EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
ÓNUS DA PROVA
CONDOMÍNIO
PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
Sumário


I - Aquele que invoca uma exceção perentória tem o ónus de alegar os factos integradores da exceção.
II - As prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
III - Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto, especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal.
IV - Omitindo os réus/excecionantes a alegação de factos que permitam concluir que os montantes exigidos nos autos constituem prestações periódicas, o tribunal a quo estava em condições de julgar improcedente a exceção de prescrição fundada na previsão da alínea g), do artigo 310º do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. nº 268/23.4T8TMR.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento da quantia de € 5.861,36, acrescida de € 1.823,61, contabilizados a título de juros desde 30.05.2015, bem como das despesas processuais no montante de € 492,00, num total de € 8.179,97, e ainda nos juros vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese, que é proprietário da fração 1 do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., em ..., e os réus proprietários da fração 2 do mesmo prédio, sendo que em Assembleia de Condomínio daquele prédio, realizada a 19.05.2014, resultou uma deliberação na qual, além do mais, se fez consignar que face às contas apresentadas resulta que o condómino AA, suportou a maioria das despesas, sendo credor das seguintes importâncias», entre as quais a relativa à fração 2, no valor de € 5.861,36.
Tais contas foram aprovadas por unanimidade dos presentes, tendo todos os condóminos presentes assumido o compromisso de procederem ao pagamento faseado dos referidos montantes, em duodécimos até maio de 2015, a pagar diretamente ao condómino AA.
O autor, com vista à conservação e regular funcionamento do condomínio, liquidou ao longo de vários anos, um avultado montante de despesas cujo montante global ascendeu a € 25.000, tendo os referidos montantes sido fixados com respeito pela permilagem que cada um dos condóminos detém no aludido prédio.
Alega, por último, que na dita Assembleia esteve presente a ré, que anuiu e subscreveu o teor da referida ata, nunca tendo os réus questionado o montante em dívida, e apesar de interpelados para o efeito, não efetuaram qualquer pagamento.
Contestaram os réus, excecionando e impugnando.
Por exceção, invocaram a ilegitimidade do autor e a prescrição do direito.
Impugnaram ainda toda a matéria alegada na contestação, à exceção do alegado nos artigos 1º e 2º da petição inicial referentes à qualidade de proprietários das respetivas frações do imóvel aí identificado.
Notificado para se pronunciar sobre a exceção de prescrição invocada, o autor nada disse.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, mais se julgando a ação improcedente por se considerar verificada a exceção de prescrição, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Inconformado, o autor apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A) No âmbito do processo supra identificado, o douto Tribunal, entendeu, face aos elementos constantes dos autos, decretar a procedência da excepção peremptória de prescrição, invocada pelos Réus, em sede de contestação, absolvendo os Réus do pedido.
B) A decisão proferida, culmina assim, com o devido respeito, na perspetiva do Autor/Recorrente, em manifesto erro no julgamento dos elementos constantes dos autos, que impunham decisão diversa da proferida.
C) Pese embora não resulte da douta sentença, que a omissão de pronúncia pelo Autor, (convidado nos termos do artigo 3 n.º 3 do CPC, a pronunciar-se sobre a excepção peremptória de prescrição, e não o fez) culminou no efeito cominatório da admissão dos factos por acordo, importa destacar que a referida omissão, nos termos do artigo 3 n.º 3, 6 n.º 1 e 547 do CPC, não acarreta a admissão por acordo, dos factos integrantes da excepção aduzida, uma vez que é imprescindível que esta seja, expressamente comunicada à parte e de tais consequências ela advertida, o que não ocorreu no caso em apreço.
D) No que em concreto se reporta, aos fundamentos da douta sentença, decorre da mesma, manifesto erro, na determinação das normas aplicáveis, ao caso sub judice, o que se invoca nos termos, e para os efeitos do artigo 639 n.º 2 al. c) do CPC.
E) A fundamentação legal da douta sentença, supra reproduzida, assenta em síntese, na seguinte constatação: "Não constituindo título executivo (entenda-se a “ata” em causa nos autos) o prazo de prescrição a ter em conta é o de 5 anos a que alude a al. g) do art. 310.º do Código Civil.
F) Toda a fundamentação da douta sentença, parece cingir-se ao apuramento da executoriedade da ata junta como documento n.º 1 da petição inicial.
G) Ora, esse apuramento, em nada contende com a causa de pedir identificada pelo Autor, pelo que todas as considerações vertidas na douta sentença, relativas à ausência de características de executoriedade da ata junta aos autos, são, salvo douta melhor opinião, dispiciendas.
H) A causa de pedir na presente acção funda-se no invocado pagamento por parte do Autor, de despesas de condominio, da responsabilidade de todos os demais condóminos, e na existência de um reconhecimento expresso por escrito, por parte destes ( onde se inclui a Ré mulher) do seu direito a ser ressarcido, mediante um pagamento faseado.
I) A declaração de dívida, assinada pela Ré mulher, ainda que vertida numa "ata", não possui, nem se arroga possuir, qualquer característica de executoriedade, até porque à data da sua assinatura, já não poderia dispor de executoriedade, face à redacção do actual art. 703º do CPC e ao disposto no art. 6º nº 3 da Lei nº41/2013 de 23/6.
J) Ante o exposto, e porque a causa do pedir ( ou o pedido) não assentam na executoriedade da ata junta com a petição inicial, nem a referida característica se afigura essencial ou necessária, para a prova do crédito que o Autor/Recorrente se arroga, o Tribunal julgou incorretamente da verificação da prescrição, ignorando elementos dos autos, que, se devidamente contemplados, culminariam em decisão diversa da proferida, o que se invoca no termos e para os efeitos do artigo 640 .º n.º 1 al b) e c)
L) Acresce ainda que, a referida norma (artigo 310 alg) do CP) é ainda inaplicável ao caso em apreço, na medida em que nos autos, não está em causa, a cobrança de quotas de condomínio , mas sim o ressarcimento do Autor, pelo pagamento de despesas que efetuou a suas expensas, com vista ao bom funcionamento do condomínio pagas pelo Autor.
M) Com efeito, a douta fundamentação, assenta numa presunção de que estão em causa nos presentes autos, a cobrança de quotas de condomínio, quando não resulta da “ata”, nem da petição inicial, que o Autor peticiona o ressarcimento de quotas de condomínio, mas sim despesas pagas por este.
N) Pese embora não discriminado em ata, a maioria dos valores peticionados e pagos pelo Autor, estavam relacionados com o pagamento da empregada de limpeza, eletricidade, despesas com o elevador, etc.
O) Os réus referem inclusivamente, (litigando manifestamente de má fé) desconhecer a que se devem os montantes peticionados, invocando “desconhecer se se tratam de cotas, cotas extras, despesas extraordinárias” etc.
P) Pelo que a norma lançada de forma totalmente infundada pelos Réus (e secundada pela douta sentença) a que alude o artigo 317.º alg) do CC., não tem qualquer aplicabilidade no caso em apreço, tanto mais quando são os próprios Réus que (reiterasse litigando de má fé) declaram desconhecer a natureza das despesas mencionadas na ata.
Q) Nos termos do referido preceito, apenas as prestações periódicas (onde se inserem as quotas de condomínio) prescrevem no prazo de 5 anos, pelo que não decorrendo dos autos que estamos perante a cobrança de quotas de condomínio, o Tribunal não poderia, salvo o devido respeito, ter pugnado pela procedência da excepção de prescrição, invocada pelos Réus, devendo ao invés, ter designado data para audiência prévia, ou audiência de discussão e julgamento.
R) Ainda que o arrazoado supra não colha- o que apenas hipoteticamente se concebe- e se defenda, ser aplicável ao caso em apreço, o disposto no artigo 310 al g) do C. Civil, decorrem dos autos, elementos que necessariamente impunham decisão diversa da proferida, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 640.º n.º1 al b do CPC.
S) Abstraindo-nos do facto, de que as partes terem entendido, fazer constar a referida confissão, de uma “ata” resulta expressamente do referido documento, que foram discutidas em sede de assembleia, as contas do condomínio, que foram prestados os devidos esclarecimentos, que todos reconheceram que o Autor procedeu ao pagamento dos montantes que agora reclama , e que as contas foram aprovadas por unanimidade.
T) Tanto foram aprovadas e aceites que, - pasme-se - os Réus confessam na sua contestação ter efetuado 14 (catorze) pagamentos no montante de 150,00€ (cento e cinquenta euros), perfazendo o total de 2.100,00€, para amortização do referido montante- pagamentos esses que, ocorreram entre Março de 2018 e Fevereiro de 2020 - facto confessado pelos Réu no seu artigo 17.º da contestação.
U) Ora, quer a confissão de divida, plasmada em Ata (de onde emana o reconhecimento da dívida, a declaração de aceitação do seu reconhecimento, e do seu pagamento faseado) quer a efetiva amortização do montante em dívida, entre março de 2018 a Feereiro de 2020, assumem a natureza de causas interruptivas da prescrição,
V) A referida confissão é um facto/prova concludente, o que se invoca nos termos do artigo 323 do C.C.- A interrupção da prescrição, por reconhecimento do direito, nos termos do art. 325º do CC
W) O acordo de pagamento de uma dívida em prestações, efectuada entre o credor e a Ré mulher, não pode deixar de ser qualificado como reconhecimento expresso do direito daquele, o que implica a interrupção da prescrição, inutilizando todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir daquele acto interruptivo.
X) Considerando ainda que o último pagamento efetuado pelos Réus- e por estes confessado - ocorreu em Fevereiro de 2020, temos que o prazo de prescrição de 5 anos, ainda não havia decorrido quando foram citados, em Fevereiro de 2023, para os termos da presente acção
Y) A constatação de uma causa interruptiva da prescrição, trata-se de matéria que cabe no poder de apreciação oficiosa do juiz porquanto se o processo “fornece ao juiz conhecimento de uma causa interruptiva da prescrição, deve atendê-la, pois, cumprindolhe decidir se há prescrição, cumpre-lhe apreciar se esta foi interrompida.
TERMOS EM QUE, termos e nos melhores de direito, muito doutamente a suprir POR V.EXAS. é entendimento do ora Recorrente que a a douta sentença deve ser revogada, substituindo-se por despacho que ordene o prosseguimento dos autos, por se considerar ser a solução mais justa e em consonância com a aplicação da justiça.»

Os réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação do saneador recorrido.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial decidenda é a de saber se ocorreu a prescrição do direito da autora a exigir o pagamento da quantia peticionada nos autos.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
No saneador recorrido considerou-se provada a seguinte factualidade:
1 - Os Réus são proprietários do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., ..., correspondente à fração 2, inscrito na matriz predial urbana sob o número ...7,da União de freguesias ... (...) e ..., descrito na Conservatória do registo predial ... sob o número ...03... – freguesia ..., concelho ....
2- Em Assembleia de Condomínio, do prédio supra mencionado, realizada a 19 de Maio do ano de 2014, resultou a seguinte deliberação:
"Passou-se à discussão e análise do primeiro ponto da ordem de trabalhos da presente assembleia, em concreto as contas do condomínio, pelo administrador em exercício, o Sr. AA, foram apresentadas as contas, e prestados os devidos esclarecimentos. Face às contas apresentadas resulta que o condómino AA, suportou a maioria das despesas, sendo credor das seguintes importâncias:
Fração 3 e 4 ----------------DD ---------------- 6.491,47€
Fração 5 --------------------EE -------- 5861,36€
fração 2 ---------------------FF -------- 5861,36€
Fração 6 -------------------- GG ------------------ 2383,01€
Fração 6 ------------------- HH ------- 4405,85€
3 - Foram aprovadas por unanimidade dos presentes, as contas por este apresentadas tendo todos os condóminos presentes assumido o compromisso de procederem ao pagamento faseado dos referidos montantes, em duodécimos até Maio de 2015, a pagar diretamente ao condómino AA”.
4 - Na referida Assembleia entre outros, esteve presente a Ré mulher CC, que anuiu e subscreveu o teor da referida Ata.

O DIREITO
Escreveu-se no saneador recorrido:
«Consideramos que apenas são títulos executivos as atas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.
Revertendo ao caso em apreço, a ata em causa nos autos não descrimina que despesas do condomínio estão em causa (sendo que para que uma ata de condomínio valha como título executivo, torna-se necessário que o valor em causa esteja relacionado com contribuições devidas ao condomínio, outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou despesas com serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio), não descriminando de igual forma o valor que os RR. devem em cada um dos anos, não se descortinando de igual forma qual a permilagem em causa. Ou seja, a ta em causa limita-se a declarar o montante total em dívida, motivo pelo qual não constitui título executivo.
Não constituindo título executivo o prazo de prescrição a ter em conta é o de 5 anos a que alude a al. g) do art. 310.º do Código Civil.
Assim, tendo em conta que a presente ação deu entrada em 06-02-2023 e que estarão em causa dívidas respeitantes a pelo menos 2014, forçoso é concluir que as mesmas se encontram prescritas.»
Com o devido respeito, não se percebe o raciocínio expresso no saneador recorrido, desde logo porque se trata de uma ação declarativa e não executiva, sendo por isso irrelevante saber se a referida ata é ou não título executivo.
Como bem observa a recorrente, a fundamentação do saneador recorrido parece restringir-se a apurar a executoriedade da ata junta como documento nº 1 da petição inicial, sendo que esse apuramento nada tem a ver com a causa de pedir da presente ação, a qual se funda no alegado pagamento pelo autor de despesas de condomínio, da responsabilidade de todos os demais condóminos, e na existência de um reconhecimento expresso por escrito, por parte destes (inclusive da ré mulher) do seu direito a ser ressarcido, mediante um pagamento faseado.
A questão que aqui se coloca é de outra ordem.
Sem curar agora de saber se estamos perante uma declaração de dívida, como defende o autor/recorrente, ou se a situação não insere antes no âmbito da transmissão das obrigações, (assunção de dívida, cessão de créditos ou sub-rogação), uma vez que o crédito reclamado nos autos resulta de dívidas dos réus condóminos referentes a despesas de condomínio, assume especial relevo saber se tais despesas respeitam ou não a prestações periódicas, para se determinar qual o prazo prescricional aplicável in casu.
Nos termos do disposto no artigo 310º, alínea g), do Código Civil prescrevem em cinco anos, quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, sendo que nas alíneas anteriores o legislador submeteu ao mesmo prazo quinquenal as anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias (alínea a)), as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos de uma só vez (alínea b)), os foros (alínea c)), os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos e os dividendos das sociedades (alínea d)), as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (alínea e)) e as pensões alimentícias vencidas (alínea f)).
Segundo o ensinamento do Prof. Rui de Alarcão[1], as prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto[2], especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas a duração contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação no tempo, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações[3].
Dentro das prestações duradouras, distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo, que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
Aponta-se como justificação para o prazo especial de prescrição das obrigações periódicas, sob um prisma passivo, o evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas em atraso ou, sob um prisma ativo, o evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar[4].
O art. 1424º, nº 1, do Código Civil, dispõe que «[s]alvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.»
«Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação” (nº 2 do mesmo preceito).
Por sua vez, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 4º, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, «[é] obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios», sendo que «[c]ada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % da sua quota parte nas restantes despesas do condomínio» (nº 2 do citado art. 4º).
Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 14.09.2015 que vimos seguindo, «as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima[…], não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter caráter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra.
Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de fatores, como sejam, por exemplo, as condições climatéricas, a qualidade de construção, os cuidados dos utentes, a periodicidade das intervenções etc… Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respetivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento.
De facto, neste último caso, ou seja quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização e enunciadas no parágrafo que antecede.»
Sucede, porém, que na contestação os réus limitaram-se a alegar que «[a] dívida constante dos autos, refere-se a contas do condomínio de anos anteriores, até 19 de Maio de 2014, inclusive», tendo assim omitido a alegação de factos que permitam qualificar a pretensão do autor como respeitando a uma prestação fracionada, pelo que o tribunal a quo estava em condições de decidir pela improcedência da exceção de prescrição fundada na previsão da alínea g), do artigo 310º do Código Civil, independentemente da produção de prova, nomeadamente no que respeita a factualidade probanda com os documentos particulares que foram impugnados pelos recorrentes.
Na verdade, se, como salienta o Professor Teixeira de Sousa no seu blog do IPPC[5], a procedência de uma exceção perentória não pode ser decidida sem que antes se provem os factos constitutivos do direito relativamente à qual opera essa exceção, já o mesmo não sucede quando se trate de julgar improcedente uma exceção, como é o caso dos autos[6].
Em suma, havendo de aplicar-se ao caso o prazo ordinário de 20 anos do art. 309º do Código Civil, só resta a conclusão de que não se encontra prescrito o direito do autor.
Por conseguinte, procede a apelação.
Vencidos no recurso, suportarão os réus/recorridos as custas respetivas (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam o saneador recorrido na parte em que julgou verificada a exceção de prescrição, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos.
Custas pelos recorridos.

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Évora, 6 de junho de 2024
Manuel Bargado (Relator)
José António Moita
Elisabete Valente
(documento com assinaturas eletrónicas)

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[1] In Direito das Obrigações, Coimbra 1983, texto elaborado com base nas suas lições pelos Srs. Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, pp. 47 a 51 - cfr. citação do acórdão da Relação do Porto de 14.09.2015, proc. 388/11.8TJPRT-A.P1, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto.
[2] Neste sentido, vd. o acórdão do STJ de 03.02.2009, proc. 08A3952, acessível in www.dgsi.pt.
[3] Fazendo a distinção entre obrigações periódicas e fracionadas vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 16.09.2008, proc. 4693/2008-1 e de 12.07.2012, proc. 815/11.4TJLSB.L1-1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Assim, vendo as coisas pela perspetiva passiva vejam-se: Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3090, Ano 89, 1956-1957, p. 328, nota 2; Boletim do Ministério da Justiça, nº 106, maio 1961, estudo do Prof. Vaz Serra intitulado “Prescrição Extintiva e Caducidade”, p. 107. Com enfoque na fundamentação do regime da prescrição quinquenal pelo prisma ativo vejam-se: Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, Coimbra 1974, p. 452; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, p. 280, anotação 1. Referindo as duas vertentes, veja-se Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, p. 755, § 4. Na jurisprudência, citando a segunda vertente, vejam-se os acórdãos do STJ de 02.05.2002, proc 02B1143 e e de 27.03.2014, proc. 189/12.6TBHRT-A.L1, disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. o “post” de 22.04.2015, intitulado “Conhecimento de excepções peremptórias no despacho saneador? Depende!...” em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.03.2015, proferido no processo nº 1847/08.5TVLSB.L1.S1.
[6] Neste mesmo sentido o acórdão da Relação do Porto de 14.09.2015, que vimos seguindo de perto.