PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
PROCESSO LABORAL
OPOSIÇÃO
TEMPESTIVIDADE
Sumário


I- Na providência cautelar comum laboral destacamos duas especialidades em relação ao regime do procedimento cautelar comum consagrado no Código de Processo Civil:
- A audiência final é designada antes do funcionamento do contraditório;
- A oposição à providência é apresentada até ao início da audiência final.
II- No caso dos autos, tendo a requerida, depois de ter sido citada para os termos da providência cautelar, apresentado oposição antes de ter sido designada data para a audiência final (uma vez que o tribunal a quo não cumpriu o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho), tal oposição mostra-se tempestiva, nos termos previstos pela alínea b) do n.º 2 do referido artigo 32.º
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P. 1470/23.4T8PTG.E1-A

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
G... Unipessoal, Lda. (Requerente) intentou providência cautelar comum contra AA (Requerida), ambas com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que se proceda à declaração de passagem da contabilidade da Requerida para a Requerente de todos os dados contabilísticos das empresas identificadas no artigo 98.º do requerimento inicial, e que se condene a Requerida a pagar o quantitativo diário de € 1.000 (mil euros), a título de sanção pecuniária compulsória até que seja dado cumprimento efetivo e cabal ao anteriormente peticionado.
Mais requereu o decretamento da providência cautelar sem a prévia audição da Requerida.
A 1.ª instância, no âmbito do despacho liminar, proferido em 04-12-2023, indeferiu a dispensa de audição prévia da Requerida.
Na sequência, foi ordenada a citação da Requerida para, em 10 dias, querendo, deduzir oposição, nos termos dos artigos 293.º, n.ºs 1 e 2 (sob a legal cominação prevista no n.º 3), 294º, aplicáveis ex vi do artigo 365.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil e 33º, nº 1, al. b) do Código de Processo do Trabalho.
No despacho liminar foi ainda referido que a audiência final seria oportunamente agendada.
A Requerida foi citada em 04-01-2024, conforme resulta do aviso de receção respeitante à aludida citação, que foi junto aos autos em 11-01-2024.
Em 19-01-2024 (cf. requerimento com a ref.ª ...64), a Requerida apresentou oposição à providência.
A 1.ª instância, em 22-01-2024, proferiu o seguinte despacho:
«Nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 293º, nºs 2 e 3 do CPC, não tendo sido deduzida oposição no prazo legal de dez dias, acrescido da dilação prevista pelo artigo 139º, nº 5 do CPC (conforme AR assinado pela Requerida no dia 4 de Janeiro de 2024), determino, após trânsito, o desentranhamento e devolução do articulado ao apresentante.
Mais se decide condenar a Requerida nas custas do incidente que se fixam pelo mínimo legal – artigo 7º., nº 3 do RCP.
Notifique.
Após trânsito, conclua.».

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Inconformada, a Requerida interpôs recurso de tal despacho, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«i. Vem a Recorrente Recorrer do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo que não admitiu a Oposição deduzida no âmbito de um procedimento cautelar comum deduzido em processo de trabalho: “Nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 293º, nºs 2 e 3 do CPC, não tendo sido deduzida oposição no prazo legal de dez dias, acrescido da dilação prevista pelo artigo 139º, nº 5 do CPC (conforme AR assinado pela Requerida no dia 4 de Janeiro de 2024), determino, após trânsito, o desentranhamento e devolução do articulado ao apresentante.”
ii. Recorrendo também da decisão: “Mais se decide condenar a Requerida nas custas do incidente que se fixam pelo mínimo legal – artigo 7º., nº 3 do RCP”
iii. Nos presentes autos ainda não foi designada data para audiência final, pelo que, o Tribunal a quo deveria ter decidido de outra forma, no sentido de admitir a Oposição apresentada pela Recorrente,
iv. Não tendo o Tribunal a quo ainda designado dia para realização da audiência final, a Oposição é admissível à luz da al. b) do n.º1 do artigo 32º do Código do Processo de Trabalho,
v. Estamos perante um Procedimento Cautelar Comum previsto no Código do Trabalho, que por força do n.º 1 do artigo 32º do CPT, é aplicada subsidiariamente o regime estabelecido no Código de Processo Civil, fazendo, no entanto, uma ressalva expressa quanto ao prazo para apresentar a oposição, dispondo o al. b) do n.º1 do artigo 32º do Código do Processo de Trabalho (DL n.º 480/99, de 09 de Novembro, na ultima versão) que: “b) Sempre que seja admissível oposição do requerido, esta é apresentada até ao início da audiência final;”
vi. Conclui-se, pois, s.m.o, que a Oposição foi apresentada dentro do prazo, sendo essa a convicção da Recorrente,
vii. Deveria o Tribunal a quo ter admitido a Oposição, considerando que o limite do prazo para o fazer é a realização da audiência final.
viii. Conclui-se que a Decisão proferida no douto despacho deverá ser revogada, e substituída por outra que admita a Oposição, permitindo que a Recorrente apresente a sua defesa, prosseguindo o processo os seus ulteriores termos,
ix. Assim como deverá ser revogada a decisão da condenação a Requerida nas custas do incidente.
x. A Recorrente não se conformando com a decisão, vem apresentar o presente recurso interposto do despacho que não admitiu a Oposição deduzida ao Procedimento Cautelar Comum em Processo de Trabalho.
xi. Em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que admita a Oposição apresentada pela Recorrente, por se encontrar em tempo.».
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Não foram apresentadas alegações.
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A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O processo subiu à Relação e foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Por despacho da relatora, proferido em 29-04-2024, foi declarada a existência de erro na forma de subida do recurso e determinada a correção da situação.
Foi, então. autuado o apenso do recurso em separado e o processo principal baixou à 1.ª instância.
Recebido o recurso, foi elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos.
Cumpre, em conferência, decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal de 1.ª instância errou ao considerar extemporânea a oposição à providência cautelar comum, que foi apresentada.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constam dos autos que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice.
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IV. Enquadramento jurídico
A questão que importa dilucidar e resolver é simples, pelo que sua apreciação será também simples e concisa, por não se justificarem extensas considerações.
O presente processo é uma providência cautelar comum, que segue a tramitação que resulta da conjugação dos artigos 32.º do Código de Processo do Trabalho e 362.º a 375.º do Código de Processo Civil.
Estipula o artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho:
1 - Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, incluindo no que respeita à inversão do contencioso prevista nesse diploma, com as seguintes especialidades:
a) Recebido o requerimento inicial, é designado dia para a audiência final;
b) Sempre que seja admissível oposição do requerido, esta é apresentada até ao início da audiência final;
c) A decisão é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
2 - Nos casos de admissibilidade de oposição, as partes são advertidas para comparecer pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, na audiência final, na qual se procederá à tentativa de conciliação.
3 - Sempre que as partes se fizerem representar nos termos do número anterior, o mandatário deve informar-se previamente sobre os termos em que o mandante aceita a conciliação.
4 - A falta de comparência de qualquer das partes ou dos seus mandatários não é motivo de adiamento.
Por seu turno, prescreve o artigo 366.º do Código de Processo Civil:
1 - O tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
2 - Quando seja ouvido antes do decretamento da providência, o requerido é citado para deduzir oposição, sendo a citação substituída por notificação quando já tenha sido citado para a causa principal.
3 - A dilação, quando a ela haja lugar nos termos do artigo 245.º, nunca pode exceder a duração de 10 dias.
4 - Não tem lugar a citação edital, devendo o juiz dispensar a audiência do requerido, quando se certificar que a citação pessoal deste não é viável.
5 - A revelia do requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração.
6 - Quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.
7 - Se a ação for proposta depois de o réu ter sido citado no procedimento cautelar, a proposição produz efeitos contra ele desde a apresentação da petição inicial.
E, com o título “Audiência final “, estatui o artigo 367.º do mesmo compêndio legal:
1 - Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.
2 - A falta de alguma pessoa convocada e de cujo depoimento se não prescinda, bem como a necessidade de realizar qualquer diligência probatória no decurso da audiência, apenas determinam a suspensão desta na altura conveniente, designando-se logo data para a sua continuação.
Ora, das normas citadas infere-se que a providência cautelar comum, de natureza laboral, está sujeita a despacho liminar, no qual, não havendo motivo para indeferimento liminar do requerimento que introduz a providência em juízo, é designado dia para a audiência final. Não sendo dispensado o contraditório – como sucedeu nos presentes autos – o juiz, no despacho liminar deve ordenar, ainda, a citação do requerido para comparecer na audiência ou se fazer representar. A oposição do requerido pode ser apresentada até ao início da audiência final, nos termos da norma especial inserta na alínea b) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho.
Destacamos duas especialidades em relação ao regime do procedimento cautelar comum consagrado no Código de Processo Civil:
- A audiência final é designada antes do funcionamento do contraditório;
- A oposição à providência é apresentada até ao início da audiência final.
Ora, estas especialidades sobrepõem-se ao regime consagrado no Código Processo Civil
Assim sendo, atenta a especialidade prevista na alínea b) do n.º 1 do mencionado artigo 32.º, o prazo para a oposição à providência cautelar comum laboral, sempre que seja admissível oposição do requerido, decorre desde a citação do mesmo até ao início da audiência final.
Aliás, como refere António Abrantes Geraldes, na obra Suspensão do despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho, Almedina, pág,123, se o requerido tiver apresentado oposição (o que pode acontecer até ao início da audiência e, por isso, no período entre a designação da audiência final e o seu começo) e não comparecer ao julgamento ou não se fizer representar, deverão ser produzidas as provas que tiverem sido indicadas nos dois articulados apresentados e as que o juiz considere necessárias.
No caso que se aprecia, à data em que foi apresentada a oposição da Requerida ainda não havido sequer sido designada a audiência final (!).
Por conseguinte, é manifesto que a oposição apresentada se mostra tempestiva.
O despacho proferido pela meritíssima juíza a quo a fixar um prazo de dez dias a contar do ato de citação para a dedução da oposição não é apto a afastar o prazo perentório legalmente estabelecido.
Enfim, o despacho recorrido viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo do Trabalho, tal como foi sustentado pela recorrente.
Concluindo, o recurso mostra-se procedente, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida.
As custas do recurso deverão ser suportadas pela parte vencida a final.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se, em substituição, a tempestividade da oposição à providência cautelar, que foi apresentada.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 23 de maio de 2024
Paula do Paço
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa