ACIDENTE DE TRABALHO
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE UNIPESSOAL
CONDENAÇÃO DO ÚNICO SÓCIO/LIQUIDATÁRIO
Sumário

Ocorrendo a extinção do empregador, sociedade comercial unipessoal, na ação de acidente de trabalho, deve ser condenado o sócio, liquidatário, enquanto sócio único da mesma sociedade.

(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Processo nº3383/20.2T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Vila Nova de Gaia – Juiz 3




Recorrente: AA na qualidade de sócio da sociedade A..., Unipessoal, Lda.
Recorrida: BB




Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunta: Desembargadora Eugénia Pedro
2ª Adjunta: Desembargadora Germana Ferreira Lopes







Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


1. Relatório (aproveitando o relatório efetuado na sentença):

BB intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra A..., pedindo a condenação desta no pagamento do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, bem como no pagamento de indemnização por I.T.A. e por I.T.P., tudo acrescido de juros moratórios.
Alegou, para tanto, em suma, que no dia 14 de maio de 2020, quando se encontrava, no tempo e no seu local de trabalho, no exercício das respetivas funções, ao utilizar uma máquina elétrica de corte de batatas e por força de avaria no pedal desta, feriu-se na mão direita. Na decorrência, a A. ficou impedida de trabalhar, tendo passado a padecer de uma I.P.P. de 6%.

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A R. contestou, defendendo que foi a A. que, em contravenção às instruções de manuseamento da máquina, não teve o cuidado necessário, acabando por se magoar.
*
Foi admitida a intervenção principal provocada do Fundo de Acidentes de Trabalho e de CC.
*
Elaborou-se o despacho saneador, com seleção da matéria factual assente e dos temas da prova.”

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
1) Declaro que a sinistrada, BB, em consequência do acidente de trabalho dos autos, se encontra afetada de uma I.P.P. de 6% (seis por cento) desde 21 de setembro de 2020;
2) Condeno o sócio da A... a pagar à sinistrada a quantia global de € 2 363,97 (dois mil trezentos e sessenta e três euros e noventa e sete cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias;
3) Condeno o mesmo sócio a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia no valor de € 602,66 (seiscentos e dois euros e sessenta e seis cêntimos), a partir de 21 de setembro de 2020;
4) Condeno o dito sócio a pagar à sinistrada juros de mora, à taxa legal, incidentes sobre aquelas quantias, contados desde o vencimento destas, até efetivo e integral pagamento;
5) Absolvo o Fundo de Acidentes de Trabalho do pedido contra o mesmo formulado.
Custas pelo responsável.
Fixo o valor da ação em € 2 363,97, acrescido do capital de remição (art.º 120.º do C. P. Trabalho).”

Não se conformando com o assim decidido, AA na qualidade de sócio da sociedade Ré apelou.
Foram as seguintes as suas conclusões:
“1. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a matéria de direito e de facto considerada pela Douta Sentença, dado que foi considerado acidente de trabalho o sinistro ocorrido no dia 14 de Maio de 2020.
2. Entende o recorrente que MMª Juíza do Tribunal “a quo” apreciou de forma incorreta a prova produzida, pelo que os factos provados, nos números 7,8 , 9 e 10 1ª parte, deviam ter sido dados como não provados. Factos que deveriam ser dado como provados. Entende ainda o recorrente que não existe fundamento para considerar que ocorreu um agravamento da responsabilidade e falta de fundamentação da condenação do sócio.
3. Foram posteriormente elencados os factos dados como provados na douta sentença recorrida, que salvo melhor opinião e o devido respeito, são relevantes para a boa decisão de mérito proferida pela Mº Juíz do tribunal a quo e que foram decisivos para o enquadramento legal da matéria dos presentes autos e que para o qual se remete.
4. Relativamente ao ponto 7 dos factos provados “Em resultado de avaria(encravamento) do pedal que acionava e interrompia o funcionamento da máquina referida em 6), fruto de deficiente manutenção, aquela não interrompeu o seu funcionamento.”
5. Posteriormente o recorrente descreveu o que considerou importante na motivação do MºJuiz , para o qual se remete.
6. Atente-se que decorre da prova produzida que ninguém assistiu ao sinistro que ocorreu no dia 14 de Maio de 2020 com a sinistrada.
7. Entendeu o tribunal a quo que existiu um fruto de défice manutenção naquela máquina. Com todo o respeito não podemos concordar com o tribunal a quo.
8. Em primeiro lugar importa ressaltar a seguinte passagem da motivação do tribunal a quo: “Refira-se que não é pelo facto de a testemunha DD ter dito que nunca teve conhecimento de queixas da A. relativamente ao funcionamento da máquina, que as mesmas não ocorreram. Realmente, a testemunha referiu, por um lado, que era administrativa na A..., sendo que do seu posto de trabalho nem sequer conseguia ver para a área da produção, e, por outro lado, que caso tais queixas existissem, as mesmas não lhe seriam dirigidas, mas antes ao sócio da identificada sociedade comercial.”
9. Acontece que, ao contrário do que alega o tribunal a quo, as queixas não eram dirigidas ao sócio AA. Mas sim, ao referido Sr. EE, pai do sócio.
10. Posteriormente, o recorrente transcreveu o depoimento da testemunha DD, que considera relevantes e para o qual se remete na sua totalidade.
11. Ou seja, sempre que identificam o Sr. EE ao longo de todas as inquirições das testemunhas e da própria autora, o mesmo dirigem-se ao Pai do sócio da A..., e não ao próprio sócio, como refere a motivação do tribunal a quo.
12. Até porque, como refere o sócio AA, atendendo que a sociedade foi constituída em 2014, o mesmo era ainda menor, aquando a data do sinistro o sócio era estudante, indo à empresa esporadicamente, mas apenas para estar com a sua mãe e o seu pai. Sendo a sua mãe CC, gerente da sociedade e a quem cabia tomar todas as decisões.
13. Posteriormente, o recorrente transcreveu o depoimento do sócio AA, que considera relevantes e para o qual se remete na sua totalidade.
14. Pelo que, ao contrário do que refere nos factos provados, em nenhum momento o sócio AA, foi interpelado para proceder à reparação da máquina.
15. Tal facto, foi devidamente confirmado pela sinistrada, e o recorrente transcreveu as declarações de BB, para o qual se remete na sua totalidade.
16. Ao contrário do que refere o tribunal a quo, mesmo acreditando na veracidade das declarações da sinistrada, a mesma confirma que quem avisou foi o sr. EE (pai do sócio) e que o mesmo chegou a chamar um terceiro para reparar a máquina. Em nenhum momento a sinistrada refere que se recusaram a realizar as manutenções. Atente-se ainda que, conforme resulta das declarações da testemunha DD, refere que mudaram para as novas instalações em Maio e que a máquina que a sinistrada se aleijou, era nova, teria cerca de um mês, pois nas antigas instalações as máquinas eram manuais.
17. Atente-se que, o acidente ocorreu em 14 Maio de 2020, ou seja, aquando o acidente a máquina era nova, estando coberta pela respetiva garantia, não nos parece razoável, que a mesma tenha de ser sujeitas a inúmeras reparações/manutenções e a entidade empregadora se recuse a efetuar reparação.
18. Refira-se ainda que, a única pessoa que alegadamente presenciou o alegado encravamento da máquina foi a testemunha da sinistrada FF.
19. Relativamente a esta testemunha o tribunal a quo teve a seguinte motivação: “Neste circunspecto, a testemunha FF, que trabalhou para a A... a tempo parcial – o que sucedeu, ao todo, cerca de cinco ou seis vezes –, presenciou a sinistrada a alertar o Sr. EE (sócio único daquela sociedade comercial) para a circunstância de o pedal da máquina na qual acabou por se magoar não estar a funcionar corretamente, fazendo com que tal equipamento executasse sozinho a sua função de corte de batatas em palitos, ou seja, sem que tivesse sido premido o acoplado pedal.”
20. Entende o recorrente que a presente testemunha, não deve merecer qualquer credibilidade.
21. Posteriormente, o recorrente procedeu à transcrição das declarações de FF, para o qual se remetem na sua totalidade.
22. Mas acrescentamos mais, esta testemunha nunca pode ter presenciado a sinistrada a executar as suas funções na referida máquina de corte como foi confirmado pela testemunha DD que era Administrativa, a A... mudou de instalações em Maio de 2020 e só nas novas instalações é que se comprou esta nova máquina.
23. Ora a testemunha FF, embora não tenha a certeza da data em que deixou de trabalhar para a majerico, a certeza que têm é que foi antes do Covid, ou seja, Março de 2020.
24. Ora se foi antes do covid, que a mesma deixou de trabalhar para a A..., e na data a sociedade ainda estava a laborar nas antigas instalações, NUNCA, podia ter presenciado a sinistrada a trabalhar na referida máquina, muito menos ver a sinistrada com os alegados problemas na maquina.
25. Foi referido, por diversas testemunhas, menos a sinistrada, que tinha de se deixar cair a batata e não colocar a batata dentro.
26. Em ata de 06/07/2023, relativamente ao depoimento de CC, socia gerente da Ré, foi proferido o seguinte despacho: “A depoente declarou que na data do evento em apreço a sinistrada encontrava-se a utilizar uma máquina elétrica de corte, ao serviço da A..., durante o tempo de trabalho e no seu local de trabalho, à data na Rua ..., ... .... Mais referiu que a paragem imediata de funcionamento da lâmina de corte da dita máquina dá-se desde logo através do levantamento do pé do trabalhador do pedal que aciona aquele mecanismo.”
27. Posteriormente, o recorrente procedeu à transcrição das declarações de CC, para o qual se remetem na sua totalidade.
28. Atente-se que foi explicada pela gerente da A..., que a máquina após o acidente não tinha qualquer problema do Pedal. Também não foi feito qualquer prova em tribunal, que no dia do sinistro a referida máquina tenha encravado,
29. E como já referimos, parece-nos estranho que a Administrativa, DD, que estava na fábrica diariamente, e visto que é uma empresa pequena e familiar, se a máquina encravasse com bastante frequência, atendendo que teria cerca de um mês, que a mesma não tivesse conhecimento.
30. Como referiram todas as testemunhas, a batata tem de ser deixada cair no molde, em nenhum momento a sinistrada coloca a mão dentro do molde.
31. Mas mais, como é descrito, pelas testemunhas a máquina só corta a batata e funciona, quando quem a está a manusear carrega no pedal. Ou seja, colocando-se hipoteticamente que a sinistrada coloca a mão dentro do molde, apesar de não ser esse a forma correta de manusear a máquina, se não carregar do pedal, nunca poderia se ter cortado. Pelo que, só podemos concluir pela negligência grosseira da sinistrada.
32. Face ao exposto deve o ponto 7 dos factos provados ser considerado não provado.

33. Relativamente ao ponto 8 dos factos provados. “O que sucedeu apesar de a A., manualmente, ter procurado interromper o funcionamento da dita máquina, o que fez através do levantamento do seu pé do pedal que acionava o respetivo mecanismo, o que, em circunstâncias normais, faria com que o mesmo deixasse imediatamente de trabalhar;”
34. Neste caso em concreto, remetemos novamente para as declarações da gerente CC e da testemunha DD.
35. Em primeiro lugar, não nos parece verossímil que uma máquina que tenha apenas um mês de utilização, tenha diversos encravamentos, como alegadamente a testemunha CC referiu. Até porque, como já referimentos era impossível a mesma ter visualizado qualquer problema com a máquina, pois deixou de trabalhar para a A... antes do covid, e a sinistrada começou a trabalhar na máquina depois dessa data.
36. Acresce ainda que, mesmo que se a máquina tivesse encravado no pedal, a sinistrada podia ter desligado a máquina no botão, o que não sucedeu. Mas se a sinistrada tivesse agido, como foi instruída pela sua entidade empregadora, a mesma nunca coloca a mão a beira da lâmina de forma a que não se possa cortar. Agora, o que poderá ter acontecido, dado que ninguém presenciou, foi a sinistrada ter segurado sempre o pedal com o seu pé, estando sempre a máquina em funcionamento. Algo que vai contra aquilo que são as regras de segurança da máquina.
37. Como já referido, nenhuma prova foi feita para comprovar que a máquina encravou, até porque como explica a gerente, após o acidente a máquina não tinha qualquer problema
38. Face ao exposto, deve o ponto 8 ser considerado não provado.
39. Relativamente ao ponto 9 e 10º, 1º parte, dos factos provados. 9) A R. já tinha sido alertada pela A. para a avaria do equipamento elétrico em causa e para o perigo iminente, mas, apesar dos alertas, aquela não procedeu à necessária intervenção técnica com vista à sua reparação; 10) Por força do encravamento do pedal (…)
40. O recorrente procedeu à menção da motivação do Mº Juiz, que considerou relevante e para o qual se remete
41. Como já referido, anteriormente, a sinistrada nunca avisou a Ré, muito menos o seu sócio AA, para qualquer problema com a máquina de corte.
42. Remetemos para as declarações do Sr. AA, acima transcritas, em que o mesmo refere que quando foi constituída a sociedade em 2014 o mesmo ainda era menor e que a sua mãe, CC, era a gerente.
43. Na data do sinistro, o mesmo não exercia funções da A..., pois ainda estava a estudar, apenas indo à empresa para falar com o seu Pai e a sua mãe, cerca de 10 minutos uma vez por semana, mas mais, o Sócio não conhecia a sinistrada, como podia a mesma lhe ter informado de qualquer avaria????
44. A Gerente CC, nas suas declarações, que se encontram acima transcritas e que remetemos, nunca recebeu qualquer alerta por parte da sinistrada. A testemunha DD, que remetemos para as suas declarações acima transcritas, administrativa e que por quem, obviamente passam estes tipo de questões, não tinha conhecimento de qualquer alerta/reclamação por parte da sinistrada, de uma máquina que estava em funcionamento à cerca de um mês.
45. A única, pessoa que alegadamente visualizou um encravamento, foi a testemunha da sinistrada FF, que remetemos para as suas declarações acima transcritas, que apesar de alegar que viu, já não estava a exercer funções na A... antes de Março de 2020 (período covid), e a sinistrada só começou a laborar na mesma, nas novas instalações, ou seja, em Maio de 2020, não devendo neste caso ser dada qualquer credibilidade à referida testemunha.
46. Face ao exposto, deve o ponto 9 e 10º primeira parte ser dado como não provado.

47. Factos que deveriam ser dado como provados. Como já referido ao longo do presente recurso, e remetendo para as declarações acima transcritas. Era praticamente impossível a sinistrada se ter aleijado, se tivesse exercido as suas funções de acordo com o que lhe foi ministrado pela sua entidade empregadora. Se a mesma, apenas deixasse cair a batata, a um distância curta, mas a mesma cair dentro do recipiente e apenas posteriormente carregasse no pedal, a mesma nunca se teria magoado. A sinistrada, tem perfeito conhecimento que não poderia ter colocado as mãos perto da lâmina.
48. Só apenas uma atitude negligente e grosseira por parte da Sinistrada, é que poderia ter colocado em causa a sua integridade física.
49. Posteriomente procedeu À identificação de acórdão que entendeu relevante e que se remete, concluindo por considerar que a sinistrada agiu de uma forma negligente e irresponsável, pois tinha perfeito conhecimento que não poderia colocar a mão dentro do recipiente e carregar no pedal.
50. Devendo constar dos factos dado como provados o seguinte: Em resultado da atitude negligente, grosseira por parte da sinistrada, que colocou a sua mão no recipiente da batata, sofreu , a A. sofreu as seguintes sequelas e/ou lesões (membro superior direito): a) 3.º dedo: amputação não superior a 50% da falange distal do dedo, a nível da articulação interfalângica distal, com coto de amputação doloroso; cicatriz com 7 por 0,5 cm de maiores dimensões ao longo da face externa de todo o dedo; mobilidade articular ativa e passiva mantida; b) 4.º dedo: cicatriz hipocrómica com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões sobre a face dorsal da falange média do dedo, mobilidade articular conservada; c) 5.º dedo: mobilidade articular conservada, sem alterações objetiváveis;
51. Caso assim não se considere, e não se considere pela absolvição do Sócio da A....
52. Relativamente agravamento da responsabilidade e falta de fundamentação da condenação do sócio.
53. O Tribunal a quo, entendeu que houve um agravamento da responsabilidade e ainda entendeu que deve ser o sócio AA a proceder ao pagamento dos danos relativos do acidente. Para justificar o agravamento o recorrente identificou a motivação do o Mº Juiz, que achou relevante e que se remete.
54. O recorrente procedeu à identificação de jurisprudência relevante e à descrição do artigo 18º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, para o qual se remete.
55. Ou seja, sempre que identificam o Sr. EE ao longo de todas as inquirições das testemunhas e da própria autora, o mesmo dirigem-se ao Pai do sócio da A..., e não ao próprio sócio, como refere a motivação do tribunal a quo.
56. Até porque, como refere o sócio AA, atendendo que a sociedade foi constituída em 2014, o mesmo era ainda menor, aquando a data do sinistro o sócio era estudante, indo à empresa esporadicamente, mas apenas para estar com a sua mãe e o seu pai. Sendo a sua mãe CC, gerente da sociedade e a quem cabia tomar todas as decisões.
57. Atendendo que a própria sinistrada, confessa, nas suas declarações para as quais se remete, que houve uma intervenção na máquina, inclusivamente de um terceiro.
58. Não se pode considerar que a entidade empregadora não agiu com dolo e diligência, até porque a própria gerente refere, nas suas declarações que se encontram transcritas no presente recurso e que para o qual se remete as máquinas eram sujeitas a manutenção diariamente, e da prova produzida não consta que tal facto não corresponde À verdade.
59. Face ao exposto, deve ser considerado que não existe agravamento da responsabilidade da entidade empregadora.
60. Por fim, como já referido e atendendo que o sócio AA, não exercia funções na A... na data do sinistro e sendo a sentença totalmente omissa, quanto aos facto de ter sido o sócio AA a ser condenado e não a gerência. Deve-se considerar que existe falta de fundamento na sentença e a mesma ser remetida para a primeira instância para se proceder à respectiva fundamentação.
NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão do Tribunal de primeira instância, devendo o sócio AA ser absolvido.
Caso assim não se entenda,
Deve se considerar que não existe agravamento da responsabilidade da entidade empregadora e ser remetido para a primeira instância para justificar porque condenou o sócio e não a gerência da A...”

A Sinistrada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença proferida, aduzindo para tal:
“1.ª A matéria de facto provada nos autos é inequívoca no que respeita à existência dos fundamentos quer para a existência de um acidente de trabalho e do agravamento da responsabilidade, quer os invocados para a condenação do Recorrente, assim como quanto à verificação dos requisitos e critérios previstos na lei e postos em crise pelo Recorrente;
2.ª Da sentença consta a descrição dos factos dados como provados e o respetivo juízo de valor que eles ofereceram em termos de suporte decisório;
3.ª Da fundamentação decisória transparece de forma clara o processo de raciocínio que conduziu o Tribunal «a quo» a proferir a decisão ora posta em crise pelo Recorrente;
4.ª Resulta clara a explicação e fundamentação das razões pelas quais o Tribunal «a quo» se decidiu pela condenação do Recorrente;
5.ª A fundamentação contém, de forma muita clara, o juízo do Tribunal a quo sobre o que considerou relevante da prova para a apreciação e decisão do mérito da causa.
6.ª O recorrente limita-se, de forma distorcida e incompleta, a forçar uma tese relativa à discussão sobre matéria que, além de não constar daquela considerada como provada, também não peticionou no seu recurso a respetiva inclusão;
7.ª O recurso não merece provimento;
8.ª Na hipótese de absolvição quer da sociedade liquidada assim como do recorrente, o Fundo de Acidentes de Trabalho, por ser réu e interveniente nos autos, terá assim de assumir tal encargo, devendo ser condenado a título principal;
9.ª Atento o disposto no art.º 39.º, n.º 1, da LAT e do art.º 1.º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 142/99, sob pena da Recorrida ficar sem receber as prestações a que tem direito.
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, apresentados que foram ao Exmo. Procuradora-Geral Adjunto, foi exarado parecer, no qual sustenta que o recurso não deverá merecer provimento, aí se lendo:
“A sentença recorrida apreciou devidamente os meios probatórios, designadamente a prova testemunhal. Mais encontra-se corretamente fundamentada, não merecendo qualquer censura, dado o seu rigor argumentativo. Quanto à matéria de direito, tem respaldo nas normas jurídicas que aplicou nos pagamentos que se mostram devidos à recorrida, por via do acidente infortunístico.
Sobre a temática trazida á discussão, a sentença recorrida invocou a doutrina e jurisprudência dominante.
(…)
A decisão recorrida merece ser mantida na ordem jurídica.
Em suma, o recurso não merece provimento.”

Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.


Objeto do recurso:
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º, nº4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
- impugnação da matéria de facto;
- nulidade da sentença;
- aferir da responsabilidade da Sinistrada no acidente de trabalho;
- saber quem devia ter sido condenado no pagamento decidido.



2. Fundamentação:

2.1. Fundamentação de facto:
Na fundamentação da decisão de facto, lê-se na sentença:
Os factos provados:
Atenta a prova produzida, está assente o seguinte:
1) A A. nasceu em ../../1974;
2) A A., à data do evento, encontrava-se ao serviço da R. desde, pelo menos, novembro de 2019, sem ter sido celebrado qualquer contrato de trabalho escrito;
3) A A. exercia funções como “empregada de armazém”, por conta e sob a direção e ordens da R., cumprindo um horário fixo estipulado por esta;
4) A A. auferia o salário mensal de € 635,00 x 14 meses + € 4,77 (subsídio de alimentação) x 22 dias x 11 meses;
5) A responsabilidade pelo evento em apreço não estava transferida pela R. para qualquer seguradora;
6) A A, no dia 14 de maio de 2020, durante o tempo de trabalho e no seu local de trabalho, à data na Rua ..., ... ..., e ao serviço da R., estava a utilizar uma máquina elétrica de corte de batatas em palitos;
7) Em resultado de avaria (encravamento) do pedal que acionava e interrompia o funcionamento da máquina referida em 6), fruto de deficiente manutenção, aquela não interrompeu o seu funcionamento;
8) O que sucedeu apesar de a A., manualmente, ter procurado interromper o funcionamento da dita máquina, o que fez através do levantamento do seu pé do pedal que acionava o respetivo mecanismo, o que, em circunstâncias normais, faria com que o mesmo deixasse imediatamente de trabalhar;
9) A R. já tinha sido alertada pela A. para a avaria do equipamento elétrico em causa e para o perigo iminente, mas, apesar dos alertas, aquela não procedeu à necessária intervenção técnica com vista à sua reparação;
10) Por força do encravamento do pedal, a A. sofreu as seguintes sequelas e/ou lesões (membro superior direito): a) 3.º dedo: amputação não superior a 50% da falange distal do dedo, a nível da articulação interfalângica distal, com coto de amputação doloroso; cicatriz com 7 por 0,5 cm de maiores dimensões ao longo da face externa de todo o dedo; mobilidade articular ativa e passiva mantida; b) 4.º dedo: cicatriz hipocrómica com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões sobre a face dorsal da falange média do dedo, mobilidade articular conservada; c) 5.º dedo: mobilidade articular conservada, sem alterações objetiváveis;
11) E ficou a padecer de I.P.P. de 6% a partir de 21 de setembro de 2020, data da consolidação médico-legal das lesões;
12) Como consequência do apontado evento a A. esteve em situação de I.T.A. desde 15 de maio de 2020 até 20 de julho de 2020 e em situação de I.T.P. de 30% desde 21 de julho de 2020 até 21 de setembro de 2020;
13) Em 22 de julho de 2021 foi registada a dissolução e o encerramento, bem como foi registado o cancelamento da matrícula, da A...;
14) À data daquela dissolução, AA era o único sócio da A..., sendo CC a respetiva gerente.


Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa.


Convicção:
As RR., nas respetivas contestações, admitiram a veracidade da matéria factual vertida nos precedentes n.ºs 1) a 5).
Por seu turno, a depositária da A..., em sede de depoimento de parte, confessou o feito constar dos n.ºs 6) e 8) (este na parte relativa ao facto de a paragem imediata de funcionamento do corte da dita máquina dar-se desde logo através do levantamento do pé do trabalhador do pedal que aciona aquele mecanismo).
A questão factual que cumpre primacialmente apurar nesta sede prende-se com a circunstância de saber o que é que esteve na génese do evento em presença. A este propósito, comece-se por referir que a sinistrada, aquando das respetivas declarações de parte, descreveu, com minúcia e conhecimento de causa (recorrendo à imagem junta aos autos a fls. 73, para melhor explicação), o funcionamento da máquina elétrica de corte de batatas aos palitos na qual se magoou. E mencionou, de forma lógica, que não podia, pura e simplesmente, pousar de qualquer forma as batatas nas bases cujo mecanismo as iria comprimir contra uma lâmina de corte, assim formando os ditos palitos. De facto, a A. explicou que, se não tivesse o cuidado de colocar as batatas inteiras posicionadas a direito, as mesmas ficariam enviesadas (v.g., na diagonal), formando palitos mais pequenos ou até esfarelando. Daí a importância de as batatas serem devidamente pousadas nas referidas bases, e não deixadas cair nestas, ainda que de uma altura curta.
A propósito do modo de funcionamento da máquina em apreço, refira-se que o depoimento da testemunha GG contrariou toda a restante prova a propósito produzida, incluindo as palavras da Interveniente CC e o depoimento da testemunha FF. Na verdade, esta referiu que para fazer o corte das batatas em palitos era necessário premir o pedal da máquina, o que foi confirmado pelas declarações de parte da sinistrada. Em sentido totalmente contraditório, aquela testemunha GG disse que se tirar o pé do dito pedal, o sistema da máquina fecha, isto é, procede ao corte. Mesmo depois de instada para esclarecer esta sua afirmação, a mesma testemunha corroborou-a.
Por outro lado, a sinistrada, de forma sentida, afirmou que, em momentos temporais antes da produção do evento que aqui se discute, deparou-se com o facto de, apesar de ter retirado o pé do pedal da máquina na qual laborava, esta não interrompeu, como era suposto acontecer, a sua função de corte de batatas em palitos. Tendo alertado a sua entidade empregadora para o sucedido, foi ignorada. Neste circunspecto, a testemunha FF, que trabalhou para a A... a tempo parcial – o que sucedeu, ao todo, cerca de cinco ou seis vezes –, presenciou a sinistrada a alertar o Sr. EE (sócio único daquela sociedade comercial) para a circunstância de o pedal da máquina na qual acabou por se magoar não estar a funcionar corretamente, fazendo com que tal equipamento executasse sozinho a sua função de corte de batatas em palitos, ou seja, sem que tivesse sido premido o acoplado pedal. Refira-se que não é pelo facto de a testemunha DD ter dito que nunca teve conhecimento de queixas da A. relativamente ao funcionamento da máquina, que as mesmas não ocorreram. Realmente, a testemunha referiu, por um lado, que era administrativa na A..., sendo que do seu posto de trabalho nem sequer conseguia ver para a área da produção, e, por outro lado, que caso tais queixas existissem, as mesmas não lhe seriam dirigidas, mas antes ao sócio da identificada sociedade comercial.
De resto e nas palavras convictas da A. aquando das suas declarações de parte, foi precisamente numa altura em que estava a colocar batatas inteiras nas supra referidas bases que a máquina começou a cortar, sem que ninguém tivesse premido o respetivo pedal, assim lhe esmagando os dedos.
Também a corroborar aquela versão trazida aos autos pela A. surge o depoimento da testemunha DD, na parte em que aludiu ao facto de, para além da sinistrada e depois do sucedido com esta, se terem magoado mais quatro ou cinco pessoas na mesma máquina.
A testemunha HH nada de relevante trouxe para a decisão da causa, porquanto, para além de não ter presenciado o evento lesivo, passava grande parte da sua jornada de trabalho, como comercial que era, fora das instalações da A....
A facticidade subjacente aos n.ºs 10) a 12) foi retirada da sentença proferida no apenso A), a qual, por sua vez, assentou nas conclusões da ocorrida junta médica, tomadas por unanimidade.
Já a dos n.ºs 13) e 14) resultou da certidão do registo comercial junta aos autos sob a ref.ª 430680107.” (realce nosso)


2.1.2. Impugnação da matéria de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)».
Entende o Apelante que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova produzida, julgando de forma incorreta os factos considerados como provados e não provados.
Analisando:
Entende o Recorrente que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova produzida, relativamente aos factos provados nos itens 7,8 , 9 e 10, 1ª parte, os quais alega deviam ter sido dados como não provados.
Foi esta a motivação da decisão de facto constante da sentença a este respeito:
A questão factual que cumpre primacialmente apurar nesta sede prende-se com a circunstância de saber o que é que esteve na génese do evento em presença. A este propósito, comece-se por referir que a sinistrada, aquando das respetivas declarações de parte, descreveu, com minúcia e conhecimento de causa (recorrendo à imagem junta aos autos a fls. 73, para melhor explicação), o funcionamento da máquina elétrica de corte de batatas aos palitos na qual se magoou. E mencionou, de forma lógica, que não podia, pura e simplesmente, pousar de qualquer forma as batatas nas bases cujo mecanismo as iria comprimir contra uma lâmina de corte, assim formando os ditos palitos. De facto, a A. explicou que, se não tivesse o cuidado de colocar as batatas inteiras posicionadas a direito, as mesmas ficariam enviesadas (v.g., na diagonal), formando palitos mais pequenos ou até esfarelando. Daí a importância de as batatas serem devidamente pousadas nas referidas bases, e não deixadas cair nestas, ainda que de uma altura curta.
A propósito do modo de funcionamento da máquina em apreço, refira-se que o depoimento da testemunha GG contrariou toda a restante prova a propósito produzida, incluindo as palavras da Interveniente CC e o depoimento da testemunha FF. Na verdade, esta referiu que para fazer o corte das batatas em palitos era necessário premir o pedal da máquina, o que foi confirmado pelas declarações de parte da sinistrada. Em sentido totalmente contraditório, aquela testemunha GG disse que se tirar o pé do dito pedal, o sistema da máquina fecha, isto é, procede ao corte. Mesmo depois de instada para esclarecer esta sua afirmação, a mesma testemunha corroborou-a.
Por outro lado, a sinistrada, de forma sentida, afirmou que, em momentos temporais antes da produção do evento que aqui se discute, deparou-se com o facto de, apesar de ter retirado o pé do pedal da máquina na qual laborava, esta não interrompeu, como era suposto acontecer, a sua função de corte de batatas em palitos. Tendo alertado a sua entidade empregadora para o sucedido, foi ignorada. Neste circunspecto, a testemunha FF, que trabalhou para a A... a tempo parcial – o que sucedeu, ao todo, cerca de cinco ou seis vezes –, presenciou a sinistrada a alertar o Sr. EE (sócio único daquela sociedade comercial) para a circunstância de o pedal da máquina na qual acabou por se magoar não estar a funcionar corretamente, fazendo com que tal equipamento executasse sozinho a sua função de corte de batatas em palitos, ou seja, sem que tivesse sido premido o acoplado pedal. Refira-se que não é pelo facto de a testemunha DD ter dito que nunca teve conhecimento de queixas da A. relativamente ao funcionamento da máquina, que as mesmas não ocorreram. Realmente, a testemunha referiu, por um lado, que era administrativa na A..., sendo que do seu posto de trabalho nem sequer conseguia ver para a área da produção, e, por outro lado, que caso tais queixas existissem, as mesmas não lhe seriam dirigidas, mas antes ao sócio da identificada sociedade comercial.
De resto e nas palavras convictas da A. aquando das suas declarações de parte, foi precisamente numa altura em que estava a colocar batatas inteiras nas supra referidas bases que a máquina começou a cortar, sem que ninguém tivesse premido o respetivo pedal, assim lhe esmagando os dedos.
Também a corroborar aquela versão trazida aos autos pela A. surge o depoimento da testemunha DD, na parte em que aludiu ao facto de, para além da sinistrada e depois do sucedido com esta, se terem magoado mais quatro ou cinco pessoas na mesma máquina. (realce nosso)

Relativamente ao ponto 7 dos factos provados, cujo teor é:
- Em resultado de avaria(encravamento) do pedal que acionava e interrompia o funcionamento da máquina referida em 6), fruto de deficiente manutenção, aquela não interrompeu o seu funcionamento.
Crítica o Apelante a credibilidade dada à testemunha FF, por esta ter a certeza que deixou de trabalhar para a Sociedade, antes do Covid, ou seja, março de 2020, nunca podendo ter presenciado a Sinistrada a executar as suas funções na referida máquina de corte.
Invoca o Apelante o depoimento da testemunha DD, o depoimento do sócio AA, as declarações da Sinistrada BB e as declarações da sócia gerente da Ré CC.
Em sede de Alegações indica os minutos onde ficaram registados os depoimentos e declarações nos excertos tidos por relevantes que transcreve e integralmente lemos.
Concluiu o Apelante que:
- Ninguém assistiu ao sinistro que ocorreu no dia 14 de Maio de 2020 com a Sinistrada.
- Em nenhum momento o sócio AA foi interpelado para proceder à reparação da máquina.
- A Sinistrada confirma que quem avisou foi o pai do sócio e que o mesmo chegou a chamar um terceiro para reparar a máquina. Em nenhum momento a Sinistrada refere que se recusaram a realizar as manutenções.
- Resulta das declarações da testemunha DD a mudança para as novas instalações em Maio e que a máquina teria cerca de um mês, pois nas antigas instalações as máquinas eram manuais.
- Quando o acidente ocorreu a máquina era nova, estando coberta pela respetiva garantia, não sendo razoável que a mesma tenha de ser sujeita a inúmeras reparações/manutenções e a entidade empregadora se recuse a efetuar reparação.
- Não foi feito qualquer prova em tribunal, que no dia do sinistro a referida máquina tenha encravado.
Salienta o depoimento da socia gerente da Ré, registado na ata de 06/07/2023: “A depoente declarou que na data do evento em apreço a sinistrada encontrava-se a utilizar uma máquina elétrica de corte, ao serviço da A..., durante o tempo de trabalho e no seu local de trabalho, à data na Rua ..., ... .... Mais referiu que a paragem imediata de funcionamento da lâmina de corte da dita máquina dá-se desde logo através do levantamento do pé do trabalhador do pedal que aciona aquele mecanismo.” Mais foi explicado, refere, pela mesma gerente que a máquina após o acidente não tinha qualquer problema do pedal.
Ainda que todas as testemunhas referiram que a batata tem de ser deixada cair no molde e a máquina só corta a batata e funciona, quando quem a está a manusear carrega no pedal. Mesmo colocando a Sinistrada a mão dentro do molde, apesar de não ser esse a forma correta de manusear a máquina, se não carregar o pedal, nunca se poderia ter cortado.
Vejamos:
A mudança para novas instalações, a data de aquisição da máquina pela Sociedade A..., Unipessoal, Ldª e estar a máquina coberta pela garantia é matéria não provada.
De resto sempre se se afirma que não seria por a máquina ser nova que ficaria excluída a necessidade da sua reparação ou sequer manutenção, se necessárias.
Não é relevante se houve ou não recusa para a manutenção da máquina, mas sim se tal manutenção foi feita de forma deficiente.
Ser o funcionamento normal da máquina funcionar só quando é carregado o pedal é uma coisa, outra será o que sucede se a mesma estiver a funcionar de forma errada.
Ora, atento o teor do item 7. dos factos provados, a questão em causa é:
- saber se dado o encravamento do pedal que acionava e interrompia o funcionamento da máquina, esta não interrompeu o seu funcionamento e se tal ficou a dever-se a deficiente manutenção da mesma máquina.
Dos elementos de prova invocados pelo Apelante não chegamos a uma convicção diferente da do Tribunal a quo:
A Sinistrada, no excerto ressaltado, de forma coerente respondeu à pergunta - Quando via que a máquina estava a trabalhar sozinha o que fazia? - Desligava, no botão e ia ter com o senhor EE, a primeira vez até veio lá um senhor. E o senhor EE até me disse … pedal no chão que isto deve ser mau contacto.
Relativamente ao sócio AA, disse o mesmo “janto com os meus Pais, devo ter sabido ao jantar” - O senhor nessa altura estudava? - Estudava. - Mas costumava ir a fábrica? - Ia raramente. Raramente.
Daqui nada se afere quanto à matéria da questão em causa.
Relativamente à testemunha FF, a mesma é clara quando refere que soube quando uma irmã chegou a casa, na altura já não estava lá a trabalhar. O que não afasta nem a possibilidade de a mesma testemunha anteriormente ter presenciado “a sinistrada a alertar o Sr. EE (sócio único daquela sociedade comercial) para a circunstância de o pedal da máquina na qual acabou por se magoar não estar a funcionar corretamente, fazendo com que tal equipamento executasse sozinho a sua função de corte de batatas em palitos, ou seja, sem que tivesse sido premido o acoplado pedal”, nem a credibilidade que lhe foi atribuída a esse respeito.
Não chegamos quanto à matéria do ponto 7. a uma convicção diferente também pelas declarações da Gerente CC transcritas na ata e pelo Apelante, já que aquela se limita aí a descrever o modo de funcionamento da máquina, não estando esta avariada: “(…) a paragem imediata de funcionamento da lâmina de corte da dita máquina dá-se desde logo através do levantamento do pé do trabalhador do pedal que aciona aquele mecanismo” e a alvitrar “só que eu acho ali houve negligencia pura por parte da Dona BB. Porque ela inclusive fez o impossível, ela para mim, conseguiu fazer o impossível, ela colocou a mão dentro do buraco, não sei. Não sei explicar, ela colocou a mão dentro do buraco que supostamente só caia batata, ela só tem de cair, supostamente ela não tem de encostar a mão, portanto, ela para encostar ou estava distraída, não sei, aquilo foi negligência pura, na minha perspetiva, claro”.
Procedemos à audição destas declarações e das declarações da Sinistrada.
A primeira não assistiu ao acidente, nem sequer estava no local quando o mesmo se deu. Não foi esclarecedora quanto ao modo de funcionamento da máquina, limitando-se a referir que não era necessário encostar a batata à máquina.
Já a Sinistrada falou de forma esclarecedora e convincente, contando que lhe foi explicado o funcionamento da máquina elétrica, quanto à necessidade de com o pé para baixo carregar no pedal para a máquina prensar, bem como que estava a meter uma batata na máquina, ao comprido, sendo essa a posição que permite que os palitos saiam mais compridos, devendo a batata ser pousada assim para o efeito, tendo a máquina, nessa altura, voltado a abrir para prensar.
Ainda que tal já tinha sucedido anteriormente, tinha alertado, mas foi ignorada.
Em suma não chegamos a uma convicção diferente.
Em conformidade, improcede nesta parte a apelação.

Relativamente ao ponto 8 dos factos provados, cujo teor é:
- O que sucedeu apesar de a A., manualmente, ter procurado interromper o funcionamento da dita máquina, o que fez através do levantamento do seu pé do pedal que acionava o respetivo mecanismo, o que, em circunstâncias normais, faria com que o mesmo deixasse imediatamente de trabalhar;”.
Deixamos já transcrita a motivação da decisão de facto sobre o que esteve na génese do evento em presença.
A este respeito, invocou o Apelante novamente as declarações da gerente CC e da testemunha DD.
Concluiu, em suma, o Apelante:
- Não ser verossímil que uma máquina que tenha apenas um mês de utilização, tenha diversos encravamentos.
- Mesmo que a máquina tivesse encravado no pedal, a Sinistrada podia ter desligado a máquina no botão, o que não sucedeu.
- A Sinistrada foi instruída pela sua entidade empregadora a nunca colocar a mão a beira da lâmina de forma a que não se possa cortar.
- Contra aquilo que são as regras de segurança da máquina, o que poderá ter acontecido, dado que ninguém presenciou, foi a Sinistrada ter segurado sempre o pedal com o seu pé, estando sempre a máquina em funcionamento.
- Nenhuma prova foi feita para comprovar que a máquina encravou.
Vejamos:
Não ficou provado que a Sinistrada tivesse recebido instruções para funcionar com a máquina de modo diverso do que o fez.
E como supra se consignou, também não se provou a data de aquisição da máquina pela Sociedade A..., Unipessoal, Ldª.
As declarações da Gerente CC transcritas na ata e pelo Apelante, também pelo que se referiu a propósito do teor do item 7., outrossim não permitem chegar a uma convicção diversa a respeito da matéria do item 8.
Quanto à verificação da máquina, a Gerente adiantou apenas “- A máquina é verificada todas as manhãs, antes de começarem a trabalhar, todas as manhas, nesse dia provavelmente verificou-se também”, “Quem verifica sempre as máquinas é o meu marido.”, respondendo à pergunta “Tem ideia, se alguma vez a D. BB junto da senhora ou do seu marido, ou de quem lá estivesse responsável, já tinha alertado para alguma deficiência na parte elétrica?” “-Não.”
Já a testemunha DD foi pouco segura respondendo à pergunta quem fazia a manutenção desta máquina “-Deve ser o mesmo senhor, é o mesmo senhor que a fez supostamente.” E de forma pouco precisa à pergunta “Então a máquina teria o quê à data do acidente?” “-Não faço ideia, talvez, um mês não sei. Eu sei que quando fomos para ali eles levaram aquela máquina, porque na outra era manual.”
Não atribuímos a tais declarações e depoimento uma credibilidade acrescida às declarações da Sinistrada.
Trata-se tão só de uma convicção diferente por parte do Apelante, relativamente aquela que foi a do Tribunal a quo, coincidindo a nossa com a deste, com base nas declarações da Sinistrada que como referimos, integralmente ouvimos.
Improcede também nesta parte a apelação.

Relativamente ao ponto 9 e 10º, 1º parte, dos factos provados, cujo teor é:
- A R. já tinha sido alertada pela A. para a avaria do equipamento elétrico em causa e para o perigo iminente, mas, apesar dos alertas, aquela não procedeu à necessária intervenção técnica com vista à sua reparação;
- Por força do encravamento do pedal (…).
Deixamos já transcrita a motivação da decisão de facto sobre o que esteve na génese do evento em presença.
A este respeito, concluiu o Apelante que a Sinistrada nunca avisou a Ré, muito menos o seu sócio AA, para qualquer problema com a máquina de corte.
Invoca declarações do Sócio AA, transcritas, em que o mesmo refere que quando foi constituída a sociedade em 2014 o mesmo ainda era menor e que a sua mãe, CC, era a gerente. Na data do sinistro, o mesmo não exercia funções da A..., pois ainda estava a estudar, apenas indo à empresa para falar com o seu pai e a sua mãe, cerca de 10 minutos uma vez por semana, mas mais, o Sócio não conhecia a sinistrada, como podia a mesma lhe ter informado de qualquer avaria.
Ainda as declarações da gerente CC, nas mesmas declarações, que nunca recebeu qualquer alerta por parte da sinistrada.
O depoimento da testemunha DD, transcrito, administrativa por quem passam este tipo de questões, não tinha conhecimento de qualquer alerta/reclamação por parte da sinistrada, de uma máquina que estava em funcionamento à cerca de um mês.
A única, pessoa que alegadamente visualizou um encravamento, foi a testemunha da sinistrada FF, nas suas declarações transcritas, que apesar de alegar que viu, já não estava a exercer funções na A... antes de Março de 2020.
Vejamos:
No item refere-se que foi a Ré alertada pela Sinistrada, não que esta tivesse feito tal alerta ao Apelante diretamente ou por intermédio da administrativa, a testemunha DD.
Valem aqui as considerações supra efetuadas relativamente à credibilidade da testemunha FF a respeito de ter presenciado “a sinistrada a alertar o Sr. EE (sócio único daquela sociedade comercial) para a circunstância de o pedal da máquina na qual acabou por se magoar não estar a funcionar corretamente, fazendo com que tal equipamento executasse sozinho a sua função de corte de batatas em palitos, ou seja, sem que tivesse sido premido o acoplado pedal.”
Já no que respeita às declarações da Gerente, também como supra se consignou, trata-se tão só de uma convicção diferente por parte do Apelante, relativamente aquela que foi a do Tribunal a quo.
Em nosso entender, as declarações da Sinistrada merecem a credibilidade atribuída pelo Tribunal a quo, permitindo dar como assente que a mesma já tinha alertado a Ré para a avaria do equipamento elétrico em causa, tal como resulta da audição que fizemos das mesmas.
Improcede também nesta parte a pretensão do Apelante.

Entende ainda o Apelante que deveria ter ficado provado que:
- Era praticamente impossível a sinistrada se ter aleijado, se tivesse exercido as suas funções de acordo com o que lhe foi ministrado pela sua entidade empregadora: se a mesma, apenas deixasse cair a batata, a um distância curta, mas a mesma cair dentro do recipiente e apenas posteriormente carregasse no pedal, a mesma nunca se teria magoado.
- A Sinistrada, tem perfeito conhecimento que não poderia ter colocado as mãos perto da lâmina.
- Em resultado da atitude negligente, grosseira por parte da sinistrada, que colocou a sua mão no recipiente da batata, sofreu , a A. sofreu as seguintes sequelas e/ou lesões (membro superior direito): a) 3.º dedo: amputação não superior a 50% da falange distal do dedo, a nível da articulação interfalângica distal, com coto de amputação doloroso; cicatriz com 7 por 0,5 cm de maiores dimensões ao longo da face externa de todo o dedo; mobilidade articular ativa e passiva mantida; b) 4.º dedo: cicatriz hipocrómica com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões sobre a face dorsal da falange média do dedo, mobilidade articular conservada; c) 5.º dedo: mobilidade articular conservada, sem alterações objetiváveis;
Como se salientou não ficou provado que a Sinistrada tivesse recebido instruções para funcionar com a máquina de modo diverso do que o fez.
De resto, trata-se de matéria conclusiva e contraditória com matéria assente.
Improcede como tal também este segmento da impugnação.


2.2. Fundamentação de direito:

- Nulidade da sentença:
Conclui o Apelante quanto ao facto de ter sido o sócio AA a ser condenado e não a gerência, deve-se considerar que existe falta de fundamento na sentença e a mesma ser remetida para a primeira instância para se proceder à respetiva fundamentação.
Invoca ainda que não expressamente a nulidade da sentença à luz do disposto no artigo 615º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil, onde se prevê que é nula a sentença que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Vejamos:
Lê-se no Acórdão da Relação desta Relação de 22.04.2008 (Relator Guerra Banha, in www.dgsi.pt) “(…) o dever de fundamentar as decisões judiciais que não sejam de mero expediente tem, efectivamente, cariz constitucional, estando previsto no n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa, que prescreve: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Mas, como se vê, a Constituição não define nem delimita o âmbito do dever de fundamentar as decisões judiciais. Remete essa definição para a lei ordinária. Que o pode fazer com maior ou menor latitude. (…)
(…)
Foi devolvido ao legislador o seu “preenchimento”, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, deixando a sua concretização ao legislador ordinário (cfr. o ac. n.º 310/94 do T. Constitucional - DR II-S de 29-08-94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.».
Em matéria de decisões proferidas nos processos cíveis, o artigo 154º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão” dispõe no seu nº1 que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».
Na sentença recorrida, lê-se a respeito de “quem deve responder pelos danos sofridos pela sinistrada”, o seguinte:“A empregadora não tinha a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho transferida para uma seguradora.
Assim sendo, cumprirá determinar quem deve responder pelos danos sofridos pela sinistrada. Neste concernente, sabe-se que em 22 de julho de 2021 foi registada a dissolução e o encerramento, bem como foi registado o cancelamento da matrícula, da A..., sendo que à data daquela dissolução CC desempenhava as funções de gerente da A..., ao passo que o único sócio desta era AA. Sendo assim e atento o preceituado no art.º 163.º n.ºs 1 e 2 do C. S. Comerciais, pelas dívidas daquela sociedade comercial entretanto (após a ocorrência do acidente de trabalho) dissolvida responde o sócio da mesma, aqui representado pela respetiva liquidatária.”
Não pode afirmar-se que a invocada falta de fundamentação não existe, ou seja que há total falta de fundamentação a respeito de “quem deve responder pelos danos sofridos pela sinistrada”.
Citamos aqui o Professor Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil anotado, Volume V, página 139 e seg., “As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Esta carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.
Não basta , pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, (…), do poder de jurisdição de que o juiz está investido.
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (sublinhado nosso). Acolhemos aqui tais ensinamentos.
Concluímos assim que independentemente da assertividade daquela fundamentação, a falta absoluta de fundamentação da decisão sob recurso quanto à elencada questão, nulidade agora em apreciação, não se verifica.
Não assiste razão nesta parte ao Apelante.

*

- Quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente, transcreve-se, a subsunção dos factos ao direito efetuada na sentença:
“Extrai-se da matéria assente que no dia 14 de maio de 2020 a A., no exercício das suas funções, ao serviço da A..., sob as ordens, direção e fiscalização desta, quando utilizava uma máquina elétrica de corte de batatas em palitos e em resultado de avaria do pedal que acionava e interrompia o funcionamento daquela máquina, fruto de deficiente manutenção, aquele maquinismo não interrompeu o seu funcionamento, levando a que a sinistrada sofresse as seguintes sequelas e/ou lesões (membro superior direito): a) 3.º dedo: amputação não superior a 50% da falange distal do dedo, a nível da articulação interfalângica distal, com coto de amputação doloroso; cicatriz com 7 por 0,5 cm de maiores dimensões ao longo da face externa de todo o dedo; mobilidade articular ativa e passiva mantida; b) 4.º dedo: cicatriz hipocrómica com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões sobre a face dorsal da falange média do dedo, mobilidade articular conservada; c) 5.º dedo: mobilidade articular conservada, sem alterações objetiváveis.
Mais se provou que aquele evento lesivo sucedeu apesar de a A., manualmente, ter procurado interromper o funcionamento da dita máquina, o que fez através do levantamento do seu pé do pedal que acionava o respetivo mecanismo, o que, em circunstâncias normais, faria com que o mesmo deixasse imediatamente de trabalhar. Sem descurar que a R. já tinha sido alertada pela A. para a avaria do equipamento elétrico em causa e para o perigo iminente, mas, apesar dos alertas, não procedeu à necessária intervenção técnica com vista à respetiva reparação.
Analisando o elemento atinente à culpa, concluímos que a R. empregadora não agiu com o zelo e a diligência que lhe eram exigíveis, no cumprimento dos requisitos mínimos de segurança na utilização do equipamento de trabalho em questão, mormente no que concerne à manutenção daquele em bom estado de funcionamento, pelo que ocorreu agravamento da responsabilidade.
No entanto e antes de avançarmos, cumprirá apurar se, como pugnou a A..., a sinistrada teve alguma culpa na produção do acidente.
O art.º 14.º n.º 1 a) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, dispõe que não dá direito a reparação o acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei.
Estamos aqui perante factos extintivos do direito invocado pela A., pelo que, de acordo com a regra prevista no art.º 342.º n.º 2 do C. Civil, é sobre a parte processual passiva que impende o ónus da prova de tais factos.
Naquele concernente e vista a matéria factual supra elencada, conclui-se que não se provou aquela alegação da A....
Inexistindo nos autos elementos que permitam imputar à A. um exclusivo juízo de censurabilidade na produção do sinistro que a vitimou, não se mostram verificados os pressupostos para a descaracterização do acidente, nos termos previstos no art.º 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.”
Conclui, em suma, a este respeito o Apelante deve ser considerado que não existe agravamento da responsabilidade da entidade empregadora.
Porém, perante a improcedência da alegação do Recorrente em sede de impugnação da matéria de facto e uma vez que este não impugnou a subsunção jurídica concretizada na sentença do Tribunal a quo perante a factualidade que resultou provada, conclui-se pela improcedência também deste segmento da apelação.
*

- Num terceiro segmento, importa aferir sobre quem deve responder pelos danos sofridos pela Sinistrada.
Seguimos de perto a fundamentação do acórdão desta secção proferido em 29.04.2024, no processo nº 4313/20.7T8MAI.P1 (mesma relatora e com intervenção da aqui 1ª Adjunta, remetido para publicação na página da dgsi e CJ):
Para o convencimento da solução a que chegamos, temos como pertinente a leitura do texto, incluindo a transcrição de parte da fundamentação da decisão recorrida (noutro formato de letra), também do recente acórdão desta secção, proferido em 04.03.2024, no processo nº 3825/23.5T8PRT-A.P1 (mesma relatora e com intervenção da aqui segunda adjunta, remetido para publicação na página da dgsi).
“Sobre a temática da liquidação de sociedades, o Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo D.L. n.º 262/86, de 2 de setembro, na redação em vigor, abreviadamente, CSC) em vigor, ocupa-se nos artigos 146.º a 165.º.
A sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato de sociedade e, bem assim:
b) Por deliberação dos sócios;” (cfr. artigo 141.º do CSC e artigo 142.º do CSC).
A sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mas mantém a personalidade jurídica, devendo ser aditada à firma a menção “sociedade em liquidação” ou “em liquidação” (artigo 146.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CSC).
Conforme refere António Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2003, p. 525), a “liquidação é a situação em que se encontra a sociedade em consequência da dissolução e tem por finalidade a partilha do ativo remanescente após liquidação do passivo”.
Relativamente à liquidação e salvo nos casos em que o contrato de sociedade contenha cláusula diversa ou nos casos em que os sócios deliberem de outra forma, os administradores da sociedade assumem a posição de liquidatários (artigo 151.º, n.º 1, do CSC), detendo, em geral, os deveres, os poderes e a responsabilidade dos membros do órgão de administração da sociedade.
O sistema de continuidade de pessoas legalmente previsto no artº. 151º, do CSC, “recomenda-se por dois motivos: o conhecimento que os administradores ou gerentes já têm da sociedade que administraram; a possibilidade de imediato começo das tarefas de liquidação”, decorrendo que “os administradores ou gerentes, mudam de qualidade (…), passando a exercer funções de liquidatários; o órgão é outro, mas os novos cargos são, por força da lei, providos nas pessoas que exerciam os cargos anteriores” (assim, Raúl Ventura; Dissolução e Liquidação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pp. 463 e 467).
Como regra geral, as funções dos liquidatários cessam com a extinção da sociedade, caso não tenha ocorrido qualquer anterior hipótese excecional, nomeadamente pela expiração do prazo de nomeação, pela morte, incapacidade ou inabilidade superveniente do liquidatário, por renúncia e por destituição.
Todavia, a intervenção dos liquidatários nem sempre cessa com a extinção da sociedade, cessação que, de facto, não tem lugar na hipótese de existirem ações pendentes, passivo ou ativo superveniente (arts. 162º a 164º do CSC), situações em que o liquidatário prolonga as suas funções.
Concluído o processo de liquidação, os liquidatários submetem a deliberação dos sócios as contas finais, acompanhadas por um relatório completo da liquidação e por um projeto de partilha do ativo restante, devendo ser declarado, naquele, que estão satisfeitos ou acautelados os direitos dos credores (artigo 157.º do CSC).
Aprovadas que sejam as contas finais pelos sócios, em conformidade com o disposto no artigo 160.º do CSC, incumbe aos liquidatários requerer o registo do encerramento da liquidação, com o qual “(…), finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se considera extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo das ações pendentes ou do passivo ou ativo superveniente” (assim, o Acórdão do STJ de 26-06-2008, in CJ STJ, Tomo II, p. 138).
A extinção da pessoa coletiva fá-la perder a personalidade jurídica, mas, nem por isso, cessam as relações jurídicas de que era sujeito ativo ou passivo.
Aliás, no que ao pagamento de responsabilidades respeita, a norma geral constante do artigo 1020.º do CC – de natureza geral e aplicável a qualquer contrato de sociedade – determina que encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação”, situação que, assim, imporá a continuação das funções de liquidação.
O CSC distingue os casos em que existam ações pendentes, daqueles em que tais ações não existam ainda quando a sociedade é objeto de liquidação.
Dispõe o artigo 162.º do CSC – com a epígrafe “Ações pendentes” – o seguinte:
1 - As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Por seu turno, dispõe o artigo 163.º do CSC – com a epígrafe “Passivo superveniente” – o seguinte:
1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
O artigo 164.º do CSC trata, por seu turno, do ativo superveniente da sociedade extinta.
(…)”
Da conjugação dos referidos normativos resulta que, havendo ações pendentes, as mesmas continuam o seu curso, só que com a substituição da sociedade por todos os sócios, que passam a ser representados pelos liquidatários (cfr. artigo 162.º do CSC).
se houver passivo social não satisfeito ou acautelado, é dos sócios a respetiva responsabilidade, até ao montante do que receberam na partilha, sendo as ações necessárias para tanto, propostas contra eles, mas na pessoa dos liquidatários, considerados, para o efeito, como seus representantes legais (artigo 163.º do CSC).
(…)”
É o que resulta do artigo 163, nº2 do Código das Sociedades Comerciais: «As ações necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das exceções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.»
A extinção de uma sociedade ocorre com o registo do encerramento da liquidação, perdendo aquela a sua personalidade jurídica e judiciária.
Para a questão objeto do presente recurso, importa atender a que a participação do acidente de trabalho a que se reportam os autos deu entrada em 26.05.2020, data em que o processo foi autuado.
Em 22 de julho de 2021 foi registada a dissolução e o encerramento, bem como foi registado o cancelamento da matrícula, da A...;
Frustrada a tentativa de conciliação, realizada a 02.06.2021 e à qual compareceu CC em representação da Empregadora, A..., Unipessoal, Lda e o Mandatário constituído desta, a Sinistrada deu entrada da petição inicial contra A..., Unipessoal, Lda.
AA apresentou contestação, invocando a substituição da sociedade A..., Unipessoal, Lda, por si, sócio liquidatário, alegando ser com este que a ação tem de prosseguir os seus termos.
No “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, do Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Almedina, Volume II, 2ª edição, no comentário ao artigo 163º, pág.761 e seg.: “Aspetos processuais: o liquidatário como representante legal da generalidade dos sócios”, refere-se o “mecanismo de representação processual encabeçado no liquidatário” (…) “Os liquidatários recebem da lei o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, aceitaram exercer”.
Consigna-se ainda que a ausência de pluralidade de sócios não torna incompatíveis as normas dos artigos 162º, 163º e 164 do Código das Sociedades Comerciais.
Tratando-se a sociedade encerrada, A..., Unipessoal, Lda, de uma sociedade unipessoal, o que sucede é que o sócio único da mesma sociedade, AA, enquanto liquidatário – tento contestado a ação na qualidade de sócio liquidatário -, representa-se a si mesmo.
Ou seja, impunha-se que fosse feita a citação de AA, na qualidade de Liquidatário da sociedade encerrada A..., Unipessoal, Lda, sendo que enquanto Liquidatário, AA, representou o único sócio da mesma sociedade, ou seja, ele próprio.
Tendo contestado a ação na qualidade de sócio liquidatário da sociedade encerrada A..., Unipessoal, Lda, ou seja, enquanto Liquidatário, representou o único sócio da mesma sociedade, ou seja, ele próprio.
Com inteira aplicabilidade ao caso, aderimos ao excerto que se transcreve do texto do acórdão desta secção de 20.06.2011, proferido no processo nº 262/08.5TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt – no sumário: “Deve ser condenado o sócio único com a ressalva de que responde na qualidade de substituto nos termos e com os limites previstos nos artigos 162º e 163 nº 1 do Código das Sociedades Comerciais” -: “Com o devido respeito, não nos parece que seja legalmente possível, em conformidade com o devido rigor jurídico, que a sociedade seja condenada. A sentença deve refletir o estado de coisas que lhe é contemporâneo – veja-se a montante o artº 663º nº 1 parte final do CPC. Após a extinção da sociedade liquidada, ela – em si mesma, não nas suas emanações ou decorrências - não tem mais personalidade jurídica nem judiciária, pelo que não pode ser condenada.
Quem deve ser condenado é a entidade à qual a lei, residual e restritivamente, isto é, para o efeito específico de resolução dos interesses não resolvidos pela liquidação, atribuiu personalidade e capacidade judiciárias, a saber “a generalidade dos sócios”, representada pelos liquidatários. No caso da sociedade unipessoal, a “generalidade dos sócios” converte-se na “pessoa do sócio único” que, enquanto liquidatário, se representa a si mesmo.
Ora, se viermos ao caso concreto, se a ação tivesse sido interposta depois da sociedade já estar extinta, teria ela de ser intentada contra o sócio D… e seria ele, o sócio D…, o condenado. Note-se porém que não cumpriria à autora alegar nem provar outra coisa que não fosse a simples extinção da sociedade e a qualidade de sócio, não tendo ela – porque não é constitutivo do seu direito à reparação infortunística – de alegar a medida de bens que este sócio teria recebido na partilha, precisamente porque o sócio D… ainda e só, estaria a ser demandado enquanto sócio da sociedade extinta, nos termos do artigo 163º nº 2 e 1 do CSC.
(…)”
Questão diversa, mas que não é objeto do presente recurso, a ser apreciada se necessário para o cumprimento da condenação, é a de saber a quem compete o ónus da prova da existência de bens da sociedade que passaram para o patrimonial pessoal do antigo sócio (no supra referenciado acórdão desta secção, proferido em 04.03.2024, no processo nº 3825/23.5T8PRT-A.P1 (mesma relatora e com intervenção dos Desembargadores Nélson Fernandes e Germana Ferreira Lopes, adiantou-se, com respaldo no acórdão desta secção proferido no processo nº15/14.1TTOAZ.1.P2, de 15.11.2021, (relatado pela Conselheira Paula Leal de Carvalho, com intervenção como Adjuntos dos Desembargadores Rui Penha e Jerónimo Freitas), o entendimento da jurisprudência maioritária de que o ónus da prova de que os sócios receberam bens da sociedade compete aos credores e não as antigos sócios).
Voltando ao caso concreto:
No despacho saneador, não foi decidida a exceção de falta de personalidade jurídica da extinta sociedade, A..., Unipessoal, Lda, nem a respetiva absolvição da instância.
Na sentença foi condenado o sócio da A... a pagar à sinistrada a quantia global de € 2 363,97 (dois mil trezentos e sessenta e três euros e noventa e sete cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias; o mesmo sócio a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia no valor de € 602,66 (seiscentos e dois euros e sessenta e seis cêntimos), a partir de 21 de setembro de 2020; o dito sócio a pagar à sinistrada juros de mora, à taxa legal, incidentes sobre aquelas quantias, contados desde o vencimento destas, até efetivo e integral pagamento; ficando as custas pelo responsável.
O assim decidido deve manter-se?
A contestação de 29.07.2021 e o recurso em apreciação, foram apresentados por AA, sócio liquidatário da extinta sociedade A....
Com respaldo agora no Acórdão da Relação de Guimarães de 04.03.2021 (Relatora Desembargadora Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso, in www.dgsi.pt), aderindo à fundamentação do excerto que se transcreve: “Por regra, pelas dívidas sociais só responde o património da sociedade que é uma pessoa jurídica distinta dos seus sócios, com patrimónios separados- 5º CSC. (…)
Contudo, existem normas de proteção dos credores sociais, mormente em caso de extinção da sociedade.
Cuidou a lei de consagrar duas previsões que, em decorrência de processo de extinção da sociedade, permitem aos credores sociais acionar: (i) os antigos sócios (163º CSC); (ii) os seus liquidatários (158º CSC). Os seus pressupostos são diferentes, o que justifica pequena incursão no respetivo regime.
A responsabilidade dos liquidatários
(…)
Pode acontecer o caso de os liquidatários (ou os sócios) declararem que todos os credores estão satisfeitos apesar de tal não ser verdade, por existirem dívidas da sociedade por liquidar.
Rege então o artigo 158º do CSC: “os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efetivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados”. – negrito da nossa autoria.
Consagra-se uma responsabilidade pessoal e solidária que se adiciona à responsabilidade da sociedade ou dos antigos sócios perante os credores. A responsabilidade por “falsas declarações“ é aquiliana por violação de uma norma de proteção dos credores - 157º, 2, 158º, 1, CSC.
(…)
A responsabilidade dos antigos sócios – 163º CSC
Os credores também podem assacar responsabilidade aos antigos sócios que respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha- 163º CSC.
A responsabilidades dos antigos sócios depende apenas de estes terem recebido bens que não deveriam ter sido distribuídos em virtude de existir passivo por liquidar (artigo 163º CSC: “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.)
A norma opera com esta simples previsão, bastando a prova da existência de bens recebidos pelos sócios. A sua ratio relaciona-se com o principio geral de que pelas dívidas da sociedade responde o património social.
Como referimos, frequentemente o procedimento simplificado de extinção tem subjacente a declaração de inexistência, não só de passivo, mas também de ativo. Sendo comum os antigos sócios gerentes (automaticamente na veste de liquidatários, ainda que não haja liquidação), declararem em ata que nada partilharam ou receberam.
Já fizemos menção de que este tipo de declarações, se falsas, poderão preencher a previsão de outra forma de responsabilidade prevista no artigo 483º CC, ou conjugada com o recurso analógico ao artigo 158º, CSC. Relembramos que, tratando-se de uma responsabilidade aquiliana, terão de verificar-se os demais requisitos a ela inerentes, mormente o nexo de causalidade entre a atuação ilícita (declarações falsas) e o dano (não pagamento do crédito). O que pressupõe sempre a prova da existência de património que deveria ter respondido pelo passivo e, ao invés, veio a beneficiar pessoalmente os antigos sócios, quer por partilha formal, quer por outra forma, designadamente porque serviram para pagar despesas ou adquirir bens pessoais ou foram transferidas verbas para contas pessoais.
(…)”
Em conformidade com as considerações consignadas, explicitamos ser justificada a condenação de AA, Liquidatário da sociedade encerrada A..., na qualidade de representante legal do sócio único da mesma sociedade.
Ou seja, no caso, a condenação do Liquidatário não é pela responsabilidade que decorre do artigo 158º do Código das Sociedades Comerciais.
A alteração da identidade da entidade responsável no pagamento, justifica-se tão só por essa razão.
Note-se que a decisão constituirá caso julgado relativamente ao mesmo sócio, atento o previsto no artigo 163º, nº2 do Código das Sociedades Comerciais, supra transcrito.
Assim, impõe-se revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o sócio da A..., substituindo-se tal decisão por outra que condena o Liquidatário da sociedade encerrada A..., na qualidade de representante do único sócio da mesma sociedade.
Procede nesta parte, parcialmente a Apelação.

*

Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente.




3. Decisão:

3. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação, consignando na identidade da entidade responsável no pagamento, a condenação de AA, Liquidatário da sociedade encerrada A..., representante legal do sócio único da mesma sociedade, ou seja ele próprio, nos termos dos artigos 162º, nº1 e 163º, nº2, ambos do Código das Sociedades Comerciais, nos demais termos constantes da sentença.
Confirma-se no mais a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo Apelante e pela Sinistrada, na mesma proporção das custas da ação.






Porto, 03 de Junho de 2024.
Teresa Sá Lopes
Eugénia Pedro
Germana Ferreira Lopes