendo a A. mostrado interesse em visitá-lo, procurando obter o máximo de informações sobre o mesmo e contactar o proprietário, para agendar visita;
(ii) em 14 de junho de 2019 os Diretores da A., procederam à primeira visita ao imóvel, tendo-lhe sido enviados pela mediadora imobiliária diversos documentos referentes ao imóvel que lhe haviam sido remetidos pelo 3.º Réu;
(iii) no dia 25 de junho de 2019, a empresa R … S.A.., cujos serviços de consultoria a A. contratou, realizou uma visita técnica ao imóvel e elaborou um relatório técnico, tendo a A. pago € 19.157,25 por tais serviços;
(iv) em 23 de julho de 2019 a A. formalizou oficialmente uma proposta de aquisição do imóvel, tendo sido informada a 24 de julho pela mediadora que o vendedor a havia informado que já tinha recebido uma proposta mais vantajosa, o que levou a A. a formular nova proposta de molde a igualar a outra, tendo a A. sido informada que o vendedor tinha aceite a sua proposta de aquisição do imóvel;
(v) na sequência disso foi agendada e realizou-se uma reunião com os RR. a 29 de julho, onde o 2.º R. comunicou que afinal pretendia receber um valor superior pelos imóveis, tendo a A. feito nova proposta que os RR. aceitaram;
(vi) os RR. informaram ainda que o 2.º R. pretendia ir de férias no dia 6 de agosto de 2019, pelo que o CPCV teria de ser assinado antes desse dia, o que os representantes da Autora prontamente aceitaram;
(vii) ainda nesse dia o 3.º R. remeteu à A. e à mediadora imobiliária um e-mail com os contactos dos mandatários dos RR para dar seguimento ao processo de formalização da aquisição do imóvel, tendo no final desse dia 29 de julho o advogado dos RR. enviado aos representantes da A. e à sua Advogada a minuta de CPCV;
(viii) no dia seguinte o Senhor E … deslocou-se a Paris para informar a administração da sociedade mãe da A. que as negociações para aquisição do imóvel tinham sido concluídas com sucesso e para recolher as necessárias assinaturas para a celebração da escritura;
(ix) no dia 30 de julho de 2019, o mandatário dos RR. remeteu uma nova versão da minuta de CPCV, corrigindo o montante a pagar que estava inscrito na minuta enviada anteriormente, tendo a mandatária da A. informado que ainda estava a analisar a minuta de CPCV mas que aceitava a correção ao valor;
(x) na noite de 31 de julho 2019, a mandatária da A. remeteu ao mandatário dos RR. um e-mail devolvendo a minuta de CPCV revista por si, com pequenas sugestões de alteração, e sugerindo que o CPCV fosse assinado no dia 2 de agosto de 2019, tendo aquele confirmado a sua receção, que iria analisar com os seus Clientes;
(xi) a mandatária da A. contactou telefonicamente o mandatário dos RR., tendo sido informada por aquele que a assinatura do CPCV do imóvel estava prevista para o dia seguinte, sábado, dia 3 de Agosto de 2019, tendo-lhe sido pedida confirmação escrita que não foi enviada;
(xii) a A. pagou honorários à sua Advogada por serviços prestados relativamente à minuta de CPCV a assinar, no montante de € 5.000,00.
À luz do que se expôs e com referência aos danos reportados às negociações do imóvel da R., já se vê que as despesas que a A. teve antes da reunião de 24 de julho, em que as partes acordaram na realização do contrato promessa de compra e venda do imóvel de acordo com as condições que aí estabeleceram e que só faltava redigir em documento formal, não apresentam um nexo causal com a violação do dever de lealdade da R., que só ocorre posteriormente, pelo que só a partir de tal data pode dizer-se que a R. com o seu comportamento criou na A. a expetativa séria de vir a celebrar o contrato promessa de compra e venda.
Acompanha-se aqui inteiramente o entendimento expresso na sentença recorrida quando aí se refere: “Concretamente no que diz respeito às diligências de avaliação do imóvel que compreendem as visitas e relatórios, análise de documentação, com vista a decidir se este serve os objectivos da Autora, nenhum nexo de causalidade existe com a recusa da Ré em formalizar o contrato promessa de compra e venda, correspondendo a diligências normais de quem se encontra a avaliar o mercado para fazer uma aquisição, não tendo a Ré que suportar tais custos.”
Só existe obrigação de indemnizar relativamente aos prejuízos que a A. teve, a partir do momento em que viu goradas pela R. em violação do princípio da boa fé, as suas fundadas expectativas de realizar o negócio, sendo que num primeiro momento há uma série de diligências que tiveram um custo, mas que são por ela efetuadas no seu interesse exclusivo, reportando-se à obtenção de elementos ou informações que tem como úteis para formar a sua decisão de contratar e que, nessa medida, não resultam da quebra da confiança na celebração do negócio, não podendo qualificar-se como danos indemnizáveis por não se verificar quanto a elas o nexo de causalidade com o facto ilícito imputado à R.
Resultou, porém, apurada, a existência de prejuízos que a A. sofreu em razão daquela conduta da R., concretamente e com referência às negociações frustradas da aquisição do prédio da R., a quantia de € 5.000,00 que a A. teve de pagar à sua advogada, na assessoria por ela prestada, que teve em vista à formalização do contrato promessa de compra e venda já ajustado, o que constitui um dano indemnizável que resultou diretamente da conduta ilícita da R.
Reclama ainda a Recorrente uma indemnização por danos que sofreu por ter tido de procurar um imóvel alternativo, bem como as despesas que teve para concretizar a compra do imóvel que veio a adquirir e o valor acrescido que teve de despender em tal negócio em razão de obras que teve de realizar.
No que se refere ao alegado valor superior em que lhe ficou a compra do imóvel alternativo que veio a concretizar, e que a A. contabiliza como prejuízo, desde logo não se apurou que assim fosse, não tendo a A. logrado fazer prova de tal dano, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º n.º 1 do C.Civil. Constata-se até, que o valor de aquisição do imóvel alternativo foi substancialmente mais baixo do que o negociado para o imóvel da R., não tendo também ficado apurado o valor que despendeu com as obras que ali realizou.
Além do mais, como também a este propósito entendeu a sentença sob recurso, ainda que assim fosse, considera-se que tal dano nunca se encontraria abrangido pelo nexo de causalidade adequado, necessário à constituição da obrigação de indemnizar.
O imóvel alternativo foi escolhido pela A. certamente em razão da sua dimensão, valor e adequação às suas necessidades, correspondendo a uma opção de compra com custos que nunca podem considerar-se imputáveis à violação do dever de lealdade da R., por não constituírem uma causa provável do seu comportamento.
Do mesmo modo que a opção de compra, as despesas que a A. entendeu fazer para formar a sua decisão de adquirir o imóvel, designadamente com a obtenção de pareceres técnicos, bem como os custos que teve com a sua advogada na assessoria do contrato promessa e da escritura, são despesas que a A. sempre teria na compra de um qualquer imóvel, independentemente da conduta da R., não constituindo um dano específico e que com toda a probabilidade derivou do comportamento da R. de não formalizar o contrato promessa, não se verificando quanto a eles o nexo de causalidade previsto no art.º 563.º do C.Civil.
Salienta-se que os honorários pela negociação de um novo contrato promessa não representam um custo acrescido para a A. a partir do momento em que vê ressarcido o pagamento que fez à Ilustre Advogada pela negociação do anterior contrato promessa frustrado, esse sim um custo imputado à R. precisamente em consequência do seu ato.
Não se censura por isso a posição tomada na sentença, quando aí se diz: “Temos ainda que analisar o valor que a Autora acabou por ter de gastar no negócio de aquisição dos seis pisos na Avenida …, … e …, incluindo obras nos pisos e nas zonas comuns – EUR 191.250,00, embora tal valor não tenha sido demonstrado; Admitindo que a diferença de valor entre os imóveis foi aquele, ainda assim, o valor que a Autora despendeu a mais na compra de um imóvel não corresponde ao conceito de dano e muito menos a dano indemnizável à luz do enquadramento jurídico que temos vindo a seguir. É a própria Autora a referir que negociou livremente o imóvel que é diferente daquele que a 1ª Ré tinha para vender. Naquela negociação certamente ponderou as vantagens que o mesmo lhe traria para a sua actividade, aceitando pagar por ele a quantia estipulada e ainda fazer obras no mesmo para o adaptar às suas necessidades. Assim sendo, não se vê como responsabilizar a Ré pelo pagamento dessa diferença.”
A conduta ilícita da R., de por fim às negociações e não concretizar o contrato promessa apalavrado, não constituiu causa adequada para a realização das despesas que a A. veio a fazer mais tarde com a sua opção de negociar e adquirir outro imóvel, não se verificando quanto a elas o nexo causal previsto no art.º 563.º do C.Civil necessário à constituição da obrigação de indemnizar.
Em face do fica exposto, e perante os factos apurados, resulta que a A. teve um prejuízo de € 5.000,00 causado pela conduta ilícita da R., em violação do dever da boa fé, ao não se dispor a formalizar o contrato promessa de compra e venda do imóvel, não tendo logrado fazer prova de que o seu património foi afetado em valor superior como consequência adequada daquela comportamento.
A apelação procede em parte, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e condenando-se a B.P. B… – Compra e Venda de Administração de Imóveis, S.A. a pagar à A. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, nos termos do art.º 805 n.º 1 do C.Civil, mantendo-se a sentença quanto ao demais.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o recurso interposto pela A. parcialmente procedente, revogando-se em parte a sentença e condenando a 1ª R. B.P. – Compra e Venda de Administração de Imóveis, S.A. a pagar à A. a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, mantendo-se quanto ao demais.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 4 de julho de 2024
Inês Moura
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira