VÍCIOS PREVISTOS NO N.º 2 DO ARTIGO 410º
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS EM SEDE DE RECURSO
Sumário

I – Nos recursos no âmbito contraordenacional laboral, a Relação, como regra, apenas conhece de matéria de direito (artigos 49.º, n.º 1, e 51.º. n.º 1, da Lei n.º 107/2009 de 14-09), sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410.º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º, todos do Código de Processo Penal.
II – Os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, encarada por si ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória.
III – O vício do erro notório na apreciação da prova não pode confundir-se com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida por contraponto com a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, questões essas que se inserem no âmbito da livre apreciação - princípio inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
IV – O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluem mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva da lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito
V – No regime das contraordenações laborais constante da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a proibição da reformatio in pejus não se aplica na fase de impugnação judicial, mas continua a lograr aplicação em sede de recurso da decisão do tribunal relativa à primeira.

(da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

PROCESSO Nº 2308/23.8T9VLG.P1-RECURSO PENAL
(CONTRAORDENAÇÃO LABORAL) Secção Social
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Valongo -J2




Relatora - Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta – Teresa Sá Lopes
2º Adjunto – António Luís Carvalhão






Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto




I – Relatório
1. A..., Lda, impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela Autoridade Para as Condições de Trabalho, que lhe aplicou a coima de € 9.200,00 e sanção acessória de publicidade da sanção condenatória, pela prática, a título negligente, de uma contraordenação muito grave, prevista e punida nos termos das disposições conjugadas do artigo 25.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, 554.º, n.º 4, alínea e), e 556.º do Código do Trabalho.
Em sede de tal impugnação:
- Invocou a nulidade da decisão administrativa, referindo a proposta de decisão e a decisão proferida tiveram por base factos que não dizem respeito à Impugnante (e sobre os quais a mesma nunca teve oportunidade de se pronunciar e só agora deles teve conhecimento), o que preteriu o seu direito de defesa, mas, também, por terem sido dados por provados factos em clara oposição com a sua defesa.
- Alegou, quanto à infração, em substância, que: no dia do acidente as deslocações estavam a ser feitas por outro percurso (escadas do Lote ...2) e não pelas escadas onde ocorreu o acidente, uma vez que na caixa de escadas do lote ...3 estavam a desmontar cofragem;  o sinistrado e demais trabalhadores sabiam que caso não existissem guarda corpos deveriam trabalhar com linha de vida e arnês de segurança, protecções estas que se encontravam no local; no dia do acidente sem que a arguida tivesse sido avisada, foi retirada a proteção coletiva (guarda corpos) da caixa de escadas; o coordenador de segurança e a directora de obra tinham conhecimento das condições da obra e nunca alertaram a arguida de alguma violação de regras de segurança.  Sustentou que, quer o “dono da obra”, quer a “entidade executante”, por intermédio das pessoas que contrataram para Coordenador de Segurança e Diretora de Segurança não cumpriram com as obrigações a que estavam vinculados, não tendo havido qualquer violação da parte da Impugnante.
- Defendeu que são requisitos cumulativos para a aplicação da sanção acessória de publicidade a prática de contraordenação muito grave ou reincidência em contraordenação grave e que a mesma tenha sido praticada com dolo ou negligência grosseira, faltando no caso a negligência grosseira já que a decisão não qualifica a negligência como tal, pelo que sempre deverá a Impugnante ser absolvida da sanção acessória que lhe foi aplicada.
Conclui pugnando pela procedência da impugnação e revogação da coima e sanção acessória de publicitação aplicadas.
A impugnação foi recebida, tendo sido designada data para julgamento.


2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«Pelo exposto, julgo o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
- revogo a aplicação da sanção acessória de publicidade; e
- no mais, mantenho a decisão proferida pela ACT.

*

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC – artigo 8º n.º 7 do RCP.
*

Comunique à autoridade administrativa.
*

Notifique e deposite.».

3. Discordando desta decisão a Arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta e que sintetizou com as seguintes conclusões (transcrição[1]):
«1. Resulta, da decisão administrativa da ACT que a mesma confunde a Recorrente com a entidade executante, B... Unipessoal, Lda., confusão essa que o Tribunal desvalorou por completo por considerar, em sua opinião, que os factos nada relevam para a decisão da causa, mas sem razão.
2. A única entidade que foi notificada para a tomada de medidas por a Entidade Executante, B...; quem apresentou os registos fotográficos atestando a colocação de protecção colectiva em todas as zonas do estaleiro que não se encontravam protegidas à data da visita inspectiva (ponto 49. dos factos provados na decisão da ACT) foi a entidade executante – aliás, a Eng. AA admitiu em Tribunal que tinham sido eles a colocar os guarda corpos - , B..., factos só por si relevantes para se aferir que a própria ACT considerava, em alguma medida, pelo menos, a Entidade Executante, B..., responsável pela infracção em causa, sendo que o comportamento da Executante, ao colocar os guarda-corpos em falta e ao mandar fotografias à ACT, também evidencia que a mesma se considerava responsável pela infração ocorrida.
3. Se a Entidade Executante não se considerasse responsável pela colocação dos guarda-corpos tê-los-ia colocado ou teria mandado a entidade que considerava responsável, in casu a aqui Recorrente, fazê-lo?
4. Se a ACT considerava que a responsabilidade pela infracção era da aqui Recorrente não seria lógico e natural que a notificasse para tomar medidas? Parece-nos que sim, mas não o fez. Ao invés apenas notifica a Entidade Executante…Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu julgar improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado.
5. Entende a aqui Recorrente que estes factos são importantes e relevantes para a boa decisão da causa, pelo que, reitera, a decisão administrativa proferida pela ACT padece de nulidade.
6. Foram juntas mensagens de whatsapp pela Recorrente – doc 1 a 3 do recurso de contraordenação – onde se prova que o seu Encarregado enviava mensagens à Responsável da Obra da B... sobre os guarda-corpos e a mesma referia que iria pedir ao Sr. BB para ira tratar das coisas, Sr. BB esse trabalhador da B....
7. Se a B... não fosse, de facto, a responsável pela implementação dos guarda-corpos que sentido faria pedir a um dos seus trabalhadores e encarregado que fosse tratar de verificar e rectificar os guarda-corpos montados?
8. Mas a isto não deu qualquer relevo o Tribunal.
9. A inspetora da ACT quando chegou ao local do acidente já não estava ninguém a trabalhar. Como sabe a mesma que os trabalhos estavam a ser efectuados pela escada? Só porque o trabalhador caiu? Quem garante que ele não estava (como de facto, estava), a incumprir ordens? A ACT teve o cuidado de perguntar aos demais trabalhadores como estava o trabalho a ser feito? NÃO!
10. No dia em causa, o trabalho estava a ser efectuado através do Lote ...2 – que já se encontrava terminado no que à cofragem diz respeito - , tendo o trabalhador Sinistrado decidido, no período da tarde, passar por onde não devia.
11. A Recorrente não pretende pôr as culpas todas no trabalhador mas como se costuma dizer “ a CC o que é de CC”…
12. Em momento algum a Recorrente se eximiu da sua responsabilidade, na qualidade de entidade empregadora, mas a verdade é que a ACT deveria ter cuidado de ver melhor a Lei e o que se passou no caso concreto: houve responsabilidade do trabalhador, sim, mas também e principalmente da B... na medida em que era a ela, enquanto Entidade Executante, que cabia a responsabilidade e obrigação de colocar os guarda-corpos.
13. O trabalhador sinistrado, já há cerca de 7 anos que exercia estas mesmas funções, pelo que não era um “novato” tendo, por isso, responsabilidade acrescida de saber quais eram as suas obrigações e as regras de segurança que teria que observar/respeitar,
14. Não era a primeira obra da aqui Recorrente em que trabalhava, e as instruções e indicações foram sempre as mesmas.
15. A Recorrente considera que a responsabilidade que lhe é imputada deveria ser repartida também pelo Sinistrado, pela Entidade Executante e pelo “dono da obra” na medida em que a responsabilidade máxima seria sempre do Coordenador de Segurança em obra, escolhido pelo “dono da obra”, atentas, aliás, as obrigações de cada um destes intervenientes constantes na Lei.
16. A segurança dos seus trabalhadores é um valor fundamental da Recorrente – aliás, o mais importante de todos -, e esta sempre fez tudo o que ao seu alcance estava para evitar qualquer tipo de acidente. Mas para que tal seja concretizado, é também necessário que todos os demais intervenientes cumpram escrupulosamente as regras de segurança que conhecem e às quais estão obrigados.
17. A Directora de obra ia frequentemente à obra.
18. Quer o Coordenador de Segurança quer a Directora de obra tinham perfeito conhecimento das condições da obra e em momento algum, previamente ao acidente, comunicaram à Recorrente qualquer infracção ou alertaram para uma qualquer situação “menos bem” relativamente às regras de segurança que deveriam ser observadas.
19. A Recorrente é apenas subempreiteira (aliás, uma de várias que no dia em causa estavam a laborar na obra), sendo a responsabilidade de implementação das regras de segurança da “entidade executante”, in casu a B..., Unipessoal Lda.
20. A Recorrente tem alguma responsabilidade em abstrato já que tem que dar condições de segurança aos seus trabalhadores – o que sempre tentou fazer - mas seria expectável que havendo um Coordenador de Segurança em Obra (CSO) e uma Directora de Obra (DO) que frequentemente visitavam a obra em causa tivesse sido alertada por algum deles para situações que não cumpriam os parâmetros de segurança no trabalho, o que nunca aconteceu previamente ao acidente.
21. Parece-nos resultar claro e evidente que quer o “dono da obra” quer a “entidade executante”, por intermédio das pessoas que contrataram para serem Coordenador de Segurança e Directora de Obra, não cumpriram com as obrigações legais que estavam vinculados.
22. O artigo 10º do DL 273/2003, de 29 de Outubro, refere é que “a nomeação dos coordenadores de segurança em projecto e em obra não exonera o dono da obra, o autor do projecto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que a cada um deles cabe (…)” pelo que não se compreende porque a presente infracção apenas à Recorrente está a ser imputada já que, no limite, haverá uma responsabilidade solidária (à qual se tem que acrescentar, também, o Sinistrado já que ao incumprir com as regras e instruções que lhe foram transmitidas pela sua entidade empregadora, bem como as suas obrigações legais, também potenciou o acidente)
23. Não se entende esta dualidade de critérios da ACT e não se compreende a decisão do Tribunal, face a todos os elementos de prova – documental - de que dispunha (já que decidiu não relevar a prova testemunhal apresentada pela Recorrente).
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida, com absolvição da Recorrente, como é de inteira
JUSTIÇA!
P. e E.D.».

4. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões (transcrição):
«1- Resulta do n.º 1 do art. 51º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, RPCLSS “ se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito …” podendo o recurso ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, os previstos nos n.ºs 2 e 3 , do art. 410º, do C.P.P., ou seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.
2. A recorrente não invoca a existência de qualquer um dos referidos vícios, que aliás, não resulta do texto da sentença.
3. A recorrente, tal como se retira das conclusões nas suas alegações manifesta, apenas a sua discordância relativamente ao raciocínio do tribunal recorrido, questionando a sua convicção e acerto nas suas conclusões, pretendendo outra apreciação da prova e alterar a matéria de facto.
4.Assim sendo, nesta parte, nos termos do referido dispositivo legal, não pode o presente recurso ser conhecido em segunda instância, por ser recurso da matéria de facto.
5. Quanto à nulidade invocada sempre se dirá que concordamos na íntegra com a decisão do Tribunal e com os argumentos ali apresentados.
6. O facto de no processo de contraordenação terem sido dados como provados factos, em oposição com a defesa apresentada pela arguida, não configura uma nulidade, por se tratar de livre apreciação da matéria de facto por parte da entidade administrativa.
7. Quanto à nulidade do processo de contraordenação por ter sido dados como provados factos sobre os quais a arguida não se pronunciou, a mesma também não se verifica.
8. Porque a matéria em causa não releva para a decisão proferida pela ACT, nem para a decisão que veio a ser proferida e por força do AUJ n.º 1/2003 (DR n.º 21, Série I-A, 25/01/2003), que fixou jurisprudência, sendo manifesto que a arguida se defendeu da contraordenação que lhe era imputada extravasando a mera invocação da nulidade, mesmo que a invocada nulidade se verificasse, sempre estaria a mesma sanada.
9. Quanto à improcedência da impugnação sempre se dirá que a Recorrente considera que a responsabilidade que lhe é imputada deveria ser repartida também pelo Sinistrado, pela Entidade Executante e pelo “dono da obra” na medida em que a responsabilidade máxima seria sempre do Coordenador de Segurança em obra, escolhido pelo “dono da obra”, atentas, aliás, as obrigações de cada um destes intervenientes constantes na Lei.
10. A recorrente sabe e assume que incumpriu e cometeu a infração.
11. Nos termos da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, nos artigos 15º e 20º é obrigação do Empregador, aqui Recorrente, assegurar ao trabalhador, ora Sinistrado, condições de segurança e de saúde em todos os espetos do trabalho, tendo em conta, entre outros, os seguintes princípios de prevenção: evitar os riscos; identificação dos riscos previsíveis assim como seleção de equipamentos e produtos com vista à eliminação dos mesmos; priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual; dar formação necessária ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.
12. O Decreto Lei n.º 273/2003, de 29/10, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho e estabelece um conjunto de regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança e saúde no trabalho em estaleiros da construção, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis.
13. O artigo 22º, do mesmo diploma, dita como obrigação dos empregadores, que “durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respetivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial (…)”.
14. Por sua vez, o artigo 25º sanciona como contraordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores.
15. Este diploma estabelece uma série de obrigações, nomeadamente quanto a regras de segurança, para todos os intervenientes numa obra de construção, destaca a obrigação das empregadoras, independentemente da qualidade que tenham na de fazer cumprir as regras de segurança gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, assim como se prevê no artigo 281º do C. Trabalho.
16. Dita o artigo 42º do Decreto nº 41821/58, de 11/08 que Regulamenta a Segurança no Trabalho da Construção Civil:
“Qualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 m acima do soalho ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos com as características indicadas no § único do artigo 40.º, bem como, se for necessário, por um guarda-cabeças com a altura estabelecida naquele parágrafo. O guarda-cabeças ficará instalado o mais perto possível do pavimento ou do lado inferior da abertura”.
17. Dispõe o artigo 40º que “As aberturas feitas no soalho de um edifício ou numa plataforma de trabalho para passagem de operários ou material, montagem de ascensores ou escadas, ou para qualquer outro fim, serão guarnecidas de um ou mais guarda-corpos e de um guarda-cabeças, fixados sobre o soalho ou a plataforma.
§ único. Os guarda-corpos, com secção transversal de 0,30 m pelo menos serão postos à altura mínima de .1 m acima do pavimento, não podendo, o vão abaixo deles ultrapassar a medida de 0,85 m.
A altura do guarda-cabeças nunca será inferior a 0, 14 m”.
18. Atenta a matéria de facto dada como provada e os normativos referidos bem andou o Tribunal em concluir que a arguida praticou a contraordenação de que vem acusada.
19. Como a pode cometer e cometeu qualquer um dos outros intervenientes na obra da forma assinalada o que não retira a responsabilidade à recorrente/arguida.
20. A sentença recorrida deve assim ser totalmente mantida, não tendo sido violada qualquer norma jurídica, bem como porque se encontra devidamente fundamentada, não apresentando no seu texto qualquer vício.
Termos em que se conclui não dever ser conhecido o recurso na parte assinalada e dever ser mantida a posição adotada na douta sentença recorrida, julgando-se improcedente, como é de toda a
JUSTIÇA.».


5. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer (artigo 416º do Código de Processo Penal) - transcrição:
«Vem o presente recurso interposto pela recorrente A..., LDA., por não se conformar com a douta sentença que foi proferida em 06.07.023, que além do mais, manteve a decisão proferida pela ACT.
Nas conclusões da alegação a recorrente vem impugnar o decidido quanto à matéria de direito invocando que a “decisão administrativa proferida pela ACT padece de nulidade”, sem menção de qualquer vício de natureza processual. A bem dizer a recorrente não impugna a decisão recorrida, focando-se na intervenção da ACT e o que constitui um modo impróprio de impugnar.
Pugna pela revogação da sentença recorrida em ordem a ser absolvida,
O recorrido M.º P.º contra-alegou pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido e a cuja tese se adere, sem prejuízo do que abaixo se dirá.
Não vislumbramos circunstâncias que obstem ao conhecimento do recurso, que foi tempestivamente interposto pela recorrente, a qual tem legitimidade e interesse em agir, devendo manter-se o regime e efeito que lhe foi fixado.
Tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova que a sustaram, entendemos que a decisão recorrida encontra-se fundamentada, de facto e de direito, não merecendo censura a questão a dirimir nos presentes autos, nos termos em que se pronunciou pelos artº.s 10º., 22º. e 25º. do DL 273/2003, de 29 de Outubro e 526º. º.1 do C.T. – Cfr, Ac. TRÉvora, 23. 11.2023 e TRPorto de 21 de Outubro de 2020.
Contudo, merece-nos reserva, a decisão quanto à revogação da aplicação da sanção acessória de publicidade, que deveria ter sido mantida, tendo em conta a elevada sinistralidade por quedas em altura. Inequivocamente resulta dos pontos 4, 5, 19 a 22 da factualidade dada como provada que ocorreu uma violação de um dever de comportamento por parte da recorrente enquanto entidade patronal do trabalhador sinistrado, mesmo tendo em conta experiência profissional deste. Sendo válida a decisão administrativa, nela estão narrados factos objetivos de onde se extrai a conclusão de que a recorrente violou deveres de cuidado a que estava obrigada. Resulta uma actuação dolosa da recorrente ao não ter assegurado, como lhe competia, as necessárias condições de segurança para a concretização da obra que realizava. Há necessidade de uma censura suplementar contida nesta sanção acessória em ordem a que a recorrente melhor se conforme com as regras legais a que deve respeito.
Ficam em causa os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade cfr. Ac.s TRPorto, 03.10.2022 (aqui aplicável “mutatis mutandos”, quanto à problemática do dolo pela entidade patronal nos acidentes de trabalho), TRLx de 07-10-2015.
Evidencia-se a nulidade de conhecimento oficioso prevista no artº. 410º. nº.2 al. b) do CPP e que se expressamente se argui.
Improcedem as conclusões formuladas.
A sentença merece ser mantida na ordem jurídica.
Em suma, emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a sobredita declaração de nulidade.».
6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a Arguida apresentado resposta.

7. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos (artigo 418.º do Código de Processo Penal), após o que o processo foi à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
*

II - Objeto do recurso
Preliminarmente, importa consignar que o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social consta da Lei n.º 107/2009, de 14-09, cujo artigo 60.º prevê que constitui direito subsidiário (sempre que o contrário não resulte daquela Lei) o regime geral das contraordenações do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (com as subsequentes alterações – a última das quais decorrente da Lei n.º 109/2001 de 24-10); e, por via do artigo 41.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei, são-lhe também aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, máxime as pertinentes disposições do Código de Processo Penal.
Este Tribunal de recurso apenas conhece de matéria de direito (artigos 49.º, n.º 1, e 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009), sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do artigo 410.º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º, todos do Código de Processo Penal.
Tendo em conta a sobredita restrição, e sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva motivação [artigos 403.º, n.º 1, e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 50.º, n.º 4, da citada Lei n.º 107/2009, de 14], no caso, tendo em conta as conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes as questões suscitadas:
1 -   Nulidade da decisão administrativa;
2 – Erro na decisão da matéria de facto;
3 – Da prática da contraordenação imputada e da responsabilização da Recorrente pela mesma.
Por sua vez, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, suscita a questão da nulidade da decisão recorrida prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, no que respeita à revogação da aplicação da sanção acessória de publicidade.

***


III – Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância
A. A decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte (transcrição):
«FACTOS PROVADOS
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A arguida, A... S.A., pessoa coletiva com o NIF ...36, tem sede na Rua ..., ... ..., ..., e teve local de trabalho no estaleiro de construção civil sito na Travessa ..., ... ..., ....
2. A arguida tem como atividade principal a construção de edifícios (residenciais e não residenciais) – CAE 41200.
3. A arguida é legalmente representada pelo administrador único DD.
4. No dia 1 de setembro de 2022 foi recebido nos Serviços da ACT do Centro Local do Grande Porto contacto telefónico da GNR ..., comunicando a ocorrência de um acidente de trabalho grave por queda em altura, de cerca de 12m
5. O acidente de trabalhou aconteceu com o trabalhador da arguida EE, cerca das 13h10m.
6. EE é trabalhador da arguida desde ../../2021.
7. A arguida ministrou formação a EE, de acolhimento, com a duração de 2 horas a 10/5/2021, de riscos relativos às tarefas a executar, com a duração de 4 horas a 28/5/2021, de sensibilização de obra, com a duração de 2 horas a 15/7/2021 e de sensibilização de obra-trabalhos em altura, com a duração de 1 hora a 25/11/2021.
8. Na sequência do 1.º contacto da GNR foi de imediato realizada visita inspetiva ao local de trabalho, no dia 1 de setembro de 2022 pelas 15.10h.
9. Verificou-se ser uma obra de edificação de dois prédios contíguos de habitação multifamiliar, à data já com 4 pisos construídos acima da cota de soleira, tendo o acidente ocorrido no lote ...3, entre o 4.º e o 5.ºpiso.
10. A arguida atuava em obra na qualidade de subempreiteira contratada pela empresa B..., Unipessoal, Lda.
11. B..., Unipessoal, Lda. assume na obra a qualidade de entidade executante.
12. B..., Unipessoal, Lda. foi contratada pelo dono de obra C..., Unipessoal, Lda.
13. A arguida tinha a seu cargo todos os trabalhos de estrutura de betão armado.
14. Por ocasião do acidente de trabalho, decorriam trabalhos de cofragem da estrutura de suporte da lage do teto do quinto piso do edifício, acima da cota de soleira, bem como outros trabalhos de cofragem e descofragem noutras zonas.
15. No local e por ocasião do acidente encontravam-se no exercício das suas funções os trabalhadores da arguida:
- EE, carpinteiro de cofragem (sinistrado)
- FF, carpinteiro de cofragem
- GG, carpinteiro de cofragem
- HH, encarregado.
16. O acidente deu-se quando o sinistrado subia as escadas carregando um painel de cofragem para levar aos colegas que estavam a cofrar mais acima.
17. O painel de cofragem pesava cerca de 13 kg e tinha 2 m por 50 cm.
18. O painel que o trabalhador sinistrado transportava ia ser utilizado por outros trabalhadores para a cofragem de uma viga de suporte da lage do teto do quinto piso.
19. À data do acidente não existia entre o terceiro e o quinto pisos, proteção coletiva na caixa de escadas, nomeadamente guarda-corpos.
20. Do local onde o trabalhador caiu, no vão de escadas ao nível do 4.º piso, não existia proteção coletiva contra quedas em altura, concretamente não existiam guarda-corpos.
21. À data do acidente existia proteção coletiva na caixa de escadas ao nível dos primeiros pisos, nomeadamente guarda corpos.
22. À data do acidente os trabalhadores não traziam cinto e arnês de segurança e trabalhavam sem linha de vida.
23. Os trabalhadores da arguida circulavam nas escadas
24. No decurso da visita, e relativamente a tais riscos profissionais, foi assumida uma Suspensão Imediata dos Trabalhos em curso na zona da caixa de escadas, que foi recebida e assinada pela Diretora de Obra.
25. A arguida constituiu-se em 2010 e tem cerca de 100 trabalhadores ao serviço.
26. A arguida tem serviços de segurança no trabalho organizados na modalidade de serviços internos.
27. A arguida obteve um volume de negócios de €13.811.336,00 em 2021.
28. A arguida agiu com omissão dos deveres a que estava obrigada e cujo cumprimento lhe era exigível.
*


FACTOS NÃO PROVADOS:
a) O sinistrado e demais colegas sabiam que no caso de não existirem guarda corpos tinha, a obrigação de trabalhar com o sistema de linha vida (linha de vida e arnês de segurança) que estavam disponíveis no local.
b) O local do acidente estava protegido com guarda corpos, sendo que, no dia do acidente, sem que a arguida fosse avisada, foi retirada aquela protecção, uma vez que os painéis eram deixados cair livremente após a descofragem, partindo a madeira dos guarda corpos.
c) Os trabalhos no dia em causa estavam a ser feitos por outro percurso: estava a ser utilizado o outro lado do edifício para os acessos (escadas do Lote ...2).».
B. A motivação da referida decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte (transcrição):
No que respeita aos factos constantes em 1) a 22) e 25) a 27) resultaram os mesmos da decisão da entidade administrativa, uma vez que a recorrente não colocou em causa tal matéria de facto no recurso apresentado, assim a aceitando.
Relativamente ao ponto 23) e 24) foi considerado o depoimento da testemunha II, inspectora da ACT que relatou, de forma objectiva e segura, o que constatou no local, onde se dirigiu logo após o acidente ter ocorrido. Diga-se, ainda, quanto ao referido em 23) que tal decorre das regras da normalidade, sendo que, como infra se explicará, o tribunal não ficou minimamente convencido da versão da arguida que consta em c) dos factos não provados.
No que respeita ao ponto 28), o tribunal considerou os demais factos provados conjugados com as regras da experiência comum, sendo que nada infirmou tal conclusão.
Quanto aos factos não provados, não foi feita prova segura sobre aquela matéria.
De facto, a referida testemunha II nada soube esclarecer sobre esta matéria
Por outro lado, as testemunhas AA - engenheira civil, trabalha para a “B...” - e HH - encarregado de obra da arguida – depuseram de forma totalmente contraditória, tentando reciprocamente “atirar as culpas” para o outro e prestando um depoimento totalmente contrário às regras da normalidade, em concreto com o que se passa, infelizmente, nas obras no nosso país, tentando passar uma ideia de que, cada uma das empresas em que trabalham cumpre, de forma escrupulosa, as regras de segurança a que estão adstritas.
Refira-se, ainda, que a alegação constante em c) – que foi confirmada pela testemunha HH -, sendo, desde logo, contraditória com a defesa da arguida no seu todo – que afirma que a caixa de escadas estava protegida também no 4º andar com guarda corpos, mas que o mesmo foi retirado naquele dia sem o seu conhecimento – não tem qualquer suporte nas regras da experiência comum, afigurando-se ao tribunal como uma justificação surgida apenas para desculpabilizar a arguida e, pasme-se, responsabilizar o trabalhador.
Finalmente, diga-se que o depoimento daquelas duas testemunhas não foi corroborado por qualquer outro meio de prova.».

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IV – Fundamentação

1. Enquadramento prévio

Importa fazer uma pequena consideração geral sobre a natureza do ilícito contraordenacional e do respetivo processo.

Como se enfatiza no Acórdão desta Secção Social da Relação do Porto de 9-01-2020[2], «existe uma nítida autonomia entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, seja numa perspetiva da censura ético-penal, seja mesmo do bem jurídico protegido, mais precisamente da sua existência ou inexistência, a que se segue a gravidade das reações sancionadoras, através da aplicação de uma coima, no primeiro caso, ou de uma pena de prisão, no segundo, e, por último, ainda, a natureza distinta dos órgãos que são competentes para proferir a decisão, autoridades administrativas num caso e, no outro, os tribunais.

O Supremo Tribunal de Justiça desde há muito que afirma essa autonomia[2], da qual, do mesmo modo, faz também eco o Tribunal Constitucional, quando afirma a “diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções”, na consideração, assim, de que os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social[3].».

O processo que leva à aplicação de uma coima inicia-se perante uma autoridade administrativa a quem cabe o impulso inicial, a instrução e a decisão. Este processo de natureza administrativa não tem de se confundir – nem se pode confundir – com um processo criminal, embora em algumas situações sejam de aplicar os preceitos reguladores do processo criminal, devidamente adaptados, como impõe o artigo 41.º do Regime Geral de Contraordenações (RGCO- Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10) (cfr. ainda artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09).


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2. Da nulidade da decisão administrativa

Sustenta a Recorrente que a decisão administrativa confunde a Recorrente com a entidade executante B... Unipessoal, Lda., referindo que foi essa empresa a única entidade que foi notificada para a tomada de medidas e quem apresentou os registos fotográficos atestando a colocação de proteção coletiva em todas as zonas do estaleiro que não se encontravam protegidas à data da visita inspetiva. Argumenta que esses factos são por si relevantes para se aferir que a própria ACT considerava, em alguma medida, pelo menos, aquela sociedade executante responsável pela infração em causa, sendo que, por sua vez, o comportamento daquela sociedade também evidencia que se considerava responsável por essa infração. Conclui que esses factos são importantes e relevantes para a boa decisão da causa e não lhe foi dada oportunidade para deles se defender, pelo que a decisão administrativa padece de nulidade.

Na decisão recorrida sobre a questão da nulidade da decisão administrativa, escreveu-se o seguinte:

«Antes de mais diga-se que o facto de no processo de contraordenação terem sido dados como provados factos em oposição com a defesa apresentada pela arguida não configura de todo uma nulidade.

Trata-se de uma questão de livre apreciação da matéria de facto por parte da entidade administrativa.

Quanto à nulidade do processo de contraordenação por ter sido dados como provados factos sobre os quais a arguida não se pronunciou, a mesma também não se verifica.

De facto, por um lado, a matéria em causa não releva minimamente para a decisão proferida pela ACT, nem para a decisão a proferir por este tribunal, que não a irá, por isso, ter em consideração.

Por outro lado, importa aqui trazer à colação o AUJ n.º 1/2003 (DR n.º 21, Série I-A, 25/01/2003), que fixou jurisprudência no sentido de que “Quando, em cumprimento do disposto no art. 50º do Regime Geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa”. Como resulta da fundamentação deste Acórdão, entende o STJ que “Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121º, nºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122, nº 1, do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações]. (…)”.

Ora, no caso dos autos, é manifesto que a arguida se defendeu da contraordenação que lhe era imputada extravasando a mera invocação da nulidade, pelo que, mesmo que a invocada nulidade se verificasse – o que não acontece - sempre estaria a mesma sanada.

Conclui-se, portanto, não se verificar a nulidade invocada.»

A Recorrente não partilha qual o concreto vício processual de nulidade de que padecerá a decisão administrativa, à semelhança, aliás, do procedimento que já havia seguido na impugnação judicial apresentada.

Conforme se dá nota no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 5-06-2023[3], é comummente afirmado que «impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).».

Ora, a Recorrente, não avançou nas suas conclusões (nem, aliás, nas alegações/motivação), com quaisquer verdadeiros argumentos jurídicos, tendentes a colocar em crise a fundamentação constante da sentença e no sentido de explicitar a razão pela qual em seu entender a decisão deveria ter sido outra no que respeita à questão da invocada nulidade.

A Recorrente foca-se na intervenção da ACT prévia à decisão administrativa (notificação para tomada de medidas) e na atuação da entidade executante na sequência de tal notificação (adoção das medidas), para lançar interrogações sobre o significado de tais atuações prévias em termos de imputação e assunção da responsabilidade, respetivamente.

Sucede que tal em nada contende com qualquer vício de nulidade da decisão administrativa. A matéria em causa em nada releva para a decisão proferida pela ACT, o mesmo, aliás, tendo sucedido com a decisão judicial que foi proferida que nem sequer a tomou em consideração já que não assume relevo para efeitos da questão da verificação dos pressupostos da prática da infração imputada à Arguida.

Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009 de 14-09, a decisão que aplica a coima e/ou as sanções acessórias contém:

a) a identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção;

b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) a coima e as sanções acessórias.

Segundo o nº 5 a fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.

As exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa - no respeitante às contraordenações -, são menos profundas que as relativas aos processos criminais; não se podem transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais.

Analisada a decisão administrativa consideramos que a mesma contém todos os elementos exigidos pelo citado artigo 25º, nº 1, com inteira suficiência.

Nos termos do nº 5 do mesmo normativo é admitida a possibilidade de remissão da decisão administrativa para os fundamentos da proposta de decisão.

A proposta de decisão da Instrutora do processo está fundamentada em termos de facto (e de direito), é acessível para qualquer pessoa que a leia, razão pela qual o é também a decisão administrativa que para a mesma remeteu, assumindo-a como sua, nos termos do artigo 25.º, n.º 5 da Lei n.º 107/2009 de 14-09.

A decisão da autoridade administrativa em causa, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, contém a descrição dos factos imputados à arguida, permitindo a esta posicionar-se e defender-se com toda a amplitude, como o fez com a apresentação da impugnação judicial da decisão administrativa.
O direito de defesa da arguida não ficou minimamente afectado, bem sabendo que assumia a qualidade de sujeito responsável pela infração em causa nos presentes autos, tendo tido possibilidade de conhecer todos os factos imputados, as normas violadas e as que punem a infracção, bem como a que título lhe foi imputada a responsabilidade pela contraordenação.

Os elementos constantes da decisão administrativa são suficientes para a arguida organizar a sua defesa e impugnar judicialmente a decisão.

Tanto assim, que a recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa, tendo tido a possibilidade de se pronunciar em sua defesa com toda a amplitude e não se limitando a suscitar a nulidade em apreciação.

Em conclusão, entende-se que inexiste qualquer vício de nulidade da decisão administrativa, improcedendo, nesta parte, as conclusões de recurso.


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2 – Do erro na decisão da matéria de facto
A Recorrente, depois de enunciar a matéria dada como provada e não provada na sentença recorrida, manifesta a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, referindo que entende que face a toda prova existente no processo decisão teria que ser outra.
Alega que: o Tribunal se baseou, única e exclusivamente, no depoimento da inspectora da ACT, fazendo tábua rasa de tudo o mais que foi dito em sede de julgamento; foram juntas mensagens de whatasapp pela Recorrente – doc 1 a 3 do recurso de contraordenação – onde se prova que o seu Encarregado enviava mensagens à Responsável da Obra da B... sobre os guarda-corpos e a mesma referia que iria pedir ao Sr. BB para ira tratar das coisas, Sr. BB esse trabalhador da B...; se a B... não fosse, de facto, a responsável pela implementação dos guarda-corpos que sentido faria pedir a um dos seus trabalhadores e encarregado que fosse tratar de verificar e rectificar os guarda-corpos montados?; mas a isto não deu qualquer relevo o Tribunal, pese embora a prova documental junta e a prova testemunhal (mormente, da Eng. AA que reconheceu a recepção das mensagens e que referiu que o Sr. BB era trabalhador da Empresa…); deu o Tribunal por provado o facto 23) única e exclusivamente tendo por base o depoimento da inspetora da ACT, sendo que mesma quando chegou ao local do acidente já não estava ninguém a trabalhar; no dia em causa, o trabalho estava a ser efectuado através do Lote ...2 – que já se encontrava terminado no que à cofragem diz respeito - , tendo o trabalhador Sinistrado decidido, no período da tarde, passar por onde não devia.
Vejamos.
Como decorre do já consignado em II, o recurso para a Relação em sede de processo contraordenacional laboral, como regra, está circunscrito à matéria de direito (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n. 107/2009 de 14-09), estando excluída a intervenção deste Tribunal ad quem em sede de matéria de facto, sem prejuízo da apreciação de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que podem ser invocados em sede de recurso e apreciados oficiosamente.
Como tal, não é possível nesta instância recursiva conhecer de eventual erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto.
E se a Relação, ainda que conheça apenas de direito, pode conhecer do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova -, o certo é que, no caso, tal situação não se verifica.
Com efeito, dispõe este último preceito que: “2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) c) Erro notório na apreciação da prova.
Constitui jurisprudência uniforme e sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à apreciação do vício do erro notório na apreciação da prova (como, aliás, de qualquer outro dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal), que o mesmo só releva se decorrer do texto da própria decisão recorrida, encarada por si ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo, ou até mesmo produzidos em julgamento (salvo se os factos forem contraditados por documentos que fazem prova plena, não arguidos de falsidade).
Em consonância com este entendimento, e pronunciando-se especificamente sobre o erro notório na apreciação da prova, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2005[4] o seguinte:
«O "erro notório na apreciação da prova", (…) constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum".
Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ nºs. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439, 494, pág. 207 e 496, pág. 169).
O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
Os vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP não podem, por outro lado, ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127º do CPP.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos.».
Tendo em conta a sobredita amplitude de conhecimento e o que carateriza os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, perante a motivação recursiva apresentada, forçoso é concluir que a Recorrente não aponta à decisão recorrida qualquer um dos indicados vícios, pretende é pôr em causa a decisão da matéria de facto, querendo fazer prevalecer a sua convicção sobre a prova produzida à formada pelo Tribunal a quo, para tanto socorrendo-se de elementos externos à sentença recorrida.
No caso, a prova dos factos mencionados pela Recorrente não decorre, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, da sentença recorrida. Decorrerá, na perspetiva da Recorrente, dos meios de prova, documental e testemunhal produzidos, o que extravassa os poderes cognitivos, em sede de apreciação da matéria de facto, conferidos pelo artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Refira-se que, atentando no elenco dos factos provados e não provados, quer considerados individualmente, quer conjugados entre si, não se identifica qualquer incoerência, contradição lógica ou desfasamento à luz das regras de experiência comum.
A Recorrente, como vimos, coloca a questão noutro prisma, atacando o processo de formação da convicção do julgador, por entender não ter valorado devidamente a prova testemunhal e documental produzida.
No entanto, como se disse, tal linha argumentativa não consubstancia o vício de erro notório de apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
Não se vislumbra pela análise da fundamentação da decisão da matéria de facto, ou seja, os fundamentos que justificam a convicção formada, sustentada na prova que é aí mencionada, qualquer erro de lógica na construção do raciocínio, a mínima incoerência que seja, ou sequer desfasamento em relação às regras da experiência comum.
Também nesta sede, o Tribunal a quo, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal, valorou a prova produzida nessa matéria, não resultando do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», qualquer erro notório na apreciação da prova.
Quanto aos documentos para os quais a Recorrente apela, não estão em causa documentos com força probatória plena que tenham sido desconsiderados pelo Tribunal a quo.
Relembrando o entendimento acima explanado quanto ao vício de erro notório na apreciação da prova, este não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida, sendo certo que é este último que a Recorrente procura evidenciar no recurso apresentado em sede de matéria de facto, o que, como se disse, extrava os poderes cognitivos deste Tribunal, em sede de apreciação da matéria de facto .
Não se verifica, pois, a existência do vício de erro notório na apreciação da prova a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, improcedendo nesta parte as conclusões do recurso.
Acresce referir que não se verifica nenhum dos demais vícios previstos neste mesmo normativo, mormente nas suas alíneas a) e b) [insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, respetivamente[5]], sendo que, conforme melhor resultará do que adiante se dirá, a matéria de facto dada como provada é suficiente no sentido da conclusão retirada quanto ao preenchimento do tipo legal da contraordenação em causa e à responsabilização da Recorrente pela mesma.
Pelo exposto, e nesta parte, improcedem as conclusões de recurso.
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3. Da verificação da contraordenação imputada e da responsabilização da Recorrente pela mesma.
Consta da sentença recorrida, a este respeito (transcrição):
«O Decreto Lei n.º 273/2003, de 29/10, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho e estabelece um conjunto de regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança e saúde no trabalho em estaleiros da construção, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis.
O artigo 3º dá-nos algumas definições relevantes para aplicação daquele diploma.
Assim, como «Empregador» temos a pessoa singular ou colectiva que, no estaleiro, tem trabalhadores ao seu serviço, incluindo trabalhadores temporários ou em cedência ocasional, para executar a totalidade ou parte da obra; pode ser o dono da obra, a entidade executante ou subempreiteiro; como «Entidade executante» a pessoa singular ou colectiva que executa a totalidade ou parte da obra, de acordo com o projecto aprovado e as disposições legais ou regulamentares aplicáveis; pode ser simultaneamente o dono da obra, ou outra pessoa autorizada a exercer a actividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil, que esteja obrigada mediante contrato de empreitada com aquele a executar a totalidade ou parte da obra e, finalmente, o «Subempreiteiro» é a pessoa singular ou colectiva autorizada a exercer a actividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil que executa parte da obra mediante contrato com a entidade executante.
Nos artigos 17º a 21º daquele diploma são elencadas as obrigações dos donos da obra, das entidades executantes, dos autores do projecto e empreiteiros.
Paralelamente, dispõe o artigo 22º como obrigação dos empregadores, que “durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respectivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial (…)”.
O artigo 25º sanciona com contraordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores.
Trata-se, claramente, de uma contraordenação de perigo, não sendo necessária a ocorrência dos danos que a mesma pretende evitar.
Quer isto dizer, que este diploma estabelece uma série de obrigações, nomeadamente quanto a regras de segurança, para todos os intervenientes numa obra de construção, mas – e bem, atento o valor que se pretende proteger – destaca a obrigação das empregadoras – independentemente da qualidade que tenham na obra – de fazer cumprir as regras de segurança gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Aliás, tal não poderia deixar de ser, pois que tal como estabelece o artigo 281º do C. Trabalho, “O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção” (nº 2).
Como prescrito no artigo 42º do Decreto nº 41821/58, de 11/08 que Regulamenta a Segurança no Trabalho da Construção Civil (doravante RSTCC):
“Qualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 m acima do soalho ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos com as características indicadas no § único do artigo 40.º, bem como, se for necessário, por um guarda-cabeças com a altura estabelecida naquele parágrafo. O guarda-cabeças ficará instalado o mais perto possível do pavimento ou do lado inferior da abertura”.
Por seu turno, dispõe o artigo 40º que “As aberturas feitas no soalho de um edifício ou numa plataforma de trabalho para passagem de operários ou material, montagem de ascensores ou escadas, ou para qualquer outro fim, serão guarnecidas de um ou mais guarda-corpos e de um guarda-cabeças, fixados sobre o soalho ou a plataforma.
§ único. Os guarda-corpos, com secção transversal de 0,30 m pelo menos serão postos à altura mínima de.1 m acima do pavimento, não podendo, o vão abaixo deles ultrapassar a medida de 0,85 m.
A altura do guarda-cabeças nunca será inferior a 0, 14 m”.
Ora, como resulta provado, na obra em causa não existiam guarda-corpos na caixa de escadas, sendo claro, considerando que se trata de um 4º andar, o risco de queda em altura resultante de tal omissão, risco esse, aliás que se concretizou, tendo o sinistrado, trabalhador da arguida, sofrido uma queda em altura, de cerca de 12m.
Não logrou a recorrente provar a matéria que, em abstracto, poderia afastar a sua responsabilidade.
Assim, em face do tudo o exposto, conclui-se que a arguida praticou a contraordenação de que vem acusada.».
Do assim decidido discorda a Recorrente, alegando, em suma, que:
- a responsabilidade que lhe é imputada deveria ser repartida também pelo Sinistrado, pela Entidade Executante e pelo “dono da obra” na medida em que a responsabilidade máxima seria sempre do Coordenador de Segurança em obra, escolhido pelo “dono da obra”, atentas, aliás, as obrigações de cada um destes intervenientes constantes na Lei;
- o Sinistrado violou as suas obrigações, nomeadamente zelar pela sua segurança, adotar as medidas que lhe foram amplamente transmitidas pela Recorrente em sede de formação e cumprimento das instruções do empregador;
- quer o Coordenador de Segurança quer a Directora de obra tinham perfeito conhecimento das condições da obra e em momento algum, previamente ao acidente, comunicaram à Recorrente qualquer infracção ou alertaram para uma qualquer situação “menos bem” relativamente às regras de segurança que deveriam ser observadas;

- a Recorrente é apenas subempreiteira (aliás, uma de várias que no dia em causa estavam a laborar na obra), sendo a responsabilidade de implementação das regras de segurança da “entidade executante”, in casu a B..., Unipessoal Lda.

- a Recorrente tem alguma responsabilidade em abstrato já que tem que dar condições de segurança aos seus trabalhadores – o que sempre tentou fazer - mas seria expectável que havendo um Coordenador de Segurança em Obra (CSO) e uma Directora de Obra (DO) que frequentemente visitavam a obra em causa tivesse sido alertada por algum deles para situações que não cumpriam os parâmetros de segurança no trabalho, o que nunca aconteceu previamente ao acidente;

- quer o “dono da obra” quer a “entidade executante”, por intermédio das pessoas que contrataram para serem Coordenador de Segurança e Directora de Obra, não cumpriram com as obrigações legais que estavam vinculados;

- o artigo 10º do DL 273/2003, de 29 de Outubro, refere é que “a nomeação dos coordenadores de segurança em projecto e em obra não exonera o dono da obra, o autor do projecto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que a cada um deles cabe (…)” pelo que não se compreende porque a presente infracção apenas à Recorrente está a ser imputada já que, no limite, haverá uma responsabilidade solidária (à qual se tem que acrescentar, também, o Sinistrado já que ao incumprir com as regras e instruções que lhe foram transmitidas pela sua entidade empregadora, bem como as suas obrigações legais, também potenciou o acidente).

O Ministério Público em primeira instância, na resposta apresentada ao recurso, pugna pela manutenção da sentença recorrida, referindo que não foi violada qualquer norma jurídica e se mostra fundamentada.

O Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, não merecendo censura a condenação da Recorrente pela prática da contraordenação em causa.

Ora, pelas razões já plasmadas no ponto antecedente, inexiste fundamento legal para que, no caso, este Tribunal da Relação deixe de atender, ao quadro factual constante da sentença recorrida.
Do mesmo passo, perante o que resulta da factualidade provada, à qual nos temos que ater no momento da aplicação do direito, a conclusão a que chegamos é, sem margem para dúvidas, a de que se encontram preenchidos os elementos objetivos e o elemento subjetivo da infração em causa e pela qual a Recorrente foi coimada.
Nenhuma censura merece o enquadramento jurídico dos factos no que respeita à verificação da prática da infração pela Recorrente e respetiva responsabilização pela mesma com apelo aos diplomas e normas legais, nos termos explicitados na sentença recorrida, sendo ainda certo que a infração é imputável à Recorrente a título de negligência (artigo 15.º do Código Penal).
Importa apenas tecer algumas considerações adicionais em matéria da verificação da prática da infração e da responsabilização da Recorrente.

O Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29-10, procedeu à revisão da regulamentação das condições de segurança e saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis, que constava do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1-07, continuando naturalmente a assegurar a transposição para o direito interno da Directiva nº 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis.

No respetivo preâmbulo faz-se alusão à necessidade imperiosa de reduzir os riscos profissionais nos setores com maior sinistralidade laboral, reconhecendo que as condições de segurança no trabalho desenvolvido em estaleiros temporários ou móveis são frequentemente muito deficientes e estão na origem de um número preocupante de acidentes de trabalho graves e mortais, provocados sobretudo por quedas em altura, esmagamentos, soterramentos. O certo é que, volvidos mais de 20 anos, mantém-se neste âmbito do trabalho desenvolvido em estaleiros em trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil este quadro de maior sinistralidade laboral e número preocupante de acidentes de trabalho graves e mortais, onde se incluem as quedas em altura.

O Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29-10 prevê no n.º 1 do seu artigo 3.º um conjunto de definições para efeitos desse diploma, entre as quais se conta a de «empregador» - a pessoa singular ou coletiva que no estaleiro, tem trabalhadores ao seu serviço, incluindo trabalhadores temporários ou em cedência ocasional, para executar a totalidade ou parte da obra; pode ser o dono da obra, a entidade executante ou o subempreiteiro (este é, por sua vez, na definição desse mesmo diploma a pessoa singular ou coletiva autorizada a exercer a atividade de empreiteiro de obras públicas ou de industrial de construção civil que executa parte da obra mediante contrato com a entidade executante) – alíneas g) e n) do n.º 1 do referido normativo. Daqui resulta que o “Empregador” abrange indistintamente toda e qualquer empresa interveniente na execução da obra, seja qual for o título contratual a que se tenha vinculado, visando reiterar que tais as entidades estão obrigadas ao cumprimento da legislação geral de segurança e saúde no trabalho, para além de terem o dever de cooperar no desenvolvimento da prevenção no estaleiro que partilham.

Por sua vez, o n.º 2 do citado artigo 3.º, dispõe que as referências aos princípios gerais da segurança, higiene e saúde no trabalho entendem-se como remissões para o regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho (cfr. no Código do Trabalho de 2003 os artigos 272.º e 273.º).

No Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02, o artigo 281.º prevê os princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho, estatuindo no seu n.º 2 que “[o] empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta os princípios gerais de prevenção”. O artigo 284.º do Código de Trabalho de 2009, sob a epígrafe regulamentação da prevenção e reparação, estabelece que o disposto nesse capítulo é regulado em legislação específica. O regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho está hoje previsto na Lei n.º 102/2009, de 10-09.
Nos termos do artigo 15.º desta Lei, o empregador tem a obrigação de assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, devendo zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador. No cumprimento de tais obrigações deverá ter em conta, entre outros, os seguintes princípios de prevenção: evitar os riscos; identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, assim como na seleção de equipamentos e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual.

Decorre do artigo 22º, n.º 1, do diploma em análise, sob a epígrafe obrigações dos empregadores, que durante a execução da obra, os empregadores devem observar as respectivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.

O artigo 25.º, n.º 4, do mesmo diploma, prescreve que constitui contraordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de agosto de 1985, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores.

Ora, no que respeita à contraordenação pela qual a arguida foi coimada, da legislação em causa decorre que as obrigações previstas são para a entidade que assume a qualidade de empregador, e que por essa razão tenha trabalhadores na obra.

Conforme fundamentação explanada na sentença recorrida, e para a qual se remete para evitar desnecessárias repetições, a Recorrente violou os comandos legais aí enunciados, incorrendo na prática da contraordenação em causa enquanto empregadora, já que tinha trabalhadores seus no estaleiro, em obra, sujeitos ao risco de quedas em altura.

A Recorrente, enquanto empregadora, é responsável pelos seus próprios trabalhadores, recaindo sobre si a obrigação de adotar/observar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho previstas em regulamentação específica, mormente no Regulamento da Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº 41821, de 11 de Agosto de 1958, o que não se verificou. Enquanto empregadora, a Recorrente tem o dever de zelar pela verificação das condições de segurança e saúde em que desempenham as tarefas os seus trabalhadores,    cabendo-lhe, pois, assegurar o cumprimento das regras de segurança mínimas para que um trabalhador seu desempenhe funções no local da obra. Fazendo a lei recair sobre a Recorrente, enquanto empregadora, a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, nunca a mesma se pode alhear das condições concretas de segurança em que efectivamente o seu trabalhador estava a exercer a sua actividade naquela obra. Embora dos factos provados não resulte uma actuação dolosa por parte da Recorrente, revelam os mesmos a sua atuação meramente negligente, uma vez que a arguida não poderia ignorar que estava legalmente obrigada a velar pelo cumprimento das sobreditas regras de segurança e que a verificada ausência daquelas, revela que não agiu com a diligência que lhe era exigível e de que, enquanto empregadora, tinha que ser capaz.

A punição da arguida advém da sua especial qualidade de empregadora, tendo trabalhadores expostos ao risco de quedas em altura, sendo responsável, em nome próprio, pela infração.

Saliente-se ainda que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29-10 consagra o princípio da intransferibilidade das responsabilidades legalmente conferidas no domínio da prevenção [Vd. artigo 5/2 da Directiva Quadro 89/391/CEE (Diretiva que enquadra a gestão e a segurança do trabalho na empresa, evidenciando o papel do empregador) e artigo 7º da Directiva 92/57/CEE (Diretiva Estaleiros, que enquadra a dinâmica do empreendimento construtivo envolvendo atores cujos papéis não são considerados pela Diretiva Quadro)], sendo que tratando-se de norma de interesse e ordem pública não pode ser afastada por disposições contratuais que, a serem consignadas nos contratos, serão nulas e de nenhum efeito[6].

Em suma, a Recorrente praticou a contraordenação muito grave prevista no artigo 25.º, n.º 4, Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29-10,  sendo responsável pela mesma, inexistindo fundamento para a respetiva absolvição como sustentado no recurso.

Não procedem também, nesta parte, as conclusões do recurso.


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4. Da nulidade da sentença arguida pelo Exmo Procurador Geral Adjunto na Relação, prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, no que respeita à revogação pela decisão da aplicação da sanção acessória de publicidade.
A decisão administrativa pela prática da infração em causa aplicou à Arguida uma coima no montante de 9.200,00 e, bem assim, a sanção acessória de publicidade nos termos do artigo 562.º do Código do Trabalho.
A impugnação judicial da decisão administrativa apresentada pela Arguida visou a coima e a sanção acessória de publicitação aplicadas, sendo que a decisão recorrida julgou a impugnação parcialmente procedente e revogou a aplicação da sanção acessória de publicidade, mantendo no mais a decisão recorrida.
Cumpre sublinhar que o Ministério não recorreu, e podia tê-lo feito, sendo que em 1ª instância na resposta apresentada nos termos do artigo 413.º do Código de Processo Penal sustentou a manutenção da sentença recorrida, não tendo sequer levantado qualquer questão quanto à decidida revogação da aplicação da sanção acessória.
A revogação da sanção acessória de publicitação levada a cabo pela sentença de 1ª instância não é objeto de recurso.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto na Relação vem referir o seguinte:
« Contudo, merece-nos reserva, a decisão quanto à revogação da aplicação da sanção acessória de publicidade, que deveria ter sido mantida, tendo em conta a elevada sinistralidade por quedas em altura.
Inequivocamente resulta dos pontos 4, 5, 19 a 22 da factualidade dada como provada que ocorreu uma violação de um dever de comportamento por parte da recorrente enquanto entidade patronal do trabalhador sinistrado, mesmo tendo em conta experiência profissional deste. Sendo válida a decisão administrativa, nela estão narrados factos objetivos de onde se extrai a conclusão de que a recorrente violou deveres de cuidado a que estava obrigada. Resulta uma actuação dolosa da recorrente ao não ter assegurado, como lhe competia, as necessárias condições de segurança para a concretização da obra que realizava. Há necessidade de uma censura suplementar contida nesta sanção acessória em ordem a que a recorrente melhor se conforme com as regras legais a que deve respeito.
Ficam em causa os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade cfr. Ac.s TRPorto, 03.10.2022 (aqui aplicável “mutatis mutandos”, quanto à problemática do dolo pela entidade patronal nos acidentes de trabalho), TRLx de 07-10-2015.
Evidencia-se a nulidade de conhecimento oficioso prevista no artº. 410º. nº.2 al. b) do CPP e que se expressamente se argui. (…)
Em suma emite-se parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a sobredita declaração da nulidade.».

Na sentença recorrida, a respeito da sanção acessória da publicidade consta o seguinte:
«Resta apreciar da bondade da sanção acessória da publicada.
O artigo 562º, nº 1, do C. Trabalho prescreve que “No caso de contraordenação muito grave ou reincidência em caso de contraordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada a sanção acessória de publicidade”.
Ora, a este respeito tem razão a arguida, já que nada consta na decisão administrativa quanto ao facto de a arguida ter agido com dolo ou negligência grosseira, que é, como decorre do citado artigo, uma condição para aplicação daquela sanção».

Dispõe o artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal que: “2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.”
Quanto aos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, remete-se aqui para as considerações gerais tecidas no ponto 2.
No que se refere ao vício previsto na alínea b) desse normativo – contradição insanável -, conforme referem Simas Santos e Leal Henriques[7] «[p]or contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo deferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência”.
Nesta matéria, e apelando agora à nossa Jurisprudência, citamos o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2024[8], em que expõe o seguinte:
“Em termos sucintos, o vício da contradição insanável a que alude esta alínea b), existirá quando se afirmar e negara o mesmo tempo uma coisa. Ocorrerá este vício, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo que apenas um deles pode persistir. Mas ocorre também o vício quando for de concluir que a fundamentação probatória da matéria de facto, conduz a uma decisão precisamente contrária àquela que foi tomada, ou quando existe quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso. Como assertivamente esclarecem Simas Santos e Leal Henriques, em termos sucintos, «Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.»7.
Este vício não se verifica, porém, quando o recorrente fundamenta o seu recurso na valoração da prova de modo diverso daquela que o tribunal entendeu, nem quando o resultado a que o juiz chegou na decisão advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.» (fim de citação).
Também em Acórdãos anteriores do Supremo Tribunal de Justiça se dá conta que «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluem mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva da lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito»[9]
Ora, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência, não se reconhece a existência do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se verificando o apontado vício de nulidade previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
Da decisão recorrida e dos factos objetivos narrados na mesma, como se afirmou supra, decorre que a infração é imputável à Recorrente a título de negligência, tendo sido nesses moldes que foi coimada pela decisão administrativa, que nessa parte foi mantida pela sentença recorrida e se confirmou em sede de apreciação do recurso. Ao contrário do que se refere no parecer do Exmo Procurador Geral Adjunto na Relação, e sempre ressalvando o devido respeito por opinião divergente, não resulta dos factos provados uma atuação dolosa da Recorrente.
O resultado a que a Mmª Juíza a quo chegou na decisão recorrida no que respeita à sanção acessória de publicidade advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados, ou melhor dizendo, da aplicação do direito no que respeita à interpretação que fez da norma atinente à aplicação da sanção acessória (questão de mérito relacionada com os requisitos legais da aplicabilidade da sanção acessória de publicidade previstos no artigo 562.º do Código do Trabalho).
Refira-se que a questão dos requisitos legais da aplicabilidade da sanção acessória de publicidade já foi tratada em inúmeros Acórdãos, sendo que a aqui Relatora interveio como 1ª Adjunta no recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2014[10], no qual se tomou posição sumariada no sentido de que a sanção acessória de publicidade é de aplicação automática no caso da prática de uma contraordenação muito grave, ainda que seja cometida sem dolo ou negligência grosseira (como é o caso da situação dos autos) – Nesse Acórdão são citados vários Acórdãos nesse mesmo sentido.

Mas, como se referiu, esta questão não foi objeto de recurso, nem se verifica o invocado vício de nulidade de conhecimento oficioso do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

Seja como for, e ressalvando o devido respeito por entendimento distinto, considera-se que, tal como se sumaria no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-04-2023[11], «no regime das contra ordenações laborais constante da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a proibição da reformatio in pejus não se aplica na fase de impugnação judicial, mas continua a lograr aplicação em sede de recurso da decisão do tribunal relativa à primeira».

Acompanhamos o identificado Acórdão de 19-04-2023, que nos permitimos aqui transcrever[12], por tratar situação reconduzível à dos presentes autos e explanar uma linha argumentativa que merece a nossa inteira concordância.

Expõe-se no Acórdão em referência o seguinte:

In casu, o MºPº pretende a aplicação oficiosa à arguida pela Relação da sanção acessória de publicidade da condenação[20][21] a qual não deixa de ter cariz sancionatório.

Segundo Paulo Pinto de Albuquerque [22] « as sanções acessórias aplicáveis  às contra ordenações configuram-se como “uma componente de uma pena mista aplicável em função da gravidade da infracção e da culpa (Germano Marques da Silva , 2001,162; e Vasco Pereira da Silva , 2009, 289, lamentando  mesmo que as sanções acessórias não surjam como verdadeiras sanções “ principais “ , que tanto poderiam ser aplicadas enquanto “alternativas “ como complementares das sanções pecuniárias » - fim de transcrição.

Porém, na situação em análise, ao invés do sucedido noutros casos[23], a decisão recorrida não provem de autoridade administrativa, mas de um Tribunal.

Daí que, a nosso ver, o raciocínio explanado no aresto do Tribunal Constitucional, de 12 de Março de 2019, proferido no âmbito acórdão nº 141/2019, 1.ª Secção do TC, processo n.º 550/2018 [acessível em:

https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190141.html] Relatora Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros, não logre aqui, sem mais, aplicabilidade.[ii].

É que na situação em análise, a nosso ver, não está em causa a aplicação do artigo 39º da RCOL mas antes a do artigo 51º desse diploma (acima transcrito).

Esta norma tem redacção semelhante ao disposto no artigo 75.º do RGCO (que, igualmente, já se deixou transcrito).

É certo que no seu nº 2 lhe falta a menção ao artigo 72.º-A do RGCO, norma inexistente  no  regime das contra ordenações laborais, sendo esse, aliás, o motivo pelo qual se sustenta que nesse âmbito não se aplica a “reformatio in pejus”, constituíndo os mencionados artigos 39º e 51º do RCOL leis especiais sobre o assunto..

Contudo, não deve perder-se de vista que na situação em análise não nos encontramos perante uma impugnação de uma decisão administrativa, mas no âmbito de recurso de uma decisão judicial.

Não é mesma coisa.

Desde logo, atenta a natureza da entidade recorrida.

Tal como se salientou no supra citado aresto do Tribunal Constitucional:
«Para além disso, não pode equiparar-se o recurso da decisão de uma instância judicial para um tribunal hierarquicamente superior no âmbito de um processo criminal interposto pelo arguido ou no interesse deste à impugnação de uma decisão administrativa de aplicação de uma sanção no âmbito de um processo contraordenacional para um tribunal» - fim de transcrição.

Por outro lado, como, igualmente, refere o Tribunal Constitucional nesse mesmo aresto tem «de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais» » - fim de transcrição.

Assim, com respeito por entendimento distinto, afigura-se-nos que cumpre fazer uma interpretação declarativa restritiva do artigo 51º do RCOL [24] e considerar que apesar desse diploma não ter norma idêntica ao artigo 72º - A do RGCO, não se contemplando, pois, ali , de forma expressa a impossibilidade da “reformatio in pejus”, nomeadamente para a  situação em análise, ainda assim, deve considerar-se que no âmbito das contra ordenações laborais se mantem a referida proibição no tocante ao juízo a emitir sobre decisão judicial anterior atento o disposto nos artigos 60.º do RCOL[25] , 72º A e 41 º do RGCO [26], e 409º do CPP.[27]

Entendemos, pois, que no regime das contra ordenações laborais a proibição da reformatio in pejus não vigora na altura da impugnação judicial, tal como resulta expresso da lei, mas continua a lograr aplicação na fase de recurso da decisão do tribunal relativa à impugnação judicial.

Tratam-se, aliás, de momentos bem distintos do processo em causa tal como decorre do RGCO e do RCOL.

Nesse sentido também parece apontar Tiago Lopes de Azevedo [ em Anuário Publicista da Escola de Direito da Universidade do Minho, Tomo II, 2013, Ética e Direito] mencionado por Cácia Sofia Andrade dos Santos [ Princípio da proibição da reformatio in pejus no Direito Sancionatório Contraordenacional, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito, conducente ao grau de Mestre, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, sob a orientação do Professor Doutor Fernando Licínio Lopes Martins, Coimbra, 2017, págs 44/45, in https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/84015/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado.pdf].

Desta forma, se respeita integralmente o princípio da confiança ínsito no artigo 2º da CRP[28], sendo certo que o mesmo decorre do principio da segurança jurídica imanente ao principio do Estado de Direito.

O referido principio implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas” [29], sendo que proteger a confiança preserva e salvaguarda valores tais como a estabilidade, a segurança e confiabilidade que, por sua vez, se devem reputar realizadores da democracia económica , social e cultural e dos direitos sociais.

Saliente-se ainda que para o arguido o recurso de uma decisão judicial é patentemente um meio de defesa.

Como tal, a propugnada interpretação até se nos afigura como a mais conforme ao disposto no nº 10 [10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa] do artigo 32º da nossa Lei Fundamental.

Por tais motivos, com respeito por entendimento distinto, entende-se que não cumpre aqui impor a título oficioso a solicitada sanção acessória de publicidade.”

Sufragamos a transcrita posição, pelo que não cumpre aqui impor a título oficioso a solicitada sanção acessória de publicidade [no caso, a ACT aplicou a sanção acessória de publicidade e o Tribunal a quo revogou a aplicação dessa sanção e esta revogação não foi objeto de recurso pelo Ministério Público tendo até sustentado em 1ª instância a manutenção da sentença recorrida].


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Resta concluir pela total improcedência do recurso.


***


V – DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s (artigos 93.º, nº 3, do RGCOC e 513.º, nº 1, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, bem como Tabela III anexa ao mesmo).

Notifique.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 3 de junho de 2024

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Teresa Sá Lopes [1ªAdjunta]
António Luís Carvalhão [2º Adjunto]


_________________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais (v.g. de escrita) evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Processo n.º 1204/19.8T8OAZ.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[3] Processo n.º 125/22.1.T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes.
[4] Processo 04P4721, Relator Conselheiro Henriques Gaspar.
[5] Como melhor se explicitará aquando do conhecimento da questão suscitada pelo Exm.º Procurador Geral Adjunto no que respeita à invocada nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, o que só se fará depois do conhecimento das questões suscitadas no recurso e concretamente da questão da verificação da contraordenação imputada e da responsabilização da Recorrente pela mesma.[6] Neste sentido Fernando A. Cabral e Manuel M. Roxo, in Segurança e Saúde do Trabalho – Legislação Anotada, pág. 594.
[7] Código de Processo Penal Anotado, II Volume, 2ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 379.
[8] Processo n.º 3400/22.1T9FNC.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1, Relator Oliveira Mendes, no qual por sua vez é citado um outro Acórdão do STJ de 19-11-2008, proferido no processo n.º 3453/08.
[10] Processo n.º 3400/23.4T8MAI.P1, relatado pelo Desembargador Rui Penha, à data ainda não publicado (será, entretanto, publicado).
[11] Processo n.º 9864/19.3T8LRS.L1-4, Relator Desembargador Leopoldo Soares.
[12] Com a precisão que não serão transcritas as notas de rodapé e, bem assim, não constarão na transcrição os sublinhados e destaques.