LIBERDADE DE OPINIÃO E EXPRESSÃO
DEVER DE VERDADE
CRÍTICA ADMISSÍVEL
DIFUSÃO DE OPINIÃO NO FACEBOOK E EM CANAL TELEVISIVO SOBRE FAMILIAR DE POLÍTICO
Sumário

I - O âmbito normativo da liberdade de opinião e de expressão deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões políticas, económicas, gastronómicas, astrológicas) e quaisquer que sejam as finalidades (influência de opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc…).
II - A liberdade de expressão não pressupõe um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos, como a honra e o bom-nome de outrem.
III - Os limites da crítica admissível são mais alargados quando referentes a um político ou figura pública e seus familiares que atuam na esfera não privada, mormente mostrando-se em programas de televisão de alcance internacional.
IV - Não comete ilícito cível o R. que, sendo membro cofundador de uma associação que visa a defesa dos direitos humanos e a luta pela justiça social, difunde na sua página do Facebook e em canal televisivo a sua opinião de que o despendido por familiar de um importante político contrasta com as condições sócio-económicas dos demais cidadãos do respetivo país, o que traz à memória factos anteriores relativos a outros políticos ou seus familiares investigados por ilícitos relacionados com corrupção.

Texto Integral

Proc. n.º 4031/22.1T8PRT.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

AUTORES: AA, de nacionalidade angolana, e BB, de nacionalidade angolana e portuguesa, ambos com domicílio na Rua ..., ..., Bairro ..., Luanda, Angola.

RÉU: CC, com domicílio profissional na Alameda ..., ... – ..., ..., Porto.

Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. a condenação do R. a pagar €200.000,00, ao demandante e €50.000,00, à demandante, com juros moratórios até efetivo pagamento.

Mais pretendem seja o R. condenado suprimir da sua página de Facebook todas as afirmações e comentários relativos aos AA. quanto ao discutido nesta ação, com uma sanção pecuniária compulsória, à razão diária de € 300,00, por cada dia de atraso na supressão de tais afirmações e comentários.

Pretendem também a condenação do R. na proibição da utilização de meios alternativos de difusão para fins de publicação das afirmações reproduzidas na sua página do Facebook a propósito dos AA., incluindo novas páginas de Facebook que sejam suas ou que fiquem sob seu controlo, direção, gestão ou criadas e geridas por sua solicitação ou com o seu contributo.

Para tanto alegaram ter o R., através de um escrito no Facebook e, mais tarde num programa televisão, proferido dizeres lesivos da honra e bom nome dos autores.

O R. defendeu-se, por litispendência já julgada improcedente em despacho saneador, impugnando a factualidade vertida na pi, tendo os AA. exercido contraditório.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 3.12.2023, a qual julgou a ação improcedente, absolvendo o R. dos pedidos.

Desta sentença recorrem os AA., visando a sua revogação, com procedência total dos pedidos com base nos fundamentos que assim alinharam em conclusões:

A. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Sentença proferida em 03.12.2023, pelo douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que julgou a presente Ação totalmente improcedente por entender que não se encontrava verificado o requisito da ilicitude decorrente da violação ilegítima de direitos de personalidade dos Recorrentes.

B. A presente decisão é passível de Recurso e os Recorrentes têm legitimidade e encontram-se em tempo por o presente Recurso ter por objeto também a reapreciação da prova gravada, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 635.º, n.º 2 e 3, 637.º, 638.º, n.º 1 e 7, 644.º, n.º 1, alínea a); 645.º, n.º 1, alínea a); e 647.º, n.º 1, do CPC.

C. Em concreto, demonstrou-se que os Factos n.º 24, 25, 27 e 28, não deveriam ter sido julgados como provados, quando os factos descritos nas alíneas a) a i), é que o deveriam ter sido.

D. Os Factos 24.º e 25.º, não deveriam ter sido dados como provados, pois, que, nenhuma prova foi produzida de o Recorrido fosse um “combatente contra a corrupção há muito tempo” ou ter “obra publicada sobre o combate à corrupção em Portugal”, tendo tal sido meramente invocado pelo próprio na sua Contestação.

E. O Recorrido agiu investido nas suas convicções e ideologias pessoais em busca do mediatismo e não a “critica[r] as iniquidades do regime político e ambiente social e a situação económica de Angola”, conforme também veio a ser erroneamente dado como provado no Facto 28.º.

F. O Tribunal a quo também errou ao dar como provado o Facto 27.º, e não provadas as alínea b) e c), sendo tal erro evidente relativamente a esta última porquanto o que lá vem alegado como dito pelo Recorrido no seu interrogatório, vem também dado como provado no Facto 15.º.

G. Por relação ao Facto 27.º e Facto elencado na alínea b), o Recorrido admitiu em sede de depoimento que a sua “fonte central” foi o programa “say yes to the dress”, não tendo conseguindo precisar o teor das outras fontes que teria consultado (cf. min. 00:06:17, 00:06:42, 00:06:58, 00:07:05, 00:36:48, 00:37:16, 00:39:14, 00:39:29, 00:42:01 do seu depoimento), sendo que alegado pelo Recorrido também não encontra eco naquelas.

H. Da leitura daquelas fontes resulta antes que o alegado gasto de 200 mil dólares não foi apenas nos “vestidos de casamento” da 2.ª Recorrente, e muito menos “num único vestido de noiva”, e nem mesmo que aquele foi efetivamente gasto pela 2.ª Recorrente.

I. O Recorrido confessou no seu depoimento que deveria ter usado o plural em sede de televisão nacional, ao invés de ter utilizado a expressão “gastou num vestido 200 mil dólares”. (cf. 00:37:55 e 00:38:42).

J. Tal confissão, e restante depoimento contraditório do Recorrido (cf. min. 00:37:55 e 00:38:42 e 00:39:07), deveria antes ter sido valorado como o Recorrido ter admitido que deveria ter usado o plural na televisão nacional por o impacto no público ser distinto perante a afirmação de uma compra de 200 mil dólares em vários produtos ou de 200 mil dólares em um só vestido; conforme se requer que seja valorado nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

K. E deveria ter sido valorado que nem mesmo sobre essa afirmação o Recorrido se retificou, não obstante reconhecer que não a deveria ter dito; conforme se requer que seja valorado nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

L. E que o facto de o Recorrido ter vindo reiterar as suas afirmações (01.04.2020), agiu de forma dolosa e potenciadora de mais danos para os Recorrentes, por vir dar maior credibilidade às afirmações que fez e nas quais também se incluía aquela incorreção relativa à compra de um único vestido de 200 mil dólares; conforme se requer que seja valorado nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

M. Também se provou, que em 2015 o 1.º Recorrente exerceu o seu direito de resposta ao artigo do A..., que veiculava a mesma informação reproduzida pelo Recorrido, tendo esse desmentido sido publicado pelo A... como reposição da verdade e pedido de desculpas aos Recorrentes, não podendo, por isso, ser ignorado pelo Recorrido; conforme se requer que seja valorado no termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

N. Para tal prova contribuiu o depoimento do Recorrido (que confessou conhecer aquela plataforma em min. 00:25:15); as Declarações de Parte do 1.º Recorrente (min. 00:15:54 a 00:18:27); da 2.ª Recorrente (min. 00:13:36 a 00:14:25), e das Testemunhas DD (min. 00:11:56 a 00:12:27), EE (min. 00:17:39 a 00:18:38), FF (min. 00:11:43), e GG (min. 00:10:25 a 00:11:23), e ainda o teor dos Docs. 6 e 7, do Requerimento de 15.06.2023, Ref.ª 45862004.

O. Tal prova que o Recorrido não procurou fundamentar as suas afirmações naqueles meios referidos no Facto 15.º, conforme invocado na alínea b), dos não provados.

P. E se não investigou, e nem entrou em contacto com os Recorrentes, negando-lhes o seu direito constitucional de resposta (cf. n.º 4, do artigo 37.º, da CRP), também não se pode arrogar do direito de liberdade de expressão invocado no seu interrogatório conforme foi dado como provado no Facto 15.º e não provado na alínea c) dos rol de não provados.

Q. Nestes termos, e em face da prova produzida, deve julgar-se como provada a factualidade vertida nas alíneas b) e c), e não provado o Facto 27.º, nos termos dos artigos 68.º a 137.º, das presentes alegações (cf. n.º 1, do artigo 662.º, do CPC).

R. O Facto 28.º também não poderia ter sido dado como provado, pois, que se provou que o Recorrido recorreu ao exemplo da compra relativa ao casamento da 2.ªRecorrente, conferindo-lhe contornos de atualidade, quando este tinha mais de 6 anos, e dando a entender que tinham sido utilizados fundos publico e/ou obtidos ilicitamente (à custa do povo).

S. E isto para lograr assimilar o 1.º Recorrente ao Eng. HH, e a 2.ª Recorrente à Eng.ª II, de forma a personificá-los como um dos “membros da elite angolana que retiram dinheiro ao povo e utilizam na sua riqueza”, encontrando-se o 1.º Recorrente a fazer parte daquele “poder selvagem”/”poder corrupto” que se “eternizava” e que impedia que “o povo angolano tivesse acesso à riqueza a que teria legitimamente direito”.

T. E tanto assim é, que, ao invés de vir esclarecer que não se encontrava a ofender os Recorrentes em particular – como seria natural, diz-nos a nossa experiência comum – veio antes reiterar as suas afirmações em nova publicação (01.04.2020) (cf. Doc. 3, junto da PI).

U. Da mesma forma que veio fazer outra nova publicação (11.09.2020) já omitir a referência a uma “outra princesa de angola”, mas a esclarece que aquele “poder selvagem” seria então um “poder corrupto” que se “eternizava mesmo com a saída do ...”, e que o povo angolano “jamais terá acesso à riqueza a que teria legitimamente direito”, nos termos invocados no programa televisivo (cf. Doc. 2, do Requerimento dos Recorrentes de 15.06.2023, Ref.ª 45861547).

V. E isto depois de ter tido conhecimento dos milhares de comentários feitos à 1.ª publicação (20.01.2020), no sentido de: “a corrupção se eterniza”, “saindo uns e entrando outros”, “mudando de moleiro, mas não mudando de ladrão”, “mudam os governos, mas não mudam os ladrões”, “ladroagem a céu aberto”.

(cf. Doc. 1, do Requerimento dos Recorrentes de 15.06.2023, Ref.ª 45861547).

W. Comentários onde a 2.ª Recorrente vem apelidada de “outra II” ou “II em ascensão”, e o 1.º Recorrente como “mais um corrupto ladrão que correu com o anterior”, “hipócrita, farinha do mesmo saco”, “corrupto”, “bandido” (entre outros igualmente mais graves) (cf. Doc. 1, do Requerimento dos Recorrentes de 15.06.2023, Ref.ª 45861547).

X. Mais se constata-se da (re)apreciação do depoimento do Recorrido que o mesmo não logrou oferecer outro sentido e alcance credível para as suas afirmações que não fosse o de que incluía os Recorrentes naqueles “membros da elite angolana que retiram dinheiro ao povo e utilizam na sua riqueza.” (cf. min. 01:00:42 a 01:14:09 do seu depoimento).

Y. O discurso do Recorrido foi no sentido de ter pretendido fazer essa comparação entre a 2.ª Recorrente e a Eng.º II, conotando ainda o 1. Recorrente com um “eternizar” do poder do MPLA, e caracterizando-o como a sua “principal personagem”, a par do Eng. HH, tendo para isso recorrido à sua fotografia (cf. min. 00:51:18, 00:51:23 , 00:51:43, 00:51:51, 00:52:46 a 00:53:11 e 01:05:45 e do seu depoimento).

Z. O Recorrido chegou a confessar que considerava – “para fins do presente processo” – que o 1.º Recorrente era uma pessoa que “usava o poder de forma selvagem e que se eterniza nesse mesmo poder”. (cf. min. 00:51:18, 00:52:46 a 00:53:11).

AA. O Recorrido confessou tratar-se de “raciocínio com sentido”, que fazia “obviamente sentido”, o raciocino de que o exemplo do casamento foi dado para se suscitar dúvida quanto à origem dos fundos e personificar os Recorrentes como outro “exemplo de membros da elite angolana a retirarem dinheiro ao povo e a usarem para sua riqueza.” (cf. min. 01:13:54 do seu depoimento).

BB. E provou-se que assim foi interpretado tanto pelo 1. Recorrente (min. 00:03:14 a 01:03:04) e pela 2.ª Recorrente (min. 00:02:35 a 00:24:11), que, por isso se sentiram gravemente ofendidos na sua honra, bom nome, imagem e crédito.

CC. Como também pela opinião pública da Sociedade Angolana e Portuguesa, e círculo pessoal e profissional dos Recorrentes, conforme depoimento das Testemunhas DD (min. 00:05:23 a 00:15:06), EE (min. 00:03:23 a 00:35:51), FF (min. 00:17:01 a 00:16:50 do 1.º depoimento, 00:01:00 a 00:09:09 do 2.º depoimento) e GG (min. 00:02:24 a 00:14:07), e comentários de Facebook juntos como Docs. 1 e 2, ao Requerimento de 15.06.2023, Ref.ª 45861547.

DD. Também a Testemunha JJ afirmou não ter dúvidas que aquele tipo de “exibição de poder aquisitivo” estaria associado a “práticas de corrupção”, e que quem lesse a publicação perceberia isso, como ele percebeu, e aqueles comentários motivar ir-se “atrás do dinheiro e perceber qual é o nexo de causalidade entre aquele tipo de bem, e as atividades que podem gerar os proveitos necessários para adquirir aquele tipo de bens (cf. min. 00:11:04 a 00:15:16, do seu depoimento).

EE. Também a Testemunha KK identificou a Eng.ª II como “a Princesa de Angola” e reconheceu a associação entre a Eng.ª II e a 2.ª Recorrente na expressão “uma outra Princesa de Angola”; tendo ainda caracterizado “Princesa” como “pessoa absolutamente privilegiada (…) com recursos que mais ninguém e não os tem por meios lícitos”, e identificou a associação feita entre o 1.º Recorrente e o “poder selvagem que se eterniza.” (cf. min. 00:14:26 a 00:24:34 , do seu depoimento).

FF. Também a Testemunha LL afirmou que os comentários do Recorrido se inseriam no combate de “denúncia de falta de transparência e de corrupção” e que ao lê-los a sua primeira perceção foi a de que “se calhar teríamos aqui uma questão de ver a origem do dinheiro”, importando “investigar” (cf. min. 00:02:34 a 00:11:19, do seu depoimento).

GG. Por conseguinte, e em face da prova produzida, deve julgar-se como provada a factualidade vertida nas alíneas a), d), e) e f), e g), dos Factos dados como não provados, conforme requerido nos artigos 138.º a 243.º, das presentes alegações, nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

HH. Por último, mal andou o Tribunal a quo ao dar como não provada a factualidade elencada em i), quando até deu como provado no Facto 21.º e os Factos 22.º e 23.º.

II. Neste sentido, resultou das Declarações de Parte do 1.º Recorrente (min. 00:18:27 a 01:05:40) que as afirmações do Recorrido se tornaram “virais” nas sociedades angolana e portuguesa, e que foi alvo de vários questionamentos e pedidos de esclarecimento, contribuído para esta prova o depoimento da Testemunha FF (min. 00:05:13 a 00:17:31).

JJ. Também a 2.ª Recorrente (em min. 00:08:23 a 00:23:55) evidenciou que afirmações do Recorrido tiveram uma grande difusão nas sociedades angolana e portuguesa, com imensas mensagens ódio e de ameaças recebidas no WhatsApp e redes sociais, e visitas à sua Loja de pessoas para verem quem era “menina do vestido de 200 mil dólares”.

KK. Também as Testemunhas DD (min. 00:09:23 a 00:15:06) e EE (min. 00:04:24 a 00:23:46), confirmaram a grande difusão das afirmações do Recorrido no WhatsApp e redes sociais, os comentários entre amigos e familiares, as ofensas e ameaças, e a necessidade de encerramento da loja.

LL. Também a Testemunha Sra. Dra. KK afirmou no seu depoimento que ao pesquisar no Google pelo episódio se poderia encontrar milhares de mensagens/comentários de ódio e repúdio aos Recorrentes quanto aos presentes autos que o Recorrido voltou a tratar nos seus comentários (min. 00:18:24 a 00:18:57, 00:19:24 a 00:19:57).

MM. Sem prejuízo de tal prova, sempre os comentários feitos às publicações do Recorrido na sua rede social Facebook deveriam ser considerados suficientes para (pelo menos) a prova da “descredibilização em face da opinião pública”. (cf. Docs. 1 e 2, juntos ao Requerimento de 15.06.2023, Ref.ª 45861547, e exemplos dados em artigos 180.º e 207.º, das presentes alegações).

NN. Termos em que, deve julgar-se como provada a factualidade vertida na i), dos factos não provados, conforme requerido nos artigos 244.º a 273.º, das presentes alegações, nos termos do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.

OO. Quanto à fundamentação da matéria de direito demonstrou-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao circunscrever a exposição do “alegado” valor gasto nos vestidos de cerimónia da 2.ª Recorrente, como a única ofensa à honra, imagem e crédito sentida pelos Recorrentes.

PP. Resulta evidente da causa de pedir e da prova produzida nos autos, que a ofensa retratada pelos Recorrentes não se cinge ao facto de o Recorrido ter incorretamente noticiado os factos subjacentes a “quem gastou”, “quanto gastou”, “em que é que se gastou”, ou mesmo “quando é que se gastou”, tal valor com o casamento da 2.ª Recorrente.

QQ. Os Recorrentes insurgem-se contra a intenção clara do Recorrido de utilizar o exemplo do casamento da 2.ª Recorrente para fazer perpassar a ideia de que o 1.º Recorrente se encontrava a perpetuar práticas condenáveis imputadas ao anterior Presidente da República, Eng. HH, e à sua filha II, comparando-se também a 2.ª Recorrente a esta última.

RR. E tanto assim é, que assim foi interpretado por dezenas de pessoas, de que servem de exemplo não só as Testemunhas arroladas, com as dezenas de pessoas que comentaram as publicações do Recorrido no Facebook, que proferiram comentários como “mudam os governos, mas não mudam os ladrões e corruptos”; ou “mais um [corrupto e ladrão]”; ou uma “outra II”; ou “uma II em ascensão”, entre outros tantos e piores comentários.

SS. Quanto ao primeiro requisito da responsabilidade civil, demonstrou-se que o Recorrido fez três publicações na sua rede social Facebook (datadas de 20.01.2020, 01.04.2020 e 11.09.2020), e deu uma entrevista em horário nobre no canal CMTV (em 23.01.2020), onde proferiu comentários suscetíveis de violar de forma grave, abrupta e infundada os direitos de personalidade e imagem dos Recorrentes.

TT. Quanto ao segundo requisito, relativo à ilicitude, demonstrou-se que imputação dos factos e a formulação de tais juízos de valor feitos naqueles comentários foram passíveis de ofender a honra e consideração da 2.ª Recorrente enquanto cidadã e empresária, e do 1.º Recorrente enquanto cidadão e ... de Angola, consagrados nos artigos 1.º, 25.º e 26.º, da CRP e 70.º e 79.º do CC, de acordo com a sã opinião da generalidade das pessoas de bem e da jurisprudência que tem vindo ser proferida pelo TEDH e pelos nossos Tribunais.

UU. O Recorrido não se circunscreveu à mera critica politica das diferenças sociais ou politicas governativas vivenciadas em Angola, o Recorrido quis retratar a 2.ª Recorrente como uma “outra Eng.ª II” ao referir-se à mesma como “uma outra princesa de angola”, e quis retratar o 1.º Recorrente como um “outro Corrupto/Ladrão” a perpetuar um “poder selvagem/corrupto” mesmo “depois da saída do ...”.

VV. Sendo que para isso recorreu a um episódio da vida dos Recorrentes com mais de 6 (seis) anos relacionado com uma compra cuja “origem do dinheiro” nunca foi posta em causa, tudo para lograr retratar os Recorrentes como mais um exemplo “dos muitos membros de elite angolana que tiram dinheiro ao povo e utilizam para sua riqueza”, ou seja, como responsáveis por o povo angolano “jamais [vir ter] acesso à riqueza a que teria legitimamente direito.”

WW. Resultou explicito que o Recorrido extrapolou o limite da proteção da liberdade de expressão, tendo atingido o reduto minino da dignidade e bom nome dos Recorrentes, num conduta que jamais se poderia enquadrar na esfera da “atipicidade” do “recuo da tutela da honra inerente à discussão politico partidária ou como situação de exclusão de ilicitude ou de causa de não punibilidade” (v.g. Ac. TRP de 07.04.2010, Proc. 334/08.6GAVNF.P1).

XX. Sendo importante recordar que tem vindo a ser entendido pela nossa jurisprudência, na esteira da jurisprudência do TEDH, que o “direito à liberdade de expressão”, não é ilimitado, e não pode prevalecer sobre os direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, quando a ofensa seja susceptível de invadir o núcleo essencial destes outros direitos fundamentais de forma desmedida, desproporcional e sem motivo atendível.

YY. Nestes termos deve ter-se por verificado o requisito da ilicitude nos termos preconizados nos artigos 302.º a 426.º, das presentes alegações, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo em claro erro de julgamento.

ZZ. O Recorrido agiu com “culpa”, na modalidade de dolo directo, pois que imputou dolosamente, de forma direta e também sob a forma de suspeita, factos ofensivos da honra, bom nome, consideração e reputação dos Recorrentes.

AAA. O Recorrido confessou ter utilizado as fotos do 1.º Recorrente “para as pessoas perceberem que o AA faz parte desse poder” (cf. min. 00:51:51 do seu depoimento de parte).

BBB. Os Recorrentes não eram visados no Processo do Luanda Leaks, por isso o Recorrido teve a intenção de os chamar à colação na entrevista que deu.

CCC. Da mesma forma que teve intenção de relacionar diretamente os Recorrentes com o Eng. HH e a Eng.ª II, nas suas publicações de 20.01.2020 e 11.09.2020, recorrendo às expressões “uma outra princesa de angola” e “...”.

DDD. Não obstante, mesmo que não se entendesse existir dolo directo ou eventual – o que não se concede e apenas se acautelou por dever de patrocínio – sempre a(s) conduta(s) do Recorrido se deveriam considerar praticada a titulo de negligência ou mera culpa que tanto basta para o dever de indemnizar nos termos dos artigos 483.º e 484.º, do CC.

EEE. Quanto ao requisito dos “danos”, este já se encontra verificado em função dos Factos 21.º, 22.º e 23.º, dados como provados.

FFF. Sem prejuízo, demonstrou-se que os Recorrentes sofreram uma “considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional”, conforme elencado na alínea i), que deveria ter sido dada como provada.

GGG. Provou-se ainda existir uma relação de causalidade adequada entre os factos e os danos sofridos pelos Recorrentes nos termos demonstrados em artigos 492.º a 503.º, destas alegações.

HHH. Em face do preenchimento dos 5 (cinco) requisitos cumulativos da responsabilidade civil, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a presente Ação procedente, condenando o Recorrido nos termos peticionados em sede de Petição Inicial.

III. Sem prejuízo, deve a Sentença recorrida ser quanto a custas, dispensando-se a totalidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, conforme requerido a final nas presentes alegações.

JJJ. Tal dispensa tem por fundamentos: a ponderação entre custo/utilidade do serviço efectivamente prestado às Partes pelo sistema público de Administração da Justiça; a simplicidade decisória dos autos, e a conduta positiva de cooperação das Partes em juízo, nos termos demonstrados em artigos 506.º a 527.º, destas alegações.

O recorrido contra-alegou, opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recurso:

- da impugnação da decisão de facto;

- da violação do direito à honra e à imagem e dos seu confronto com os direitos e liberdades de opinião e de informação.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto

Matéria de facto dada como provada em primeira instância:

1.º O 1.º Autor, AA, é um cidadão de nacionalidade angolana, que desempenha[1] atualmente funções como ... de Angola, tendo anteriormente desempenhado, entre outros, o cargo de ....

2.º A 2.ª Autora, BB, é uma cidadã de nacionalidade angolana e portuguesa, empresária e filha do 1.º Autor.

3.º Por sua vez, o Réu é licenciado em matemática, sendo professor no Departamento ..., político, comentador televisivo e “cofundador da ...”.

4.º Em 20.01.2020, pelas 23h19, o Réu publicou na sua rede social (pública) Facebook, um comentário sobre os Autores, com uso da sua imagem, com o seguinte teor: “Uma outra princesa de Angola: BB (foto), filha do atual ... de Angola, AA (na foto com MM), GASTOU NOS VESTIDOS DO SEU CASAMENTO, DUZENTOS MIL DÓLARES. Enquanto a larga maioria dos angolanos vive com menos de dois dólares por dia; a esperança média de vida é de 42 anos. E um quarto das crianças morre antes de fazer cinco anos. Um poder selvagem que se eterniza

5.º Quando se encontravam já decorridos 6 (seis) anos desde o acontecimento em causa (casamento da 2.ª Autora ocorrido em 2014).

6.º Bem como 5 (cinco) anos desde que o mesmo se tornou público (divulgação do programa televisivo “say yes to the dress” onde a 2.ª Autor participou em 2015).

7.º E ainda 3 (três) anos desde que o 1.º Autor tomou posse como ... de Angola (2017).

8.º Em 23.01.2020, e em pleno horário nobre (20.08h) no programa “Jornal 8”, do Canal televisivo CMTV, o Réu referiu a propósito dos Autores, que: “por um lado, a filha do atual ... casa e gasta duzentos mil dólares num vestido…duzentos mil dólares num vestido, e ao mesmo tempo as crianças morrem na rua, bastando lembrar-nos que uma em cada quatro crianças morre até aos cinco anos, portanto é este contraste selvagem, se me permite a expressão, que existe em Angola. O que quero dizer é que este caso da II, nomeadamente Luanda Leaks, é apenas a ponta do iceberg, ela é apenas um exemplo dos muitos membros de elite angolana que tiram dinheiro ao povo e utilizam para sua riqueza.” (cf. destacado de minutos 5m:58s – 6m:29s, do vídeo disponível no canal de social media “youtube”, no link: ...)

9.º Os Autores, por missiva datada de 24.02.2020, interpelaram o Réu para no prazo de 5 (cinco) dias:
(i) Apresentar na sua rede social usada (Facebook) mensagem, em que, de modo claro, destacado e percetível aos leitores e sem ambiguidades ou reservas, se retratasse da informação falsa de que lançou mão e da imagem que pretendeu imprimir dos Autores, indicando que utilizou informação inverídica na sua mensagem, com a expressão fake news; e, bem assim,

(ii) (ii) Remeter uma carta de retratação dirigida aos Autores – ainda que endereçada aos seus Mandatários –, devidamente assinada e datada; sob pena de aqueles recorrerem aos meios judiciais e extrajudiciais ao seu dispor, para efeitos de obtenção da reposição da legalidade e do seu ressarcimento, incluindo o exercício da responsabilidade criminal ou civil,

10.º O Réu não procedeu à apresentação de qualquer mensagem na rede social Facebook.

11.º E/ou à remessa de qualquer carta de retratação aos Autores, naqueles cinco dias.

12.º Em 01.04.2020, voltou a publicar nova mensagem na sua rede Facebook, onde veio referir que: “(…) NÃO RETIRO o que afirmei. E NÃO ALTERO nem uma palavra, nem uma vírgula”.

13.º Por relação à noticia do JORNALlF8.NET, intitulada de “AA (e filha) ameaçam CC | Folha 8 | Jornal Angolano Independente | Noticias de Angola”, onde se pode ler que: “O ... de Angola, AA, ameaça CC, pelo que este escreveu na sua página de Facebook e corroborou em declaração ao canal de televisão português CMTV, a propósito dos 200 mil dólares gastos nos vestidos de casamento de BB”.

14.º Foi efetuada participação criminal contra o aqui Réu, onde os autores vieram a imputar-lhe a prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1, e 182.º, do Código Penal, agravados nos termos do artigo 183.º, n.º 2, do mesmo Código.

 15.º Em sede de interrogatório de Arguido, realizado em 21.10.2020, o aqui Réu confessou a autoria de tais afirmações nos seguintes termos:

“Relativamente aos factos que dos autos o depoente pretende esclarecer que a entrevista que deu no “Jornal 8” do Canal CM TV bem como o que publicou no Facebook, apenas referiu factos verdadeiros que estão documentados e comprovados nos documentos que neste acto junta ao autos, nomeadamente de um programa de um canal televisivo Americano, de um jornal Angolano, um jornal Português e ainda de mais relevância um capitulo inteiro do livro “O País do dinheiro” publicado em 2019, livro que é referência em matérias de corrupção, branqueamento de capitais, oligarcas e cleptocratas entre outros, que como referiu está devidamente documentado nos referidos documentos e “Pen” que junta.

Relativamente à sua opinião sobre os factos apenas fez uso de um direito constitucional o direito de liberdade de expressão que vem a refletir sobre estes assuntos sempre com a preocupação do interesse público sem qualquer intenção de ofender ou difamar alguém até porque nem conhece as pessoas em questão.”

Sendo que, para substanciar a verdade do que afirmava, o Réu procedeu à junção de: i) imagens do programa televisivo “Say Yes to the Dress”, transmitido pelo canal televisivo TLC do programa televisivo; ii) notícia publicada em 19.06.2015 pela plataforma de comunicação social e emissora “Rede Angola – Noticias independentes sobre Angola”; iii) notícia publicada, em 01.07.2015, pelo jornal eletrónico português “Observador”, e iv) capítulo 14, pp. 269 a 277 do livro “O País do Dinheiro” de Oliver Bullough (cf. fls. 175 a 194, dos autos).

16.º Na notícia publicada, em 19.06.2015, pela “Rede de Angola – Notícias independentes sobre Angola” (o referido “Jornal Angolano”) com o título «Em episódio histórico de “Say Yes to The Dress” filha de AA compra nove vestidos únicos de NN», vem referido que: “A chegada da estilista NN a Luanda não surge por acaso. A criadora de vestidos de noiva, famosa pela sua participação no programa “Say Yes to The Dress”, abriu a sua primeira loja no continente africano na segunda-feira, um ano e três meses depois de BB, filha do ministro da Administração do Território AA, ter estado na Kleinfeld, em Nova Iorque, para comprar o seu vestido de noiva. (…) Para começar, encomendou um vestido justo para uma cerimónia íntima, onde apenas os membros da família estariam presentes. “E o preço deste vestido é USD 30 mil”, conta a estilista. Além disso, tem milhares de cristais Swarovski bordados à mão, num valor de USD cinco mil. Os acessórios do primeiro vestido não acabam aqui, a noiva usou ainda um véu do tipo voilette, no valor de USD 500. Para a grande cerimónia, a noiva escolheu um vestido estilo princesa de USD 25 mil, cuja criação pode chega a 300 horas. “BB é praticamente realeza no seu país, não poderia fazer apenas um vestido normal, por isso fiz este com uma saia surpresa para usar no copo d’água”, disse NN. O véu de renda precisou de pelo menos três dias de trabalho para bordar à mão os cristais Swarovski, tornando-o único por USD cinco mil. (…) O vestido da mãe de BB custou USD 30 mil dólares e os das seis damas de honor USD 15 mil cada peça. (…) Depois deste contacto com a estilista, BB foi convidada para ser a representante da loja NN em África. A informação foi confirmada ao Rede Angola pela própria, ontem, por telefone. “Ela convidou-me para representar a marca cá em Março do ano passado, quando fui comprar o meu vestido de noiva”, disse BB ao RA.”

17.º Na notícia publicada, em 01.07.2015, pelo “Observador” (o referido “Jornal Português”), com o título “Os vestidos de noiva que tornaram a filha de ministro angolano estrela de um programa de TV”, vem referido que: “A filha de AA, ministro da Administração do Território em Angola, pagou 200 mil dólares americanos por dois vestidos de noiva criados pela estilista NN, umas das mais conceituadas na área, e ainda por roupa para a mãe e para as suas damas de honor, conta o A.... (…) Acabou por levar nove vestidos, que no total perfizeram o valor de 200 mil dólares, a maior compra alguma vez conseguida pela loja e pela estilista NN. O vestido da mãe custou 30 mil dólares e as seis damas de honor levaram cada uma um vestido de 15 mil. (…) Agora, BB vai representar a primeira loja de NN no continente africano, que abriu esta segunda-feira em Luanda. As outras convidadas VIP, suas amigas, OO e PP, gastaram 50 mil e 45 mil dólares cada uma.”

18.º E no capítulo 14, do livro “O País do Dinheiro” de Oliver Bullough, vem referido que: “A filha do ministro do governo angolano está prestes a chegar. Ela e a sua família vieram de avião de África para experimentar nove vestidos que ela comprou à NN. (…) Para atingir esse objetivo ela vai precisar de vários vestidos. (…) Está a gastar 30 mil dólares num vestido justo ao corpo… e um «véu de gaiola» são mais 500. (…) BB vai precisar de outro modelo para a cerimónia principal do casamento… (…) O véu custa 5000 dólares. (…) «A BB gastou mais do que qualquer outra noiva na história de Kleinfeld, levando um total de nove originais NN, uma saia surpresa, personalização e acessórios num total de mais de 200 mil dólares»” (destacado nosso).

19.º O 1.º Autor foi indigitado como candidato e subsequentemente eleito para o cargo de ... de Angola, exatamente por ser conhecido como um reformista e um homem da modernidade, de pensamento liberal e apoiante da política de luta contra a corrupção, num governo que tem esse objetivo como um dos seus principais e que o tem levado a efeito.

20.º Para além disso, o 1.º Autor é um conhecido advogado e professor universitário.

21.º Na sequência da intervenção (escrita e televisiva do reu), houve comentários nos círculos políticos e sociais de Angola, e comentários em redes sociais em Angola e em Portugal.

22.º Na sequência do escrito e intervenção televisiva do Réu, os Autores sentiram embaraço e a 2.ª autora ansiedade.

23.º Culminando no evitar de contactos sociais da 2.ª Autora e na redução de contactos sociais, políticos e diplomáticos do 1.º Autor, sempre que tal lhe foi possível.

24.º O réu é, há muito tempo, um combatente contra a corrupção.

25.º Tem obra publicada sobre o combate à corrupção em Portugal.

26.ºA autora BB é uma empresária no campo dos artigos de vestuário de luxo.

27.º O Réu, antes de escrever o escrito no Facebook e falar no programa televisivo, teve conhecimento dos factos a que se reportava através dos meios referidos em 15.

28.º O Réu agiu no exercício da sua liberdade de expressão e opinião, convicto que estava a criticar as iniquidades do regime político e ambiente social e a situação económica de Angola.

Foi dado como não provado o seguinte:

a) O Réu deturpou deliberadamente a verdade dos factos e acrescentou difamações gratuitas, e conferindo-lhes contornos de “atualidade”, quando bem sabia serem esses factos inexistentes, à data em que os proferiu.

b) A primeira vez que o Réu recorreu ao teor de tais documentos foi já em sede de inquérito, para então (tentar) legitimar a sua conduta sob a égide do direito de liberdade de expressão.

c) Afirmando que “vem a refletir sobre estes assuntos sempre com a preocupação do interesse público sem qualquer intenção de ofender ou difamar alguém”, não obstante “nem conhece[r] as pessoas em questão”.

d) Tudo para fazer perpassar “a todo o custo” que o 1.º Autor se encontra a perpetuar práticas condenáveis imputadas a anteriores titulares do poder público de Angola.

e) O Réu vem associar o 1.º Autor a uma governação imputada como corrupta, obscura e pouco transparente atribuída ao anterior líder do MPLA e Presidente da República de Angola, Eng.º HH, e pela sua filha II.

f) Sendo que, para tanto, vem perpassar a ideia de que a aquisição dos vestidos de noiva e respetivos adornos da 2.º Autora (filha do 1.º Autor), e vestidos de cerimónia e respetivos adornos da sua mãe e madrinhas (todos referidos no referido Programa Televisivo “Say Yes to the Dress”), é reveladora de falta de idoneidade, integridade, corrupção e mau uso do poder público que o 1.º Autor detém enquanto governante, atualmente ... de Angola.

g) O Réu aproveitou o leit-motiv da existência de aquisição de vestidos pela 2.ª Autora, com cobertura em programa televisivo de entretenimento, para desferir um golpe na honra e crédito do 1.º Autor, associando-o a práticas criminais e imorais na aquisição e uso de dinheiros públicos.

h) Estas afirmações são graves e atentatórias para a honra, bom nome, imagem e crédito púbico dos Autores.

i) A conduta do Réu sujeitou os Autores a uma considerável descredibilização em face da opinião pública e do seu círculo pessoal e profissional.


*

Considerando o que se expôs supra nos factos provados 14.º e 15.º, foi consultado o processo criminal respetivo, onde foi recolhido o primeiro interrogatório de arguido, datado de 21.10.2020, impondo-se se dê como provado o seguinte:

- No processo mencionado em 14.º e 15.º, com o n.º 7301/20.0T9PRT, foi proferido acórdão por esta Relação, a 16.11.2020, julgando improcedente o recurso aí apresentado pelos assistentes, aqui AA., ao despacho proferido nos autos de instrução que decidiu não pronunciar o aí arguido, aqui R., pela prática de dois crimes de difamação com publicidade e agravados, relativamente aos factos aqui em causa, datados de 20.1.2020 e 23.1.2020, tendo tal acórdão confirmado a decisão instrutória de não submissão do arguido a julgamento.

Da impugnação da decisão de facto

Dizem os recorrentes que os factos 24.º e 25.º devem ser dados como não provados. Estes factos dizem respeito ao percurso do R. como “combatente contra a corrupção” e autor de obras que visam este desiderato.

Neste tocante, a motivação da decisão de facto é vaga, afirmando ter o tribunal considerado “os elementos documentais carreados para os autos, incluindo nota biográfica, bem como o depoimento das testemunhas ouvidas”.

Entre os documentos em causa consta o relativo à demonstração de que o R. é associado efetivo e promotor da associação Transparência e Integridade (Transparency International Portugal), matéria que está dada como provada em 2.º, onde se diz ser este um dos seus cofundadores.

Esta associação, como é facto notório e público, foi criada em 2010 e tem como missão o combate à corrupção. De modo que, sendo o R. seu cofundador, não pode senão considerar-se fundado o facto constante do ponto 24.º que é, afinal, uma decorrência da última parte daquele ponto 2.º.

Esta vertente da atividade desenvolvida pelo R. foi também referida em audiência pelas testemunhas LL, KK e JJ que se referiram, de forma expressa, a essa forma de intervenção cívico-política do demandado.

Quanto à obra publicada, a mesma é do domínio público, sendo facto notório, bastando aludir, entre outras obras anteriores, ao seu livro editado pela Gradiva, em maio de 2013, com o ISBN 9789896165338, intitulado “Da Corrupção à Crise, Que fazer?”.

Termos em que se mantêm os pontos provados 24.º e 25.º.

Pretendem também os recorrentes se dê como não provado o que consta em 27.º e provado o que se deu como provado nas als. b) e c), todos relativos às fontes de que se socorreu o R. para escrever o que consignou na sua página de Facebook e para o que afirmou no programa televisivo de 23.1.2020.

Aqui chegados, verificamos que o R. terá tido conhecimento da matéria em causa em algum local, sendo também inequívoco ter o casamento da segunda A. ocorrido cerca de seis anos antes e de, a propósito do mesmo, mais concretamente a respeito da indumentária adquirida por si e por familiares para o efeito, já muito haver sido dito: quer no programa televisivo de difusão mundial, Say yes to the dress, que pode ver-se como doc. junto com a contestação; quer no dito Jornal Angolano, de junho de 2015; quer na notícia publicada pelo Observador, em julho de 2015, quer no livro O País do Dinheiro, de Oliver Bullough, editado em novembro de 2019.

Quer isto dizer que, quaisquer que tenham sido as fontes do R., estas quatro existiam objetivamente quando, em 2020, escreveu e disse o que ficou provado quanto ao preço dos trajes usados no casamento da 2.ª A.

Não se vê, por isso, interesse na pretensão de recurso quanto a estes factos.

Porém, em abono do que neles se afirma quanto a terem sido estas – e não outras – as fontes em causa, temos que, em sede de processo criminal, já o R. mencionara serem estas as suas fontes, como expressamente se escreveu no despacho de não pronúncia a que se acima se fez alusão.

Tratou-se de informação pública a que todos tinham acesso e, naturalmente, o R., o que este manifestou de forma indubitável nas declarações também prestadas nestes autos.

A menção a um gasto de duzentos mil dólares num vestido, embora não seja, ao que parece resultar daquelas quatro fontes, um facto exato porque terão sido adquiridos outros vestidos, em nada desvirtua o que está dado aqui como provado e em nada sustenta a prova do que consta das als. b) e c) dadas como não provadas.

O próprio programa norte-americano, no qual a 2.ª A. participou de forma voluntária, parece incutir essa conclusão afirmando que nunca se gastou tanto naquela casa de vestidos de noiva e que o despendido ultrapassou os duzentos mil dólares para aquisição do que parecem ter sido nove vestidos.

Fosse para aquisição de um vestido por duzentos mil dólares, fosse para compra de nove vestidos e acessórios a usar por ocasião do mesmo casamento, dos quais alguns são mostrados como bordados com cristais Swaroski, outros terão demorado três mil horas para confecionar, um simples véu é mostrado com três dias de confeção, custando, ao que parece 5.000, 00, euros, para um casamento de oitocentas pessoas – como ali confidenciava a noiva – não se vê que dessa diferença (terão sido gastos mais de 200 mil dólares em vestidos e acessórios para um casamento em que é a noiva é apresentada como sendo praticamente realeza do seu país) resultasse qualquer subsídio para a não demonstração do que consta em 27.º e demonstração do que consta não provado em b) e c).

Acaso o impacto seria menor, face ao que demais é referenciado, se o R. tivesse mencionado vestidos ao invés de vestido? Isto é, o valor do gasto face ao modo de vida do comum dos demais cidadãos do país onde foi realizado o evento já não seria equacionado se o mesmo se referisse não apenas a um, mas a vários vestidos?

Vários vestidos a trinta mil ou quinze mil euros, num gasto total de duzentos mil dólares, ou um único vestido nesse preço, evidenciam um desconhecimento pelo R. das citadas fontes ou alteram os factos relatados?

A resposta é obviamente negativa.

Nem do facto de o recorrido ter declarado, já posteriormente – em 1.4.2020 – que nada alterava do que anteriormente escreveu e disse resulta o que quer que seja quanto àquilo que foram as suas fontes anteriores.

Já ponderar se, com os seus escritos e afirmações verbais, o R. violou o direito à liberdade de expressão e se deveria ter contactado primeiro os visados é um labor de direito que em nada contende com os factos provados que, assim, se mantêm.

Quanto ao facto 28.º, entendem também os recorrentes que deveria ter sido dado como não provado.

Neste ponto 28.º contém-se, salvo o devido respeito, matéria conclusiva que terá de eliminar-se do elenco do que se pretende ser uma narrativa escorreita de factos objetivos.

Afirmar-se ter o R. agido no exercício da sua liberdade de expressão é, a todos os títulos, aplicar o direito aos factos, legitimando a sua atuação com o que se pretende demonstrar em sede posterior que é a da subsunção dos factos ao direito.

É da convocação de tudo quanto demais se provou – a atuação do R. e a qualidade em que interveio – que poderá resultar ou não a conclusão por um exercício legítimo, ou não, da liberdade de opinião e de expressão e afirmá-lo em sede de facto exorbita necessariamente da matéria da pura descrição do suceder histórico dos acontecimentos.

Assim, elimina-se do ponto 28.º a primeira parte, até “opinião”.

O restante que se encerra neste ponto é de manter pois que é inequívoco que, aludindo aos gastos em apreço, o R. visou criticar o regime político, o ambiente social e a situação económica de Angola, tenha o facto que motivou tal crítica ocorrido vários anos antes, tenha tido lugar em data mais aproximada.

Não são, pois, os recorrentes, enquanto pessoas individuais, na sua vida privada e sem repercussões públicas, que são visados (pelo que corretamente se deu como não provado o que consta de em a) dos factos não provados), mas sim o ambiente socioeconómico de um país onde o 1.º A. exerceu e exercia atividade política, no qual o R. pôs em evidência o contraste entre a opulência e a pobreza.

Quanto ao que pode retirar-se das palavras e expressões que empregou, bem como do texto em si mesmo, já se trata de assunto a debater em sede subsunção destes factos ao direito aplicável, sendo absolutamente espúrias as extensas e desnecessárias considerações tecidas a este respeito no recurso.

Assim, o ponto 28 dos factos provados passa a ter a seguinte redação:

“O R. visou criticar o regime político, o ambiente social e a situação económica de Angola”.

Conforme já exposto, é de manter a al. a) dos factos não provados, assim como o conteúdo das als. d), e), f) e g), surgindo a associação destes factos a outras personalidades do país e à corrupção como um efeito que se admite como possível, mas sem que daí resulta a demonstração do que consta destas alíneas. Os testemunhos e documentos invocados neste tocante no recurso revelam-se, por isso, inócuos e absolutamente irrelevantes. Com efeito, face ao carácter objetivo dos factos em causa – prova in re ipsa – o que está aqui em causa é, em retas contas, a subsunção dos factos provados ao direito.

Neste tocante, secundamos o que acertadamente se escreve na motivação da decisão de facto consignada na sentença recorrida:

«Ao dar público conhecimento, pela forma acima descrita, o réu mais não fez do que continuar a chamar a atenção para as desigualdades sociais existentes em Angola.

Ao revelar os factos que reportou na sua publicação no FACEBOOK e nas afirmações feitas num programa televisivo, estava a realizar um interesse legítimo qual seja o de levar ao conhecimento público factos que entendia, e ainda entende, segundo as declarações que prestou, deveriam ser revelados para serem conhecidos, apreciados e valorados.

Das regras de experiência comum, transportadas para um contexto de crítica política, que está sempre subjacente nas palavras do réu e da sua actividade política e cívica, não nos permitem afirmar que o texto em causa e as declarações produzidas pelo réu no programa televisivo em causa nos autos, tenham tido como objectivo a ofensa do bom nome dos autores desligados das suas actuações políticas e públicas.

Antes pelo contrário, entende-se que o citado texto e as declarações produzias pelo Réu no programa televisivo, mais não são do que a manifestação cívica do réu, face à atuação na esfera pública dos autores, no sendo escrito e falado com esse foco, no âmbito da liberdade de expressão que assiste a todos. Aliás, no programa televisivo, o réu efectua a comparação entre dois regimes, o do anterior Presidente HH e do atual regime que governa Angola, para através dos factos aí relatados concluir que as desigualdades sociais se mantém inalteradas, sem que a mudança de regime as tenha atenuado, sendo essa a mensagem principal da sua intervenção.

É público e notório, pelo que não carece de prova, que o regime de governo da República de Angola tem em si graves problemas em vários campos, no político, no social, no económicas questões, que sempre foram conhecidas e comentadas, que se tornaram muito mais evidentes e públicas com a divulgação do dossier conhecido como Luanda Leaks.

São igualmente públicas e conhecidas as más e pobres condições em que vivem as classes mais desfavorecidas da população angolana, a grande fatia da sua população.

Face a tais factos públicos e notórios não descortinamos dos referidos textos, nem das declarações prestadas na TV qualquer comentário xenófobo e preconceituoso, ou sequer gratuito.

Quanto à expressão de princesa de Angola, podemos verificar que a mesma é utilizada pela própria autora ao referir no programa que gravou “ Foi sempre um sonho usar um vestido NN (…) , Quero parecer uma princesa, uma rainha”, diz BB (…).»

Finalmente, quanto à demonstração do facto não provado em i), relativamente às consequências que para os AA. resultaram da conduta do R.

Refira-se, desde logo, o caráter vago e conclusivo do que consta mencionado em i) e a sua manifesta impropriedade para constar do elenco dos factos provados.

Para que estivéssemos perante um facto e não uma conclusão vaga, seria mister que se alegassem e demonstrassem factos donde resultasse a conclusão de que, após a intervenção do R., os AA. viram diminuído seu crédito social, mediante a alusão e prova de eventos específicos onde tal desvalia foi notória, ou de específicas relações sociais que tivessem sido afetadas e como, de comentários públicos concretamente individualizados do seu círculo pessoal e profissional que tenham tido repercussão concreta em termos de dano real e que tornassem crível tal abstrata descredibilização.

O que assim consta em i) é, por isso, imprestável para figurar no elenco dos factos, entendidos estes como narrativa de acontecimentos históricos objetivos.

Ainda que assim não fosse, veja-se que, neste tocante, não é de atender às declarações de parte, absolutamente parciais e despiciendas quando o que está em causa a avaliação dos próprios danos por si alegados.

Depois, não pode ignorar-se que, antes do R., já as circunstâncias aqui em causa e relativas aos gastos com indumentárias visando o casamento da A., haviam sido objeto de extensa difusão, sem que as testemunhas indicadas (mormente, DD, EE e KK) tivessem estabelecido distinção entre os resultados de tais notícias e o que dizem serem os comentários tecidos entre amigos, familiares e nas redes sociais, não tendo sido concretizadas quaisquer ameaças ou estabelecido nexo de causalidade entre a conduta do R. e o encerramento de uma qualquer loja.

Da existência de comentários negativos nas redes sociais a respeito de políticos de um país – como os que constam juntos com o requerimento de 15.6.2023 - não resulta, sem mais, o descrédito destes concretos visados e com influência – qual – nas suas vidas pública e privada.

Por conseguinte, mantém-se como não provado o que se relata em i) dos factos não provados.

A matéria fáctica que importa é que a ficou exposta em primeira instância com a alteração ao ponto 28 dos factos provados que agora se introduziu.

Fundamentos de direito

Está em causa a prática pelo R. de factos que os demandantes consideram lesivos da sua honra e bem nome, direitos estes que são segmento de um direito geral de personalidade tutelado pelo art. 70.º do CC.

Seria da violação destas posições jus-subjetivas que emergiria o direito, ancorado nos arts. 483.º e ss. do CC, a receber, por junto, € 250.000, 00, de compensação por danos não patrimoniais.

Recorde-se ter já sido decidido anteriormente, em processo criminal, não ter o arguido praticado qualquer crime contra a honra dos visados, tendo-se realçado no acórdão proferido nos autos criminais a “grande latitude do direito de expressão previsto na lei (…), como causa de exclusão de ilicitude e, por outro lado, o disposto nos normativos constitucionais (arts. 26.º e 27.º - direitos pessoais e liberdade de informação e expressão – da CRP), além do previsto no art. 10.º da CEDH (liberdade de expressão), disposições que funcionam como veículos dos direitos de crítica e de expressão”. Acrescentando-se aí que “as referências críticas a titulares de órgãos de soberania, familiares e ao próprio regime são de interesse geral – comunitário, nacional e internacional – e justificam-se, por muito enganosas, insidiosas ou mordazes que possam parecer”.

O que assim se explicitou de forma clara em foro penal constitui a pedra de toque da apreciação jurídica do objeto destes autos, agora no reverso cível.

Louvamo-nos aqui, como ali, no sentido moderno e aceitável de uma sociedade democrática baseada na dignidade humana, como é a república portuguesa, tal como se acha gizada nos arts. 1.º e 2.º da Constituição, sentido esse que está na base daquela absolvição criminal.

O contexto e o teor das expressões consideradas violadoras da dignidade dos AA. encontram-se integralmente documentados nos autos (dolus in re ipsa) e não são de escamotear: o réu afirmou o que está escrito e gravado.

Todavia, importa ter em conta o seguinte: a tutela da honra, pessoal ou profissional, constitui um desígnio legal (criminal e civil) que, tal como os restantes, só é desencadeado como ultima ratio, isto é, quando se verifique que foram violados bens jurídicos com inegável refração axiológico-constitucional e que não existem outros bens com igual dignidade que devam ser salvaguardados.

A dignidade da pessoa humana é a pedra angular da Constituição da República Portuguesa (art. 1.º), texto que elenca entre as garantias individuais, o direito ao bom-nome e reputação, entendidos estes como sendo “o direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social”.[2]

Tradicionalmente, a honra não é apreciada sob a perspetiva que a reduz a um conjunto de qualidades relativas à personalidade moral da pessoa, mas liga-se à valoração social do sujeito ou à sua consideração e reputação, aí se incluindo a honra profissional e pessoal.

Isto é, a honra será analisável como o direito que cada cidadão tem de reclamar o respeito dos outros e a não receber deles juízos ou imputações vilipendiosos e degradantes. Mais subjetivamente, equivale à representação psicológica que cada um de nós tem de si próprio, ao apreço ou autoestima, a qual poderá corresponder, ou não, à consideração ou à reputação social de que goza.

Decorre do Texto Fundamental que a honra assenta no primado da dignidade humana pelo que a pretensão ao respeito que lhe anda associada se consubstancia num direito plural na titularidade de todos e não apenas de alguns: a honra é um “valor ou bem imaterial (…) e perfila-se a mesma quer a vejamos encarnada no mais nobre espírito, quer a olhemos no mais refinado biltre”[3].

Do exposto resulta que, mercê de critérios objetivo-normativos, a violação da honra, em cada situação real e histórica, só suscitará censura jurídico-normativa quando seja violado o seu fundamento imediato – a dignidade humana -, sem prejuízo de se ultrapassar este momento estático[4] e se tratar de forma diferente o que não se não vislumbra igual à partida, com o que se exige, igualmente, uma articulação entre a igualdade, o pluralismo e a liberdade.

A honra não se confunde, destarte, com a fineza no trato, a sensibilidade intelectual ou cultural ou com a elegância, real ou artificial, que domina o convívio social nas mais diversas áreas maxime naquelas onde se verifica que o confronto de ideias e opiniões constitui a matéria-prima do labor a prosseguir.

De modo que a tutela da honra não prescinde de um momento de compaginação com outros interesses e direitos de igual assento e valia axiológico-constitucional, como sejam a liberdade de expressão e de crítica, sobretudo quando se trate de áreas de relações intersubjetivas constantemente dominadas por obrigações mútuas e por deveres para com a sociedade e para com o Estado – como sucede com quem exerce cargos políticos -, sindicáveis a todo o passo, desde logo no âmbito público, mormente em sede de meios comunicação social ou noutras arenas de manifestação cívico-política.

A liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual” com certos bens jurídicos pessoais[5] – não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada.

É neste ponto que interessa ao tema o confronto da plêiade de direitos e valores com assento na Constituição e o crivo básico da necessidade, proporcionalidade e adequação que o Texto Fundamental consagra para todos os capítulos relativos a qualquer restrição que se oponha aos direitos fundamentais (art. 18.º da CRP), seja ela de ordem criminal, seja ela de ordem sancionatória cível.

         Na verdade, os direitos ao desenvolvimento da personalidade, ao bom-nome e reputação, à imagem e à palavra - posições subjetivas merecedoras de tutela (art. 26.º da CRP) -, e a restrição de outros em nome daquela proteção não vão sem a concreta ponderação daquele princípio geral de direito: a proporcionalidade em sentido amplo.

         Da combinação equilibrada ou proporcional entre uns e outros dos direitos que a Constituição tutela é que pode nascer ou não a censura penal ou cível de condutas que se antolhem como violadoras de direitos pessoais, como o direito à honra e ao bom nome.

         É, assim, de atentar nas igualmente protegidas liberdade de expressão e liberdade de imprensa consagradas nos arts. 37.º e 38.º da Constituição[6].

No primeiro consagra-se a liberdade de expressão e informação, onde se afirma de forma básica a proibição da censura política, por oposição ao pensamento ideológico vigente antes do atual Texto Fundamental.

No art. 37.º diz-se, assim, de forma lapidar:

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

(…)

Já a liberdade de imprensa e meios de comunicação social acha-se assim no normativo seguinte:

1. É garantida a liberdade de imprensa.

(…)

 4. O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas.

5. O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.

6. A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.

(…)

O primeiro dos normativos regula as liberdades e direitos de expressão e informação em geral, sendo que o art. 38.º se ocupa desses direitos quando exercidos através da imprensa e demais meios de comunicação de massa

         Estão aqui protegidos dois direitos: direito de expressão do pensamento e direito de informação, assentando o primeiro na expressão de ideias ou opiniões (liberdade de expressão stricto sensu ou liberdade de opinião) e o outro na recolha e transmissão da informação.

         Ora, “o âmbito normativo desta liberdade [de expressão] deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões políticas, económicas, gastronómicas, astrológicas) e quaisquer que sejam as finalidades (influência de opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc…). A liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos”[7].

         Ao encontro desta constituição da informação vem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem em cujo art. 10.º se consagra a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias, sem ingerência das autoridades públicas (n.º1), sendo que tal ingerência, podendo consistir em restrições ou sanções penais (como seja a incriminação da injúria e da difamação) ou em sanções cíveis (gerando a obrigação de indemnizar), deve ser limitada ao indispensável numa sociedade democrática, designadamente para salvaguarda dos outros direitos conflituantes com aquela liberdade[8].

Neste contexto, a jurisprudência atual do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, nomeadamente nos casos em que o Estado Português foi condenado a indemnizar quem foi ilegitimamente condenado pela Justiça nacional por crime contra a honra e em indemnização ao queixoso, não deixa de reconhecer uma grande amplitude à liberdade de opinião r expressão, sobretudo quando estão em causa cidadãos que exerçam cargos políticos e seus familiares que vêm assim diminuído o círculo de influência e de proteção do respetivo direito à honra.

O Tribunal Europeu tem afirmado de forma constante que a liberdade de expressão “constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento individual”[9]. Assim, a proteção da liberdade de expressão é essencial para o processo político democrático e ao desenvolvimento de todo ser humano, sendo que a proteção concedida pelo artigo 10.º se estende a qualquer expressão, não obstante seu conteúdo, divulgado por qualquer indivíduo, grupo ou tipo de media, salvo àquelas que tratam da disseminação de ideias que promovam o racismo e a ideologia nazista, negação do Holocausto, incitação ao ódio ou discriminação racial[10] .

A liberdade de transmitir informações e ideias, a par da liberdade de opinião – que goza de uma proteção quase absoluta[11] -  é da maior importância para a vida política e para a estrutura democrática de um país, na medida em que, conforme já se manifestou o TEDH, no caso Handyside contra Reino Unido, “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais da sociedade, umas das condições primordiais para seu progresso e para o desenvolvimento humano”.

Um exercício pleno da liberdade de transmitir informações e ideias permite críticas ao governo, que é o principal indicador de uma sociedade livre e democrática.

A liberdade de criticar o governo, por ex., é reconhecida pelo TEDH, conforme pode ser observado na decisão Lingens v. Áustria, §41 (o queixoso referia-se a um político local como tendo atuado com um oportunismo feíssimo, imoral e indigno), ao aduzir que cabe à imprensa “transmitir informações e ideias sobre questões políticas, assim como em outras áreas de interesse público. A imprensa não apenas tem a tarefa de transmitir essas informações e ideias: o público também tem o direito de recebê-las”.

É também pertinente a referência, por exemplo, ao Acórdão do TEDH de 28.9.00 (Lopes Gomes da Silva v. Portugal):

         “A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das principais condições para o seu progresso e para o desenvolvimento de cada indivíduo (…)

         (…)

         Quanto aos limites da crítica admissível, estes são mais alargados quando referentes a um político agindo na sua qualidade de figura pública, do que quando se referem a um simples particular. De forma inevitável e consciente, o político expõe-se a um controlo atento dos seus actos e gestos, quer por parte dos jornalistas, quer pela massa dos cidadãos (…)”.

No contexto em questão, aquela alta instância judicial não considerou difamatórias as expressões grotesto, boçal e grosseiro, pois sendo embora expressões “polémicas”, “também não constituem um ataque pessoal gratuito, já que o autor fornece uma explicação objectiva”, sendo que “a invectiva política transborda com frequência para o plano pessoal: são esses os riscos do jogo político e do livre debate de ideias que constituem as garantias de uma sociedade democrática”[12].

No ac. de 24.9.2019, relativo à imputação do epíteto de idiota a um secretário de Estado, disse aquele tribunal:

Além disso, no que diz respeito, em particular, ao uso da palavra “idiota” quando se refere à RB, o Tribunal não pode deixar de concluir, ao contrário dos tribunais nacionais, que a utilização da expressão não constituiu um ataque pessoal à RB, mas deveria ser lida no contexto da situação política e do próprio artigo. Nessa linha de raciocínio, deve-se reiterar que a liberdade jornalística também abrange possíveis recursos para um certo exagero ou mesmo provocação (ver, por exemplo, Oberschlick x Áustria (nº 2), 1º de julho de 1997, § 33, Relatórios de sentenças e decisões 1997 - IV, em que a palavra “idiota” foi igualmente em questão, ver também, mutatis mutandis, Lopes Gomes da Silva v. Portugal, no. 37698/97, § 34, 28 September 2000; Almeida Azevedo v. Portugal, no. 43924/02, § 30, 23 January 2007; and Roseiro Bento v. Portugal, no. 29288/02, § 43, 18 April 2006).

Por fim, no que diz respeito à proporcionalidade da sanção, o Tribunal observa não apenas que uma sanção penal foi imposta ao primeiro requerente, mas também que o montante de 2.500 euros que ele foi condenado a pagar a R.B por danos foi substancial.

Neste acórdão e neste processo, o TEDH considerou que houve uma violação pelos tribunais nacionais do artigo 10º da Convenção por ingerência injustificada na liberdade de expressão e condenou o Estado português no pagamento ao queixoso-arguido do valor correspondente à multa e à indemnização fixadas na sentença do TJ de Santarém e no acórdão do TRE.

Mais recentemente, pode ver-se a decisão Almeida Arroja c. Portugal, acórdão de 19 de maio de 2024, Requête n.º 47238/19, por via do qual o Estado português foi condenado a indemnizar o queixoso, um economista e professor universitário que fora condenado em multa e indemnização, pelo crime de difamação agravada, por, num local televisivo local, ter dito sobre o queixoso, um advogado nacional e membro do Parlamento Europeu, ter este colocado os seus interesses políticos à frente dos seus deveres éticos como advogado, num processo relativo à construção de uma ala num hospital público em que este último interveio na qualidade de advogado. O TEDH, afirmou: “o Tribunal considera que a ingerência no direito à liberdade de expressão do recorrente não foi sustentada por razões pertinentes e suficientes (v., mutatis mutandis, Freitas Rangel, já referido, § 62, e País Pires de Lima c. Portugal, n.° 70465/12, § 65, de 12 de fevereiro de 2019). Em especial, o Tribunal considera que os órgãos jurisdicionais nacionais atribuíram um peso desproporcionado aos direitos à reputação e à honra da sociedade de advogados C. e P.R., em contraste com o direito de liberdade do requerente de expressão e, em contrapartida, o objetivo legítimo prosseguido (v., mutatis mutandis, acórdão Bozhkov c. Bulgária, n.° 3316/04, § 55, de 19 de abril de 2011; Pais Pires de Lima, já referido, §§ 66-67; e SIC – Sociedade Independente de Comunicação v. Portugal, n.º 29856/13, § 69, de 27 de julho de 2021; v. também, em contrapartida, acórdão Stângu e Scutelnicu c. Roménia, n.º 53899/00, § 56, de 31 de janeiro de 2006)”.

Para quem pense – ao arrepio da correta interpretação legal dos textos vigentes – que nestes arestos se espelham hermenêuticas de sabor demasiadamente aberto ou liberal, próprias de uma instituição sediada no estrangeiro e, assim, desfasada dos brandos costumes do nosso país e de uma mentalidade tradicional, também ela algo anacrónica relativamente aos espíritos de além fronteira, chama-se à colação o que de doutrinal e jurisprudencial se tem escrito a propósito dos bens jurídicos em conflito e que merece relevo citar.

Assim, Costa Andrade, citando Uhlitz[13], relembra: “Quem participar no debate político através da crítica não tem primeiro que pesar a suas palavras numa balança de ourives. Quem exagera e generaliza, quem, para emprestar mais eficácia ao seu ponto de vista, utiliza expressões desproporcionadas, rudes, carregadas, grosseiras e indelicadas (…) não tem de recear qualquer punição”, pois, “a ordenação fundamental da vida democrática e livre pressupõe a mais aberta e desinibida discussão dos cidadãos sobre a correcção da condução da coisa pública”, escrevendo, ainda, noutro local[14], “ a tutela jurídico-penal desta particular constelação de bens jurídicos (maxime a imagem e a privacidade/intimidade), terá de ser claramente diferenciada. Isto em função do lugar de cada um na comunidade (do relevo público da sua pessoa ou dos seus actos) e da sua maior ou menor exposição aos holofotes da publicidade. Uma ideia a que o legislador português tributa abertamente homenagem ao prescrever no n.º 2 do art. 80.º do Código Civil (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada): «A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas»”.

Também o Supremo Tribunal de Justiça, pela pena do Sr. Conselheiro Alves Velho, afirmou em aresto de 14.10.03[15]: Como é sabido e geralmente aceite, os cidadãos que exercem cargos públicos, nomeadamente políticos, como os exercidos pelas Partes neste processo, estão sujeitos à crítica, quer das colectividades pela satisfação de cujos interesses devem pautar o exercício das respectivas funções, quer dos titulares de entidades que tutelem interesses conflituantes, do ponto de vista da sua própria perspectiva de satisfação do bem comum.

(…)

as pessoas que ocupam lugares de relevância política ou altos cargos na administração pública estão sujeitas a figurar como alvos de mais e de mais intensas críticas que os demais cidadãos, provenham elas de seus pares ou não.

Em democracia, a tutela da honra pessoal e reputação dos políticos é, por isso, também menos intensa que a dos cidadãos em geral.

Em Acórdão de 12.10.00, o Tribunal da Relação de Lisboa[16], sumaria: Todo o cidadão tem direito à protecção jurídica da sua honra e consideração, bem como da sua privacidade/intimidade, palavra e imagem.

Porém, para as "pessoas da história do seu tempo", ou seja, para aqueles que ocupam a boca de cena no palco da vida política, cultural, desportiva, etc., a tutela dos bens pessoais em questão é mais reduzida e fragmentada do que no caso do cidadão comum.

Na situação que nos ocupa, a primeira nota que importa salientar respeita ao facto de se tratar da emissão de opinião por parte do R., quer na sua rede social, quer num canal televisivo, e não propriamente do exercício de um qualquer poder/dever de informar, posto não lhe assistir propriamente a atividade de jornalista.

Já vimos que a liberdade de opinião e de expressão apenas dificilmente merecem constrição para salvaguardada da honra e do bom-nome de outrem.

O R. é licenciado em Matemática e professor universitário, cabendo-lhe também uma atividade político-cívica de análise e exposição de situações de corrupção a nível comunitário, nacional e internacional, o que faz no âmbito da sua ligação a uma conhecida associação internacional que envolve cerca de uma centena de países e que visa o combate das desigualdades sociais e económicas e da injustiça social.

À partida, os AA. têm direito a não ver associado o seu nome a escândalos públicos onde se trate do fenómeno da corrupção.

Porém, esse direito debate-se, desde logo, com dois contextos que se impõe ponderar face ao que acima se referiu quanto ao disposto no art. 80.º, n.º 2 do CC.

Um é circunstancial-conjuntural: o 1.º A. exerce ou exerceu atividade política de relevo, em lugares cimeiros, num país vastas vezes associado àquele fenómeno criminal, e a A. é sua filha.

Como já anteriormente se disse, as pessoas que exercem cargos públicos, mormente políticos, sabem que o seu estatuto tem de poder ser sindicado também de forma pública e que tal sindicância passa, necessariamente, pelo questionamento do ambiente global em que se inserem.

Se o ambiente em causa é apontado, mais ou menos extensamente, como envolvendo esta ou aquela situação menos lícita, como é a corrupção, então quem aí exerce atividade notória, visível e de proeminência, vê diminuída a tutela dos seus direitos pessoais no que concerne à suspeita sobre o seu envolvimento.

Em Angola  - e não só -, desde há muito, se vem debatendo a captura pelo aparelho de Estado de teias e relações que defluem de descritas situações de prevaricação ou corruptela aos mais diversos níveis, como nos dão conta a comunicação social e as organizações internacionais[17].

Neste contexto, a posição do A. no sistema torna-o premiável às mais diversas suspeitas e críticas as quais se não podem calar num Estado de Direito Democrático em nome do seu direito pessoal à honra.

Do mesmo modo, quem consigo convive ou quem consigo mantém laços familiares, como sucede com a 2.ª A.

O outro contexto é fatual ou episódico e respeita ao acontecimento relativo ao casamento da 2.ª A. e, sobretudo, aos gastos de monta que foram efetuados em vestuário e à sua divulgação pela própria A. em programa de televisão de divulgação internacional.

Tenha sido adquirido um ou vários vestidos por duzentos mil dólares ou mais, a verdade é no programa televisivo em que a A. participou, transmitido pelo canal de televisão americano TLC, se afirmou expressamente ter a filha do então ... de Angola sido a cliente que mais despendeu naquela loja dos EUA.

Considerando que o produto interno bruto dos EUA é dezenas de vezes superior ao do país onde teve lugar a festa de casamento[18], aquele dispêndio – fosse com um ou com vários vestidos – assoma ao expectador mais ou menos atento como contrastando (o R. empregou a palavra contraste) com as imagens que da população comum se vão difundindo.

Acresce que a presença da 2.ª A. naquele programa, mormente afirmando desejar ter um casamento de princesa ou de rainha, não só realça aquele contraste como traz à memória situações investigadas anteriormente e relacionadas como outros governantes ou seus familiares.

Sendo assim, tendo o R. assistido ao programa e tendo tido acesso a outros meios onde se alude ao valor despendido em roupa para o casamento, ainda que anos antes, impunha-se-lhe calar o sentimento de injustiça que expressou em nome da defesa da honra e do bom nome de quem exerce um cargo público e de quem é seu familiar?

A resposta é obviamente negativa, não podendo deixar de se considerar o interesse público e o objetivo legítimo da atividade levada a cabo pelo R. no âmbito da organização de que foi cofundador.

Nem sequer cabia ao R. entrar em contacto com os AA. para aquilatar da veracidade da informação relativa ao valor dos gastos noticiados largamente por outros órgãos, incluindo pelo programa de televisão em que a própria A. participou, posto tratar-se da emissão de opinião sobre o que leu e ouviu e do exercício da liberdade de expressão, sendo as fontes dos factos objetivos outras que não os seus comentários de opinião.

De igual modo o pedido para que se retratasse surge como inconsistente, face ao que se expôs quanto à ordem de grandeza do despendido em roupa, fosse para um, fosse para vários vestidos e, sobretudo, face à natureza da opinião veiculada pelo R. relativamente a tais gastos.

Aqui chegados, na ponderação entre o direito dos AA. à honra, imagem, bom-nome, por um lado, e o direito e liberdade de opinião e expressão do R., por outro, atentos aqueles dois contextos acabados de descrever, a opção é pela prevalência deste último e, assim, está afastada a ilicitude da sua conduta e a obrigação de indemnizar.

A presente causa tem valor de € 250.000,00, pelo que não está preenchido o pressuposto previsto no art. 6.º, n.º 7, do RegCustasProcessuais que estabelece a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça para as ações de valor superior a € 275.000,00.

Indefere-se, por isso, o requerido, neste tocante.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Porto, 3.6.2024.

Fernanda Almeida

Teresa Fonseca

Eusébio Almeida


_______________
[1] À data da propositura da ação que foi instaurada em 1.3.2022.
[2] G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 3.ª Ed., pág. 180.
[3] Faria Costa, Comentários Conimbricenses ao Código Penal, Tomo I, pág. 652.
[4] Quintero Olivares, Comentário al Nuevo Código Penal, Aranzadi Editorial, pág. 1025.
[5] M. Costa Andrade, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal, Coimbra, 1996, págs. 28 e segs., e, para a problemática jurídico-penal, págs. 149 e segs.
[6] Os dois primeiros normativos do que G. Canotilho e V. Moreira apelidam de constituição da informação, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2007, p. 571.
[7] J. Canotilho e V. Moreira, ibidem, p. 572.
[8] É o seguinte o teor deste artigo: 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
[9] Decisão de 13 de março de 2018, caso Stern Tauts e Roura Capellera v. Espanha, §30.
[10] A jurisprudência do Tribunal considera que a liberdade de expressão não pode ser usada para levar à destruição dos direitos e liberdades concedidos pela Convenção, conforme mandamento do artigo 17.º da CEDH – decie~soa 24 de junho de 2003, caso Garaudy v. França.
[11] Monica Macovei, Freedom.of Expression – A guide to the implementation of Article 10 of the European Convention on Human Rights, 2nd edition, Human rights handbooks, Nº 2, Council of Europe, 2004, p 8., escreve (tradução nossa): “a liberdade de ter opinião é condição prévia relativamente às demais liberdades garantidas pelos art. 10.º e goza de uma proteção quase absoluta no sentido de que as restrições previstas no par. 2.º são inaplicáveis. Os países não devem tentar doutrinar e não são permitidas distinções entre indivíduos que tenham opinião e indivíduos que não tenham”. Prossegue, afirmando que as liberdades de opinião, de transmissão/receção de informação d e ideias são exercidas sem interferência das autoridades públicas.
[12] Todo o texto está disponível em Sub Judice, 15/16, Junho/Dezembro de 1999, págs. 85 e ss.
[13] Cit., pág. 236 e 237.
[14] Pág. 261.
[15] Publicado, em texto integral, em www.dgsi.pt.
[16] Em texto integral, no mesmo site.
[17] angolans-see-growing-corruption-afrobarometer-16april23.pdf (ovilongwa.org); A Promising Future: Angola’s Recent Efforts to Combat Corruption - Lexology
[18] Produto Interno Bruto (PIB) - Comparação entre Países (indexmundi.com)