ALIMENTOS A FILHO MAIOR
INTERRUPÇÃO DA FREQUÊNCIA DO ENSINO
Sumário

1. - Nos termos do n.º 2 do artigo 1905.º, do Código Civil, na nova redacção, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade;
2. – Ou seja, a pensão de alimentos fixada para o filho durante a menoridade continua a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado o ónus de, pretendendo a tal obrigação por termo, alegar e provar em competente acção os factos que constituem os pressupostos dessa extinção.
3. – Provando-se que o filho maior interrompeu a frequência de ensino superior por não se ter adaptado ao mesmo, retomando os estudo no ano seguinte em novo/diverso curso superior, tal não obroga sem mais a  concluir que o alimentando incorreu sido livremente em interrupção do processo de educação ou formação profissional, nos termos e parse fitos do nº 2, do art.º 1905º, do CC.
4. - As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objecto de homologação, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa
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1. - Relatório                         
A, instaurou, em 9 de Junho de 2022, acção/incidente de incumprimento de acordo de regulação das responsabilidades parentais, contra B, peticionando que, e com referência ao menor (filho de ambos) C seja:
a) O requerido condenado no pagamento da quantia de 6.080,57€ (seis mil e oitenta euros e cinquenta e sete cêntimos) devida a título de pensões alimentícias vencidas e não pagas e das respectivas actualizações, acrescidas de juros de mora a contar desde a data da notificação do presente incidente ao Requerido e até efectivo e integral pagamento;
b) Ordenado, nos termos do artigo 41.º, nº 1, primeira parte da Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo, por parte do Requerido, dos valores em atraso;
c) Ordenado, nos termos do artigo 41.º, nº 1, primeira parte da Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo, por parte do Requerido, da pensão de alimentos a que se encontra obrigado quanto ao filho C, a fim de tornar efectiva a prestação de alimentos a que o Requerido se encontra obrigado, a título de prestações vincendas e que no ano de 2022 ascende ao valor mensal de 689,28 euros, nos termos do disposto no artigo 48.º alíneas a) e b) da Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro.
1.1- Para tanto, alegou a requerente, em síntese, que:
 - Na sequência do divórcio de requerente e requerido, regulou-se [em Setembro de 2014] as responsabilidades parentais dos filhos de ambos, então menores, D e C, obrigando-se o pai ao pagamento, a título de pensão de alimentos aos mesmos da quantia mensal de €1.300,00, valor esse, a ser revisto no início de cada ano, considerando como base de revisão o valor da inflação do ano transacto, bem como no caso de aumento substancial das despesas diárias dos menores;
- Não obstante o referido, certo é que em Novembro de 2021, o requerido não pagou a pensão de alimentos inicialmente acordada, tendo-o feito só em Dezembro desse ano, acrescida da quantia de €599,00 que a requerente considerou como valor de actualização e imputou na proporção de metade (€299,50) ao valor global em causa das duas pensões vencidas àquela data.
- Ou seja, deve o requerido ao filho C, a título de actualizações, a quantia de €1.563,96, à qual deve ser deduzido o valor de €299,50, restando em dívida o valor de €1.264,46, e, a título de pensão de alimentos, vencidas entre os meses de Dezembro de 2021 e Junho de 2022, deve o requerido o montante de €4.816,11, o que perfaz a quantia total em dívida de €6.080,57.
1.2 –  Notificado o requerido para, em 5 dias, alegar o que tiver por conveniente (art.º 41º, nº 3, do RGPTC),veio o mesmo fazê-lo [apresentando defesa por excepção e impugnação, e pugnando pela improcedência do Incidente de Incumprimento, reclamando ainda a condenação da Requerente como litigante de má-fé em multa a arbitrar pelo Tribunal e em indemnização a favor do Requerido não inferior à quantia que a mesma peticiona nos autos.
1.3. – Designada a realização de uma conferência de pais,  e não tendo sido possível alcançar um acordo, suspendeu-se a mesma [ao abrigo do disposto no artigo 38.º alínea b) do RGPTC] e, reatada a Conferência a 20/6/2023 [na mesma não se mostrou mais uma vez possível o acordo entre as partes], foram requerente e requerido notificados para apresentarem alegações e indicarem prova nos termos do disposto nos artigos 39.º n.º 4 do RGPTC, o que ambos fizeram
1.4. -  Designada a AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, veio a mesma a ter lugar [iniciada a 6/2/2024 e concluída a 7/3/2014] e, conclusos os autos para o efeito, proferiu-se a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
(…)
Decisão:
Pelo exposto, julga-se não verificado o incumprimento por parte do requerido do regime do exercício das responsabilidades parentais no que respeita ao direito de alimentos ao jovem C.
Custas a cargo da requerente, fixando-se o valor do presente incidente em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Notifique.
22/3/2024”.
1.5. -  Discordando da decisão/sentença referida em 1.4., veio de imediato e em tempo a requerente A da mesma apelar, aduzindo em sede de instância recursória as seguintes conclusões:
I. Os presentes autos foram suscitados pela Recorrente face à atitude do Requerido de, perante a maioridade do C atingida em Outubro de 2021, ter alterado unilateralmente a pensão de alimentos que até aí (rigorosamente a Novembro de 2021) prestava.
II.Com efeito, o Recorrido eliminou uma das parcelas que compunha a sua obrigação alimentícia perante o filho C que apesar de maior não tinha concluído a sua formação académica.
III. O acordo de regulação das responsabilidades parentais homologado pela decisão do Conservador do Registo Civil que decretou igualmente o divórcio por mútuo consentimento previa na Cláusula 3ªA título de comparticipação nos encargos com os menores o pai satisfará uma pensão, constituída pelas seguintes parcelas:
a) Pagamento, a título de pensão de alimentos, da quantia mensal de €1.300,00 (mil e trezentos euros) por transferência bancária até ao dia 08 de cada mês a que respeita, para o nib … do banco Deutsche Bank, AG, até indicações em contrário por parte da Requerente mulher. O valor acima estipulado por ambos não só será revisto no início de cada ano, considerando como base de revisão o valor da inflação do ano transato, bem como, no caso de aumento substancial das despesas diárias dos menores
b) O pagamento da totalidade das despesas de educação dos menores designadamente mensalidade de colégios, livros e material escolar, incluindo actividades extracurriculares
c) Pagamento da totalidade das despesas de vestuário, desde que manifestamente necessário
d) Pagamento da totalidade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores”.
IV. O Tribunal deu como provado que:
2. Por decisão proferida pela Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Civil de Lisboa 2 de Setembro de 2014, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento das partes e foram homologados os respetivos acordos, entre os quais o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
V. E deu igualmente como provado que:
5. No acordo mencionado em 2 ficou decidido que os filhos ficavam aos cuidados de mãe e residiriam com esta e que, a título de comparticipação nos encargos com aqueles, pai pagaria uma pensão de alimentos no valor global de 1300 EUR/mês, valor esse que seria revisto no início de cada ano, considerando como base de revisão o valor da inflação do ano transato.
VI. Sucede que, no referido acordo, como transcrito já na conclusão III estava também consignado as demais componentes da pensão de alimentos ou comparticipação nos encargos dos então menores.
VII. O acordo foi homologado por decisão do Conservador, tendo força probatória plena pelo que tem de ser, na integra, dado como provado — cfr artºs 363º, 369º e 371º do C.C.
VIII. Assim, impõe-se o aditamento de um novo facto provado:
                                          Art.º 5-A
5-A No acordo mencionado em 2) ficou ainda definido que, a título de comparticipação nos encargos com os filhos, o pai satisfará ainda o pagamento da totalidade das despesas de educação dos menores designadamente mensalidade de colégios, livros e material escolar, incluindo actividades extracurriculares; o Pagamento da totalidade das despesas de vestuário, desde que manifestamente necessário e o Pagamento da totalidade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores”.
IX. Por outro lado, e também por consequência deste facto que terá de ser dado como provado, mas também por força das declarações prestadas pelo Recorrido (11:30 – 11:50 e 12:10 – 12:16) em audiência de julgamento, terão que ser alterados os factos vertidos no ponto 15, 17 e 19.
É que, o Recorrido suportou sempre e desde o divórcio do casal, as despesas de saúde, vestuário, transporte e telefone dos filhos menores.
X. Assim, os factos 15, 17 e 19 devem ter a seguinte redação, atenta a prova (documental e declarações de parte) produzida:
15. Enquanto o C frequentou o curso de Gestão Hoteleira, o requerido suportou integralmente as propinas respectivas, no montante de 350 euros mensais, os transportes e telefone do filho, e continuou a suportar as despesas de vestuário, calçado, e saúde como definido em 5-A).
17. Após o mês de Novembro de 2021, data em que o C anulou a matricula, o requerido continuou a suportar as despesas de transporte e telefone daquele e continuou a suportar as despesas com vestuário, calçado, saúde como definido em 5-A).
19. A partir de Outubro de 2022, logo que o C ingressou no curso de Animação Sociocultural, o requerido voltou a entregar mensalmente ao C a quantia de 400€ mensais, a suportar integralmente as propinas mensais no valor de 80,00 euros, as despesas de transporte e telefone e continuou a suportar todas as demais despesas escolares, com vestuário, calçado, saúde, como definido em 5-A).
XI. O Recorrente confessou - e bem - que unilateralmente decidiu alterar a pensão de alimentosa que estava vinculado, eliminando uma das parcelas a que estava vinculado e que para tanto deveria ter recorrido ao processo judicial adequado.
XII. Consequentemente, e suportados nas declarações de parte prestadas (sessão de julgamento de dia 06/02/2024, registo de início 1lh30, término 1lh50; retorno 12hl0 a 12hl6), deverão ser aditado outros dois pontos aos factos dados provados:
13.A - O Requerido comunicou à Requerente a sua decisão unilateral de eliminar uma das parcelas integradoras da pensão de alimentos, tal qual estava definida.
13.B - O Requerido sabia que deveria recorrer aos meios judiciais para alterar a pensão de alimentos fixada.
XIII. Ao contrário daquilo que o Tribunal a quo conclui a partir dos factos que considerou provados, o Recorrente não iniciou o custeio das despesas de saúde, educação, vestuário e transportes com o filho C em substituição do valor pecuniário que entregava à mãe.
Todos estas despesas cumulavam com o valor pecuniário entregue à mãe e integravam a pensão de alimentos fixada.
XIV. Porém, o Tribunal a quo considerou que “não vemos como excluir a integração dos montantes pagos diretamente pelo requerido ao filho maior C, os valores suportados com transporte, telefone, saúde, educação do conceito de alimentos, que em muito ultrapassa o caráter do donativo associada à mesada.
Pelo que, mostrando-se provadas tais entregas de quantias consideráveis ao filho C, acrescidas ao facto de suportar integralmente todas as despesas essenciais como educação, a saúde, o vestuário e calçado do C, há que considerar que estão inequivocamente incluídos na natureza, isto é, no conteúdo útil da obrigação de alimentos – v.g. Despesas concernentes à saúde do alimentado.”
XV. Não divergindo do Tribunal recorrido quanto ao conceito de alimentos - tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário -, diverge a Recorrente da decisão tomada porquanto a mesma considerou existir o cumprimento da obrigação de alimentos por parte do Recorrido.
XVI. Porém, e como resultou provado, apesar de não ter sido considerado na sentença recorrida, o Recorrido já estava vinculado a esta obrigação de alimentos e a mesma não se substitui ao quantum pecuniário fixado e incumprido.
XVII. Ou seja, a pensão definida por acordo de ambos incluía também aquilo que o Tribunal a quo considerou como o cumprimento da obrigação de alimentos, mas ia e vai para além disso.
Ao ir para além disso e não tendo o Recorrido prestado tudo quanto se obrigou, ficou aquém, ou seja, incumpriu.
XVIII. Por regra, os alimentos são prestados em prestações pecuniárias mensais. Contudo, também é admissível a prestação de alimentos de uma outra forma, designadamente por acordo conforme o n. 1 do artigo 2005 do Código Civil o prevê, o que foi o caso dos autos em que se cumulam formas de satisfazer os encargos com os filhos: numa prestação pecuniária mensal no valor de 665€ e na satisfação das despesas de saúde, vestuário e escolares.
XIX. Qualquer alteração à pensão, implica sempre ou um acordo quanto ao objecto da mesma, ou uma decisão judicial que assim o considere.
Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/11/2023, 1099/20.9T8PRD-D.P1: “O acordo ou a decisão final de regulação do exercício das responsabilidades parentais podem sempre ser alterados a requerimento de qualquer um dos progenitores quando se torne necessária, na sequência de circunstâncias supervenientes, a modificação do regime estabelecido.”.
XX. O Recorrido ao pretender eliminar uma das componentes da pensão de alimentos a que estava obrigado sabia que deveria recorrer a um procedimento judicial de alteração da regulação das responsabilidades parentais, mas não o fez.
XXI Sem essa alteração judicialmente apreciada e decidida, a obrigação, tal qual foi definida no acordo homologado em 2014 mantém-se válida e eficaz.
Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 1545/18.1 T8FIG-J.C1 de 8 de Julho de 2021: “As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objecto de homologação, também quanto a prestações de alimentos e a despesas disciplinadas em sentença respectiva, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada.”
XXII. A decisão recorrida fez errada apreciação da matéria de facto, a qual devem ser aditados novos factos e fez igualmente errada interpretação de direito, designadamente o disposto pelos art.ºs 41º e 42º do R.G.P.T.C, a qual, em qualquer caso, tem de ser alterada e substituída por outra que declare o incumprimento suscitado, por ser de elementar Justiça!
1.6.- Com referência à apelação identificada em 1.5., veio o recorrido B apresentar contra-alegações, terminando-as com as seguntes conclusões:
1. O recurso interposto pela Recorrente deverá ser julgado totalmente improcedente, na medida em que não deve ser atendida a impugnação da matéria de facto que a mesma traz aos autos, nem a fundamentação de Direito, porquanto a sentença recorrida decidiu corretamente e não incorreu em qualquer erro ou violação de lei que pudesse sustentar a sua substituição por outra.
2. A Recorrente peticiona a alteração do ponto 5) da matéria provada na sentença recorrida com base no disposto na Cláusula 3ª do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, uma vez que o Recorrido também estava obrigado a custear as despesas de educação, saúde e vestuário dos filhos, sendo essa uma parcela da pensão de alimentos.
3. Mas deve tal desiderato improceder, na medida em que nos presentes autos apenas está em causa um alegado incumprimento da obrigação de pagamentos do montante da pensão de alimentos referente ao C, e ainda atualizações, não estando em discussão qualquer incumprimento do pagamento de despesas, as quais o Recorrido nunca cessou de pagar, pagando outras a cujo pagamento não estava legalmente obrigado.
4. Deve também recusar-se o aditamento à matéria de facto dos pontos 13A e 13B pretendido pela Autora, na medida em que das declarações do Recorrido que a mesma transcreve não resultam os factos que a mesma pretende ver provados.
5. E isso porque o Recorrido afirma nas mesmas, muito claramente, que sempre pretendeu a resolução extrajudicial do diferendo que está na base dos presentes autos e que apenas em face da presente ação perspetivou o recurso aos meios judiciais; para além disso, nunca decidiu unilateralmente eliminar qualquer parcela da pensão de alimentos, tendo este procurado apenas e só chegar a um consenso com a Recorrente para efeitos de ajuste daquela pensão (Declarações de Parte do Recorrido, minutos 02:00 a 3:35, e minutos 3:55 a 4:40, horas 11:30 a 11:50, acima transcritas na página 8.)
6. Também os aditamentos aos pontos 15, 17 e 18 alegados pela Recorrente devem ser indeferidos, uma vez que são adaptações da matéria de facto à sua perspetiva que têm na génese a alteração do ponto 5) como acima referido, o que se rejeita.
7. No que à matéria de Direito concerne, a Recorrente baseia as suas Alegações no argumento de que o Recorrido, ao pagar as despesas do filho como fez e mesmo considerando as entregas de dinheiro àquele, apenas se limitou a cumprir com a parcela da pensão de alimentos referente a despesas e que, como tal, havia incumprido a obrigação de pagamento da pensão de alimentos propriamente dita, assim como das atualizações peticionadas.
8. Conclui assim a Recorrente que o Recorrido, ao agir como agiu, teria alterado de forma unilateral o acordo de regulação das responsabilidades parentais vigente.
9. Mas tal não corresponde à verdade porquanto o Tribunal a quo baseou a sua decisão no facto de o Recorrido entregar ao filho quantias avultadas, verdadeiros “alimentos”, e que além dessas quantias pagava, integralmente, as despesas previstas no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais como sejam as de educação, o vestuário e saúde:
“(…) mostrando-se provadas tais entregas de quantias consideráveis ao filho C, acrescidas ao facto de suportar integralmente despesas essenciais com a educação, a saúde, o vestuário e calçado do C, há que considerar que estão inequivocamente incluídos na natureza, isto, é, no conteúdo útil da obrigação de alimentos – v.g., despesas concernentes à saúde do alimentado.”
“(…) Mais resultou provado que a partir de Dezembro de 2021 e até ao ingresso do C no curso superior de Animação Sociocultural o requerido entregou directamente ao filho €100,00, suportou todas as despesas de saúde, de transporte, de telefone, de vestuário e calçado do mesmo, e bem assim, com as explicações de Português.”
10. O Recorrido, para além das despesas decorrentes do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, pagou ainda todas as explicações, calçado, transportes (passe, viatura automóvel, despesas com a viatura automóvel), telefone, bem como as viagens ao estrangeiro. E tudo isto se somava e continua a somar ao valor que entregava, e entrega, mensalmente ao filho.
11. Mesmo após a anulação da matrícula do C (08/11/2021), o Recorrido transferia uma média de 410,00€ mês para a conta do filho C, como resulta dos extratos bancários juntos aos autos (cfr. Documento n.º 3 junto com o requerimento com a Ref. Citius 34095754).
12. Em face das avultadas quantias que pagava para suportar aquelas despesas (explicações, aquisição e manutenção de viatura automóvel, viagens para o estrangeiro, entre outras), é forçoso concluir que o Recorrido suportava todas as despesas do filho e que as mesmas até superariam o valor fixado no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais para os alimentos stricto sensu.
13. A isto acrescente-se o facto de o Tribunal a quo ter levado em conta o princípio da igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção do filho.
14. Ao abrigo daquele princípio, e em face dos rendimentos da Recorrente (5.000€/mês), seria inaceitável, sob pena de enriquecimento sem causa da mesma, imputar ao Recorrido qualquer incumprimento quando é este que tem vindo a suportar todas as despesas do C! Não se compreenderia que, nessa situação, fosse o Recorrido obrigado a entregar ainda à Recorrente cerca de 650,00€/mês por conta de alegados “alimentos”.
15. Mesmo que tal fosse devido – e não é – sempre haveria in casu uma situação de abuso de Direito, pois a própria Recorrente confessou que se encontrava numa situação financeira confortável, capaz de proporcionar ao C uma vida confortável, mesmo sem receber a pensão cujo pagamento nestes autos reclama (Declarações de Parte da Recorrente, minutos 15:41 a 16:42, acima transcritas na página 14).
16. Ao C nunca faltou nada e isso resulta muito claro das declarações da Recorrente, isto apesar de a mesma alegar o incumprimento do Recorrido.
17. É totalmente contrário ao referido princípio da igualdade entre os progenitores aceitar que o Recorrido deve o que quer que seja à Recorrente quando se sabe que é este que custeia todas as despesas do C e que até vai muito para além daquilo que foi estabelecido no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, o que faz diretamente ao filho, por ser ele o titular do direito, ao invés de entregar tais quantias à Mãe.
18. Qualquer quantia que a Recorrente peticiona extravasa as necessidades do filho e, como tal, não é devida e não se verifica qualquer incumprimento.
19. Aliás, diga-se que, atento o princípio da igualdade entre progenitores, o normal seria que os mesmos, tendo rendimentos elevados, pudessem repartir as despesas dos filhos – todavia, o que a Recorrente pretende choca os mais elementares princípios de justiça, é desproporcional e desprovido de razão, na medida em que o Recorrido tem sido ao longo dos anos sobrecarregado com a totalidade das despesas do C e dos restantes filhos (ainda que nunca se tenha demitido de continuar a suportar as despesas dos filhos!).
20. Por fim, sendo este processo de jurisdição voluntária nos termos do art.º 12.º do RGPTC, tal significa que, nos termos do art.º 987.º do CPC, aplicável ex vi art.º 33.º, n.º 1 do CPC, os tribunais não estão sujeitos a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julguem mais conveniente e oportuna.
21. Assim, mesmo na eventualidade de à defesa do Recorrido não ser dado provimento por referência a critérios de legalidade estrita, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que o Tribunal a quo decidiu nos presentes autos fazendo apelo à proporcionalidade e adequação que se impõem em face da factualidade dada como provada e de tudo quanto o Recorrido paga ao filho, seja entregando-lhe as quantias em dinheiro que ficaram provadas e as que constam dos extratos bancários, seja pagando-lhe as despesas previstas no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais e outras ali não previstas como supra se referiu.
22. Não tendo ficado demonstrada nenhuma despesa suportada pela Recorrente com base no Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais.
23. O Recorrido vem ainda requerer, ao abrigo do art.º 636.º, n.º 1 do CPC, a ampliação do objeto do recurso em relação a alguns fundamentos da ação em que assentou a sua defesa e aos relativamente aos quais decaiu perante o tribunal a quo, não obstante a sentença recorrida ter sido favorável ao Recorrido.
24. No momento em que foi intentado o Incidente de Incumprimento, não estavam verificados os requisitos legais do mesmo porquanto o C havia anulado a matrícula a 08/11/2021, interrompendo voluntariamente os seus estudos.
25. A Recorrente procurou, ardilosamente, obviar a essa circunstância juntando um comprovativo de matrícula do C daquele ano letivo, mas omitindo que o mesmo havia anulado a matrícula, o que apenas veio ao conhecimento do Tribunal a quo em Outubro de 2022, com a junção do documento respetivo efetuada pelo Recorrido.
26. Pelo exposto, torna-se evidente que a ação não podia prosseguir, por não estarem reunidos os requisitos legais para que pudesse ser exigido ao Recorrido o pagamento das quantias pretendidas pela Recorrente.
27. Devendo, a ação ter sido indeferida por falta de requisitos legais para prosseguir e, assim, o presente recurso ser considerado totalmente improcedente.
28. A interrupção voluntária dos estudos por parte do C é uma das situações previstas na lei (art.º 1905 n.º 2 e 1880.º, ambos do CC) que determina a cessação do pagamento da pensão de alimentos para além da maioridade, por parte do progenitor encarregue de tais pagamentos.
29. O C não sabia se iria ingressar no ensino superior no ano letivo seguinte, nem que curso queria, pois, o que o C pretendia era, na realidade, “desistir” daquele ano letivo e depois decidir o seu futuro, que poderia passar por retomar ou não os estudos.
30. Aliás, após interrupção voluntária dos estudos, o C esteve empregado, chegou a celebrar contrato de trabalho – depois denunciado no período experimental – e fez até ações de voluntariado, o que nada tinha a ver com a sua formação profissional!
31. Com base no depoimento da testemunha R (Depoimento da testemunha R, minutos 09:50 a 10:40 e 11:36 a 12:10, páginas 22 e 23), deveria ter sido dado como provado o seguinte facto, cujo aditamento desde já se requer:
“9A – Após a anulação da referida matrícula, o C celebrou contrato de trabalho subordinado, o qual veio a ser denunciado no período experimental, e ainda participou de pelo menos duas acções de voluntariado no estrangeiro.”
32. Depois, persuadido pelo Recorrido, o C acabou por ter explicações com o intuito de realizar exame a português, como aluno externo e apenas no final do ano letivo, garantindo o ingresso num curso no ano letivo seguinte.
33. É irrelevante para apurar a existência de “livre interrupção do processo de educação ou formação profissional”, o facto de o Recorrido ter pago as explicações do C para o mesmo fazer um exame que lhe permitisse candidatar-se a um novo no curso.
34. O Tribunal a quo jamais poderia olvidar que o C interrompeu livremente o seu curso, situação que não se confunde com a falta de conclusão do seu processo de educação, como resulta do art.º 1905 n.º 2 do CC.
35. A anulação da matrícula foi uma ideia e decisão unilateral do próprio C, contra a vontade dos pais, em especial do Recorrido.
36. O Recorrido foi forçado a conformar-se e a aceitar este facto, mas tal não pode configurar matéria suficiente para desqualificar a “interrupção dos estudos” que o C levou a cabo e foi reconhecida por ambas as partes, estando em causa pensões de alimentos que dizem respeito aos meses em que o C não esteve matriculado.
37. A jurisprudência portuguesa tem inclusive vindo a considerar que a interrupção por livre iniciativa corresponde a uma “(…) ação do agente consciente, informada e livre de qualquer constrangimento, quer ao nível económico, quer social.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-06-2021, Proc: 54/03.8TBSCD-E.C1)
38. Assim, é forçoso concluir que este é o caso dos autos, pois o C conscientemente decidiu interromper o curso sabendo o que tal implicava e não tendo sido constrangido económica ou socialmente para tal.
39. Pelo que deveria ter a exceção de extinção do direito da Recorrente com base no disposto no art.º 1905.º do CC, alegada pelo Recorrido diante do Tribunal a quo, sido acolhida na sua totalidade.
40. A decisão recorrida que considerou não haver in casu qualquer incumprimento por parte do Recorrido é a que se impõe face à prova produzida, por ser a única capaz de assegurar uma justa composição do litígio dos autos.
Nestes termos e nos melhores de Direito doutamente supridos por Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, e admitida a ampliação do objeto do recurso nos termos requeridos, só assim se fazendo a habitual e acostumada JUSTIÇA.
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
a) Aferir se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de FACTO, impondo-se a prolação de decisões diversas no tocante aos pontos de facto impugnados pela apelante;
b) Indagar se a sentença apelada se impõe ser alterada, reconhecendo-se – em face da factualidade provada – ter o apelado incorrido em incumprimento [em sede de alimentos] do acordo de regulação do poder paternal e, como tal, ser condenado a pagar à requerente/apelante os montantes reclamados;
c) Aferir se importa conhecer da ampliação do âmbito do recurso, a requerimento do recorrido, nos termos do art.º 636º, do Código de Processo Civil;
d) Sendo afirmativa a resposta ao referido em c), aferir da pertinência da reclamada:
i)  alteração da decisão de facto;
ii) procedência de excepção subsumível à II parte do art.º 1905º, nº 2, do CC;
iii) procedência de excepção subsumível ao art.º 334º, do Código Civil.
*
2. - Motivação de Facto
No âmbito da decisão relativa à matéria de facto, fixou o tribunal a quo a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1.- Requerente e requerido contraíram matrimónio em 19 de Maio de 1983.
2.2. - Por decisão proferida pela Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Civil de Lisboa de 2 de setembro de 2014, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento das partes e foram homologados os respetivos acordos, entre os quais o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais;
2.3 - C nasceu no dia 20 de Outubro de 2003 e é filho de A e de B.
2.4 - D nasceu no dia 12 de janeiro de 1997 e é filho de A e de B.
2.5 - No acordo mencionado em 2.2. ficou definido que os filhos ficavam aos cuidados da mãe e residiriam com esta e que, a título de comparticipação nos encargos com aqueles, o pai pagaria uma pensão de alimentos no valor global de €1.300,00/mês, valor esse que seria revisto no início de cada ano, considerando como base de revisão o valor da inflação do ano transacto.
2.6 - C atingiu a maioridade no dia 20 de Outubro de 2021.
2.7 - Em Setembro de 2021 o C ingressou no curso de Gestão Hoteleira, da Universidade Europeia e, decorrido pouco tempo, percebeu que o curso não correspondia às suas expectativas.
2.8. - Nessa sequência, comunicou ao requerido e à requerente que iria cancelar a matrícula e iniciar um processo de estudo para melhoria de notas do 12º ano e candidatura em Julho de 2022 a um outro curso superior.
2.9 - A 8 de novembro de 2021, C anulou a sua matrícula no Curso de Gestão Hoteleira da Universidade Europeia.
2.10 - Após o que teve apoio de explicações da disciplina de português, cujo custo foi suportado integralmente pelo requerido, com vista à sua preparação para o exame de acesso ao ensino superior, no curso por si selecionado.
2.11 - No ano lectivo de 2022/23, o C ingressou no ensino superior no curso por si pretendido de Animação Sociocultural do Instituto Politécnico de Setúbal, frequentando actualmente o 2º ano.
2.12 - Em Dezembro de 2021, o requerido transferiu para a conta da requerente a pensão de alimentos fixada a favor dos filhos C e D, respeitante ao mês de Novembro de 2021, no montante de €1.300,00, acrescidos de €599,00.
2.13 - Desde essa data não mais transferiu quaisquer quantias para a conta da requerente respeitantes aos alimentos fixados a favor do C.
2.14 - Desde a data do divórcio e até à presente data, o C reside em casa da requerente.
2.15 - Enquanto o C frequentou o curso de Gestão Hoteleira, o requerido suportou integralmente as propinas respectivas, no montante de €350,00 mensais, vestuário, o calçado, as despesas de saúde, as despesas com transporte e as despesas com telefone do filho.
2.16 - Para além das despesas mencionadas em 2.15, o requerido entregou mensalmente ao C, durante aquele período, a quantia de €400,00.
2.17 - Após o mês de Novembro de 2021, data em que o C anulou a matrícula, o requerido continuou a suportar todas as despesas com vestuário, calçado, saúde, transporte e telefone daquele.
2.18 - Para além disso, suportou integralmente as despesas das explicações do C para melhoria da nota da disciplina de português, com vista a que o mesmo pudesse ingressar noutro curso superior, e entregou-lhe por mês a quantia de €100,00.
2.19 - A partir de Outubro de 2022, logo que o C ingressou no curso de Animação Sociocultural, o requerido voltou a entregar mensalmente ao C a quantia de €400,00 mensais, a suportar integralmente as propinas mensais no valor de €80,00 e todas as demais despesas escolares, continuando a suportar as despesas com vestuário, calçado, saúde, transporte e telefone.
2.20 - A requerente é médica oncologista e aufere mensalmente a quantia de €5.000,00.
2.21 - O requerido é médico cirurgião e aufere mensalmente a quantia de €10.000,00.
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B) NÃO PROVADA
Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, designadamente que:
- O requerido opôs-se a que o filho C tivesse anulado a matrícula em Gestão Hoteleira.
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3. – Se, em razão da impugnação – pela apelante - da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, devem alguns dos respectivos pontos de facto ser alterados.
No âmbito das alegações (stricto sensu) e conclusões da A/recorrente, descortina-se com clareza a não aceitação pela mesma do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, designadamente a discordância no tocante ao conteúdo de DIVERSOS pontos de facto julgados provados [V.G. o 2.15, o 2.17 e o 2.19].
A amparar a invocada discordância invoca a apelante as próprias declarações prestadas pelo requerido/progenitor, e, bem assim, a prova documental junta aos autos.
Ainda no âmbito das alegações recursórias [stricto sensu], reclama a apelante que aos pontos de facto impugnados e supra indicados seja atribuída uma diversa redacção, a saber, que:
2.15. - Enquanto o C frequentou o curso de Gestão Hoteleira, o requerido suportou integralmente as propinas respectivas, no montante de 350 euros mensais, os transportes e telefone do filho, e continuou a suportar as despesas de vestuário, calçado, e saúde como definido em 5-A).
2.17 - Após o mês de Novembro de 2021, data em que o C anulou a matricula, o requerido continuou a suportar as despesas de transporte e telefone daquele e continuou a suportar as despesas com vestuário, calçado, saúde como definido em 5-A).
2.19 - A partir de Outubro de 2022, logo que o C ingressou no curso de Animação Sociocultural, o requerido voltou a entregar mensalmente ao C a quantia de 4006 mensais, a suportar integralmente as propinas mensais no valor de 80,00 euros, as despesas de transporte e telefone e continuou a suportar todas as demais despesas escolares, com vestuário, calçado, saúde, como definido em 5-A).
Já em sede de conclusões recursórias [conclusões IX a XI], indica outrossim a apelante os pontos de facto impugnados e quais as diversas “respostas/julgamentos” que deste tribunal de recurso reclama.
Mostrando-se, em suma, e no essencial observados os diversos ónus do art.º 640º, nº1, do CPC, nada obsta [sem prejuízo de entendimento diverso e mais pormenorizado a proferir mais adiante a propósito de cada ponto de facto em concreto], portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados e impugnados.
E conhecendo.
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3.1. – Do ADITAMENTO de Ponto de facto
Porque alegadamente essencial à decisão a proferir e porque ademais comprovado por documento [alegadamente susceptível de integrar a previsão do artigo 371º do Código Civil], reclama a apelante que à decisão de facto seja adicionado um novo ponto de facto, devendo o mesmo ter a seguinte redacção:
5-A
“No acordo mencionado em 2.2. ficou ainda definido que, a título de comparticipação nos encargos com os filhos, o pai satisfará ainda o pagamento da totalidade das despesas de educação dos menores designadamente mensalidade de colégios, livros e material escolar, incluindo actividades extracurriculares; o Pagamento da totalidade das despesas de vestuário, desde que manifestamente necessário e o pagamento da totalidade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores”.
Relativamente à matéria de facto pela apelante indicada, manifesta é a respectiva relevância para o “julgamento” do incidente de incumprimento e, efectivamente, mostra-se a mesma devidamente comprovada através de competente certidão junta com o requerimento inicial de incumprimento.
Destarte, procedendo nesta parte a impugnação, DETERMINA-SE que à decisão de facto do tribunal a quo passe outrossim a constar – como item de facto nº 5-A, o seguinte:
5-A
Do acordo de regulação homologado por Conservadora Civil indicado em 2.2. ficou a constar, designadamente, e no âmbito de cláusula 3ª, que:
A título de comparticipação nos encargos com os menores o Pai satisfará uma pensão, constituída pelas seguintes parcelas:
a) Pagamento, a título de pensão de alimentos, da quantia mensal de €1.300,00 (mil e trezentos euros), por transferência bancária até ao dia 8 do mês a que respeite, para o NIB …, do banco Deutsche Bank AG, até indicações em contrário por parte da Requerente mulher. O valor acima estipulado por ambos não só será revisto no início de cada ano, considerando como base de revisão o valor da inflação do ano transacto, bem como no caso de aumento substancial das despesas diárias dos menores.
b) Pagamento da totalidade das despesas de educação dos menores designadamente mensalidade de Colégios, livros e material escolar, incluindo actividades extra curriculares;
c) Pagamento da totalidade das despesas de vestuário, desde que manifestamente necessário;
d) Pagamento da totalidade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas dos menores.”.
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3.2. –  Do Ponto de facto nº 2.15
Alicerçada nas declarações pelo progenitor proferidas, entende a apelante que deve o ponto de facto nº 2.15. passar a dispor [ao invés de  “Enquanto o C frequentou o curso de Gestão Hoteleira, o requerido suportou integralmente as propinas respectivas, no montante de €350,00 mensais, vestuário, o calçado, as despesas de saúde, as despesas com transporte e as despesas com telefone do filho”] que “ Enquanto o C frequentou o curso de Gestão Hoteleira, o requerido suportou integralmente as propinas respectivas, no montante de 350 euros mensais, os transportes e telefone do filho, e continuou a suportar as despesas de vestuário, calçado, e saúde como definido em 5-A ”.
O “acrescento” a introduzir, na óptica da apelante, tem por desiderato enfatizar o carácter obrigatório/vinculativo das despesas pelo apelado suportadas, maxime em razão do estipulado na cláusula inserta no ponto de facto nº 5-A [por este tribunal introduzida na decisão de facto].
Ora, para começar, importa de imediato acentuar que não obstante o actual CPC não incluir uma qualquer disposição legal com o conteúdo do art.º 646º, n.º 4, do pretérito  CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, as quais, a priori e comodamente [porque têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem (1)], acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o thema decidendum.
Quando muito, porque como bem se nota em Ac. do STJ de 10/9/2015 (2) “o modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo“, aceita-se que o NCPC [com a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova], ao conferir  aos tribunais de instância uma maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, permite agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto.
Ademais, e como bem se salienta no Acórdão do STJ de 22/5/2012 (3), “a distinção entre "matéria de facto" e "matéria de direito", tem vindo a esbater-se cada vez mais, com a crescente passagem para o elenco da primeira de conceitos jurídicos que ingressaram na linguagem comum.”
Ainda assim, tal não invalida,  porém, que continue “actual” o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos -  e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto da devida valoração/subsunção jurídica.
Aqui chegados, certo é que, como bem adverte ABRANTES GERALDES (4), constitui e continua a ser a distinção entre matéria de facto e matéria de direito “uma das questões de maior complexidade de todo o direito processual civil”.
Desde logo, porque como por todos é também reconhecido, “A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta“, sendo que, “A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica“ (5)
É que, como bem ensina CASTANHEIRA NEVES (6), existe um “ continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos”, ou seja, “na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos ”.
Em última instância, portanto, pertinente será concluir que, dependendo dos exactos termos em que a lide se apresenta, então “A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real.  (7)
Munidos dos doutos considerandos doutrinais supra aduzidos, é para nós manifesto que o acrescento pela apelante reclamado tem por desiderato afirmar o carácter vinculativo [de obrigação decorrente de acordo de regulação do poder paternal homologado] e obrigatório das prestações pelo apelado suportadas, pretendendo com o mesmo e no essencial resolver a apelante uma questão de direito.
Sem necessidade de mais considerações, porque a alteração almejada envolve uma valoração de natureza jurídica, inserindo-se na análise jurídica do caso, e, porque tal valoração não pode de todo integrar o acervo factual base a atender/considerar, eis porque improcede nesta parte a impugnação.
*
3.3. –  Dos Pontos de facto com os nº 2.17 e 2.19
Como sabemos já, considera a apelante que o conteúdo dos pontos factos com os nºs 2.17 e 2.19 importa ser alterado, passando a de ambos constar que:
2.17. Após o mês de Novembro de 2021, data em que o C anulou a matricula, o requerido continuou a suportar as despesas de transporte e telefone daquele e continuou a suportar as despesas com vestuário, calçado, saúde como definido em 5-A).
2.19. A partir de Outubro de 2022, logo que o C ingressou no curso de Animação Socio cultural, o requerido voltou a entregar mensalmente ao C a quantia de 400€ mensais, a suportar integralmente as propinas mensais no valor de 80,00 euros, as despesas de transporte e telefone e continuou a suportar todas as demais despesas escolares, com vestuário, calçado, saúde, como definido em 5-A).
Manifestamente, subjacente às alterações reclamadas com referência aos pontos de facto com os nºs 2.17 e 2.19, mostra-se o propósito identificado em 3.2., ou seja, tem a apelante por desiderato afirmar o carácter vinculativo [de obrigação decorrente de acordo de regulação do poder paternal homologado] e obrigatório das prestações pelo apelado suportadas, pretendendo com o mesmo e no essencial resolver a apelante uma questão de direito.
Destarte, aplicando-se aqui os considerados expostos em 3.2. [que se aplicam mutatis mutandis], Sem necessidade de mais considerações, porque a alteração almejada envolve uma valoração de natureza jurídica, inserindo-se na análise jurídica do caso, e, porque tal valoração não pode de todo integrar o acervo factual base a atender/considerar, eis porque improcede nesta parte a impugnação.
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3.4. –  Dos Pontos de facto a adicionar à decisão de facto [com os nº 2.13-A  e 2.13-B].
Invocando novamente as declarações de parte prestadas (sessão de julgamento de dia 06/02/2024, registo de início 1 lh30, término 1 lh50; retorno 12hl0 a 12hl6) pelos Progenitores, reclama a apelante a inclusão na decisão de facto de dois “novos” pontos de facto provados, a saber:
13.A - O Requerido comunicou à Requerente a sua decisão unilateral de eliminar uma das parcelas integradoras da pensão de alimentos, tal qual estava definida.
13.B - O Requerido sabia que deveria recorrer aos meios judiciais para alterar a pensão de alimentos fixada.
Implicitamente, considerará a apelante que ambos os pontos de facto supra indicados contribuirão de alguma forma e serão decisivos para a decisão de mérito do incidente.
Tal convencimento, porém, porque injustificado e, porque é entendimento jurisprudencial pacífico que “Se os factos cuja reapreciação é pretendida não têm a virtualidade de influir na possível solução jurídica do caso, o tribunal ad quem, em estrita observância da regra legal de que são proibidos os actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), deve recusar-se a conhecer dessa matéria juridicamente inócua (8), eis porque se escusa este tribunal de conhecer da pertinência [em face da prova produzida] de ambos os pontos de facto pela apelante indicados deverem integrar a decisão de factos provados.
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4. – Motivação de  Direito
4.1.- Se a sentença apelada se impõe ser revogada, devendo o incidente de incumprimento ser julgado procedente.
A justificar o comando decisório [de decretada improcedência do incidente de incumprimento de decisão homologatória do acordo de regulação do poder paternal] da sentença apelada, verteu a Exmª Juiz a quo na referida peça os seguintes fundamentos:
“(…)
Importa, agora, porém, saber se, no caso, se mostra ou não verificado o invocado incumprimento.
A factualidade provada não oferece dúvidas quanto ao facto de o requerido não ter entregue à requerente o valor das pensões de alimentos fixadas a favor do filho C entre Dezembro de 2021 e Janeiro a Junho de 2022, e bem assim, as actualizações devidas anualmente.
Contudo, mostra-se provado que o requerido até essa data, ou seja, Novembro de 2021 entregava directamente ao filho a quantia mensal de €400,00, suportava todas as suas despesas escolares, designadamente, a propina mensal da universidade, no montante de €350,00, de saúde, de transporte, de telefone, de vestuário e de calçado.
Mais resultou provado que a partir de Dezembro de 2021 e até ao ingresso do C no curso superior de Animação Sociocultural o requerido entregou directamente ao filho €100,00, suportou todas as despesas de saúde, de transporte, de telefone, de vestuário e calçado do mesmo, e bem assim, com as explicações de português.
E que voltou a entregar directamente ao filho C a quantia de €400,00 mensais, para além de suportar as propinas mensais de €80,00 e as despesas com vestuário, calçado, saúde, transporte e telefone.
Importa, pois, perguntar se tais valores integram a prestação alimentícia devida, a cargo do requerido, nos termos acordados.
Como acima já referimos, dispõe o art.º 1878º, nº 1 do Cód. Civil que os pais devem prover ao sustento dos seus filhos menores.
Tal significa que os progenitores são responsáveis por todas as despesas ocasionadas pela educação, alimentação, saúde, vestuário e instrução dos seus filhos menores.
Por isso, entende-se por alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário – art.º 2003º do Cód. Civil.
Como é sabido, a «mesada» traduz-se na entrega de uma quantia, geralmente pelos pais em relação aos filhos, para que estes paguem pequenas despesas correntes.
Assim, a mesada tem na sua base um acto de vontade livremente praticado pelo progenitor, contrariamente ao que sucede com a prestação de alimentos judicialmente fixada, cujo incumprimento, além de poder constituir um ilícito penal, sujeita ainda o devedor à aplicação de sanções pecuniárias, ao eventual pagamento de uma indemnização e a uma ação executiva especial para cobrança dos valores em dívida.
Ora, não vemos como excluir a integração dos montantes pagos directamente pelo requerido ao filho maior C, os valores suportados com transporte, telephone, saúde, educação do conceito de alimentos, que em muito ultrapassa o carácter de um donativo associado à «mesada».
Pelo que, mostrando-se provadas tais entregas de quantias consideráveis ao filho C, acrescidas ao facto de suportar integralmente despesas essenciais com a educação, a saúde, o vestuário e calçado do C, há que considerar que estão inequivocamente incluídos na natureza, isto, é, no conteúdo útil da obrigação de alimentos – v.g., despesas concernentes à saúde do alimentado.
Daí que, tudo ponderado e sopesado, afigura-se-nos não se poder ter por verificado, no caso, o alegado incumprimento, face ao princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção do filho.
Importa, pois, julgar pela improcedência do incidente, nos termos e pelos fundamentos supra indicados.
(…) ”.
Em suma, reconhecendo o tribunal a quo que não entregou o Progenitor [e tal como estava obrigado, em razão do fixado na  cláusula 3ª, do acordo de regulação do exercício do poder paternal] à Progenitora/apelante o valor das pensões de alimentos fixadas a favor do filho C entre Dezembro de 2021 e Janeiro a Junho de 2022, e bem assim, as actualizações devidas anualmente, ainda assim concluiu o mesmo Tribunal que, tudo ponderado e sopesado, importava não se poder ter por verificado, no caso, o alegado incumprimento, face ao princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção do filho.”
Quid Juris?
Mostra-se o objecto do presente incidente de incumprimento relacionado, sobremaneira, com o alegado não pagamento pelo progenitor/apelado da prestação de alimentos fixada em montante pecuniário fixo, no valor mensal de 1.300,00€, e referente aos meses de Dezembro de 2021 a Junho de 2022, totalizando tudo o montante de €4.816,11.
Tendo o C atingido a maioridade [os 18 anos] a 20/10/2021 [porque nasceu a 20 de Outubro de 2003], as prestações mensais pela apelante reclamadas venceram-se já em período em que o C era já maior.
Ora, neste conspecto, reza o art.º 1880º, do CC [sob a epígrafe de “ Despesas com os filhos maiores ou emancipados ”], que “ Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”.
Por sua vez, dispõe o art.º 1905º, do CC [sob a epígrafe de “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”], que:
1- Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
A redacção do último normativo referido, recorda-se, foi introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro [diploma  que altera o CC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, no que respeita ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados], diploma que entrou em vigor 1 de  Outubro de 2015.
Ora, porque aquando atingiu o C a maioridade [em 20/10/2021], já vigorava a nova redacção do artigo 1905.º do CC, e por aplicação do disposto no art.º 12º, do CC, pacífico é que deve o C “beneficiar” da alteração introduzida, e isto porque a nova redação do 1905.º do CC deve – no mínimo - ser aplicável às relações jurídicas constituídas entre filhos e pais antes da sua entrada em vigor, mas em que os filhos venham a atingir a maioridade depois da entrada em vigor da nova redacção – cfr. nº2, do art.º 12º, do CC. (9)
De resto, enveredando por uma interpretação mais ampla, considera por exemplo o STJ [em Acórdão de 8/2/2018 (10)]  que a Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, é lei interpretativa [ conforme disposto no artigo 13.º/1 do Código Civil, na parte em que alterou o artigo 1905.º do Código Civil que passou a prescrever no aditado n.º 2 que " para efeitos do disposto no artigo 1880.º entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade (…)], logo, o n.º 2 abrange todos aqueles que viram a sua pensão de alimentos fixada durante a sua menoridade, ainda que tenham atingido a maioridade em data anterior a 1 de outubro de 2015.
Isto dito, forçoso é portanto concluir que, após 20/10/2021, se manteve a obrigação do pagamento de alimentos fixada durante a menoridade de C, estando vedado ao progenitor apelado por termo motu proprio ao seu pagamento, e isto porque com a redacção introduzida – no art.º 1905º, do CC – pela Lei  n.º 41/2013, de 26 de junho, ficou definitivamente solucionada a questão relacionada com a obrigatoriedade de o alimentando, ao atingir a maioridade, a intentar uma nova acção judicial com vista ao reconhecimento do direito a alimentos, recaindo já sobre progenitor obrigado o ónus de alegar e provar os factos impeditivos ou extintivos da obrigação em vigor, previstos designadamente no n.º 2, do artigo 1905.º do CC.
Em suma, “As pensões fixadas na menoridade do filho não caducam com a maioridade, mantendo-se até que o filho complete os 25 anos, recaindo  sobre o progenitor/devedor da pensão alegar e provar que o filho já não estuda ou que não necessita da pensão por outro motivo, ou que ele, progenitor, perdeu capacidade de contribuir para o seu sustento” – Cfr. Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa, e de 3/3/2020 (11).
Aqui chegados, munidos dos contributos legais e jurisprudenciais acabados de aduzir, e, considerando que refere expressamente o artigo 1880.º do Código Civil que, se atingida a maioridade o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior, ou seja, permanece em vigor a obrigação de alimentos [a qual, no sentido amplo que tem de abranger todas as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos], pacífico, incontornável e manifesto é que após 20 de Outubro de 2021 continuou o apelado vinculado ao acordo de regulação do poder paternal identificado em 2.5-A, e no que os ALIMENTOS concerne.
Ou seja, após 20 de Outubro de 2021, continuou o progenitor/apelado OBRIGADO ao pagamento de uma pensão de alimentos, e sendo a mesma constituída pelas seguintes parcelas:
i) a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €1.300,00;
ii) as despesas – na totalidade - de educação do menor designadamente mensalidade de Colégios, livros e material escolar, incluindo actividades extra curriculares;
iii) as despesas de vestuário – na totalidade -, desde que manifestamente necessário;
iv) as despesas – na totalidade - de saúde, médicas e medicamentosas dos menores.”.
No seguimento do acabado de expor, ostensiva é a impertinência da decisão recorrida, não dispondo a mesma de apropriado fundamento legal, ou seja, não pode e não deve ser afastado o invocado/alegado incumprimento pelo apelado de acordo de regulação do exercício do poder paternal com o fundamento de que provado decorre da factualidade assente que tem o requerido/Progenitor pago directamente ao filho maior C, valores suportados e relacionados com transporte, telefone, saúde, educação,vestuário, calçado, etc.,etc.
A aludida impertinência decorre, desde logo, da circunstância de o progenitor/apelado, quando procedeu aos pagamentos identificados nos itens de facto com os nºs 2.15 a 2.19, em rigor limitou-se a cumprir a OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS fixada na cláusula 3ª [identificada em 2.5.-A, na sequência de decisão proferida em sede de mérito da impugnação da decisão de facto] do acordo de regulação do exercício do poder paternal, e sabido que, integrando aquela diversas parcelas, três delas mostram-se especifica e precisamente relacionadas com o pagamento da totalidade das despesas de educação dos então “menores”, com o pagamento da totalidade das despesas de vestuário, desde que manifestamente necessário e com o pagamento da totalidade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas.
Ademais, e como decorre do art.º 2003º, do Código Civil, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e compreendem também a instrução e educação do alimentado, sendo que, como o estabelece o art.º 2008º, do mesmo diploma legal o crédito de alimentos não pode ser renunciado ou cedido, é impenhorável e insusceptível de ser compensado, ou seja, impossibilitado sempre estava o Progenitor/obrigado de poder  livremente substituir a prestação de alimentos  fixada em prestação mensal pecuniária pelo pagamento de outras despesas do alimentando que não tenham sido contempladas em acordo homologado.
Ou seja, não caducando a OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS com a maioridade do alimentando, deve portanto o progenitor obrigado continuar vinculado a prestá-los, o que deve fazer nos termos fixados ou homologados judicialmente, cabendo ao progenitor obrigado  e querendo alterar e/ou cessar tal obrigação, o ónus de alegar e provar – em competente acção - os factos que constituem os pressupostos dessa alteração/extinção.
Aqui chegados, tendo a Progenitora/apelante alegado o incumprimento, mostrando-se o subjacente facto constitutivo do direito invocado provado [a saber, o conteúdo da cláusula 3ª de acordo de regulação homologado por Conservadora Civil e o facto inserto em 2.3. a indicado em 2.5 da decisão de faco quanto às atualizações anuais da prestação mensal] e, não tendo o Progenitor/obrigado alegado e provado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do mesmo, só restava ao tribunal a quo julgar o incidente de incumprimento como estando provado, condenando em conformidade [cfr. art.º 342º, do CC].
Prima facie, tem pois a apelante  direito a exigir do apelado os montantes peticionados [O requerido condenado no pagamento da quantia de 6.080,57€ devida a título de pensões alimentícias vencidas e não pagas e das respectivas actualizações – considerando a   IPC total (taxa de inflação média anual) -TVMM12 publicada pelo INE -, acrescidas de juros de mora a contar desde a data da notificação do incidente de incumprimento e até efectivo e integral pagamento].
*
4.2. -  Da ampliação do âmbito do recurso, a requerimento do recorrido/B, nos termos do art.º 636º, do Código de Processo Civil.
4.2.1. – Da solicitada  alteração da decisão de facto.
No seguimento do DECIDIDO em 4.1., ou seja, procedendo a apelação da Progenitora A, ganha claramente acuidade a impugnação da decisão de facto pelo apelado deduzida em sede de ampliação do âmbito do recurso - art.º 636º, do CPC.
Ora, reclama o apelado que, à decisão de facto seja adicionado [em razão de depoimento testemunhal prestado por R] um novo ponto de facto, devendo o mesmo dispor que:
9A
“Após a anulação da referida matrícula, o C celebrou contrato de trabalho subordinado, o qual veio a ser denunciado no período experimental, e ainda participou de pelo menos duas acções de voluntariado no estrangeiro.”.
Ouvido que foi por este Tribunal a pertinente GRAVAÇÃO da prova relevante e pelo apelado indicada, pacífico é que a testemunha R [Psicóloga, que deu consultas ao C, quer ainda menor, quer actualmente – em 2023 ] foi peremptória em esclarecer/afirmar que o C lhe manifestou em determinada consulta não estar a gostar do curso que à data frequentava, considerando-o desadequado à sua pessoa.
Mais explicou a testemunha que, após o C ter desistido do curso [no que não foi contrariado pelo Progenitor], terá ido trabalhar [não tendo passado – por razões que não conhece - do período experimental] e intervindo também em pelo menos dois projectos de voluntariado [pensando ter sido no estrangeiro - Países da Europa - e por cursos períodos – 1 ou 2 semanas].
No seguimento do referido testemunho, e porque amparado em prova credível e isenta, mostrando-se o depoimento de testemunha R amparado/suportado por razão de ciência pertinente e idónea, temos assim como adequado DETERMINAR que à decisão de factos provados seja adicionado um novo ponto, dispondo ele da seguinte redacção:
9A
“Após a anulação da referida matrícula, o C enveredou pelo mercado de trabalho subordinado – não tendo, porém, passado do período experimental -, e ainda participou em pelo menos duas acções de voluntariado no estrangeiro.”.
                                     *
4.2.2. – Da reclamada procedência de excepção subsumível à II parte do art.º 1905º, nº 2, do CC.
A desatender a “procedência” de excepção subsumível á previsão do art.º 1905º,nº2, II parte, do CC [“ Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência ”].
Para desatender/afastar a excepção pelo apelado invocada, serviu-se o Primeiro Grau, no essencial, dos seguintes fundamentos:
“(…)
Posto isto, diante do quadro factual provado, no confronto do enquadramento jurídico acima exposto, entende-se que a situação de alegada excepção, cuja verificação conduz à inexistência da obrigação do requerido prestar alimentos ao filho C, não tem aplicação no caso.
Vejamos.
O que ficou demonstrado é que o C interrompeu a frequência de um curso superior pelo facto de o mesmo não corresponder às suas expectativas para se preparar para o ingresso num outro, ou seja, não abandonou os estudos na perspetiva de não pretender prosseguir a sua formação escolar e académica.
E veja-se que foi o próprio requerido que assumiu as despesas das explicações da disciplina de Português exactamente para que o jovem pudesse realizar novas provas e ingressar no curso pretendido, como, aliás, acabou por acontecer, e cuja frequência mantém até hoje.
O quadro fáctico apurado permite insofismavelmente concluir que o C não completou o seu processo de educação.
Deste modo, não se vislumbra como se pode afirmar que está verificada a dita ressalva legal da “livre interrupção do processo de educação ou formação profissional”.
Ademais, competindo o ónus da prova da verificação desta ressalva legal ao progenitor, tal significa e implica que sempre caberia a este último o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do C foi voluntariamente interrompido, ilidindo, dessa forma, a presunção legal da necessidade de alimentos do filho maior, com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos, para completar a sua formação profissional, o que no caso, em face das considerações anteriores, não se pode considerar verificado.
Mais se diga, que no presente caso, o requerido nem alega, e consequentemente não provou, que o filho C não careça do processo de “formação profissional” ou que nele não esteja empenhado, ou que não esteja a obter sucesso.
Em suma, entende-se que a obrigação de alimentos do requerido a favor do jovem C se mantém, porquanto o filho não completou a sua formação profissional, estando a frequentar o curso de Animação Sociocultural, com o assentimento daquele, sendo que foi o mesmo que custeou explicações para esse mesmo efeito.
Entende-se, pois, ser justo afirmar que o requerido continua vinculado ao cumprimento da obrigação de alimentos em relação ao jovem C, improcedendo, por isso, a invocada excepção de extinção do direito.”.
Conhecidos os fundamentos dos quais se serviu o Primeiro Grau para desatender a excepção pelo Progenitor/apelado invocada e, não obstante a inclusão na decisão de facto provada de um novo item, estamos em crer que nada justifica enveredar por diversa decisão.
Desde logo porque, no nosso entender, a ratio que subjaz à excepção relacionada com a interrupção do processo educacional e/ou da formação profissional exige que seja o progenitor obrigado confrontado com um comportamento do alimentado encetado em termos terminantes e irrevogáveis, prima facie não amparado em razões válidas e legítimas.
Ora, in casu, e como decorre da factualidade assente em 2.8. a 2.11, a interrupção do processo educacional foi desencadeada a titulo não definitivo, antes teve em vista apenas a preparação do alimentando para ingressar a curto prazo em curso superior diverso do inicialmente escolhido, ou seja, em momento algum teve o C a intenção de deixar de prosseguir os estudo e enveredar de imediato pelo mercado de trabalho [não raro é necessário e útil dar um passo para atrás, para que se possa dar dois para a frente].
Neste conspecto, e como de resto decorre do disposto no art.º 1880º, do CC, a obrigação de alimentos, ainda que atingida a maioridade do alimentando, deve manter-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquele complete a sua formação se complete, ou seja, há-de a cláusula de razoabilidade ser aferida, não apenas no âmbito da fixação da medida dos alimentos a prestar, mas também em sede de pertinência da manutenção da respectiva obrigatoriedade. (12)
Daí que, tal como v.g. assim o decidiu o STJ (13), seja de aceitar -porque razoável - que a prestação alimentar se mantenha mesmo na hipótese do alimentado haver reprovado, (…) desde que essa falta de aproveitamento escolar não seja fruto de indolência, ócio ou preguiça.
Também em Acórdão de 1/6/2021, do Tribunal da Relação de Coimbra (14), se veio a entender – e bem – que a expressão legal alusiva a “interrupção por livre iniciativa” deve ser interpretada como exigindo/pressupondo uma acção do agente consciente, informada e livre de qualquer constrangimento, quer ao nível económico, quer social, nada justificando que uma qualquer suspensão do processo educativo deva sem mais consubstanciar causa de cessação da obrigação alimentar fixada durante a menoridade.
Tudo visto e ponderado, não deve, portanto, ao apelado ser reconhecida a excepção que o tribunal a quo desatendeu.
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4.2.3. – Da in/procedência de excepção subsumível ao art.º 334º, do Código Civil
Por último, considera ainda o apelado que a considerar-se que existe um incumprimento, sendo o Progenitor devedor, sempre haveria in casu uma situação de abuso de Direito, pois a própria Recorrente terá confessado que se encontra numa situação financeira confortável, capaz de proporcionar ao C uma vida confortável, mesmo sem receber a pensão cujo pagamento nestes autos reclama.
Ora, como é consabido, as situações abusivas no âmbito da OBRIGAÇÃO de ALIMENTOS mostram-se tipificadas, o que à partida afasta a aplicação do instituto do artigo 334.º do CC.
É assim que, v.g. reza o nº1, do art.º 1874º, do CC, que Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
E é assim também que, de acordo com o disposto na al. c), do n.º 1 do artigo 2013.º do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.
Ora, compulsada a factualidade provada, certo é que não se descobre um único facto capaz de integrar a previsão das disposições legais referidas e, ademais, querendo o Progenitor alterar, reduzir, extinguir a Obrigação de ALIMENTOS, deve para o efeito agir em conformidade com o disposto no art.º 2012º, do CC.
Em suma, a procedência in totum da apelação impõe-se.
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5. - Sumariando (cfr. nº 7, do art.º 663º, do cpc).
5.1. - Nos termos do n.º 2 do artigo 1905.º, do Código Civil, na nova redacção, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade;
5.2. – Ou seja, a pensão de alimentos fixada para o filho durante a menoridade continua a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado o ónus de, pretendendo a tal obrigação por termo, alegar e provar em competente acção os factos que constituem os pressupostos dessa extinção.
5.3. – Provando-se que o filho maior interrompeu a frequência de ensino superior por não se ter adaptado ao mesmo, retomando os estudo no ano seguinte em novo/diverso curso superior, tal não obriga sem mais a  concluir que o alimentando incorreu sido livremente em interrupção do processo de educação ou formação profissional, nos termos e parse fitos do nº2, do art.º 1905º, do CC.
5.4. - As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objecto de homologação, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada.
***
6 - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em,concedendo provimento à apelação interposta por A:
6.1. - Revogar a sentença recorrida;
6.2. - Julgar provado o incumprimento pelo B de PRESTAÇÃO/OBRIGAÇÃO de alimentos ;
6.3. - No seguimento do referido em 6.2., condenar B a pagar a A a quantia de 6.080,57€, devida a título de pensões alimentícias vencidas e não pagas e das respectivas actualizações ;
6.4 – À quantia referida em 6.3. acrescem os juros de mora a contar da data da notificação (tal como o requerido) do incidente ao Requerido e até efectivo e integral pagamento;
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Custas da apelação pelo apelado.
                                               ***
(1) Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 605­, e, de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014 (Proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1), de 14/1/2015 (Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1), de 29/4/2015 (Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1) e de 14/1/2016 (Proc. Nº 1391/13.9TTCBR.C1.S1), todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(2) Proc. nº 819/11.7TBPRD.P1.S1, sendo Relator JOÃO TRINDADE e disponível in www.dgsi.pt.
(3) Proferido no Processo nº 5504/09.7TVLSB.L1.S1, e disponível in www.dgsi.pt.
(4) Em Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 330.
(5) Cfr. Ac. do STJ de 23/9/1997, Proc. nº 97B151, in www.dgsi.pt.
(6) In “Matéria de Facto-Matéria de Direito”, RLJ, Ano 129, págs.162-167.
(7) Cfr. Ac. do STJ de 9/9/2014, proferido no Processo número 5146/10.4TBCSC.L1.S1,sendo Relatora MARIA CLARA SOTTOMAYOR e in www.dgsi.pt.
(8) Vide os Ac.s do Tribunal da Relação do Porto, de 19/5/2014, [Processo nº 2344/12.0TBVNG-A.P1], do STJ de 17/5/2017 [Processo nº 4111/13.4TBBRG.G1.S1, sendo Relatora a Juiz Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA], e, no mesmo sentido, também os Acs. do STJ  de 23/1/2020 [Proc. nº 4172/16.4T8FNC.S1, sendo Relator o Conselheiro TOMÉ GOMES], de 28/1/2020 [Proc. nº 287/11.3TYVNG.G.P1.S1, sendo Relator o Conselheiro PINTO DE ALMEIDA], de 29/9/2020 [Proc. nº 129/10.7TBVNC.G1.S2, sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro JORGE DIAS], e de 14/7/2021 [Proc. nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, sendo Relator o Conselheiro FERNANDO BAPTISTA], todos eles disponíveis em www.dgsi.pt.
(9) Cfr. v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/6/2016, proferido no Processo nº 6692/05.7TBSXL-C.L1-2, e estando acessível em www.dgsi.pt.
(10) Acórdão proferido no Processo com o nº 1092/16.6T8LMG.C1.S1, sendo Relator o Juiz Conselheiro SALAZAR CASANOVA, e acessível em www.dgsi.pt.
(11) Acórdão proferido no Processo nº 1298/12.7TBCSC-C.L1-7, e estando acessível em www.dgsi.pt.
(12) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/3/2024, proferido no Processo nº 5641/15.9T8MTS-G.P2, e estando acessível em www.dgsi.pt.
(13) Cfr. Acórdão de o Tribunal da Relação do Porto, de 6/7/2023, proferido no Processo nº 108/17.3T8VCD-G.P3.S1  e estando acessível em www.dgsi.pt.
(14) Acórdão proferido no Processo nº 54/03.8TBSCD-E.C1e estando acessível em www.dgsi.pt.
                                               ***
LISBOA, 4/7/2024
António Manuel Fernandes dos Santos
Eduardo Petersen Silva
Gabriela de Fátima Marques