FALTA DE CONTESTAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA PROVA
Sumário


(i) Tendo o autor/trabalhador peticionado na ação a condenação do réu/empregador pela prestação de trabalho noturno e trabalho prestado em fins de semana e feriados, a ele competia, desde logo, alegar os factos correspondentes, ou seja, os dias e horas em que tal trabalho foi prestado, para que subsequentemente se pudesse qualificar tal trabalho como noturno ou prestado em dias de descanso;
(ii) limitando-se o autor a peticionar o pagamento de uma quantia com base num determinado número de horas de trabalho, mas sem que se indique os dias e horas em que foram prestadas, ainda que a ação não tenha sido contestada não é possível dar como provada qualquer factualidade que permita concluir que essas horas de trabalho prestadas são de qualificar como trabalho noturno ou trabalho prestado em dias de descanso.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 1520/23.4T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
AA intentou, em 01-08-2023 e no Juízo do Trabalho ..., ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra H..., E.P.E, pedindo, a final, a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 27.465,81, por “horas extraordinárias” prestadas a partir de 1 de janeiro 2018, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que mantém um contrato de trabalho com o réu e que a partir de 2018 prestou trabalho noturno e aos fins de semana, que não lhe foi pago nos termos legais.

Entretanto, por despacho de 26-10-2023 foi determinada a notificação do autor para «[a]perfeiçoar o seu articulado esclarecendo se se trata de contrato individual de trabalho, caso em que deverá concretizar os factos a que alude no art. XIII da p.i., ou de relação jurídica de emprego público constituída por contrato de trabalho em funções públicas, caso em que, querendo, poderá pronunciar-se sobre a incompetência do Juízo do Trabalho para conhecer da presente ação».
Atente-se que o referido artigo XIII da petição inicial é do seguinte teor:
«Em suma, é de carácter obrigatório o pagamento das horas trabalhadas, e ainda não pagas, desde o dia 1 de Janeiro de 2018, que perfazem um total de €27.465,81 (vinte sete mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e 81 cêntimos), por trabalho efectivamente prestado e ainda não pago, conforme doc s que protesta juntar, bem como é do conhecimento da entidade patronal».

No que aqui releva, o réu juntou procuração aos autos e em 27-10-2023 apresentou contestação, mas, com fundamento em extemporaneidade, a mesma não foi admitida.
Em resposta ao despacho de 26-10-2023, o autor veio apresentar em 09-11-2023 um novo articulado, que contém uma tabela onde calculou o valor que entende ser-lhe devido tendo por base determinados números de horas (intui-se que serão as horas de trabalho noturno e aos fins de semana que terá prestado): porém, de tal tabela/cálculo nada se extrai sobre em que dias e horas tal trabalho terá sido prestado.

Em 31-01-2024 foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«a) O autor intentou acção declarativa de condenação, sob a força de processo comum ordinário, pedindo a condenação da ré no pagamento das horas trabalhadas e não pagas nos termos do contrato de trabalho celebrado, e segundo as tabelas remuneratórias repostas pela Lei 114/2017.
b) A ré não apresentou contestação, com as cominações legais previstas para a revelia, nos termos do artigo 57.º do CPT; e Convidado para esclarecer a natureza do contrato de trabalho, o autor veio tempestivamente oferecer o seguinte «Na cláusula n.º 18 do contrato de trabalho celebrado, as partes acordaram que qualquer litígio emergente seria da competência do Juízo do Trabalho ..., sendo este materialmente competente para conhecer da presente relação jurídica de trabalho. O autor celebrou com a ré um contrato de trabalho de direito privado, nos termos do artigo 14.º, n.º 1 do DL 233/2005; aliás; tal nem poderia ser de outra forma, uma vez que aquando da celebração deste contrato, nem o trabalhador (aqui autor) nem a empregadora E.P.E poderiam optar pelo regime transitório da relação jurídica de emprego público, previsto no artigo 15.º, por ser relação jurídica constituída após a entrada em vigor do referido diploma; estamos, assim, perante uma relação jurídica de direito privado.A ré é uma Entidade Pública Empresarial, nos termos e para os efeitos do artigo2.º, n.º 1, al. b), da Lei 35/2014, excluída do âmbito de aplicação deste diploma, que não é aplicável ao presente litígio (tendo em conta a relação laboral – tal como foi constituída) o artigo 12.º deste diploma legal. Acresce ainda que, nos termos do artigo 4.º, n.º 4, al. b), está excluída da competência dos tribunais administrativos e fiscais apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público, o que, conforme supra se expôs, não é o presente caso. As partes celebraram, assim, um contrato individual de trabalho, de natureza privada, regulado pelo código do Trabalho, entendendo-se ser o tribunal do Trabalho o tribunal materialmente competente para resolver o presente litígio. Apresenta-se assim, o articulado (PI) aperfeiçoado, o que faz nos seguintes termos:(Ponto 2 do douto despacho: aperfeiçoamento do articulado no ponto XIII) XIII Em suma, é de carácter obrigatório o pagamento das horas extraordinárias e prevenções trabalhadas, e ainda não pagas, desde o dia 1 de Janeiro de 2018, que perfazem um total de €27.465,81 (vinte sete mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e 81 cêntimos), por trabalho efetivamente prestado e ainda não pago, conforme doc.s que protesta juntar, bem como é do conhecimento da entidade patronal, conforme se descriminam as horas, fins-de-semana (diurnas e nocturnas) e prevenções efectivamente prestadas pelo autor e não pagas pela entidade patronal nos termos salariais previstos para a sua retribuição, e respectivos valores:»;
c) Tendo continuado com uma quantificação descriminada do número de horas prestadas, do valor de horas, do período mensal a que estas se reportavam desde Janeiro de 2018, do valor e o somatório para o mês e para o ano, devidamente identificadas sob as expressões “Horas de trabalho prestadas e não recebidas”, “Valor de euros a ser pago”, identificação de cada mês, “Valor Pago” e “Valor a Receber”.
d) O autor narrou a relação material de forma consequente, apreensível e de forma a permitir um raciocínio silogístico: alegou que prestou trabalho que não foi pago nos termos contratuais e legais, desde Janeiro de 2018, apresentando a seguir o número de horas mensais prestadas nos regimes diurno e nocturno e o respetivo valor, assim descriminando as horas, fins- de-semana (diurnas e nocturnas) e prevenções efectivamente prestadas pelo autor e não pagas pela entidade patronal nos termos salariais previstos para a sua retribuição, e respectivos valores.
e) Na sentença não considera que o autor não alegou quaisquer factos constitutivos do direito, apenas fez conclusões, e absolveu a ré do pedido, por considerar que não foram alegados factos e, como tal, estes não poderiam ser dados como provados.
f) Os factos que fundamentam a relação material controvertida são, fundamentalmente, a reposição das tabelas remuneratórias operada pela Lei 144/2017, e o número de horas extraordinárias prestadas pelo autor e não pagas nessa conformidade.
g) O autor alegou os factos constitutivos do seu direito de forma especificada e concreta e exaustiva: primeiramente explicitou a relação de trabalho que tinha com a ré, as retribuições que deviam ser repostas desde 1 de Janeiro de 2018, por força da Lei 114/2017, alegou ter trabalhado horas que não foram pagas e descriminou exaustivamente estas horas, circunstanciando- as mensalmente com o número de horas trabalhadas, valor da hora e respectivo somatório. Apresenta ainda o total do somatório por ano!
h) Apresentar, na petição inicial, uma listagem de horas de trabalho extraordinário com o valor retributivo correspondente é especificar e concretizar a matéria de facto alegada no ponto XIII, não se podendo falar sequer em factos conclusivos: é alegação de um facto concreto elencar de forma estruturada números, é listar por escrito o número de horas e o período a que estas se reportam; mais é apresentar o valor mensal de horas, tal como resulta da PI.
i) A ré contestou extemporaneamente, tendo sido determinado o desentranhamento da contestação e, posteriormente, não exerceu o direito ao contraditório aquando da notificação sobre o aperfeiçoamento da p.i., com os efeitos previstos no artigo 57.º do CPT: confissão dos factos alegados pelo autor.
j) O autor narrou os factos da relação material controvertida, tendo igualmente alegado de direito: o seu vínculo laboral com a autora, as clausulas contratuais, a reposição com efeitos retroactivos das remunerações operados pela Lei 114/2017, o factos de as horas prestadas a título extraordinário não pagas, e – sobretudo – a sua quantificação, o que fez sob rubricas devidamente descriminadas, no aperfeiçoamento ao ponto XIII da sua p.i.
k) Em suma, alegou os factos constitutivos do seu direito de forma especificada e concreta e exaustiva, com total correspondência com o pedido: primeiramente explicitou a relação de trabalho que tinha com a ré, as retribuições que deviam ser repostas desde 1 de Janeiro de 2018, por força da Lei 114/2017, alegou ter trabalhado horas que não foram pagas e descriminou exaustivamente estas horas, circunstanciando-as mensalmente com o número de horas trabalhadas, valor da hora e respectivo somatório.
l) Estas são alegações de factos, e não meramente conclusões do autor, ou sequer factos conclusivos: descriminar as horas trabalhadas e não pagas em rubricas constitui uma alegação de facto, e não uma mera conclusão.
m) Na acção de processo ordinário em que o autor pede a condenação da entidade patronal no pagamento das horas de trabalho efectivamente prestadas e não pagas, a quantificação dessas mesmas horas e dos períodos em que estas foram prestadas não são meras conclusões, mas antes matéria de facto alegada, por constituir o núcleo da matéria controvertida.
n) São alegações de facto substanciadas as quantificações numéricas feitas na petição inicial, porquanto estarem especificadas e concretizadas, de forma objectiva por rubricas na própria p.i.;
o) Devendo, assim, e nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do CPT, dar-se como matéria de facto provada que o autor prestou efectivamente a totalidade das horas de trabalho, condenando-se a ré no pagamento das mesmas, acrescidas de juros vencidos e vincendos.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, e com o muito douto e sempre necessário suprimento de VV. Venerandas Exas., dar-se provimento à presente apelação e, em consequência, substituir-se a douta sentença recorrida por outro que condene a ré no pedido formulado pelo autor, fazendo-se, assim, a costumada Justiça.

Contra-alegou o réu [atualmente denominado Unidade Local de Saúde ... (U...), E.P.E.], a pugnar pela improcedência do recurso.
Para o efeito sustentou, em síntese, que o autor/recorrente apresentou uma tabela com suposta indicação de horas prestadas e não pagas, mas sem que essa mesma tabela esclareça minimamente quais os dias e as horas em que o alegado trabalho foi prestado, e que a tabela se apresenta «(…) de forma totalmente incompreensível (…) causando ainda maior confusão do que a que já havia previamente sido alegada pelo Autor (…)».

Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo – e subido a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu o réu, a manifestar a sua concordância.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam, são duas as questões essenciais a decidir:
(i) saber se face à falta de contestação do réu, deve aditar-se à matéria de facto o que consta do artigo XIII da petição inicial;
(ii) se deve condenar-se o réu no pagamento ao autor de importância devida por trabalho noturno e/ou em fins de semana e feriados.
III – Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em 15.10.2008, por documento escrito assinado pelo autor e por representante do réu, denominado “Contrato individual de trabalho sem termo”, acordaram autor e réu que o primeiro fosse admitido ao serviço do segundo para exercer, a partir dessa data, sob a sua autoridade e direção, as funções correspondentes à categoria profissional de técnico da carreira de engenheiro (área mecânica), para as funções de estudo, conceção e adaptação de métodos e processos científico-técnicos, no serviço de instalações e equipamentos da ré, mediante o pagamento da quantia mensal ilíquida de 1.124,27€ e subsídio de refeição de 4,11€ diários por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
2. Mais acordaram, na cláusula 3.ª, n.º 4:
“O 1º Contratante obriga-se a pagar ao 2º Contratante o acréscimo de renumeração decorrente do trabalho noturno praticado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, os acréscimos correspondentes ao trabalho normal realizado aos sábados, domingos e feriados, assim como as remunerações de trabalho suplementar equivalentes às previstas no Decreto-Lei n.º 62/79 de 30 de Maio.”
3. E na cláusula 5.ª, n.º 1:
“A prestação do trabalho do 2.º Contratante obedecerá a um horário semanal de 35 horas, sendo o horário diário o do serviço de colocação onde aquele ficar funcionalmente integrado, de acordo com a organização, esquema e escala de funcionamento desse serviço, sem prejuízo de quaisquer alterações dos serviços da 1º Contratante”.

IV – Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas.

1. Do aditamento à matéria de facto
O recorrente sustenta que face à falta de contestação do réu deve aditar-se à matéria de facto o que consta do artigo XIII da petição inicial.
Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), [s]e o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito»; isto é, a falta de contestação provoca o efeito cominatório semi-pleno: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, sendo logo proferida sentença.
Coloca-se então a seguinte questão: no artigo XIII da petição inicial o autor alegou factos que possam ser dados como provados?
Relacionado com esta questão, escreveu-se na sentença recorrida:
«Alega o réu que realizou horas de trabalho noturno e aos fins-de-semana cujo pagamento não foi realizado pelo réu. Considerando que no art. XIII da petição inicial o autor não materializava os factos (e sendo certo que tal não ocorreria, de igual sorte, no restante articulado) que fundamentavam a sua pretensão, foi o mesmo notificado para a concretizá-los.
Ora, constata-se que no art. XIII alegava o autor:
“Em suma, é de carácter obrigatório o pagamento das horas trabalhadas, e ainda não pagas, desde o dia 1 de Janeiro de 2018, que perfazem um total de €27.465,81 (vinte sete mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e 81 cêntimos), por trabalho efectivamente prestado e ainda não pago, conforme doc s que protesta juntar, bem como é do conhecimento da entidade patronal.”
Ao passo que no art. XIII da petição inicial aperfeiçoada junta o autor uma tabela com suposta indicação das horas prestada e não pagas. Contudo, tal tabela não indica minimamente quais os dias e horas em que o trabalho foi prestado, limitando-se o autor a inscrever que é trabalho noturno ou diurno; a primeira coluna sequer tem designação, desconhecendo-se a que se reportam os números inscritos na mesma a partir de determinada altura, desconhecendo-se igualmente a que se reportam algumas das colunas por não terem igualmente designação, bem como o número de horas efetivamente prestadas. Afirmar que o réu pagou determinada quantia quando deveria ter pago quantia diversa é uma conclusão e não um facto. Por conseguinte, e considerando que expor um facto é narra-lo ou descrevê-lo, no caso, por escrito, de forma sequencial e apreensível e não juntar uma tabela (ademais elaborada de forma totalmente incompreensível) não pode deixar de ser considerar que não se mostram alegados de forma concretizada os factos que sustentam a pretensão do autor, motivo, aliás, pelo qual nada mais resultou provado para além dos factos enunciados em IV. A. e não se fez constar qualquer factualidade como não provada (com efeito, não poderia ser dado por não provada a factualidade vertida no art. XIII da petição inicial por manifestamente conclusiva e não poderia ser dada a factualidade inserta no art. XIII da petição alegadamente aperfeiçoada por não concretizada e impercetível, sendo certo que tendo o autor beneficiado de oportunidade de aperfeiçoamento sobre si recaí a responsabilidade de não ter exercido cabalmente tal faculdade).

O réu aplaude tal decisão, afirmando que a tabela apresentada pelo autor se apresenta totalmente incompreensível.

E no mesmo sentido se pronuncia também a exma. procuradora-geral adjunta, porquanto «(…) a identificação do trabalho noturno ou extraordinário são qualificações jurídicas que se retiram do dia e horas a que o trabalho foi prestado.
«É claro que o A. pode referir-se ao trabalho com esta designação, mas apenas em termos conclusivos, sendo pressuposto que previamente tenha feito uma discriminação circunstanciada dos dias (com indicação do dia, mês e ano), e das horas do inicio e fim desse trabalho. Mas não o fez.
Sem essa discriminação não sabemos se o alegado trabalho foi prestado em feriado, dia de descanso semanal ou fim de semana, se foi em acréscimo à jornada de trabalho e se efetivamente é noturno ou diurno».

Adiante-se desde já que se perfilha este entendimento.
Expliquemos porquê.
É incontroverso que entre as partes existiu(existe?) um contrato individual de trabalho e que prestando o autor trabalho fora do horário de trabalho tem jus ao seu pagamento.
No caso desconhece-se qual o horário de trabalho do autor: sabe-se apenas, face ao clausulado do contrato de trabalho, que as partes classificaram como noturno o trabalho realizado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte, a ser pago com acréscimo, assim como deverá ser pago com acréscimo o trabalho realizado aos sábados, domingos e feriados e, enfim, o trabalho realizado fora do horário de trabalho.
Todavia, da petição inicial, ainda que corrigida, maxime do artigo XIII, nada de relevante se retira a tal respeito.
Importa ter presente que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil); ou seja, alegando o autor o direito ao pagamento de determinada quantia por trabalho noturno, aos fins de semana, etc., a ele compete, desde logo a factualidade pertinente, e, posteriormente fazer a prova da mesma.
Tenha-se presente que na petição inicial o autor deve expor, além do mais, os factos essenciais que constituem o fundamento do pedido (cfr. artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).
Ora, no artigo XIII da petição inicial, supra transcrito (nos restantes artigos é inequívoco que o autor nada alegou sobre a matéria em causa), o autor nada alegou de relevante, tendo-se limitado a afirmar que lhe era devida determinada importância por trabalho prestado e não pago.
E o mesmo artigo da petição inicial, apresentado após convite para aperfeiçoamento dessa peça processual, nada esclarece de relevante sobre a matéria, “limitando-se” a apresentar uma tabela com cálculo de valores devidos, tendo por referência determinado número de horas, mas sem que se indique em que dia e horas esse trabalho foi prestado.
Por isso, não é possível concluir, ainda que a ação não tenha sido contestada, que o autor prestou trabalho noturno e/ou em feriados e fins de semana, ou ainda que prestou qualquer trabalho fora do horário normal de trabalho.
Ressalvado o devido respeito pelo entendimento do recorrente, afigura-se incompreensível, diremos até ininteligível, a tabela apresentada pelo autor/recorrente: e, como se disse, para se poder concluir, por exemplo, se foi prestado trabalho noturno ou aos fins de semana é necessário que se alegue desde logo em que dias e horas o trabalho foi prestado; de outro modo, a tabela apresentada pelo autor até pode dizer respeito a horas prestadas no período normal de trabalho (cfr. artigo 198.º do Código do Trabalho).
Ou seja, e dito de forma mais direta: não basta dizer-se que se prestou x horas de trabalho noturno e que, por esse trabalho, se tem direito ao valor y; o saber se foi ou não prestado trabalho noturno é uma conclusão jurídica a extrair dos factos alegados e provados: só sabendo que houve trabalho que foi prestado em determinados dias e determinadas horas é possível concluir se foi ou não prestado trabalho noturno (ainda que essas horas possam não estar totalmente quantificadas e que tenha, porventura, que se relegar para execução o seu concreto apuramento).
Porém, no caso em apreço, nada consta alegado pelo autor a tal respeito, pelo que, pese embora a falta de contestação, não havia factos, designadamente do artigo XIII da petição inicial, que pudessem ser dados como provados sobre a matéria.
Impõe-se, pois, concluir que não existem factos que possam ser aditados à matéria de facto provada, improcedendo, consequentemente, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Quanto a saber se deve condenar-se o réu no pagamento ao autor da (alegada) importância devida por trabalho noturno e/ou em fins de semana e feriados
A resposta afirmativa a esta questão era tributária da pretendida alteração/adiamento à matéria de facto quanto à prestação de trabalho a qualificar de noturno, prestado aos fins de semana e feriados ou fora do horário de trabalho.
Não tendo o recorrente obtido êxito nessa pretendida alteração, terá forçosamente que soçobrar o pedido de condenação do réu pelo pagamento do referido trabalho.
Com efeito, reafirma-se, da matéria de facto provada nada se extrai no sentido da prestação de trabalho que possa ser qualificado de noturno, realizado aos fins de semana ou em feriados, ou até prestado fora do horário de trabalho.
Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerandos, impõe-se, também nesta parte, afirmar a improcedência das conclusões das alegações de recurso e, consequentemente, a improcedência deste.

3. Vencido no recurso, o autor/recorrente suportará o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V – Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por AA, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 23 de maio de 2024
João Luís Nunes (relator)
Emília Ramos Costa
Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Emília Ramos Costa, (2) Paula do Paço.