ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
Sumário


I – A descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, exige (i) um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos da profissão, e, além disso, (ii) que o acidente tenha resultado, “exclusivamente”, desse comportamento;
II – a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho constitui um facto impeditivo do direito de reparação invocado, pelo que compete ao réu a prova da correspondente materialidade (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil);
III – mostra-se descaracterizado o acidente de trabalho no circunstancialismo em que se apura que o sinistrado conhecia o local onde se situava uma passagem de nível sem guarda, que a estrada/caminho onde conduzia o veículo da empregadora configura uma reta, permitindo avistar a linha férrea em toda a sua extensão com a antecedência de, pelo menos, 100 metros, que quando se apercebeu do aproximação do veículo conduzido pelo sinistrado o maquinista da locomotiva acionou imediatamente os sinais luminosos e sonoros de aviso, que o tempo estava bom em termos de luminosidade, o piso seco, limpo e sem obstáculos ou obras, e que ao procurar atravessar a linha férrea, na referida passagem de nível, ocorreu o embate entre a frente do veículo conduzido pelo sinistrado e a roda da frente da locomotiva que circulava na linha férrea.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 1825/22.1T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I. Relatório
AA intentou, com o patrocínio oficioso do Ministério Público e no ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra (1) Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e (2) Grupo Vendap, S.A., pedindo, a final, a condenação das rés a pagar:
«7.1. Uma pensão anual e vitalícia relativa à incapacidade que vier a ser fixada e determinada na sequência do resultado do exame por junta médica que vai ser requerido, devida desde o dia imediato ao da alta (artigo 48.º, n.º 3, alíneas b) e c) da Lei dos Acidentes de Trabalho) – calculada com base na remuneração anual de € 25.320,00 (sendo que, continuando a ser atribuída ao Autor uma IPP de 2,98% e se a alta for fixada em 11.04.2022, o sinistrado deverá receber o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 528,18, devida desde 12-04-2022, sendo a responsabilidade pelo pagamento desse capital repartida por ambas as partes, de acordo com as seguintes parcelas dessa pensão:
- € 270,37, da responsabilidade da Ré “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”; e
- € 257,81, da responsabilidade da Ré “Grupo Vendap, S.A.”);
7.2. Uma indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado (sendo que, mantendo-se os períodos e incapacidades referidos no relatório da perícia singular, o sinistrado deverá receber:
b) o montante global de € 7.448,93, sendo a responsabilidade pelo pagamento desse montante repartida por ambas as partes da seguinte forma:
- € 3.813,11, da responsabilidade da Ré “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, montante esse do qual o sinistrado já se encontra ressarcido de € 3.430,23;
- € 3.635,82, da responsabilidade da entidade empregadora “Grupo Vendap, S.A.”).
8. As Rés devem ainda ser condenadas no pagamento de juros de mora sobre as referidas prestações, à taxa legal anual, vencidos e vincendos, desde a data do respetivo vencimento a até integral pagamento.
Alegou, para o efeito e em síntese, que no dia 3 de novembro de 2021, quando ao serviço da 2.ª ré exercia as funções de técnico de limpeza e circulava em ..., ..., conduzindo um veículo da empregadora, ao atravessar uma passagem de nível na estrada foi colhido por um comboio, em razão do que sofreu um acidente de trabalho, que lhe determinou incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, bem como incapacidade permanente parcial (IPP), e daí o pedido que formulou.
Acrescentou que a ré empregadora (2.ª ré) havia transferido para a ré seguradora (1.ª ré) a responsabilidade por acidentes de trabalho, mas apenas referente a parte da retribuição, pelo que devem ambas as rés responder pela reparação, na proporção da responsabilidade transferida.

Em contestação, a ré seguradora aceitou ter o autor sofrido um acidente de trabalho, mas que, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante também designada LAT), o mesmo se mostra descaracterizado, por negligência grosseira do sinistrado/autor.
Em conformidade, pugnou pela improcedência da ação em relação a si.

Por sua vez, a ré empregadora, embora reconhecendo a existência do acidente de trabalho, afirmou que o autor auferia quantias a título de «ajudas de custo», que não integram o conceito de retribuição para efeitos de reparação do acidente de trabalho, e que transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora pela totalidade da retribuição auferida pelo autor, pugnando, por consequência, pela improcedência da ação em relação a si.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se procedeu ao desdobramento do processo, tendo aí, em junta médica realizada em 08-09-2023, sido fixada a alta do sinistrado em 11-04-2022, a ITA entre 04-11-2021 e 04-04-2022 e entre 11-05-2023 e 28-06-2023, a ITP de 20% entre 05-04-2022 e 11-04-2022 e a IPP de 5,95%.

No prosseguimento dos autos, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, e em 05-02-2024 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Em face do exposto, na presente acção emergente de acidente de trabalho, instaurada por AA contra “Fidelidade – Companhia de Seguros, Lda.” e “Grupo Vendap, S.A.” julga-se a acção totalmente improcedente porque não provada e em consequência:
a) Julga-se o acidente de trabalho que vitimou o autor em 03-11-2021 descaracterizado, não havendo lugar à sua reparação, no âmbito da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro;
b) Absolvem-se as rés dos pedidos contra as mesmas deduzidos pelo autor;
c) Condena-se o autor em custas, de harmonia com o artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo da isenção subjectiva de que beneficia».

Inconformado com o assim decidido, o autor, ainda com o patrocínio do Ministério Público, interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo julgou a ação improcedente por não provada, considerando descaracterizado o acidente de trabalho que o sinistrado AA sofreu em 03.11.2021, absolvendo, em consequência, as rés “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Grupo Vendap, S.A.”, dos pedidos contra as mesmas deduzidos pelo Autor.
2. O Tribunal considerou demonstrado que a ocorrência do acidente resultou, em exclusivo, de um comportamento do sinistrado, negligente em elevado grau, atentos os concretos deveres que lhe eram exigíveis no atravessamento da passagem de nível, e, neste sentido, traduzindo uma conduta temerária, inútil e indesculpável do sinistrado, que classificou de negligência grosseira uma vez que o sinistrado desrespeitou a regra de prioridade absoluta de que gozam os veículos ferroviários, tendo também violado várias outras disposições que regulam a circulação rodoviária e ferroviária.
3. Refere-se ainda na douta sentença recorrida que o sinistrado não só conhecia a estrada em que circulava, como sabia da existência da passagem de nível, perfeitamente visível ao trânsito rodoviário, considerando que o mesmo ignorou as mais básicas regras de prudência no seu atravessamento, sendo insensível aos avisos sonoros de aproximação do comboio envolvido no acidente, concluindo o Tribunal pela exclusão do direito do sinistrado à reparação, nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei dos Acidentes de Trabalho.
4. A decisão do Tribunal teve em conta o que se apurou na audiência de julgamento relativamente ao choque entre a viatura conduzida pelo sinistrado e o comboio que circulava na linha de caminho-de-ferro que atravessava a estrada onde o sinistrado circulava, tendo considerado que o veículo do sinistrado foi colhido pelo comboio (facto provado nº4).
5. Porém, como resulta das declarações prestadas por BB, maquinista do comboio e única testemunha que presenciou o acidente, a viatura conduzida pelo sinistrado é que foi embater contra a roda da frente da locomotiva, não tendo sido o comboio que colheu o veículo.
6. Requer-se, por isso, a correção do segmento do facto n.º 4, onde é referido que o veículo automóvel conduzido pelo sinistrado foi colhido pelo comboio (o que dá a ideia de que o veículo já se encontrava a passar a linha de caminho de ferro quando a locomotiva foi embater contra o carro, quando foi este é que foi embater contra o comboio que ia passar na linha de caminho de ferro que cruza com a estrada onde ele circulava com o seu veículo de trabalho), sugerindo-se que a redação daquele facto passe a ser: (4.) Pelas 09h05 do referido dia 03-11-2021, após ter terminado aquele trabalho, o autor regressou pela mesma estrada que atravessa a referida “...”, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OL, propriedade da ré “Grupo Vendap, S.A.”, e, ao aproximar-se da linha férrea, numa passagem de nível na referida estrada particular, ainda dentro da referida Herdade, foi embater contra a parte lateral da locomotiva de um comboio que na altura ia a passar.
7. Do depoimento de BB, maquinista do comboio envolvido no acidente, resulta ainda que o acidente aconteceu quando o carro do sinistrado circulava devagar, por uma reta com boa visibilidade e com espaço para o motorista travar a viatura se visse que se aproximava um comboio.
8. Sabemos que circular devagar é uma conclusão que precisaria de ser concretizada, mas, não sendo possível determinar a velocidade a que o veículo do sinistrado circulava (nem sequer existe um rasto de travagem), há que atender a que, de acordo com a referida testemunha, “ele não vinha muito depressa”, “… ele não vinha com muita velocidade…” e que esteve “sempre na espectativa, como vinha devagar que ele parava, que me estava a ver, que ele estava a ver”, ou seja, que o sinistrado circulava a uma velocidade que lhe permitiria imobilizar o veículo caso se tivesse apercebido que se estava a aproximar de uma passagem de nível e que havia um comboio a circular no caminho-de-ferro, com o qual se ia cruzar e contra o qual iria embater se não travasse, parasse ou desviasse a rota da sua viatura.
9. Refere-se na douta sentença que a passagem de nível era “perfeitamente visível ao trânsito rodoviário”, mas tratava-se de um cruzamento da linha de caminho-de-ferro com uma estrada de terra batida particular, sem qualquer sinalização ou aviso, designadamente no sentido de marcha da viatura conduzida pelo sinistrado e, vendo a fotografia tirada no local pela GNR (a qual consta nos autos a fls. 85), não compreendemos como o Tribunal pôde concluir que se tratava de uma passagem de nível “perfeitamente visível”.
10. Por outro lado, se o sinistrado conduzia devagar por uma estrada particular de terra batida e prosseguiu a sua marcha sem se se desviar ou travar, indo embater com a frente do seu veículo contra as rodas da locomotiva do comboio, terá sido devido a uma conduta temerária, inútil e indesculpável ?
11. Ter-se-á tratado de uma decisão temerária do sinistrado no sentido de tentar passar a linha de caminho-de-ferro antes do comboio? Se assim fosse, o sinistrado certamente teria acelerado a viatura e não continuava a sua marcha devagar... com pouca velocidade, como relatou o maquinista BB.
12. Não sabemos o que efetivamente motivou que o sinistrado não tivesse travado, desviado ou parado a viatura de forma a evitar o acidente pois este sofre de amnésia (e vai sofrer para o resto da vida em consequência das lesões que sofreu com o acidente), pelo que não pôde esclarecer o Tribunal sobre o que efetivamente se passou.
13. O sinistrado vinha distraído? O sinistrado vinha cansado porque se tinha levantado cedo e, apesar de serem 9h00 da manhã já há várias horas que se encontrava a trabalhar? O sinistrado vinha a falar ao telemóvel (hipótese que BB colocou)? O sinistrado adormeceu a conduzir? O sinistrado tentou travar, mas ocorreu uma falha técnica nos travões e, por isso não conseguiu sequer reduzir a velocidade do veículo? O sinistrado teve um problema de saúde que motivou que não se apercebesse da aproximação da passagem de nível, não ouvisse o apito do comboio e não visse a locomotiva? Não sabemos.
14. O sinistrado reconhece que, face à aproximação do comboio, devia ter parado o veículo que conduzia, mas não resultam da matéria de facto assente na douta sentença quaisquer factos que implicassem ou permitissem que o Tribunal concluísse, como concluiu, que o sinistrado “adotou um comportamento temerário em alto e relevante grau” atuando, por isso, com negligência grosseira.
15. Cabia às Rés o ónus da prova de todos os elementos que pudessem justificar a descaracterização do acidente, uma vez que, tendo em consideração que as circunstâncias previstas no artigo 14º da LAT são factos impeditivos do direito à reparação invocado pelo sinistrado, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, a sua prova cabe àquelas contra quem a invocação foi feita, ou seja, no caso dos autos, à entidade empregadora e à seguradora responsáveis pela reparação.
16. Sucede que, ao contrário do que o Tribunal acabou por decidir, as Rés não lograram provar quaisquer factos que justificassem a referida descaracterização por negligência grosseira do sinistrado pois na audiência de julgamento apenas foi possível apurar que o sinistrado conduzia o veículo da empresa para a qual trabalhava, fazendo-o pela referida estrada particular, indo embater contra a locomotiva quando, circulava devagar, a uma velocidade reduzida, que em circunstâncias normais lhe permitia imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente.
17. (…)
18. (…)
19. Temos, assim, que para se verificar a referida descaracterização de um acidente de trabalho, não basta a verificação da culpa leve, a mera distração, imprevidência ou comportamentos afins. Exige-se um comportamento temerário. Por isso, ainda que se possa entender que, ao não ter parado a viatura para deixar passar o comboio, o sinistrado foi negligente, isso não significa que o seu comportamento constituiu uma negligência grosseira, pois não sabemos por que razão o sinistrado não imobilizou a viatura que conduzia, evitando a colisão, uma vez que, quanto a isso, nada se provou.
20. Não cabe ao julgador fazer deduções ou integrar lacunas de matéria de facto através de presunções judiciais, pelo que, na falta de prova sobre os elementos descaracterizadores do acidente de trabalho, o Tribunal deveria ter concluído que o acidente não se encontra descaracterizado, havendo lugar a reparação das suas consequências danosas (…).
21. O legislador esclareceu no n.º 3 do artigo 14.º da LAT que deve entender-se por negligência grosseira “o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante de habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão” pelo que, de acordo com a lei, devem considerar-se como indemnizáveis os acidentes resultantes de negligência simples, imprudência, imprevidência, imperícia, distração, esquecimento, etc..
22. A violação de regras de circulação rodoviária e ferroviária não implicam necessária e automaticamente a existência de negligência grosseira em sede acidentes de trabalho podendo existir causas de diversa natureza (como será o caso do sono derivado do cansaço, por exemplo) que (embora não sejam relevantes para afastar a culpa do trabalhador/condutor relativamente a “terceiros” vítimas do acidente e em sede de responsabilidade civil pelo acidente de viação), devem ser relevantes para afastar a negligência grosseira do sinistrado no domínio da responsabilidade por acidentes de trabalho.
23. No dia do acidente, o sinistrado AA terá violado algumas regras de condução estradal (pelo que já pagou bem caro, designadamente com as dores que padeceu e com a incapacidade que o vai acompanhar para o resto da vida), mas os factos considerados provados não municiavam o Tribunal a quo para concluir que o comportamento do sinistrado foi temerário em alto e relevante grau, que a sua conduta, naquelas circunstâncias e naquela estrada concreta, perante aquela passagem de nível (ou na falta dela …) evidenciam uma atitude temerária, inútil e indesculpável.
24. Acresce que não podemos deixar de referir [como salientou o maquinista da locomotiva, BB referindo-se à Infraestruturas de Portugal (IP)] que alguma responsabilidade deve também ser atribuída a quem permite que, no século XXI continuem a existir passagens de nível sem guarda, sem qualquer sinalização sonora ou luminosa, cruzando linhas de caminhos-de- ferro com estradas particulares, onde é evidente o risco de ocorrência de acidentes como o que está em causa nos autos.
25. Pelo exposto, como a factualidade fixada não permite concluir que o acidente se ficou a dever exclusivamente à negligência grosseira do sinistrado, deve concluir-se que, com a douta sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 14.º da LAT e no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
26. O Recorrente não concorda ainda com o teor do facto assente com o n.º 18. De acordo com o qual (18.) O pagamento desses valores (valores pagos sob a rubrica «Aj. Custo B» descritos no facto nº 17) destinou-se a suportar os encargos do autor com refeições quando deslocado, bem como a pernoita em local diverso da sua residência, à razão de € 50,20/dia ”.
27. Admite-se que não resultou claro na audiência de julgamento que os valores que foram pagos ao sinistrado a título de “Aj. Custo B” visavam também pagar uma comissão relativa ao número e ao tipo de WC’s limpos mensalmente (artigos 37º da petição inicial), mas, ainda assim, o Recorrente continua a considerar que as quantias que recebia e continua a receber com a indicação de se tratar de “Aj. Custo B”, devem integrar o valor da sua retribuição anual para efeitos ressarcitórios.
28. Nas declarações que prestou na audiência de julgamento, o sinistrado referiu que o valor que lhe era pago como “Aj. Custo B” visava ajudar no pagamento das despesas com o alojamento e com a alimentação, mas que também servia para pagar as “comissões/prémios” reativos ao número de casa de banho limpas, sendo que a referida «ajuda», no valor de 50,20 €/dia, era e continua a ser paga aos trabalhadores, quer quando eles estão deslocados, quer quando estão a trabalhar na zona da sua residência.
29. O mesmo confirmou colega de trabalho do autor, CC, o qual referiu que, mesmo quando trabalha na sua “zona”, não estando numa deslocação que implique dormir fora de casa, recebe na mesma um valor diário de 50,20 € como “Aj. Custo B”.
30. A Ré “Grupo Vendap, S.A.” defendeu nos autos que as parcelas pagas como “Aj. Custo B”, porque foram indicadas nos recibos de vencimento como sendo “ajudas de custo”, não se enquadram no conceito de retribuição, referindo na sua douta contestação que “paga ao Autor, como a todos os técnicos de limpeza de sanitários, ajudas de custo de 50,20€ por cada dia que trabalha fora do seu local de trabalho e que por isso têm de tomar as três refeições do dia e pernoitar fora do seu local de trabalho e residência”, acrescentando que, “quando um trabalhador exerce as suas funções deslocado fora do seu local de trabalho, tem um acréscimo de despesa, não por força do trabalho, mas por força da deslocação”.
31. Refere-se ainda na douta contestação da Ré “Grupo Vendap, S.A.” que o valor de 50,20 € corresponde ao montante que o Estado Português paga de ajuda de custo quando, para o exercício das suas funções profissionais, um funcionário tem que tomar as três refeições diárias fora e de pernoitar fora. E acrescenta (art.º 32.º da contestação) que “o Legislador considera no artigo 2º, nº 3, alínea a) do Código de IRS que é retribuição e como tal será tributado o valor que exceder o valor das ajudas de custo diário fixado para a função pública, que atualmente é de 50,20€ / dia (cfr. PRT no 1553-D/2008 de 31/1)”.
32. Porém, apesar de a Ré “Grupo Vendap, S.A.” processar aqueles montantes como sendo ajudas de custo, dos depoimentos transcritos resulta evidente que a Ré paga o valor diário de 50,20 €, quer quando os trabalhadores estão deslocados, quer quando estão em funções na zona da sua residência, pelo que aquele valor não corresponde a uma verdadeira ajuda de custo para compensar alojamento, deslocações e alimentação. Trata-se de um valor que é pago aos trabalhadores mensalmente, quer estejam a trabalhar na sua zona, quer tenham que se deslocar para outra área, e que alegadamente visa compensá-los por despesas com alimentação e eventual hospedagem.
33. Verifica-se que, sendo aqueles valores processados como ajudas de custo, os trabalhadores (e a empresa) beneficiam da isenção de pagamento de imposto sobre aqueles montantes.
34. Acresce que as quantias pagas pela Ré como “Aj. Custo B” (cf. recibos de vencimento juntos aos autos a fls. 21 e segs.), na maioria dos meses correspondem a um montante superior ao valor dos respetivos ordenados base.
35. As ajudas de custo não assumem, por regra, natureza retributiva pois não têm como objetivo o pagamento do trabalho ou a disponibilidade para o trabalho, mas antes a compensação das despesas realizadas pelo trabalhador no interesse e por conta da entidade empregadora, a quem, por isso, as cabe suportar.
36. Ainda assim, de acordo com o disposto no artigo 260.º do CT, as importâncias devidas aos trabalhadores relativas a ajudas de custo, abonos de viagem, transportes e alojamento/instalação consideram-se retribuição «quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador». Portanto, a parte das referidas importâncias que exceder os respetivos montantes normais deve ser considerada como retribuição.
37. Acresce que, sendo evidente a existência de um diferencial líquido entre as despesas realizadas e a compensação paga e, verificando-se que a intenção foi beneficiar o trabalhador, suportando o empregador algumas despesas que normalmente devia ser aquele a garantir, então, apesar de a atribuição patrimonial ter sido apelidada de “ajuda de custo”, deve considerar-se que integra a retribuição.
38. Sucede que, relativamente aos valores que foram pagos ao sinistrado como “Aj. Custo B”, apesar da designação que aponta no sentido de se tratar de “ajudas de custo”, não se provou que correspondiam a um abono para pagamento de despesas concretas efetuadas pelo sinistrado a favor da empresa.
39. Pelo contrário, apurou-se que se trata de um valor que a empresa pagava e continua a pagar, a acrescer ao valor do ordenado base mensal, sendo que o cálculo do valor pago mensalmente corresponde aos dias de trabalho prestado no mês anterior vezes 50,20 €.
40. E, tendo em consideração o que resultou dos diversos depoimentos prestados no julgamento (designadamente das citadas declarações prestadas por AA e pela testemunha CC e até pelas testemunhas DD e EE), a Ré “Grupo Vendap, S.A.” pagava e continua a pagar aquele valor, independentemente de os trabalhadores se encontrarem deslocados ou se encontrarem a trabalhar na área da sua residência.
41. Assim sendo, aquela verba não visava nem visa compensar os trabalhadores pelas despesas de alojamento (uma vez que o valor diário de “Aj. Custo B” é pago mesmo nos meses/dias em que os trabalhadores não se encontram deslocados), pelas despesas de transporte (até porque os trabalhadores se deslocam em viaturas da empresa e com combustível pago pela empresa), nem pelas despesas com alimentação (uma vez que para esse efeito os trabalhadores recebem um subsídio diário de refeição em cartão).
42. Note-se que, prosseguindo a analogia que a Ré “Grupo Vendap, S.A.” faz com as ajudas de custo pagas na função pública, quando um funcionário do Estado Português se desloca para longe da sua residência, recebe efetivamente um valor de ajuda de custo de 50,20 €, mas é-lhe retirado o valor relativo ao subsídio de alimentação o que não acontece com os trabalhadores da Ré.
43. Portanto, embora a intenção da Ré “Grupo Vendap, S.A.” seja pagar as referidas verbas que rotula nos recibos de vencimento como “Aj. Custo B” para compensar os seus trabalhadores pelas suas despesas com alimentação, alojamento e transportes, em rigor, aquele valor não corresponde a “ajudas de custo” para compensação de quaisquer despesas concretas que os trabalhadores realizaram quando se encontravam em serviço.
44. As “Aj. Custo B” corresponde a um valor que a Ré paga para ajudar os trabalhadores, é verdade. Mas isso também é o que acontece com o subsídio de alimentação e com outros subsídios ou abonos, os quais integram a retribuição anual do sinistrado para efeitos de cálculo das prestações decorrentes do acidente de trabalho.
45. Tal como resulta do disposto no artigo 71.º da LAT, a retribuição no contexto infortunístico laboral é um conceito mais abrangente que o de retribuição enquanto contrapartida da prestação laboral prevista no Código do Trabalho, sendo que a LAT usa como valor de referência, a totalidade das parcelas retributivas recebidas pelos sinistrados com vista a tentar garantir que eles mantêm o mesmo nível económico após o acidente, razão pela qual, para cálculo das prestações reparadoras, manda que se tenham em conta alguns valores que, embora possam não ser considerados como retribuição à luz do Código do Trabalho (subsídio de alimentação, por exemplo), devem ser integrados na base de cálculo das referidas prestações infortunísticas.
46. Nos meses que antecederam o acidente de trabalho sofrido por AA, o sinistrado recebeu de “Aj. Custo B” montantes variados que oscilaram entre os 800,00 € e os 1300,00 €18.
47. Tendo aquelas “ajudas” sido atribuídas de forma regular e periódica, é normal que o trabalhador tenha criado a convicção de que elas fazem parte do seu salário e compreende-se que continue a ter uma fundada expectativa de receber aquela quantia todos os meses, como aliás continua a acontecer.
48. Então, se sofreu um acidente de trabalho, porque deve o sinistrado ser penalizado e nos meses de incapacidade deixar de receber aqueles montantes que são parte substancial do valor que normalmente recebe no fim de cada mês de trabalho?
Deve o sinistrado ser penalizado com uma retribuição mais reduzida durante o período da baixa médica em consequência de um acidente de trabalho?
49. Entendemos que não e, só assim não será, se os valores que o empregador paga mensalmente como “Aj. Custo B” forem considerados como parte integrante da sua retribuição, ou seja, incluídos no cálculo da retribuição anual do sinistrado.
50. Pelo exposto, requer-se a alteração do referido facto provado com n.º 18, sugerindo-se que a redação do mesmo passe a ser: (18.) O pagamento desses valores, pagos à razão de € 50,20/dia, correspondia a um complemento da retribuição do sinistrado.
51. E, consequentemente, apela-se a V. Exas., Venerandos Desembargadores, que decidam que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, aquelas prestações devem integrar a retribuição anual do sinistrado para efeitos de o ressarcir relativamente ao acidente de trabalho que sofreu e que, ao decidir que a que e valor recebido pelo sinistrado não integra a sua retribuição anual, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 98/2009, de 4 de setembro).
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida:
1. Que AA foi vítima de um acidente de trabalho, e que esse acidente, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não se encontra descaracterizado; e
2. Que na altura em que ocorreu o acidente, o sinistrado auferia uma retribuição anual de € 25.320,00 [(base: € 665,00 x 14) + (subsídio de alimentação: € 8,10 x 242) + (complemento extraordinário: € 850,00) + (bónus trimestrais: € 700,00) + (“Aj. Custo B”: € 12.499,80)], sendo que a entidade empregadora apenas tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a seguradora “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” pelo montante da retribuição anual de € 12.961,12 [(€ 665,00 x 14) + (€ 8,10 x 242) + (€ 140,91 x 12)], correspondente a 51,19 % da retribuição total, sendo da responsabilidade da entidade empregadora o montante de 12.358,88, correspondente a 48,81 % da retribuição total.
Requer-se ainda que, consequentemente, as Rés “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” e “Grupo Vendap, S.A.” sejam condenadas a pagar ao sinistrado AA:
1. Relativamente à Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 5,95%, o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 1.054,58, devida desde 12-04-2022, sendo a responsabilidade pelo pagamento desse capital repartida por ambas as partes, de acordo com as seguintes parcelas dessa pensão:
- € 539,83 da responsabilidade da Ré “Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A.”; e
- € 514,75 da responsabilidade da Ré “Grupo Vendap, S.A.”;
2. Uma indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado (201 dias de ITA e 7 dias de ITP de 20%) no montante global de € 9.828,32, sendo a responsabilidade pelo pagamento desse montante repartida por ambas as partes da seguinte forma:
- € 5.031,12, da responsabilidade da Ré “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, montante esse do qual o sinistrado já se encontra ressarcido de € 3.430,23; e
- € 4.797,20, da responsabilidade da entidade empregadora “Grupo Vendap, S.A.”).
3. Os juros de mora sobre as referidas prestações, à taxa legal anual, vencidos e vincendos, desde a data do respetivo vencimento a até integral pagamento».

A ré seguradora apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«1. Vem o Recorrente interpor recurso, da sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 05 de Fevereiro de 2024, alegando que a factualidade dada como provada, não permite concluir que o acidente sub judice, se ficou a dever exclusivamente à negligência grosseira do Recorrente.
2. Concluí que a aludida sentença violou o disposto no artigo 14.º/1 da LAT e no artigo 342.º/2 do Código Civil e que, em consequência, deve ser revogada e substituída por outra, que decida que, o Recorrente foi vítima de um acidente de trabalho, e que esse acidente não se encontra descaracterizado, pugnando pela condenação das Rés à sua integral reparação, peticionando, assim, a alteração da redacção do facto provado número 4.
3. Ademais, o Recorrente discorda também da decisão do tribunal a quo, relativamente às “Ajudas de Custo B” pagas pela Recorrida, entidade patronal, entendendo que, ao contrário do ali decidido, tais quantias devem integrar o valor da sua retribuição anual para efeitos ressarcitórios, e consequentemente, pugna pela alteração da redacção do facto provado número 18.
4. Alega o Recorrente que o acidente que sofreu não deveria ter sido descaracterizado, ao abrigo do art. 14.º/1, alínea b) da LAT, porquanto: i) O carro do aqui Recorrente terá embatido contra a roda da locomotiva, e não terá sido colhido pelo comboio, ao contrário do facto dado como provado n.º 4, ii) não se terá produzido prova suficiente, em sede de audiência de discussão e julgamento, que permita concluir que o Recorrente teve uma conduta temerária, inútil e indesculpável , nem que este tenha actuado com negligência grosseira.
Não pode, pois, a Recorrida concordar com o alegado, dado que,
5. Apesar da pouca relevância para a boa decisão da causa, cumpre referir que não se percebe a conclusão do Recorrente de que, terá sido o seu veículo a embater na locomotiva e que, consequentemente, não terá sido colhido, conforme consta da sentença ora recorrida.
6. Compulsado o depoimento do maquinista, única testemunha do sinistro, este refere que: (…)
7. Ou seja, o veículo automóvel do Recorrente, surgiu na frente da locomotiva e, consequentemente, ocorreu um embate entre a locomotiva e a parte frontal do veículo, pelo que deve ser mantido na íntegra o facto provado n.º 4 da douta sentença recorrida.
A acrescer,
8. Pugna o Recorrente pela improcedência da descaracterização do acidente de trabalho, alegando, em síntese, que o veículo seguia a velocidade reduzida e que, por essa razão, não pode o tribunal a quo concluir pela existência de negligência grosseira.
9. Apontando como eventuais causas para o sinistro sub judice, uma eventual distracção, problema de saúde inesperado ou, mesmo, um problema mecânico nos travões do veículo.
No entanto,
10. Após o sinistro, e conforme resulta demonstrado pela documentação junta aos autos, o Recorrente foi internado em unidade hospitalar, não constando dos relatórios nenhuma lesão ou problema de saúde anterior ao sinistro.
11. Além do mais, caso o Recorrente tivesse ficado inconsciente momentos antes do embate, o veículo automóvel ficaria desgovernado, quer em velocidade, quer na direcção da marcha em que seguia.
12. Nenhuma da prova produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, aponta nesse sentido., resultando antes demonstrado que o veículo automóvel seguiu na direcção da passagem de nível, sem abrandar a velocidade.
13. É importante, atentar-se no depoimento da única testemunha do sinistro, quanto à dinâmica do acidente:
(…)
14. Terá, também, de ser descartada uma eventual falha mecânica, a nível dos travões, que teria como consequência inevitável uma marcha desgovernada do veículo.
15. Quanto à alegada distracção, que o Recorrente alega poder ter sucedido, também esta não acolhe provimento.
16. Resulta da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, e que não é objecto do presente recurso, sendo por isso pacificamente aceite pelo Recorrente, para o que aqui interessa, a seguinte: (…)
17. Quando conjugada a factualidade dada como provada, com o depoimento da única testemunha do sinistro, constata-se que, no momento em que o sinistro ocorreu, o Recorrente tinha boa visibilidade da linha férrea e que este sabia, por não poder desconhecer, dado que horas antes tinha passado no mesmo local em sentido contrário, que naquele ponto se encontrava uma passagem de nível.
18. Passagem de nível essa que se encontra bem visível, de acordo com as fotografias juntas aos autos e, a qual, o Recorrente sempre admitiu conhecer.
Além do mais,
19. Conclui-se, ainda, que, quando o condutor da locomotiva, de cor ..., e por isso facilmente identificável durante o dia, avistou o veículo do Recorrente, não só deu sinais luminosos como ainda buzinou insistentemente.
20. Do acervo da factualidade provada, é inevitável concluir que, o Recorrente não poderia vir distraído ou ter adormecido, ao ponto de nenhum destes elementos (sinais luminosos, sonoros, bem como a própria cor da locomotiva em movimento) lhe ter chamado à atenção, pelo que não acolhe provimento a hipótese de distração.
Sem prescindir,
21. Um dos princípios fundamentais para aferição da culpa em direito civil é o princípio da diligência de um «bonus pater familiae» em face das circunstâncias do caso concreto, consagrado no art. 487º/2 do Código Civil.
22. O homem médio, colocado na situação do Recorrente, não poderia deixar de ficar alertado por todos os sinais externos, que foram emitidos, e imobilizado a sua viatura, a tempo de evitar o sinistro.
23. Resulta demonstrado que o Recorrente, não só tinha consciência que naquele ponto se encontrava uma linha férrea, como se conformou em atravessá-la, enquanto a locomotiva se aproximava, certamente na convicção de que conseguiria ultrapassá-la antes da passagem da locomotiva.
24. Para que se verifique a situação que exclui o direito à reparação pelo acidente prevista no art. 14.º/1 alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: i) Que se verifique negligência grosseira do sinistrado, ii) Que essa negligência grosseira constitua a causa exclusiva do acidente.
25. Já a definição de negligência grosseira contemplada pela aludida norma, comporta: a) um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado); b) em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo); c) e que não resulte: da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na própria experiência profissional, dos usos e costumes da profissão (práticas habituais, reiteradas ao longo do tempo, de uma forma generalizada e que implicam uma certa convicção da sua obrigatoriedade).
26. Nos presentes autos resulta provado que, com a sua conduta, o Recorrente violou o artigo 3º/2, 24º/1, 25.º, alínea i), 67.º/1 do Código da Estrada e o art. 3.º do Regulamento das Passagens de Nível.
27. O Recorrente desrespeitou de forma grosseira a regra da prioridade dos veículos ferroviários, bem como, várias disposições legais que regulam a circulação rodoviária.
28. O facto de ser impossível o Recorrente não ter tido consciência da aproximação da locomotiva, conformando-se com tal facto, e não tendo imobilizado a viatura no momento devido, demonstra a assunção por parte deste de um comportamento temerário, ostensivamente indesculpável, com desprezo gratuito pelas mais elementares regras de prudência, isto é, um comportamento que só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser assumido.
29. Resultando provado que tal comportamento do Recorrente foi a causa única e exclusiva para a produção do acidente.
Além do mais,
30. Com o presente recurso, o Recorrente parece querer alegar todas as situações hipotéticas que, eventualmente, poderiam dar causa ao sinistro.
31. (…).
Por conseguinte,
32. Resulta da factualidade dada como provada e, consequentemente, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, que o Recorrente agiu com negligência grosseira, tendo evidenciado um grau intenso de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.
33. Devendo, por isso, o recurso apresentado improceder, por não provado, mantendo-se a decisão do tribunal de primeira instância.
TERMOS EM QUE
Deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida».

Por sua vez, a ré empregadora concluiu nos seguintes termos as contra-alegações que apresentou:
«7.1- O presente recurso quanto à matéria aqui especificamente em questão, não merece provimento porque por inutilidade processual superveniente não foi objeto de julgamento.
7.2- Independentemente desta realidade o apelante não especifica quais os meios probatórios que possam teoricamente impor outra decisão diferente da decisão do julgador.
7.3- A douta sentença aqui posta em crise, não violou qualquer disposição legal, quer de ordem substantiva, quer de ordem adjetiva, como o próprio autor reconhece, por omissão, já que não indica qualquer preceito legal que a douta sentença tenha violado».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Subidos os autos a esta Relação, elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. Saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
2. saber se o acidente de trabalho deve ser descaracterizado, por negligência grosseira do sinistrado;
3. em função da resposta dada à questão anterior, saber se deve haver lugar à reparação do acidente de trabalho.

III. Factos
A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. O autor AA nasceu no dia ../../1981.
2. O autor é trabalhador da ré “Grupo Vendap, S.A.”, exercendo a profissão de técnico de limpeza.
3. No exercício dessas funções, no dia 03-11-2021, o autor deslocou-se pela estrada que atravessa a “...”, em ..., ..., para limpar as casas de banho portáteis instaladas nas obras em curso na “Herdade ...”.
4. Pelas 09h05 do referido dia 03-11-2021, após ter terminado aquele trabalho, o autor regressou pela mesma estrada que atravessa a referida “...”, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OL, propriedade da ré “Grupo Vendap, S.A.”, e, ao atravessar a linha férrea, numa passagem de nível na estrada ainda dentro da referida Herdade, foi colhido por um comboio (este facto é alterado infra).
5. Quando se apercebeu da aproximação do veículo conduzido pelo autor, o maquinista da locomotiva acionou imediatamente os sinais luminosos e sonoros de aviso.
6. A referida passagem de nível não tinha guarda, nem sinalização luminosa ou sonora.
7. A passagem de nível era ladeada por um gradeamento/portão, que era aberto e fechado para permitir a passagem de veículos, pessoas e animais.
8. No sentido em que seguia o autor não existia qualquer indicação de passagem de nível.
9. No sentido inverso (acesso à Herdade, no percurso que o sinistrado havia feito na manhã desse mesmo dia), com a antecedência de cerca de 20 metros, existia uma placa com os dizeres «PASSAGEM NÍVEL PARTICULAR».
10. No dia e hora do acidente o tempo estava bom, em termos de luminosidade.
11. O piso estava seco, limpo e sem obstáculos ou obras.
12. No sentido em que o autor seguia, a estrada configura uma reta, permitindo avistar a linha férrea em toda a sua extensão com a antecedência de, pelo menos, 100 metros.
13. Em consequência dessa colisão o autor sofreu TCE, com amnésia para o acidente e com sinais imagiológicos de contusão frontal hemorrágica e ferida do couro cabeludo; traumatismo do membro superior esquerdo, com fratura dos ossos do antebraço; traumatismo do membro inferior direito, com fratura exposta dos ossos da perna.
14. Estas lesões deixaram como sequelas: perturbações de memória, de concentração e de equilíbrio, com tonturas; cicatrizes dolorosas da perna direita, sem alterações na mobilidade do joelho e da tibiotársica; cicatrizes operatórias do punho esquerdo com boa mobilidade e sem alterações da sensibilidade e/ou força muscular.
15. Desse acidente resultou para o autor:
a) uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 04-11-2021 a 04-04-2022 e desde 11-05-2023 a 28-06-2023 [152+49 = 201 dias];
b) uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 20% desde 05-04-2022 a 11-04-2022 [7 dias];
c) a partir de 11-04-2022, data da cura clínica, ficou com uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 5,95%.
16. Nos dozes meses anteriores à colisão, o autor auferiu da sua entidade empregadora os seguintes valores:
- salário base: € 665,00 x 14;
- Subsídio de alimentação: € 8,10 x 242;
- Complemento extraordinário: € 850,00; e
- Bónus trimestrais: € 700,00.
- A ré “Grupo Vendap, S.A.”, no mesmo período, sob a rubrica «Aj. Custo B» processou ao autor os seguintes montantes:
- Outubro de 2021: € 803,20;
- Setembro de 2021: € 853,40;
- Agosto de 2021: € 953,80;
- Julho de 2021: € 1.305,20;
- Junho de 2021: € 803,20;
- Maio de 2021: € 1.154,60;
- Abril de 2021: € 1.305,20;
- Março de 2021: € 1.054,20;
- Fevereiro de 2021: € 1.154,60;
- Janeiro de 2021: € 1.004,00;
- Dezembro de 2020: € 1.204,80;
- Novembro de 2020: € 903,60.
18. O pagamento desses valores destinou-se a suportar os encargos do autor com refeições quando deslocado, bem como a pernoita em local diverso da sua residência, à razão de € 50,20/dia.
19. Na data do acidente, a entidade empregadora do sinistrado tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a seguradora “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, através da apólice n.º ...53, apenas pelo montante da retribuição anual de € 12.961,12 [(€ 665,00 x 14) + (€ 8,10 x 242) + (€ 140,91 x 12)].
20. A título de indemnização legal relativa ao período de incapacidade temporária sofrido, a ré seguradora pagou ao sinistrado a quantia de € 3.430,23.

B) A 1.ª instância deu como não provado os seguintes factos:
1. que as quantias identificadas no ponto 17.º dos factos provados correspondessem a comissões ou a prémios pelo trabalho prestado em limpeza de WC’s.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob II., as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar, de per se, cada uma delas.
1. Da impugnação da matéria de facto
Considerando que se entende por incontroverso que o autor cumpriu o ónus que a lei lhe impõe quanto à impugnação da matéria de facto (cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil), vejamos se os meios probatórios impõem decisão diversa.
1.1. O autor começou por impugnar o facto n.º 4, que tem a seguinte redação:
«4. Pelas 09h05 do referido dia 03-11-2021, após ter terminado aquele trabalho, o autor regressou pela mesma estrada que atravessa a referida “...”, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OL, propriedade da ré “Grupo Vendap, S.A.”, e, ao atravessar a linha férrea, numa passagem de nível na estrada ainda dentro da referida Herdade, foi colhido por um comboio».
De acordo com o autor/recorrente, o facto deverá passar a ter a seguinte redação:
« Pelas 09h05 do referido dia 03-11-2021, após ter terminado aquele trabalho, o autor regressou pela mesma estrada que atravessa a referida “...”, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OL, propriedade da ré “Grupo Vendap, S.A.”, e, ao aproximar-se da linha férrea, numa passagem de nível na referida estrada particular, ainda dentro da referida Herdade, foi embater contra a parte lateral da locomotiva de um comboio que na altura ia a passar».
Extrai-se da sentença recorrida que a resposta ao factos «(…) 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 16.º, 19.º e 20.º assentou no acordo das partes, em sede de tentativa de conciliação e dos articulados oferecidos, quanto às funções desempenhadas pelo autor, ao embate que sofreu no dia 03-11-2021, quando o veículo por si conduzido foi colhido por um comboio da CP, numa estrada situada em ..., concelho ..., bem como aos valores pagos pela entidade empregadora relativos os vencimento base, subsídio de alimentação, complemento extraordinário e bónus trimestrais, assim como à transferência da responsabilidade infortunistica transferida para a primeira ré, limitada ao valor de € 12.961,12, e à quantia já satisfeita por esta no âmbito da indemnização legal devida pelos períodos de incapacidade temporária sofrida pelo sinistrado».
Ou seja, de acordo com a 1.ª instância o facto em causa resulta do acordo das partes.
Porém, logo a seguir, quanto à dinâmica do acidente, a 1.ª instância afirma que a convicção resultou do «(…) depoimento de BB, motorista da locomotiva da CP que veio a colher o autor, que se mostrou esclarecedor da forma como descreveu a aproximação deste à linha férrea, surpreendendo, no dizer da testemunha, a ausência de imobilização do veículo automóvel perante a circulação do comboio, o que levou a que tivesse accionado insistentemente os sinais sonoros e luminosos de aviso, que não surtiram qualquer efeito na marcha do autor».
Ora, considerando que o facto n.º 4 não deixa de se integrar na própria dinâmica do acidente, tal significa que a prova do mesmo assentou, ou deveria também assentar, no depoimento de BB, única testemunha que presenciou e participou no mesmo, sendo certo que resulta dos autos que a esse propósito o autor de nada se recorda.
Por isso, com vista à matéria de facto em causa procedemos à audição da gravação do depoimento da referida testemunha.
E de acordo com esta, o embate deu-se “mais ou menos” entre a frente do veículo e a roda da frente da locomotiva.
Porém, atente-se, a locomotiva não estava parada, encontrava-se a circular na linha, pelo que o embate é entre o veículo e a locomotiva, e não – como o recorrente parece pretender – daquele nesta.
Neste sentido, pese embora se admita que a alteração possa não ter relevância para a decisão, precisa-se o facto no sentido da ocorrência do embate entre a frente do veículo e a roda da frente da locomotiva.
Assim, o facto n.º 4 passará a ter a seguinte redação:
«Pelas 09h05 do referido dia 03-11-2021, após ter terminado aquele trabalho, o autor regressou pela mesma estrada que atravessa a referida “...”, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-OL, propriedade da ré “Grupo Vendap, S.A.”, e, ao procurar atravessar a linha férrea, numa passagem de nível na referida estrada particular, ainda dentro da referida Herdade, ocorreu o embate entre a frente do veículo e a roda da frente da locomotiva que circulava na linha férrea».
Procedem, por isso, parcialmente, as conclusões das alegações de recurso.

1.2. Quanto ao facto provado n.º 18
No n.º 17 dos factos provados constam importâncias pagas pela ré empregadora ao autor sob a rubrica «Aj. Custo B», e no n.º 18 da mesma matéria de facto afirma-se que «[o] pagamento desses valores destinou-se a suportar os encargos do autor com refeições quando deslocado, bem como a pernoita em local diverso da sua residência, à razão de € 50,20/dia».
O autor/recorrente sustenta que que o facto passe a ter a seguinte redação:
«O pagamento desses valores, pagos à razão de € 50,20/dia, correspondia a um complemento da retribuição do sinistrado».
Vejamos.

O tribunal motivou assim a resposta a este facto:
«[N]o que concerne aos valores pagos ao sinistrado pela sua entidade empregadora, consubstanciados nos factos provados 17.º e 18.º e da sua justificação, as declarações do autor foram equívocas quanto ao pagamento de ajudas de custo e à sua justificação ou como compensação/prémios de produtividade pelo número de WC’s limpos.
Este aspecto foi, porém, esclarecido por CC, colega do autor, que referiu o seu caso pessoal, em que a ajuda de custo apenas é processada quando está “deslocado”, e, sobretudo, pelos depoimentos de DD e EE, respectivamente director de recursos humanos e director de área da ré “Vendap”, que explicitaram a forma como se compunha a remuneração do autor e dos demais higienistas sanitários da ré, incluindo um vencimento base, o subsídio de almoço e complementos extraordinários e bónus, de acordo com os objectivos alcançados. Para além destes, as testemunhas referiram a atribuição de um valor diário de € 50,20, destinado a suportar os encargos com alimentação e alojamento, sempre que o funcionário em questão desempenhava as suas tarefas fora da área em que estava inserido, como era o caso do autor que, à data do acidente, morava em ... e prestava a sua actividade, entre outras zonas, no concelho ...».
Para a pretendida alteração do facto, o recorrente ancora-se nos depoimentos de CC, colega de trabalho do autor, que referiu que, no o seu caso pessoal, a ajuda de custo apenas é processada quando está “deslocado”, e, sobretudo, pelos depoimentos de DD e EE, respetivamente diretor de recursos humanos e diretor de área da ré empregadora.
Já no entendimento desta, das próprias transcrições de depoimentos feitos pelo recorrente não é possível extrair conclusão diferente da alcançada pelo tribunal a quo.
Analisemos.
O recorrente começa por admitir que «(…) não resultou claro na audiência de julgamento que os valores que lhe foram pagos a título de “Aj. Custo B” visavam também pagar uma comissão relativa ao número e ao tipo de WC’s limpos mensalmente».
E o certo é que da audição da gravação do depoimento da testemunha CC nada extraímos de esclarecedor e relevante sobre a matéria, para além de que quando se encontrava deslocado lhe era processada “ajuda de custo”, por despesas inerentes a tais deslocações (dormida, deslocações e refeições).
A testemunha também parece aludir a recebimentos de valores em função do número e tipo de wc portáteis que limpa, mas não conseguiu esclarecer minimamente como lhe eram pagos tais valores, designadamente se eram sob a rubrica “Aj Custo B” ou outra.
Já a testemunha DD referiu que as “AJ Custo B” têm sempre que ver com despesas com deslocações, refeições, pernoitas, sendo que a referência “B” respeita a área a que pertence o trabalhador.
Finalmente, a testemunha EE, diretor de área da ré empregadora declarou, com eventual relevância, que os trabalhadores recebem sempre o mesmo valor a título de ajudas de custo desde que estejam deslocados.
Referiu também que essas deslocações podem ocorrer ao fim de semana e que existindo ajudas de custo os trabalhadores não recebem “prémio” pelo número e tipo de wc portáteis que limpam.
Ora, esta prova não “impõe” decisão diversa da constante da decisão recorrida quanto ao facto em causa, ou, se se quiser, o fundamento para se impor decisão diversa nos termos consignados no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, exige que o juízo efetuado na 1.ª instância se ancore em lapso relevante no processo de avaliação da prova, e não na possibilidade de uma alternativa decisória.
No caso em apreço, como se retira do exposto, por um lado, os depoimentos prestados por DD e por EE vão no sentido de que as ajudas de custo em referência se destinavam a compensar as despesas que o trabalhador tinha com as deslocações, pernoitas e alimentação; por outro lado, da prova produzida não se retiram quaisquer elementos minimamente seguros que permitam concluir que na rubrica de ajudas de custo se pagassem valores que não se prendessem com essas despesas suportadas pelo trabalhadores, designadamente que aí se pagassem valores referentes a “prémio de produtividade” (em função do número e tipo de wc que eram limpos) do trabalhador.
Assim sendo, inexiste fundamento para alterar o facto em causa.

1.3. Assim, em conclusão, quanto à impugnação da matéria de facto: altera-se o facto n.º 4, nos termos que se deixou referido, e mantém-se o facto n.º 18.

2. Da descaracterização do acidente de trabalho
É incontroverso que no caso se verificou um típico acidente de trabalho, tal como vem delimitado no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, doravante também designada LAT.
O direito à reparação por acidentes de trabalho compreende prestações em espécie e em dinheiro (cfr. artigo 23.º, da LAT).
Ao longo do processo, a seguradora recorrida sustentou a descaracterização do acidente, por negligência grosseira do sinistrado.
E a decisão recorrida sufragou tal entendimento, tendo para tanto desenvolvido a seguinte fundamentação:
« A ré “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.” sustenta a descaracterização do acidente no comportamento do autor que, grosseiramente, não adequou a sua velocidade e as condições da sua condução à passagem de linha férrea existente, nem aos sinais sonoros e luminosos de aviso que foram emitidos, o que implica a sua descaracterização enquanto acidente de trabalho, por se verificarem os requisitos do artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Posição contrária tem o autor, que apesar de reconhecer a sua distracção ou imprevidência na referida ocasião, afasta a imputação de um comportamento temerário, integrador de uma actuação grosseiramente negligente e, por essa via, descaracterizadora do acidente que sofreu.
O artigo 3.º do Código da Estrada consagra um princípio de liberdade de trânsito na via pública. Contudo, o n.º 2 prevê um dever de diligência que recai sobre todos os utentes da via (abrange condutores, peões, passageiros, realizadores de obras, organizadores de provas desportivas, etc.), que se traduz numa verdadeira obrigação non facere, isto é, num dever de omitir actos ou comportamentos que possam impedir ou embaraçar o trânsito ou comprometer a segurança dos utilizadores das vias.
Em matéria de velocidade, o artigo 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, enuncia que «o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente».
Concretamente, o condutor deve moderar especialmente a velocidade na aproximação a «pontes, túneis e passagens de nível» (artigo 25.º, n.º, alínea i), do Código da Estrada).
No que diz respeito a passagens de nível, dispõe o artigo 67.º, n.º 1, do mesmo Código, que «o condutor só pode iniciar o atravessamento de uma passagem de nível, ainda que a sinalização lho permita, depois de se certificar de que a intensidade do trânsito não o obriga a imobilizar o veículo sobre ela», precisando o n.º 3 que «se a passagem de nível não dispuser de protecção ou sinalização, o condutor só pode iniciar o atravessamento depois de se certificar de que se não aproxima qualquer veículo ferroviário».
Efectivamente, de acordo com o artigo 3.º do Regulamento das Passagens de Nível (RPN), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 568/99, de 23 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 24/2005, de 26 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 77/2008, de 29 de Abril, «os veículos ferroviários gozam de prioridade absoluta de passagem nas PN» (n.º 1), sejam elas públicas ou particulares, como era o caso, e «sempre que pretenda atravessar uma PN, o utente é obrigado a respeitar as prescrições da legislação rodoviária e do presente Regulamento» (n.º 2).
Os mesmos deveres de conduta decorrem do artigo 22.º, n.º 1, do RPN, quando afirma que os utentes das PN «só devem proceder ao atravessamento destas depois de terem tomado todas as precauções para o poderem fazer sem perigo, quer para si quer para terceiros».
Avaliada a actuação do autor é patente que o mesmo desrespeitou, desde logo, a regra de prioridade absoluta de que gozam os veículos ferroviários, que exigia que se assegurasse de que podia fazer o atravessamento da passagem de nível, em plena segurança, que no caso determinava que só o pudesse concretizar após a passagem do comboio.
Violou também várias outras disposições que regulam a circulação rodoviária e ferroviária, a que se aludiram, integrando o seu comportamento responsabilidade contra-ordenacional.
Não obstante a ilicitude que tal comportamento revela, a jurisprudência vem entendendo que a circunstância de a conduta do sinistrado integrar eventualmente uma infracção estradal classificada por lei como contra-ordenação grave ou muito grave não basta, só por si, para se ter por preenchido o requisito da negligência grosseira, para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho [neste sentido, entre muitos outros, podem consultar-se os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05-2014, Processo n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1 (Cons. BELO MORGADO), e de 26-10-2017, Processo n.º 156/14.5TBSRQ.L1.S1 (Cons. GONÇALVES ROCHA), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Com efeito, as razões e as finalidades da responsabilidade civil decorrente da circulação rodoviária não se confundem com as inerentes à responsabilidade por acidentes de trabalho, nomeadamente no que concerne à problemática da descaracterização destes, por não serem coincidentes os critérios para aferir da culpa num e noutro domínio, pelo que haverá que fazer uma aproximação aos requisitos do artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro: que o acidente provenha de negligência grosseira do sinistrado e que esta sua conduta seja a causa exclusiva do mesmo.
Na situação em apreço, quanto à dinâmica da colisão e às características do local, ficou provado que:
– Quando se apercebeu da aproximação do veículo conduzido pelo autor, o maquinista da locomotiva accionou imediatamente os sinais luminosos e sonoros de aviso;
– A referida passagem de nível não tinha guarda, nem sinalização luminosa ou sonora;
– A passagem de nível era ladeada por um gradeamento/portão, que era aberto e fechado para permitir a passagem de veículos, pessoas e animais;
– No sentido em que seguia o autor não existia qualquer indicação de passagem de nível;
– No sentido inverso (acesso à Herdade, no percurso que o sinistrado havia feito na manhã desse mesmo dia), com a antecedência de cerca de 20 metros, existia uma placa com os dizeres «PASSAGEM NÍVEL PARTICULAR»;
– No dia e hora do acidente o tempo estava bom, em termos de luminosidade;
– O piso estava seco, limpo e sem obstáculos ou obras;
– No sentido em que o autor seguia, a estrada configura uma recta, permitindo avistar a linha férrea em toda a sua extensão com a antecedência de, pelo menos, 100 metros.
Vistas estas circunstâncias, é de concluir que, enquanto o condutor da locomotiva teve um comportamento isento de qualquer reparo, adoptando uma conduta positiva tendente a anunciar a circulação do comboio (ante a ausência de imobilização do veículo conduzido pelo autor), nenhuma infracção sendo de lhe apontar, o sinistrado não só violou as mais elementares regras de segurança rodoviária e ferroviária, que conhecia, podia e devia respeitar, como essa inobservância se veio a revelar claramente causal (causa única) na ocorrência do acidente que o vitimou.
De facto, não só conhecia a estrada em que circulava, como sabia da existência da passagem de nível, perfeitamente visível ao trânsito rodoviário, e ignorou as mais básicas regras de prudência no seu atravessamento, sendo insensível aos avisos sonoros de aproximação do comboio, pelo que adoptou um comportamento temerário em alto e relevante grau.
Do mesmo modo, não se apurou que tenha ocorrido qualquer acto de terceiro, que pudesse ter sido evitado e que tivesse sido determinante ou que de alguma forma contribuísse para a produção do acidente.
Assim, em face do circunstancialismo apurado, é de considerar demonstrado que a ocorrência do acidente em causa resulta, em exclusivo, de um comportamento do sinistrado, negligente em elevado grau, não justificado por qualquer grau de habituação à circulação rodoviária e às condições da via em que seguia, atentas os concretos deveres que lhe eram exigíveis no atravessamento da passagem de nível, e, neste sentido, traduzindo uma conduta temerária, inútil e indesculpável».
O recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que a violação de regras de circulação rodoviária e ferroviária não implicam, necessária e automaticamente, a existência de negligência grosseira em sede acidentes de trabalho, podendo existir causas de diversa natureza, relevantes para afastar a descaracterização do acidente de trabalho com aquele fundamento.
Vejamos.

Como se referiu, o direito à reparação do acidente compreende as prestações em espécie (prestações de natureza médica, hospitalar, etc., adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho) e de dinheiro (indemnizações, pensões e prestações e subsídios previstos na lei).
Porém, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) da LAT, o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que «[p]rovier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado».
E de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, «[e]ntende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão».
A referida norma é de conteúdo idêntico à que constava do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) da anterior LAT (Lei n.º 100/97, de 13-09) e do n.º 2 do artigo 8.º do seu Regulamento (Decreto-Lei nº 143/99, de 30-04), e à que vigorava anteriormente a esta (Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965), que na sua Base VI, n.º 1, alínea b), aludia a “…falta grave e indesculpável da vítima”, expressão que era entendida, como escreve Cruz de Carvalho (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Livraria Petrony, 1983, pág. 51), como equivalente a “… um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária, embora não intencional, e além disso que tal comportamento seja a causa única do acidente, como resulta do advérbio «exclusivamente»”.
Também Feliciano Resende (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, pág. 23) assinala que para descaracterizar o acidente não basta a culpa leve, como na negligência, imprudência, distração, imprevidência ou comportamentos semelhantes.
Carlos Alegre escreve que (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª Edição, pág. 63) “ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considere os prós e contras (…) [sendo] grosseira porque é grave e por ser aquela que em concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias”.
Assim, como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado [vide, entre muitos outros, os acórdãos de 10-12-2008 (Proc. n.º 1893/08), de 25-11-2009 (Proc. n.º 331/07.9TTVCT.P1.S1), de 24-02-2010 (Proc. n.º 747/04.2TTCBR.C1.S1), de 24-10-2012 (Proc. n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1), e, mais recentemente, de 29-03-2023 (Proc. n.º 18905/19.3T8LSB.L1.S1) e de 11-10-2023 (Proc. n.º 478/19.9T8FAR.E1.S1), todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt] para que se verifique a descaracterização do acidente ao abrigo da citada alínea é necessário: (i) ) um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos da profissão; (ii) que o acidente tenha resultado, “exclusivamente”, desse comportamento.
Isto é, para a descaracterização de um acidente de trabalho a lei não se basta com a omissão de um qualquer dever objetivo de cuidado ou diligência: é necessário que se verifique um comportamento temerário, ostensivamente indesculpável, com desprezo gratuito pelas mais elementares regras de prudência, comportamento esse que só por uma pessoa particularmente negligente se mostra suscetível de ser assumido. Além disso, exige-se que o mesmo seja a causa exclusiva do acidente.
Como se assinalou no voto de vencido aposto no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2023, com a norma prescrita no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, da LAT «[c]orporiza-se (…) um harmónico equilíbrio entre as exigências de tutela dos direitos dos sinistrados em acidentes de trabalho (e de solidariedade social para com eles) e, por outro lado, adequadas exigências de autorresponsabilidade que são inerentes ao regular funcionamento da coletividade».
Com vista a delimitação do referido conceito de “negligência grosseira” importa atentar, como se dá conta no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2010, que a negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objetivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo, mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).
E a negligência pode assumir diferentes graus: levíssima (quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excecionalmente diligente teria observado), leve (quando o padrão atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente) e grave (quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa excecionalmente descuidada e incauta teria também incorrido).
A negligência grosseira corresponde a uma culpa grave, reprovável pelo mais elementar senso comum, a apreciar perante as circunstâncias concretas que se deparam, de forma que, num juízo de prognose, um homem diligente, colocado na posição do sinistrado, não teria prosseguido idêntico comportamento.
Por fim, em sede de consideração teórica sobre a negligência grosseira, prevista no artigo 14.º da LAT, importa referir que esta terá que ser sempre apreciada tendo em conta as concretas e específicas condições do sinistrado, e não em função de padrões gerais e abstrato e que a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho constitui um facto impeditivo do direito de reparação invocado, pelo que compete à(s) ré(s) a prova da correspondente materialidade (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

É altura de regressarmos ao caso que nos ocupa.
De acordo com a matéria de facto:
- No dia 03-11-2021, no exercício das suas funções de técnico de limpeza, o autor, conduzindo um veículo da ré empregadora, deslocou-se pela estrada que atravessa a “Herdade ...”, em ..., que é atravessada por uma passagem de nível, sem guarda nem sinalização luminosa ou sonora;
- no sentido de acesso à referida Herdade, que o autor tinha feito na manhã desse dia, existia, com a antecedência de cerca de 20 metros em relação à passagem de nível, uma placa com os dizeres “PASSAGEM NÍVEL PARTICULAR”;
- já no sentido inverso, ou seja, de regresso da Herdade, não existia qualquer indicação da passagem de nível;
- no referido dia, pelas 09.05h, após a realização do trabalho, o autor regressava da herdade pela mesma estrada, conduzindo o veículo da empregadora e, ao procurar atravessar a linha férrea, na passagem de nível na referida estrada particular, ainda dentro da referida Herdade, ocorreu o embate entre a frente do veículo por si conduzido e a roda da frente da locomotiva que circulava na linha férrea;
- quando se apercebeu da aproximação do veículo conduzido pelo autor, o maquinista da locomotiva acionou imediatamente os sinais luminosos e sonoros de aviso.
- no dia e hora do acidente o tempo estava bom, em termos de luminosidade, e o piso estava seco, limpo e sem obstáculos ou obras;
- no sentido em que o autor seguia, a estrada configura uma reta, permitindo avistar uma linha férrea em toda a sua extensão com a antecedência de, pelo menos, 100 metros.
- a passagem de nível era ladeada por um gradeamento/portão, que era aberto e fechado para permitir a passagem de veículos pessoas e animais.
Ora, perante a dinâmica do acidente constata-se desde logo que, como é assinalado na decisão recorrida, o autor violou regras estradais, maxime inerentes ao atravessamento de passagens de nível.
Mas, mais relevante na resolução do caso, apresenta-se a circunstância de anteriormente, nesse mesmo dia, o autor ter atravessado a passagem de nível para realizar o trabalho – o que significa que tinha conhecimento do local e da existência daquela –, no regresso (intui-se que decorrido não muito tempo, tendo em conta a hora do acidente), não obstante o tempo estar bom, com boa visibilidade, permitindo-lhe avistar a linha férrea com a antecedência de, pelo menos, 100 metros e ter sido alertado pelo maquinista da locomotiva com sinais luminosos e sonoros de aviso, o autor procura atravessar a linha férrea, tendo-se então dado o embate entre a frente do veículo por si conduzido e a roda da frente da locomotiva.
É sabido, e é reconhecido pelo próprio legislador no relatório preambular do Decreto-Lei n.º 568/99, de 23-12, que as passagens de nível são “pontos de conflito geradores de permanente insegurança”, pelo que só um comportamento indesculpável, reprovado por um elementar sentido de prudência, pode ter levado o autor a empreender o atravessamento da passagem de nível nos termos em que o fez, ignorando os cuidados que devia ter, face ao conhecimento que tinha do local, e indiferente aos avisos luminosos e sonoros.
Acresce que, em face do descrito, o acidente proveio apenas do comportamento do autor/sinistrado.
Porém, argumenta este, desconhece-se o que efetivamente levou a que não tivesse travado, desviado ou parado a viatura de forma a evitar o acidente (segundo decorre dos autos, em consequência das sequelas do acidente o sinistrado sofre de amnésia), pois podia, por exemplo, vir distraído, cansado, ou até a falar ao telemóvel.
Ora, por um lado, o quadro fáctico apurado é impressivo para concluir pela absoluta imprudência do autor no atravessamento da passagem de nível, uma vez que, volta-se a sublinhar, ele conhecia o local em que circulava (escasso tempo antes tinha lá passado em sentido contrário), sabia da existência da passagem de nível, que era bem visível ao trânsito rodoviário, e foi insensível aos avisos luminosos e sonoros vindos da locomotiva; por outro, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-03-2019 (Proc. n.º 749/13.8TTGMR.G2, disponível em www.dgsi.pt), pese embora os atos integrantes da descaracterização do acidente, enquanto impeditivos do direito à reclamada reparação, constitua ónus do responsável pela reparação, «(…) não cabe na amplitude de tal ónus o da alegação e demonstração pela negativa de todas as circunstâncias em abstracto susceptíveis de concorrer para a produção do mesmo»: como aí também consta, «a produção dessa exaustiva prova negativa, além de traduzir um exercício especulativo, constituiria uma verdadeira probatio diabólica».
Por consequência, impõe-se reafirmar que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira do autor/sinistrado, pelo que não há lugar à reparação dos danos decorrentes do mesmo (artigo 14.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, da LAT), e daí a improcedência das conclusões das alegações de recurso.
Face à solução ora alcançada, queda prejudicada a última questão objeto do recurso, identificada e equacionada em II.3, sobre a reparação do acidente de trabalho (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. alterar a matéria de facto, nos termos supra referidos;
2. negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção ou apoio judiciário de que goze (artigo 527.º do Código de Processo Civlil).

Évora, 23 de maio de 2024
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Paula do Paço.