RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR JUSTA CAUSA
ASSÉDIO MORAL
Sumário

I – A dimensão normativa da cláusula geral da resolução pelo trabalhador prevista no n.º 1 do artigo 394.º exige mais que a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no n.º 2, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos de tal modo graves, em si ou nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade em benefício do empregador.
II – O assédio moral pressupõe comportamentos real e inequivocamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.
III – De acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 2 do Código do Trabalho, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” de um comportamento do “assediante” com idoneidade ofensiva dos valores juridicamente protegidos.
IV – Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem, em regra (mas não necessariamente), associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 3378/21.9T8MAI.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia– Juiz 2

4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Teresa Sá Lopes
2ºAntónio Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra a Ré A..., peticionando que seja declarado que entre Autor e Ré foi celebrado o contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 18-7-1984, que cessou por resolução com justa causa, efetivada pelo Autor, tendo operado os seus efeitos em 8-07-2021; e consequentemente, ser a R. condenada a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) €63.616,00 a título de antiguidade; b) €636,16 referente a 8 dias de Julho de 2021; c) €1.951,86 respeitantes a parte das férias e subsídio de férias (9 dias) vencidas a 1/1/2021; d) €2.491,62 referentes a proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação; e) €1.245,81, relativo aos proporcionais de subsídio de natal do ano da cessação; f) €5.000,00 a título de danos não patrimoniais; g) quantias a que devem acrescer juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efetivo e integral pagamento; h) e ainda, nos termos do artigo 829.º-A, n.º 5 do Código Civil, juros à taxa de 5% ao ano sobre o capital em que for condenada, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado até integral pagamento.
Em resumo invocou o seguinte: foi admitido ao serviço da Ré a 18-7-1994, exercendo as funções com a categoria profissional de Examinador de Condução Automóvel Técnica, mediante o pagamento da retribuição mensal de € 1.204,84; desde abril de 2021 a relação laboral começou-se a deteriorar, tendo por carta registada recebida a 8-7-2021, comunicado à Ré a cessação do contrato de trabalho em virtude da violação culposa dos seus direitos, invocando que desde abril de 2021 a R. passou a marcar exames de pesados de hora a hora impedindo o gozo do seu descanso obrigatório, levou a cabo sorteios por funcionária sem competência para o efeito, lançou informaticamente exames teóricos e práticos em nome do Autor em altura em que o mesmo se encontrava de baixa e/ou isolamento profilático, impediu que participasse na reunião do dia 1-7-2021 e não lhe transmitiu o sucedido na reunião de 15-6-2021 a que o Autor não assistiu, vinha a ser excluído de todas as reuniões que a Ré promovia com os examinadores a fim de lhes dar conhecimento das alterações e deliberações legislativas, desde Abril de 2021 não lhe atribui exames de Código marcados para o horário das 8h às 8h30, não lhe atribuiu funções de substituição da Directora do Centro nem de acompanhamento na integração dos novos examinadores, criando dessa forma deliberadamente um ambiente de trabalho hostil e promovendo a discriminação do Autor; a Ré não lhe pagou todos os créditos salariais devidos aquando da cessação do contrato.

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, a Ré apresentou contestação. Defendeu-se, por um lado, por excepção, invocando a caducidade, porquanto os factos descritos pelo A. para fundamentar a justa causa ocorreram em momento anterior a 9-6-2021; o pagamento dos créditos salariais vencidos aquando da cessação do contrato, atenta a retribuição base no valor de 1.955,13€; e a compensação de créditos com o valor correspondente ao aviso prévio que o Autor não cumpriu; e por outro lado, por impugnação, recusando a factualidade subjacente à justa causa invocada.

O Autor exerceu o contraditório, pugnando pela improcedência da exceção de caducidade e, bem assim, que a sua retribuição mensal era composta pelo valor base de € 1.955,23, acrescido de € 430,37.

Foi realizada audiência prévia (refª citius 444734118), no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, que verificou da regularidade da instância. Identificou-se o objecto do litígio e dispensou-se enunciação dos temas da prova.

 Foi fixado o valor da causa em € 74.292,39.

Realizada a audiência final de discussão e Julgamento (com sessões nos dias 4-05-2023, 11-05-2023 e 18-05-2023), foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte (transcrição[1]):

«Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:

i) condeno a R. A... a pagar ao A. AA a quantia de 188,14€ (cento e oitenta e oito euros e catorze cêntimos) a título de diferenças salariais pela retribuição de julho de 2021 e pelos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal ao ano da cessação do contrato, acrescida de juros de mora desde as datas de vencimento dos créditos em causa, calculados à taxa legal de 4% ao ano (artigos 804º, 805º, 806º e 559º, todos do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8/04 e artigo 278º, nº 5 do CT/2009;

ii) Absolvo a R. dos demais pedidos formulados pelo A..


*

 Custas pelo A. e R. na proporção do respectivo decaimento [99%/1%] - art.º 527º, nºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.

Notifique.».

O Autor, inconformado, interpôs recurso desta decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):

“I. A decisão em recurso, salvo o devido e merecido respeito, violou, designadamente, o disposto nos artigos 126.º, n.º 1 e 394.º do Código do Trabalho, artigo 762.º do Código Civil, Despacho 13510/2004 (2.ª série), de 9/7, Despacho 21506/2004 (2.ª série), de 21/10, Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/8 e Despacho 17151/2005 (2.ª série), de 10/8.

II. O Autor, ora Recorrente, resolveu o seu contrato de trabalho por justa causa com fundamento no disposto nas alíneas b), d), e) e f) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho (CT), tendo comunicado à Ré em 7 de Julho de 2021 os factos que justificavam a resolução e que violavam as suas garantias legais enquanto trabalhador;

III. Dos factos invocados como fundamento da resolução, ficaram provados, com relevância para o presente, os pontos 8 (em parte), 14, 15 e 16, da comunicação que correspondem à matéria assente em 5, 6, 7 e 8 da sentença recorrida;

IV. Ficaram, ainda, provados com relevância para apreciação do presente recurso os factos contantes de 4 da sentença recorrida;

POSTO ISTO, E SEM CONCEDER,

V. A Ré registou de forma deliberada e ilicitamente no IMT 16 exames práticos realizados nos dias 20/7/2017, 21/7/2017, 16/12/2020, 22/12/2020 em nome do Autor, tal como constam dos registos desta entidade, que não foram por ele realizados uma vez que estava de baixa médica por doença – cfr. registo de exames com resultados atribuídos àquele como se infere do ofício do IMT - Instituto de Mobilidade e dos Transportes, I.P., junto aos autos a 10/2/2023, Ref. Citius 34721455;

VI. Para tanto, foi incluído, sorteado e com resultados registados no seu nome, sendo que o sorteio é informático, de geração aleatória e da responsabilidade do centro de exames, devendo colocar apenas os examinadores disponíveis a sorteio – como o Autor estava de baixa médica não poderia ter entrado no sorteio,

VII. Factos que contrariam a lei - Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/08;

VIII. A actuação da Ré, além de contrariar a lei - Despacho 17150/2005 (2.ª série), de 10/08, representa uma dolosa, grave e ilícita conduta ao imputar ao Autor a responsabilidade pela realização de exames que não efectuou.

IX. A descrita factualidade representa uma quebra absoluta e um abalo profundo na relação de confiança do Autor na Ré, tornando inexigível a manutenção do vínculo contratual; Por outro lado,

X. A grave actuação da Ré quebrou definitivamente a relação de confiança que deveria existir entre as partes e nessa estrita medida provocou a ruptura, irremediável, da relação laboral,

XI. Tornando impossível, porque inexigível ao Autor, a manutenção do vínculo laboral;

XII. De resto, nada poderia garantir que a Ré persistisse na sua conduta - ilícita, de registar exames em nome do Autor sem que este os realizasse, o que sempre impediria a restauração da confiança deste naquela;

XIII. De sublinhar, ainda, que a actuação da Ré é absolutamente anormal e particularmente grave, pelo que deixou de existir o suporte psicológico mínimo para a continuação da relação laboral; Acresce que,

XIV. O incumprimento pela Ré do princípio geral de boa-fé na execução da relação laboral - art.º 126.º, n.º 1, do CT e art.º 762.º, n.º 2, do Cód. Civil (que também se aplica aos empregadores) consubstanciada no facto de saber que o Autor se encontrava de baixa médica e apesar disso incluiu-o nos sorteiros e registou exames em seu nome quando este os não realizou, constitui uma conduta intensamente ilícita e grave;

XV. A gravidade para o Autor decorre ainda do facto de ter sido condenado no âmbito de processo crime no exercício da sua atividade profissional de examinador, isto é, a simples possibilidade de ser envolvido em quaisquer processos judiciais relativos a exames que não efectuou e que a Ré registou no IMT em seu nome, assume particular relevância na relação profissional em curso, impossibilitando, de facto, a manutenção do contrato de trabalho;

XVI. Assim, a partir do momento em que o Autor tomou conhecimento de que haviam sido registados em seu nome exames práticos que não realizou por se encontrar ausente por baixa médica – 5 dos factos provados, foi obrigado a apresentar a resolução com justa causa.

XVII. Perante a quebra da relação laboral a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, não sendo objectivamente possível exigir ao Autor a manutenção da relação laboral no contexto da empresa;

XVIII. Ao contrário da apreciação, errada, feita pela Sra. Juiz a quo, da matéria de facto dada como provada resultam preenchidos não só os pressupostos do direito à resolução do contrato de trabalho como demonstrada a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral;

Acresce,

XIX. Que a partir de Maio de 2017 a Ré não mais atribuiu ao Autor exames de código marcados para o horário das 8h às 8h30 e nunca mais desempenhou as funções de substituição da Sra. Directora – cfr. 6, 7 e 8 dos factos provados;

XX. Destes factos provados resulta que a partir de 2007 foram retiradas funções ao Autor, quadro que constitui uma efectiva discriminação, marginalização, tratamento desigual e evidentemente injustificado, o que não pode deixar de considerar-se que afectou a dignidade do Autor enquanto trabalhador;

XXI. Tais factos provados, correlacionado com a demais factualidade provada, teve por efeito afectar a dignidade do Autor enquanto trabalhador criando um humilhante ou desestabilizador, característicos do assédio moral;

XXII. A sentença recorrida ao julgar que os referidos factos provados não foram graves e não tornaram impossível para o Autor a subsistência do vínculo laboral, padece de evidente erro de julgamento. Por outro lado,

XXIII. Na apreciação dos factos não teve em consideração normas legais a observar no julgamento da causa, designadamente, o Despacho 17150/2005, de 10/8, o que constitui exuberante erro de julgamento;

SEM PRESCINDIR,

XXIV. A douta sentença limitou-se a efectuar uma análise meramente substantiva dos factos provados e unicamente na perspectiva da Ré, não do Autor ou enquanto relação bilateral, com direitos e deveres mútuos, como é a de um qualquer contrato de trabalho, errando, assim de forma evidente;

XXV. A douta sentença enferma, ainda de vários erros de apreciação e de julgamento, sempre ressalvado o devido respeito que é muito, como se infere dos factos não provados. Desde logo,

XXVI. Deveria ter sido considerado provados os factos alegados em xii (art.º 9.º e 10.º da PI) atendendo a que a Ré não os contestou especificadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 574.º do CPC;

XXVII. E quanto aos que constam de ix, x e xi a sentença erra ao invocar o art.º 623.º do CPC uma vez que esta norma não tem aplicabilidade no caso vertente, considerando que a Ré não articulou nos autos qualquer facto constante da condenação proferida no processo penal, afastando, assim, quaisquer factos que integraram os pressupostos da punição; De referir, ainda que,

XXVIII. Todos os factos articulados pelas partes nos autos se reportam a data anterior ao trânsito em julgado do douto acórdão ocorrido a 5/01/2022 (12 dos factos provados), respeitando, por isso e apenas, à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré, totalmente alheia àqueles que foram apreciados e julgados no processo criminal;

XXIX. Mesmo que se aplicasse a referida norma adjectiva, o que não se admite, ficou provado (4 dos factos provados) que o Autor nunca foi sancionado por qualquer ilícito disciplinar desde que regressou ao trabalho em Maio de 2017 e até à cessação do contrato de trabalho, pelo que a prova produzida sempre infirmaria a presunção estabelecida no 623.º CPC,

XXX. Em consequência, devem ser considerados provados os factos constantes de ix, x, xi e xii dos factos não provados da sentença; Em suma,

XXXI. A Sra. Juiz da instância, na apreciação dos factos não teve em consideração normas legais a observar no julgamento da causa, o que constitui erro de julgamento;

XXXII. Os factos constantes dos autos evidenciam que a Ré agiu unilateralmente, em manifesta violação de normas legais ao subverter as regras quanto aos sorteios e registo de exames práticos e teóricos,

XXXIII. Quebrando inapelavelmente a relação de confiança que tem de existir entre o trabalhador e o empregador como elemento fundamental do vínculo laboral;

XXXIV. Neste âmbito, a matéria de facto provada é claramente suficiente para se poder dar como assente a justa causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 394.º e ss. do Código do Trabalho,

XXXV. E, bem assim, que a actuação da Ré, manifestamente grave, tornou impossível para o Autor a subsistência do vínculo laboral;

Deve, por isso, proferir-se Acórdão que, na procedência do recurso, condene a Ré nos pedidos formulados pelo Autor

Como é de JUSTIÇA».

A Ré contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I. O facto de o A., ora Recorrente nunca ter sido sancionado disciplinarmente, não consta da comunicação de resolução do contrato de trabalho, não constituiu fundamento para a resolução do contrato de trabalho, sendo tal facto, portanto, totalmente irrelevante para a apreciação dos fundamentos da resolução do contrato de trabalho.

II. De tudo quanto o A. alegou na comunicação de resolução do seu contrato de trabalho, resultou provada, exclusivamente, a factualidade constante dos pontos 5), 6), 7) e 8), dos Factos Provados, dos quais não se retira qualquer intenção da R. de desestabilizar, discriminar, perturbar ou humilhar o A., nem que os actos e decisões retratados nesses pontos tivessem provocado no A. qualquer desses efeitos.

III. Assim, os três factos provados, em si mesmos, nada representam em termos de fundamentos para a resolução do contrato de trabalho, nenhum objectivo denotam, nem nenhum efeito tiveram efectivamente sobre o ora Recorrente, sendo, portanto, forçoso concluir pela inexistência de assédio do R. sobre o A., ora Recorrente.

IV. Relativamente aos exames de condução (teóricos ou práticos) lançados no sistema informático do IMTT, referentes a 16 e a 22 de Dezembro de 2020, nos momentos em que o A. não se encontrava, por ter adoecido, o que consta quer no arquivo do R., quer no sistema do IMTT, é que não foram realizados.

V. Quanto aos exames lançados no sistema em nome do A., referentes aos dias 20 e 21 de 2017, encontra-se indicado nas pautas manuais qual o examinador responsável, bem como o motivo de não terem sido realizadas pelo ora A., sendo certo que o R. não tem capacidade para alterar o nome dos examinadores no sistema informático.

VI. O facto dado como provado sob o nº 5), de os exames práticos de 20-7-1017, 21-7-2017, 16-12-2020 e 22-12-2020 estarem lançados informaticamente em nome do A., quando este se encontrava de baixa médica, nada revela, nem nada permite concluir, em termos de conduta do R., da sua responsabilidade ou culpabilidade.

VII. Não se vislumbra no Despacho 17150/2005, de 10 de Agosto, a proibição de substituição de um examinador por outro, muito pelo contrário, de acordo com o ponto 1.1.2 o sorteio deverá atribuir a cada candidato um examinador entre os disponíveis no Centro de Exames.

VIII. A invocação da suposta responsabilização do ora A., a nível civil, judicial ou administrativo, pelos exames registados em seu nome, não constitui senão um pretexto, um argumento despropositado e impertinente, desde logo por não serem os registos de exames em nome do A. que possibilitam ou viabilizam a sua responsabilização por práticas ilícitas que lhe venham a ser imputadas, mas sim os factos e comportamentos que integrem esses ilícitos.

IX. O pedido de substituição de examinador que a Sra. Directora do Centro dirigiu ao IMTT no dia 24 de Maio de 2021, retratado no ponto 16) dos Factos Provados, não tem qualquer relevância em sede de apreciação dos fundamentos para a resolução do contrato de trabalho pelo A., pois que não consta como fundamento na respectiva comunicação, nem na p.i., nenhuma relação tendo tal exame co o ora A..

X. Nos termos dos nº.s 7 e 8 do Despacho nº 13.510/2004, de 9 de Julho, em caso de impedimento, por motivo de força maior ou imprevisível surgido no próprio dia, de um examinador designado para acompanhar as sessões das provas teóricas/técnicas de exame de condução previamente marcadas, pode o responsável do centro, após comunicação à Direcção de Serviços de Condutores, substituir aquele.

XI. Tendo ficado demonstrado que o A. se obrigou a cumprir um horário de trabalho com entrada às 9h00 e saída às 18h00, e não tendo ele, em lado algum, apontado qual o efeito nefasto causado pelo facto de não lhe terem sido atribuídos exames no horário das 8h às 8h30, deve este fundamento improceder, desde logo por se ter apurado e estar explicado o contexto e as razões pelas quais tal situação ocorreu.

XII. Assim, também a respeito do facto dado como provado no ponto 6), nenhum acto ilícito há a apontar à ora Recorrida, nenhum prejuízo se apurou, nenhuma perturbação se constatou ter sido provocada no A..

XIII. Ainda que fosse vontade do R./Recorrido nomear o A./Recorrente como substituto da Directora do Centro de Exames, nunca o poderia ter feito na maior parte do tempo decorrido desde o seu regresso em meados de 2017 e a data da cessação do contrato de trabalho, em 2021, pois que o A. esteve ausente nos anos de 2018, 2019 e 2020, e justamente nos períodos em que são geralmente marcados e gozados os períodos de férias, no verão.

XIV. De acordo com o Despacho nº 13.510/2004, e do art. 9º do Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio, ao Director do centro de exames compete a direcção e a coordenação das actividades do centro e a validação dos processos de exames e dos demais documentos necessários, sendo quem responde pela actividade do centro perante a DGV, pelo que, atento o nível de responsabilidade do trabalhador que ocupe tal posição a respectiva escolha cabe exclusivamente ao R., segundo o juízo de conveniência e um critério de confiança que, salvo melhor opinião, não são, sequer, ser sindicáveis.

XV. Não obstante à data do seu regresso não existir ainda condenação transitada em julgado, o ora Recorrente tinha contra si pendente um processo judicial em que vinha acusado da prática de crimes de corrupção no exercício da profissão de examinador, ao serviço do R, pelo que a confiança que o R. nele depositara encontrava-se extremamente abalada, a ponto de constituir um impedimento inultrapassável para a sua designação como substituto do cargo de topo do Centro de Exames.

XVI. A matéria constante das alíneas ix), x), xi) e xii), do Factos não provados não deve merecer qualquer relevância em sede de apreciação dos fundamentos da resolução, para a solução da questão da invocada prática de assédio, porque a falta de integridade ou de seriedade de um trabalhador não constituem justificação para tal prática, nem a legitimam.

XVII. Tal matéria encontra-se devida e especificadamente impugnada, nos arts. 7º, 9º a 14º da contestação, pelo que não deve considerar-se admitida por acordo.

XVIII. A condenação do ora Recorrente por crimes cometidos no exercício das suas funções ao serviço do ora Recorrido, sempre seria prova bastante para demonstrar justamente o contrário do alegado pelo ora Recorrente nos arts. 6º a 10º da p.i.

XIX. Assim, quer porque a prática dos factos demonstrados não constitui qualquer infracção pela R., não representa prática de assédio, não resulta de qualquer vontade de constranger, perturbar, ofender ou lesar o A., quer porque não resultou demonstrado que tais factos tenham humilhado, perturbado, lesado, ou constrangido o ora A., bem andou a douta sentença ao considerar que infundada a resolução do contrato de trabalho, não merecendo qualquer reparo.

Nestes termos e nos melhores de direito, cujo suprimento se impetra de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença.

Para que se faça justiça!».

O Tribunal a quo proferiu o despacho refª citius 452808267, admitindo o recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e nos próprios autos.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida, aí se lendo:

“[…] Do que se depreende das conclusões formuladas afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente no modo como impugna a matéria de facto da sentença sub iudice.

Atento o objecto dos presentes autos, considerando a douta sentença, ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que lhe ser feita, a qual, deverá ser integralmente confirmada, tendo apreciado todas as questões sobre as quais se tinha de pronunciar, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expresso.

 Na impugnação da matéria de facto quanto aos factos provados, o recorrente não observa o ónus impugnatório previsto no artº. 640.º nº. 1 al. c) do CPC, ao não ter indicado, em seu dizer, o sentido da decisão a proferir quanto a eles. Tal é causa de rejeição desta impugnação que apresenta na apelação – cfr. Ac.s do STJ de 5 e 27, ambos de Setembro de 2018.

Relativamente aos factos não impugnados não se vê como se pretende que sejam afirmados positivamente, sem que se invoquem os meios probatórios que imponham tal inversão factual, conforme a estatuição da al. b) do sobredito normativo.

Ou seja, a matéria de facto provada e não provada encontra-se estabilizada prejudicando a pretensão do recorrente. Encontra-se fixada a matéria de direito aplicável e sem que se vislumbre que haja de ser alterada.

O recorrente não logrou demonstrar cabalmente os fundamentos que imputa ao recorrido que consubstancie a resolução do seu contrato de trabalho por justa causa com fundamento no disposto nas alíneas b), d), e) e f) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho, designadamente no que diz respeito ao assédio moral.

Foi certeiramente fixado o crédito salarial

Daí que seja notório que a argumentação da alegação do recorrente não possa subsistir em confronto com a criteriosa fundamentação doutamente expendida na decisão sob recurso.

Como tal, a ilustre julgadora “a quo” estava a habilitada a pronunciar-se sobre o mérito da causa no modo como decidiu.

Improcedem, pois, as conclusões formuladas.

A douta sentença recorrida merece ser mantida na ordem jurídica.

Em suma, emite-se parecer no sentido de o presente recurso de apelação ser rejeitado quanto á matéria de facto ou ser-lhe negado provimento.».


O Autor apresentou resposta ao referido parecer, conforme requerimento refª citius 374112, evidenciando a sua discordância.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.


*

II – OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (adiante CPC), aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (adiante CPT)].

Assim, as questões a apreciar e decidir são:

(1) Impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos ix), x), xi) e xii) dos factos não provados - conclusões XXVI., XXVII., XXVIII., XXIX. e XXX;

(2) Saber se ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Autor/Recorrente e, em caso afirmativo, dos direitos consequentes.


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III – FUNDAMENTAÇÃO
1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

«Factos Provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão de mérito:

1) Entre Autor e Ré foi celebrado em 18 de Julho de 1994 um contrato de trabalho, sem prazo.

2) Foi, assim, admitido ao serviço da Ré para, sob sua autoridade e direcção exercer funções com a categoria profissional de Examinador de Condução Automóvel Técnica, mediante o salário base, ultimamente, de 1.995,13€ (art 2º e 43º da PI)

3) Obrigou-se a prestar 40 horas de trabalho semanal, com entrada pelas 09h00 e saída às 18h00 e intervalo para almoço das 13h00 às 14h00, sendo o sábado e o domingo dias de descanso.

4) O A. nunca foi sancionado pela R. por ilícito disciplinar. (art 11º da PI e 14º da contestação)

5) Os exames práticos de 20-7-2017, 21-7-2017, 16-12-2020, 22-12-2020 foram lançados informaticamente em seu nome, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático (art. 6º da PI).

6) Desde que retomou a funções na R., em Maio de 2017, que a Ré não atribui ao Autor exames de código marcados para o horário das 8h às 8h30 (art. 25º da PI). A – Factos provados

7) O Autor substituiu sempre a Directora do Centro de Exames da Ré desde 1994 desempenhando as mesmas funções nas suas ausências por motivo de férias, licença de maternidade, impedimentos para o trabalho ou qualquer outro motivo (art. 26º da PI)

8) Desde Maio de 2017, que o A nunca mais desempenhou as funções de substituição da Sra. Directora. (art. 27º da PI)

9) No dia 7 de Julho de 2021 o Autor comunicou por carta registada à Ré o seguinte: (art. 36º da PI)


10) A carta foi recebida pela Ré a 08/07/2021. (art. 38º da PI)

11) Em resposta de 19/07/2021, a Ré remeteu ao Autor o certificado de trabalho e a Declaração de Situação de Desemprego (art. 41º da PI).

12) Por acórdão proferido no âmbito do processo comum coletivo nº 3110/13.0JFLSB.P1, transitado em julgado a 5-1-2022 foi o autor condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão pela prática de 52 crimes de corrupção passiva previstos e puníveis pelo art. 373, n.º 1, do Código Penal, praticados no âmbito do exercício da sua atividade profissional de examinador ao serviço da ré e por causa da posição funcional que detinha na organização da ré, encontrando-se em cumprimento de pena desde 17-2-2022. (Art. 10º da contestação)

13) No âmbito do referido processo o A. esteve em cumprimento das medidas de coação de prisão preventiva e de suspensão do exercício de funções até 5-5-2017, altura em que retomou a prestação da sua actividade para a R. (art 52º e 54º da Contestação)

14) O A. esteve de baixa médica desde 2-5-2018 a 1-10-2020 (art. 56º da contestação).

15) Os exames são marcados com 5 dias de antecedência e os sorteios informáticos através dos quais são designados os examinadores são realizados 10 minutos antes do início de cada prova de exame prático (art. 31º da contestação).

16) Em situações de faltas imprevistas, por motivo de doença ou acidente, os examinadores sorteados são substituídos, para que os candidatos não percam a oportunidade de realizar o exame naquela data, sendo solicitada ao IMTT autorização para substituição do examinador ou procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes, alterando-se a hora do exame (art. 32º e 33º da contestação).

17) No dia 24-5-2021 a Sra Directora do Centro de exames da R. dirigiu ao IMTT pedido de substituição de examinador, o que foi autorizado pela Sra. Directora de Serviços. (art. 35º e 36º da contestação).

18) O A. não gozou 9 dias das férias vencidas a 1-1-2021 (art 55º da PI e 69º da contestação).

19) O A. trabalhou 8 dias em Julho de 2021 (art. 54º da PI).

20) Em Maio de 2021 a R. pagou ao A. a quantia de 2.385,60€ a título de subsídio de férias. (art. 70º da PI)

21) Aquando da cessação do contrato a R. pagou ao A. a título de créditos vencidos as seguintes quantias: - 1.955,13€ a título de retribuição base referente a Julho de 2021, deduzindo a quantia de 1.433,76€ correspondente ao período de 9 a 31 de Julho de 2021; - 975,93€ a título de férias não gozadas (9 dias); - 1.245,81€ a título de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2021; - 1.245,81€ a título de subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2021; - 1.245,81€ a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2021. (art. 71º da contestação)

22) Às quantias processadas, a R. deduziu a título de aviso prévio que o A. não cumpriu, descontando a quantia de 3.910,26€ (72º da contestação).

Factos não provados

Com relevo para a decisão de mérito da discussão da causa não resultou provado:

i) Desde 26 de Abril que a Ré marcou exames de pesados de hora a hora, obrigando o Autor a cumprir no espaço de uma hora o exame, a deslocar-se até ao veículo onde se encontrava o candidato e o instrutor (deslocação de cerca de 300 metros a pé), a identificar o candidato e o instrutor (despende cerca de 5 minutos) e ainda que se procedesse à higienização do veículo, procedimentos que impediam o cumprimento do descanso obrigatório do Autor em particular quando os exames eram marcados, como foram, para as 12 ou para as 17 horas, sendo que o período de descanso era das 13 às 14 horas e o período diário de trabalho terminava às 18 horas, como foi o caso, entre outros, do exame realizado no dia 09/06/2021.

ii) No dia 28 de Junho de 2021 os sorteios da tarde, entre as 14h00 e as 17h00, bem como os dos dias 1, 5 e 6 de Julho de 2021, às 14h00, não foram efectuados pela pessoa indicada pelo IMTT (Directora do Centro), nem por nenhum dos examinadores que poderiam ser nomeados em sua substituição, mas sim pela funcionária de secretaria BB.

iii) Os exames teóricos e práticos de 22/07/2017 a 27/07/2017, de 02/05/2018 a 09/05/2018, 23/12/2020, 12/05/2021 e 20/05/2021 a 27/05/21 foram lançados informaticamente em seu nome, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático nesses períodos.

iv) O Autor não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efectuar nos exames de condução de motociclos, não tendo a Ré, posteriormente, transmitido ao Autor as decisões tomadas na referida reunião no que respeita, designadamente aos procedimentos a adoptar nos exames de motociclos.

v) O Autor foi impedido de participar na reunião do dia 1 de Julho de 2021; porquanto quando a Directora do Centro de Exames da Ré constatou que o Autor se apercebera que ocorria tal reunião, deslocou-se para o seu gabinete, acompanhada pelos examinadores que participavam na reunião e neste local prosseguiram com a mesma.

vi) De resto, o Autor tem vindo a ser excluído de todas as reuniões que a Ré promove com os examinadores a fim de lhes dar conhecimento das alterações e deliberações legislativas, entre outros assuntos.

vii) Na substituição da Sra. Directora o A. foi substituído por um examinador novo no centro, muito menos experiente nesse tipo de funções e com menos habilitações académicas, quadro que representa uma humilhação face aos funcionários que habitualmente o viram exercer tais funções durante 25 anos.

viii) A Ré retirou ao Autor funções de acompanhamento na integração de novos examinadores, passando a designar examinadores com menor experiência, o que representa um manifesto desprestigio e humilhação.

ix) O Autor foi um trabalhador que sempre revelou interesse e zelo pelas tarefas que lhe foram confiadas, procurando exercê-las, como sempre exerceu, com probidade e eficiência. (art. 6º da PI)

x) Sempre acatou e cumpriu as ordens dos seus superiores hierárquicos, pautando a sua postura profissional por uma rigorosa isenção e lealdade (art. 7º da PI).

xi) Actuando com idoneidade e verticalidade em subordinação aos objectivos da empresa e na perspectiva do interesse que à mesma subjaz, tendo sido sempre o examinador com maior nota nas avaliações de desempenho anuais, efectuadas pela chefia directa e pela Ré. (art. 8º da PI)

xii) O Autor revelou-se um trabalhador com um comportamento exemplar no que concerne às relações e trato com os colegas de trabalho, superiores hierárquicos e candidatos a exame; sempre foi respeitador e educado, jamais tendo sido posto em causa o seu irrepreensível comportamento. (art. 9º e 10º da PI)

xiii) O facto de ter ficado sem o seu posto de trabalho e não ter recebido os montantes reclamados, vendo-se sem remuneração e perspectivas de futuro, deixou o A. devastado psicologicamente, ficando profundamente transtornado e desorientado, perdendo a auto-estima, o que lhe originou enorme angústia e ansiedade, sentimentos de preocupação, desgosto, revolta e perturbação do sono. (art. 51º, 59º, 60º, 62º e 63º da PI)


*

Ao restante alegado não se respondeu por se considerar matéria de direito e/ou alegação conclusiva, mera impugnação ou repetição de factos a que já se respondeu.».

***

2) Impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos ix), x), xi) e xii) dos factos não provados - conclusões XXVI., XXVII., XXVIII., XXIX. e XXX

Nesta sede, o Recorrente/Autor invoca que a sentença recorrida enferma de erro de apreciação e julgamento, em sede de matéria de facto, ao ter dado como não provados os pontos ix), x), xi) e xii), sustentando que tais pontos devem   considerar-se provados.

Defende que o ponto xii) deve ser considerado provado porque a Ré não contestou especificamente essa matéria (artigo 9.º e 10.º da petição inicial), nos termos e para efeitos do artigo 574.º do CPC.

No que se refere aos pontos ix), x) e xi), invoca que a sentença erra ao invocar o artigo 623.º do CPC, uma vez que tal norma não tem aplicabilidade no caso vertente, considerando que a Ré não articulou nos autos qualquer facto constante da condenação proferida no processo penal, afastando, assim, quaisquer factos que integraram os pressupostos da punição. Argumenta que todos os factos articulados nos autos, pelo Autor e pela Ré, se reportam a data anterior ao trânsito em julgado do Acórdão a que se alude em 12 dos factos provados, respeitando somente à relação laboral estabelecida entre o Autor e a Ré, totalmente alheios àqueles que foram apreciados e julgados no processo criminal. Mais argumenta que, ainda que se aplicasse a referida norma adjetiva, encontra-se provado no ponto 4) que o Autor nunca foi sancionado pela Ré por ilícito disciplinar, pelo que se pode concluir que o Autor não praticou qualquer ilícito disciplinar desde que regressou ao trabalho em maio de 2017 e até à cessação do contrato de trabalho. Refere ainda que a ser assim, como é, a prova produzida em audiência sempre infirmaria a presunção estabelecida no artigo 623.º do CPC, ao contrário do que a decisão recorrida refere.

A Recorrida contrapõe que a matéria constante das alíneas ix), x), xi) e xii) dos factos não provados não deve merecer qualquer relevância em sede de apreciação dos fundamentos da resolução, para a solução da questão da invocada prática de assédio, porque a falta de integridade ou seriedade de um trabalhador não constituem justificação para tal prática, nem a legitimam. Defende que a matéria em causa se encontra devida e especificamente impugnada na contestação, pelo que não deve ser considerar-se admitida por acordo. Mais argumenta que a condenação do Recorrente por crimes cometidos no exercício das suas funções ao serviço da Recorrida, sempre seria prova bastante para demonstrar justamente o contrário do alegado pelo Recorrente nos seus artigos 6º a 10º da petição inicial.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação, refere que deverá ser rejeitada a impugnação quanto aos factos provados, por incumprimento do ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC. Já no que respeita aos factos não provados refere que não se vê como pretende que sejam afirmados positivamente, sem que se invoquem os meios probatórios que imponham tal inversão factual, conforme a estatuição da alínea b) do mesmo normativo.

Preliminarmente, importa enquadrar os termos em que está prevista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, já que haverá desde logo que aferir se foram observados os ónus estabelecidos pelo legislador a cargo da parte recorrente.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023[3] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».

Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” [tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento];

b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” [tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada];

c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 alínea a) do mesmo artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Importa consignar que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6-02-2024[4] e de 23-01-2024[5]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[6]. Tal entendimento é também defendido por António Santos Abrantes Geraldes[7].

Assim, e como também evidencia António Santos Abrantes Geraldes[8], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça):

a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];

b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];

c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);

d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.

No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[9], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

Conforme sublinha António Abrantes Geraldes[10], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Como também se dá conta no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-01-2024[11], os princípios gerais de proporcionalidade e razoabilidade «têm essencialmente uma função moderadora da rigidez e do exacerbado formalismo na análise do cumprimento do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, funcionando como uma espécie de filtro de segurança do sistema, sem que, em circunstância alguma, devam servir como forma de desculpabilização, panaceia ou manto (ilimitado) de cobertura e salvaguarda de falhas ou omissões, quando é evidente o não acatamento de cada uma das obrigações processuais aí especificamente exigidas, com o inerente prejuízo para o exercício do contraditório que assiste à outra parte».

Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente.

Por um lado, analisado o recurso do Recorrente (alegações e conclusões), verifica-se que o mesmo incide sobre impugnação da matéria de facto, sendo certo que o Recorrente cumpriu o ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso, concretizando os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e indicando a decisão a proferir sobre esses pontos impugnados.

Neste particular, resulta inequívoco que o Recorrente incide a impugnação sobre os pontos ix), x), xi) e xii) da matéria de facto não provada, visando que os mesmos sejam considerados provados.

A impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente, ao contrário do pressuposto no parecer do Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto, não incide sobre qualquer ponto da matéria de facto considerada provada.

Por outro lado, a impugnação apresentada não surge alicerçada pelo Recorrrente em meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impussessem decisão diversa quanto a essa matéria.

Com efeito, o Recorrente alicerça a impugnação não em meios probatórios que tenham sido produzidos, mas sim em argumentação jurídica atinente, em substância, a regras processuais que considera terem sido desconsideradas [caso do artigo 574.º, n.º 2, do CPC – sustenta que foi desconsiderado o acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto à matéria do ponto xii)] ou aplicadas indevidamente [caso da presunção do artigo 623.º do CPC – quanto aos demais pontos impugnado]) e, bem assim, por considerar que o facto provado sob o ponto 4 sempre infirmaria a referida presunção.

Entende-se, pois, que estão reunidos os necessários pressupostos para o conhecimento da impugnação apresentada pelo Recorrente, sendo certo que a natureza desta sindicância se insere no âmbito da intervenção do Tribunal da Relação prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

Os postos ix), x), xi) e xii) têm o seguinte teor:

«ix) O Autor foi um trabalhador que sempre revelou interesse e zelo pelas tarefas que lhe foram confiadas, procurando exercê-las, como sempre exerceu, com probidade e eficiência. (art. 6º da PI)

x) Sempre acatou e cumpriu as ordens dos seus superiores hierárquicos, pautando a sua postura profissional por uma rigorosa isenção e lealdade (art. 7º da PI).

xi) Actuando com idoneidade e verticalidade em subordinação aos objectivos da empresa e na perspectiva do interesse que à mesma subjaz, tendo sido sempre o examinador com maior nota nas avaliações de desempenho anuais, efectuadas pela chefia directa e pela Ré. (art. 8º da PI)

xii) O Autor revelou-se um trabalhador com um comportamento exemplar no que concerne às relações e trato com os colegas de trabalho, superiores hierárquicos e candidatos a exame; sempre foi respeitador e educado, jamais tendo sido posto em causa o seu irrepreensível comportamento. (art. 9º e 10º da PI)».

Está em causa matéria alegada pelo Autor, vertida nos artigos 6º a 10º da petição inicial.

Ora, ressalvando o devido respeito por distinta posição, considera-se não assistir razão ao Autor quando refere que a matéria constante dos artigos 9.º e 10.º da petição inicial (vertida em xii) dos factos não provados) deve ser dada como provada porque a Ré não a contestou especificamente nos termos e para os efeitos do artigo 574.º do CPC.

O artigo 574.º do CPC dispõe que:

1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.

2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.

3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.

(…)”.

Prevê este normativo a consagração legal do ónus de impugnação, que impõe ao réu que tome posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, contradizendo-os em sentido amplo (cfr. ainda o artigo 571.º, n.º 2, do CPC). Posição definida não significa uma ponderação singular de cada facto (como ocorria no direito processual anterior), mas uma tomada de posição clara sobre os factos concretos alegados, de tal forma que estes se possam ter por impugnados ou não (quer se trate de uma negação singela ou mediante alegação diferenciada e oposta à do autor). Estamos perante um verdadeiro ónus na medida em que o seu incumprimento coloca o réu em posição desfavorável, provocando a admissão dos factos constitutivos não impugnados, nos moldes previstos no n.º 2 do citado preceito.

No caso, sem sequer entrarmos na questão de saber se estamos perante factos essenciais que constituem a causa de pedir invocada pelo Autor – a causa de pedir são os factos concretos de onde emergem os direitos do autor e que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido – e da sua irrelevância para o desfecho da ação, o certo é que se considera que a matéria contida nos artigos 9.º e 10.º da petição inicial (tal como acontece com a constante dos artigos 6.º a 8.º do mesmo articulado), terá que considerar-se impugnada tendo em conta a contestação apresentada pela Ré, mais precisamente o constante nos seus artigos 7.º, 9.º, 10.º a 15.º [artigo 7.º - “Não se impugnam os factos constantes dos arts. 1º, 3º da p.i., os únicos em toda a peça processual que correspondem à realidade, vertidos que estão sem distorção, manipulação ou dissimulação. O mesmo não se poderá dizer de tudo mais quanto vem alegado na p.i. ; artigo 9.º - “Antes de mais, é falso o alegado nos arts. 6º. a 8º da p.i.”; artigo 10.º - “O A. foi condenado, no âmbito do processo nº 3110/13.0.0JFLSB.P1, à pena de 6 anos e 3 meses de prisão, pela prática de 52 crimes de corrupção passiva, crimes estes levados a cabo no âmbito do exercício profissional das suas funções de examinadora, ao serviço da ora R. – cfr. documento nº 3 – Ac. Tribunal da Relação do Porto – 4ª Secção.”; artigo 11.º - “Como se pode ler no douto Acordão, os crimes foram perpetrados pelo ora A. no decurso do contrato de trabalho que mantinha com a ora R., em execução do mesmo, e por causa justamente, da posição funcional que detinha na organização da ora R., como examinador.”; artigo 12.º - “O A. não pode, pois, em dimensão alguma e sob ponto de vista nenhum, ser considerado um trabalhador exemplar, muito menos leal, idóneo, recto e de comportamento irrepreensível como alega.”; artigo 13.º “Com a prática dos crimes que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado pelo Tribunal da Relação do Porto, cometeu igualmente ilícitos disciplinares”; artigo 14.º-“Pelos quais nunca foi sancionado em sede disciplinar, pelo mero facto de a ora R. ser totalmente desconhecedora daquela realidade, com a qual foi surpreendida na data da detenção do ora A., e por não ter acesso aos factos e elementos de prova que suportariam um procedimento disciplinar.”; artigo 15.º- “O A. não ter registo de ilícitos disciplinares é uma coisa. Não os ter cometido e reputar-se como trabalhador leal e idóneo, é outra”.

Nesta consonância, quanto à matéria constante no ponto ix) dos factos não provados, por via do artigo 574.º do CPC, não existe qualquer acordo das partes, por aceitação expressa ou falta de impugnação, que permitisse à sentença recorrida dar como provada a factualidade em causa com base no acordo das partes.

Importa ainda sublinhar que a matéria vertida sob os pontos ix), x), xi e xii) foi invocada pelo Autor e mesmo dando de barato a respetiva relevância para o direito alegado, o certo é que sobre si sempre recaía o ónus de prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Tal factualidade foi considerada não provada.

Em termos de fundamentação, no que ora releva, consta da sentença recorrida o seguinte:

«No que concerne à idoneidade e isenção no exercício das funções por parte do A. em face da condenação transitada em julgado, por crimes cometidos no exercício de tais funções ao serviço da Ré, a prova produzida em audiência não infirmou a presunção estabelecida no artigo 623º do CPC, ex vi art. 1º, nº 1 a) do CPT, motivo pelo qual resultaram não provados – cfr. certidões de fls. 871 e 877. (…)

A demais factualidade factualidade dada como não provada ficou a dever-se a não ter sido realizada prova cabal acerca da verificação da mesma, designamente não resultando dos documentos ou dos depoimentos das testemunhas analisados individual ou conjuntamente.».

O Recorrente refere que o artigo 623.º do CPC não tem aplicabilidade na presente situação.

A propósito da «oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória» o artigo 623.º do CPC na sua formulação vigente – que reproduz, sem alterações, o anterior artigo 674.º-A na redação do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro -, dispõe o seguinte:

“A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.

Daqui decorre que a condenação definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros (relativamente ao processo penal) presunção iuris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) no que concerne à existência dos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.

No entanto, entre as partes, ou seja, entre aqueles que intervieram no processo penal, designadamente arguido e demandante cível, a decisão tem necessariamente eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e a culpa, que não podem por isso ser de novo objeto de discussão dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido.

Sobre esta matéria elucidam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[12] o seguinte:

«A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer acção de natureza cível, em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infracção.(…) A presunção é invocável perante terceiros relativamente ao processo penal (por exemplo, perante a seguradora da pessoa penalmente condenada por acidente de viação: ac. do STJ de 23.05.2000, Tomé de Carvalho www.dgsi.pt, proc.00A397) que a poderão ilidir. Entre as partes, a presunção é inilidível (ac. stj de 13.01.2010, Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt, proc. 1164/07) Com efeito enquanto o arguido condenado teve oportunidade de exercer o direito de defesa, os terceiros foram alheios ao contraditório no processo penal.

Não se trata aqui, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado; não está, porém, em causa a eficácia do caso julgado (ao contrário do que a inserção dos artigos que regulam a matéria poderia levar a supor), mas a eficácia probatória da sentença penal. Ver Maria José Capelo, A sentença entre a autoridade e a prova: em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Coimbra, Almedina, 2015, ps. 149-224 e 394: afastada a ideia de que a vinculação do juiz cível à sentença penal constitua um fenómeno de caso julgado, a autora entende que nos encontramos perante uma “situação sui generis”, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos “presumidos”, mas sim uma “confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal”».

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência, de que é exemplo o mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2010[13], onde se lê o seguinte:

Sendo este o regime aplicável no caso, por força do disposto nos artigos 16.º e 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, complexo normativo que se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho de 1981, a decisão penal condenatória em causa, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, tem eficácia absoluta quanto «à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção» (…)

Ora, o recorrente e a recorrida intervieram no processo-crime em causa, na qualidade, respectivamente, de arguido e assistente, pelo que a dita condenação do recorrente nesse processo criminal, uma vez transitada em julgado, e onde, na parte relativa àquele, se discutiam, como se extrai dos factos 11) e 12), no essencial, os mesmos factos imputados na decisão disciplinar e constantes da base instrutória, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido.

É que, tal como se decidiu no citado acórdão de 14 de Fevereiro de 2002, «[a] possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado mas, apenas, em homenagem ao princípio do contraditório, aos sujeitos processuais não intervenientes no processo penal, para lhes dar a oportunidade de demonstrar que, afinal, o arguido, não obstante ter sido condenado definitivamente não actuou com culpa e, portanto, não praticou os factos integradores da infracção por que foi condenado»”.

Também a propósito da eficácia probatória da decisão penal condenatória, escreve-se no Acórdão da Relação de Évora de 23-02-2017[14] o seguinte:

“A eficácia probatória da sentença penal condenatória transitada em julgado no processo civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração, nos termos do artigo 623º do CPC, traduz-se assim no seguinte: em relação a terceiros, aquela sentença constitui presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime. Decorre implicitamente desta norma, sob pena de não fazer sentido a ressalva dela constante quando se trate de terceiros, que, em relação aos próprios arguidos, os factos referidos na mesma norma devem ser considerados provados no processo civil.

Assim, «provada, no processo penal, a prática dum acto criminoso que constitua ilícito civil, o titular do interesse ofendido não tem o ónus de provar na acção civil subsequente o acto ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e do nexo de causalidade».”.

No caso dos autos, encontra-se provado que por Acórdão proferido no âmbito do processo comum coletivo nº 3110/13.0JFLSB.P1, transitado em julgado a 5-1-2022, foi o autor condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão pela prática de 52 crimes de corrupção passiva previstos e puníveis pelo artigo 373, n.º 1, do Código Penal, praticados no âmbito do exercício da sua atividade profissional de examinador ao serviço da ré e por causa da sua posição funcional que detinha na organização da ré, encontrando-se em cumprimento de pena desde 17-2-2022 [ponto 12 dos factos provados].

Este ponto da matéria de facto provada não foi objeto de impugnação, sendo certo que consta dos autos prova documental – certidão – atinente à sobredita condenação em processo penal, por decisão transitada em julgado.

A presente ação foi instaurada pelo Autor e, salvo melhor opinião, não está em causa uma ação civil em que se discuta relação jurídica dependente da prática da infração (52 crimes de corrupção passiva pelo qual o Autor foi condenado no identificado processo penal). Nesta ação não estão em crise factos que integrem os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal ou os elementos atinentes à forma do crime. Pelo que não fará aqui sentido apelar ao artigo 623.º do CPC com o âmbito que atrás ficou enunciado.

Seja como for, o certo é que constitui facto assente e incontestável (ponto 12 dos factos provados) que o aqui Autor, por Acórdão proferido no âmbito do processo comum coletivo nº 3110/13.0JFLSB.P1, transitado em julgado a 5-1-2022, foi condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão pela prática de 52 crimes de corrupção passiva previstos e puníveis pelo artigo 373, n.º 1, do Código Penal, praticados no âmbito do exercício da sua atividade profissional de examinador ao serviço da ré e por causa da sua posição funcional que detinha na organização da ré. Consta dos autos a prova documental atinente a tal condenação, da qual se alcança a factualidade que esteve na base dessa condenação, à qual apela, aliás, a sentença recorrida em sede de fundamentação.

Basta conjugar a factualidade provada sob o ponto 12) e a sobredita prova documental – decisão penal condenatória transitada em julgado, portanto definitiva –, com a devida análise dos factos constitutivos das infrações cometidas pelo aqui Autor ao longo dos anos no exercício das suas funções ao serviço da Ré (factos esses que quanto ao aqui Autor se encontram provados em termos definitivos na decisão penal proferida), para se concluir no sentido de que foi mesmo feita prova em sentido logicamente incompatível com a resposta positiva no que concerne à alegada idoneidade, isenção, probidade, zelo, lealdade, verticalidade, comportamento exemplar e irrepreensível, no exercício das suas funções de examinador ao serviço da Ré.

Refira-se que o facto de estar provado que nunca foi sancionado pela Ré por ilícito disciplinar (ponto 4) dos factos provados), ao contrário do que sustenta o Autor, não permite a conclusão que o mesmo não praticou qualquer ilícito disciplinar desde que regressou ao trabalho em maio de 2017 e até à cessação do contrato de trabalho (como, aliás, também não o permite concluir em relação ao período temporal anterior a esse regresso, sendo certo que os mencionados 52 crimes pelos quais foi condenado respeitam a anos anteriores e a verdade é que o Autor nunca foi sancionado disciplinarmente pela Ré).

Depreende-se ainda da sentença recorrida que a prova produzida em audiência não foi de molde a alicerçar uma convicção segura e cabal quanto à demais factualidade considerada não provada e em causa nos pontos impugnados – máxime quanto ao aspeto da eficiência, maior nota nas avaliações de desempenho anuais, efetuada pela chefia direta e pela Ré, e da educação.

O Autor não especificou quaisquer concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impusessem decisão diversa da recorrida nessa matéria, reportando-se à “prova produzida em audiência”, sem concretizar e apreciar criticamente os meios de prova produzidos – constantes do autos ou da gravação que, no seu entender, implicariam decisão diversa da impugnada.

Por todo o exposto, improcede a impugnação.


*

O elenco factual a atender é, pois, aquele que como tal foi considerado em 1ª instância.

*

3) Da existência de justa de resolução do contrato de trabalho.

Na sentença recorrida referiu-se, para além das considerações jurídicas que tece, o seguinte (transcrição):

«(…)

Quanto aos fundamentos da justa causa invocada, volvendo ao acervo factual assente, extrai-se, por um lado que, desde que retomou a funções na R., em Maio de 2017, esta não atribui ao Autor exames de código marcados para o horário das 8h às 8h30, e por outro lado que não obstante o A. tivesse substituído sempre a Directora do Centro de Exames da Ré desde 1994 desempenhando as mesmas funções nas suas ausências por motivo de férias, licença de maternidade, impedimentos para o trabalho ou qualquer outro motivo, desde Maio de 2017, nunca mais desempenhou as funções de substituição da Sra. Directora. Acresce que, os exames práticos de 20-7-2017, 21-7-2017, 16-12-2020, 22-12- 2020 foram lançados informaticamente em seu nome, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático.

Ora, nem esta factualidade é suficiente, de per si, de configurar conduta culposa da R., nem a mesma integra a prática de assédio.

Com efeito, o horário de trabalho praticado pelo A. não era compatível com a marcação de exames às 8h; a ausência prolongada por motivo de doença, não permitiria a substituição da Sra. Directora; por fim, o lançamento informático de exames, feito com antecedência, que o A. no dia aprazado não levou a cabo por motivo de saúde (doença ou isolamento profilático), mostra-se colmatado com o registo manual do exame que permite aferir as concretas circunstâncias da sua realização. Veja-se que tanto o isolamento profilático como o meio dia de falta se a situações imprevistas face à necessária antecedência na marcação dos exames.

(…)

Volvendo ao caso vertente, não se verifica a existência de um comportamento da R. que tenha o efeito de exercer pressão sobre o A., atentando contra a sua dignidade, constrangendo-o mormente a resolver o contrato de trabalho.

Em suma, o A. não logrou provar, como lhe competia o acervo dos factos que comunicou à R. como susceptível de justificar a resolução do contrato, e que fosse gerador da impossibilidade imediata de manutenção da relação de trabalho.

Consequentemente, concluímos que o A. tendo, é certo, resolvido o contrato de trabalho a 8-7-2021, não logrou, porém, fazê-lo com justa causa, nos termos do art. 394º, nº 2, alíneas b), d) e) e f) do CT/2009, concluindo-se pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo A..

Consequentemente, não tem o A. direito à peticionada indemnização pela resolução do contrato, em face do disposto no artigo 396º, nº 1, do CT/2009.».

O Recorrente mostra a sua discordância com o assim decidido, pelas razões plasmadas na apelação, sintetizadas nas conclusões já acima transcritas.

Por sua vez, a Recorrida pugna pela manutenção da sentença recorrida, rebatendo a linha argumentativa apresentada pela Recorrente nos termos explicitados nas contra-alegações e sintetizados nas respetivas conclusões também acima transcritas.

O Exmo. Procurador-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sustentando que tendo em conta a matéria de facto provada e as disposições legais, outra não podia ser a decisão.

Para a resolução da questão em apreciação, haverá que apelar ao regime contido no Código do Trabalho de 2009[15] (aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-09),  que, sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho, dispõe:

Artigo 394.º[16]

Justa causa de resolução

 1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

2. Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;

c) Aplicação de sanção abusiva;

d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante;

3. Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:

a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;

b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;

c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição;

d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.

4. A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.

5. Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.

Artigo 395.º

Procedimento para resolução de contrato de trabalho pelo trabalhador

 1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

(…)

Artigo 396.º[17]

Indemnização ou compensação devida ao trabalhador

1 – Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

2 – No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.

3 – O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.

4 – No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.

5 – Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º.

A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa a que alude o artigo 394.º, pode ser fundada num comportamento ilícito e culposo do empregador (situação do n.º 2) ou resultante de circunstâncias objetivas (relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador – situação do n.º 3). O n.º 2 consagra o que se designa de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho, enquanto que o n.º 3 se reporta à justa causa objetiva para essa resolução. Apenas a primeira das situações confere direito ao pagamento da indemnização prevista no artigo 396.º, n.º 1.

Como constitui entendimento sedimentado, para que ocorra justa causa para a resolução do contrato de trabalho, seja a subjetiva, seja a objetiva, não basta a mera verificação da existência de alguma das situações previstas (a título meramente exemplificativo) no n.º 2 ou no n.º 3 do artigo 394.º.

Ainda que com as necessárias adaptações, a justa causa para a resolução deverá, em traços gerais, reconduzir-se à impossibilidade/inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral e ser apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º [que dispõe que «na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.»].

A dimensão normativa da cláusula geral da resolução pelo trabalhador prevista no n.º 1 do artigo 394.º exige mais que a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no n.º 2 ou no n.º 3, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos de tal modo graves, em si ou nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade em benefício do empregador[18].

Da análise dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 394.º decorre que o direito potestativo do trabalhador de resolver o contrato com justa causa subjetiva depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

1 – Um comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, isto é que o mesmo atue ilicitamente – elemento objetivo;

2 - Que tal comportamento (por ação ou omissão) seja culposo, isto é imputável ao empregador a título de culpa – elemento subjetivo;

3 - e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – elemento causal.

O terceiro pressuposto limita o exercício do direito de resolução do contrato pelo trabalhador aos casos em que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.

O referido juízo de “inexigibilidade” terá de ser feito em concreto, isto é, tomando em consideração todas circunstâncias relevantes do caso, e tem de assentar em critérios valorativos objetivos, sendo de excluir quaisquer juízos puramente subjetivos ou arbitrários.

Como assim, é de concluir pela impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho (pela existência de “justa causa” de resolução) quando, nas circunstâncias concretas, a subsistência da relação laboral e das relações pessoais e patrimoniais que ela implica sejam de molde a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição concreta daquele trabalhador, quando a continuidade do vínculo represente para ele uma injusta imposição. Torna-se necessário, pois, que a conduta da empregadora seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater famílias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.

Mas, na apreciação da questão da inexigibilidade, como vem sendo realçado pela doutrina e jurisprudência, devemos ter em conta que o trabalhador não dispõe, quando lesado nos seus direitos, de formas de reação alternativas à resolução, ao invés do que sucede com o empregador que dispõe de um conjunto de sanções disciplinares de natureza conservatória para reagir a determinada infração cometida pelo trabalhador. Por essa razão, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral a fazer, no caso da resolução do contrato com invocação de justa causa por iniciativa do trabalhador, não pode ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento (não deve ser aferida exatamente pelos mesmos critérios, nem com o mesmo rigor da inexibilidade presente na justa causa de despedimento)[19].

Importa também ter presente que a relação laboral acarreta deveres para ambas as partes (artigos 126.º a 128.º). O empregador em termos de deveres gerais tem a obrigação de atuar de boa fé e colaborar na promoção humana, profissional e social do trabalhador (artigo 126.º). No artigo 127.º constam deveres do empregador, constando no seu n.º 1 que o empregador deve, nomeadamente: “Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio” (alínea a)); (…) “Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral” (alínea c).

No caso em análise, o trabalhador, depois de elencar na carta de resolução os factos em que fundava a cessação do contrato pela via da resolução com invocação de justa causa, concluiu nessa mesma missiva que dessa factualidade resultava que a entidade empregadora “tem promovido a discriminação do signatário, criou deliberadamente um ambiente de trabalho hostil, obsta ou rejeita injustificadamente o exercício dos seus plenos direitos enquanto trabalhador, mais violando, entre outras, a obrigação de o tratar com respeito e de lhe proporcionar boas condições morais de trabalho”.

Em sede de recurso, o Recorrente concluiu que a factualidade provada teve por efeito afetar a sua dignidade do enquanto trabalhador, criando um circunstancialismo humilhante e desestabilizador, característicos do assédio moral.

O assédio é uma das situações suscetíveis de, nos termos dos n.ºs 1 e 2, alínea b) do, artigo 394.º, constituir justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho, o que sucedia já anteriormente à alteração operada pela Lei n.º 93/2019, de 4-09, que o veio destacar expressamente como justa causa de resolução.

No âmbito do Código de Trabalho de 2009, em linha com o preceituado no artigo 15.º, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 129.º, n.º 1, al. c), e concretizando os comandos constitucionais presentes nos artigos 25.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelece o n.º 2 do artigo 29.º[20] que por assédio se entende “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador”.

O assédio constituiu fenómeno que tem vindo a vulgarizar-se e que, por isso, tem merecido atenção crescente, designadamente a nível doutrinal, existindo também inúmeros acórdãos que se debruçam sobre o mesmo.

Sobre a temática do assédio, iremos acompanhar aqui, dada a sua relevância, o que a esse respeito, por apelo fundado à Doutrina e Jurisprudência, se refere no muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2024[21]. Tal Acórdão explana de forma singular e clara os princípios e quadros analíticos relevantes em matéria de assédio, em termos que merecem a nossa inteira concordância e que plasmam a Jurisprudência firmada da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, razão pela qual se opta pela sua transcrição[22].

Escreve-se neste último Acórdão o seguinte:

«Com amplitude acrescida em relação ao regime consagrado no CT/2003, as condutas neste âmbito relevantes deixam de estar necessariamente reportadas a situações de discriminação, abrangendo agora a lei, expressis verbis, a par do assédio sexual – que constitui uma discriminação de género (cfr. art. 29.º, n.º 3)– as seguintes formas de assédio:

– O assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente, num dos fatores discriminatórios descritos no art. 24.º;

– O assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar determinado trabalhador da empresa, sendo que “apenas esta modalidade de assédio tem estruturalmente implícita a exigência de um comportamento reiterado e prolongado no tempo, ao passo que as outras formas (…) podem corresponder a uma conduta momentânea”.[23] Numa formulação sintética, pode dizer‑se que esta modalidade de assédio implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[24], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

A este propósito, como assinala Júlio Manuel Vieira Gomes, importa destacar que “as humilhações são proibidas porque são uma afronta à dignidade da pessoa e uma violação dos seus direitos e não porque constituem um tratamento desigual” [“o assédio não é mais aceitável só porque o empregador insulta indiscriminadamente todos os seus trabalhadores”], pelo que as situações em que o assédio não reveste natureza discriminatória em nada lhe retiram ou diminuem a ilicitude/gravidade[25].

Na verdade, na expressão do mesmo autor: “[A]s proibições de discriminação visam (…) evitar a injustiça criada pela circunstância de um comportamento que, em si mesmo, seria legítimo, se tornar ilegítimo por uma diferenciação injusta”; e, ao invés, “no comportamento humilhante ou insultante, não é preciso fazer qualquer comparação com outros trabalhadores para identificar a injustiça”, uma vez que “o comportamento é injusto em sim mesmo, e não por comparação com outros”[26]

Podendo resultar, pois, dos mais díspares sentimentos e motivações envolvidos nas relações interpessoais no seio da empresa[27], é possível distinguir, agora em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

– O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);

– O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa[28] e, por outro lado, como instrument de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

Em função da relação existente entre o assediante e a vítima, distingue-se ainda o assédio horizontal (entre colegas) do vertical, sendo este em regra descendente (a vítima é um subordinado), embora sejam configuráveis casos de mobbing vertical ascendente.

10. A situação típica de assédio moral envolve em regra uma conduta abusiva/arbitrária (ou expressivamente anómala/irregular) do poder empresarial ou uma prática de violência psicológica, em qualquer dos casos com carácter mais ou menos continuado/sistemático.

Porém, importa destacar que, “sendo o assédio um processo continuado mais ou menos longo deve ser analisado no seu conjunto e sem segmentá-lo nos momentos que o integram já que o real sentido e gravidade dos mesmos só pode ser apreendido com essa visão de conjunto”, como decidiu o Ac. De 15.12.2022 desta Secção Social, Proc. nº 252/19.2T8OAZ.P1.

O element decisivo reside na idoneidade ofensiva de certo comportamento para lesar os bens jurídicos aqui protegidos, o que exige uma abordagem teleológica e global do mesmo[29].

São várias as áreas em que o assédio se manifesta, bem como, consequentemente, as categorias e definições operatórias propostas pelos autores.

Uma taxonomia suficientemente abrangente e clarificadora é, por exemplo, a seguinte[30].

– Na vertente do contexto laboral: v.g. marginalização/exclusão pelos colegas; denegação, controlo e manipulação da informação transmitida ao trabalhador; induzir em erro; ordens contraditórias; controlo e abuso das condições de trabalho; vigilância excessiva e injustificada.

Abuso emocional: ações e expressões ofensivas especialmente dirigidas a atacar, ferir ou desconsiderar o trabalhador, atingindo-o nos seus sentimentos e emoções (v.g., insultos, piadas excessivas, divulgação de boatos, rumores e maledicência, críticas persistentes e injistificadas, intimidação ou comunicação perversa, como é o caso de evitar o diálogo, insinuações e silêncios, sarcasmo, desqualificar, desacreditar ou isolar).

Descrédito profissional: subestimar ou denegrir a reputação ou categoria do trabalhador, desvalorizando injustificadamente os seus conhecimentos, experiência, esforço ou desempenho.

Degradação das funções laborais: desautorização sistemática; diminuição da importância do papel desempenhado pelo trabalhador, retirando-lhe injustificadamente responsabilidades ou atribuindo-lhe tarefas inúteis, insignificantes, impossíveis (v.g. prazos de entrega ou volume de trabalho impraticáveis) ou demasiado exigentes ou claramente inferiores em face da categoria.

11. Numa abordagem apenas assente no elemento literal do transcrito art. 29.º, n.º 2, é patente que esta disposição legal se revelaria demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.

Como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrument de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[31].

Também Júlio Manuel Vieira Gomes realça: «[I]mporta (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção»[32].

12. Ensaiando uma noção de assédio no trabalho “capaz de servir as suas finalidades operatórias”, diz Monteiro Fernandes[33]:

«Entrando em linha de conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais (…):

a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);

b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro, tirando partido de algum fator seu de debilidade ou menor resistência (…), ou, no mínimo, a desconsideração da possibilidade de tal efeito;

c) Uma relação de causalidade adequada entre esse comportamento e efeitos perturbadores, constrangedores, atentatórios da dignidade ou geradores de clima social negativo para o destinatário (ficando à margem todos os comportamentos integráveis em padrões de normalidade no contexto social concreto);

d) Um objetivo final ilícito ou eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (submissão total à vontade do assediante, penalização por atos legítimos da vítima, indução à resolução do contrato ou abandono do trabalho, aceitação de uma modificação negativa das condições de trabalho).

A definição do art. 29.º prescinde do elemento intencional na identificação do assédio.

É verdade que a referência aos “efeitos” da conduta assediante, para além da intencionalidade pura, permite enquadrar e valorar negativamente situações em que o agente se comporta com indiferença ou inconsideração pelas prováveis consequências da sua atuação sobre a vítima. A enfatização dos “efeitos” imediatos dos comportamentos gera uma acentuação dos deveres de cuidado (…).

 (…)

No entanto, não se vê que a figura (…) possa (…) prescindir inteiramente do element intenção. Percebe-se a razão pela qual a lei se basta com a produção, no imediato, de certos efeitos, ainda que não queridos ou representados pelos agentes (…): trata-se de dispensar a prova, sempre difícil, da intenção subjacente aos comportamentos visados.

Mas essa dispensa de prova tem um preço, que consiste numa dificuldade acrescida para os tribunais: a de, na grande massa dos comportamentos (…) próprios (…) das relações de trabalho numa organização, geradores (…) de manifestações de stress, depressão, mal-estar e de toda a gama dos (…) riscos psicossociais, diferenciar os que podem qualificar-se como assédio, daqueles (…)que refletem, simplesmente, disfunções organizacionais (…) que podem implicar violação de específicos direitos dos trabalhadores, o nem sequer justificam o labéu da ilicitude.»

13. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida.

“[E]nquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas[34]

Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislative que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.

Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”, como é jurisprudência firmada da Secção Social do STJ (v.g., Acs. De 06.12.2023, Proc. nº 1110/22.9T8CTB.C1.S1, e de 08.02.2024, Proc. nº 1868/21.2T8CTB.C1.S1).

Não obstante, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio que –no plano da vontade do agente– não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Refira-se ainda que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem associado, em regra, um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua autoestima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos). Associado em regra a determinado objetivo, mas não necessariamente, sendo – no limite – configuráveis quadros de assédio resultants de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima”, como nota Rita Garcia Pereira[35].

Por outro lado, é importante ter presente que a existência de intencionalidade (e o respetivo grau) sempre constituirá um fator de graduação da gravidade da conduta do assediante e que, para além disso, em situações fronteiriças, este elemento poderá revelar-se decisivo no plano do juízo atinente à “tipicidade” de certo comportamento.

Especificamente quanto ao “assédio estratégico”, vale isto por dizer que a fórmula legislativa não impede a constatação de que a esta figura se encontra em regra associado o facto de o empregador agir animado por determinados objetivos/finalidades (afastar determinado trabalhador da empresa ou forçá-lo a aceitar condições laborais menos favoráveis), nos termos supra expostos; tal como não obsta à afirmação de que o assédio, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um “objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (neste sentido, v.g. os Acs. desta Secção Social de 03.12.2014, Proc. n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, e de 11.09.2019, Proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1).

14. Como já foi referido, nem todos os conflitos no local de trabalho constituem mobbing, embora não possa deixar de se ter presente que as situações de grave e sistemática conflitualidade/animosidade configuram com frequência situações deste tipo, em especial quando têm lugar num quadro de exercício arbitrário e excessivo do poder de direção.» (fim de citação).

Refira-se que a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto vem seguindo o entendimento acabado de reproduzir, conforme se pode alcançar, entre outros, do já citado Acórdão de 17-04-2023 e do Acórdão de 13-07-2022[36].

Por último, e tal como se evidencia no citado Acórdão de 17-04-2023, a eventual inexistência de situação de assédio não invalida ou impede que determinado ou determinados comportamentos possam porventura consubstanciar justa causa de resolução do contrato de trabalho.

Impõe-se, pois, proceder à ponderação global e conjunta das concretas circunstâncias da situação dos autos – à luz dos princípios e quadros analíticos acima expostos -, por forma a apurar se o Autor/Recorrente foi vítima de assédio.

Diremos, desde já adiantando a conclusão, que não existem elementos suficientes para julgar verificada uma situação de assédio moral.

Vejamos porquê.

Nesta sede, importa sintetizar a matéria de facto alegada e a dada como provada imputada pelo Recorrente à Recorrida constante dos pontos 5) a 8) dos factos provados, mas também quanto a esta última o seu enquadramento em função dos pontos 3) e 12) a 16) dos factos provados.

Assim, o Autor na carta de resolução invocou, em síntese, para justificar a resolução (artigo 395.º, n.º 1) que:

1) Desde abril de 2021 vinha a ser obrigado a cumprir procedimentos determinados pela entidade patronal cujo cumprimento é de todo impraticável no período de tempo (1 hora) por esta imposto, exigência que simultaneamente o impedia, como impediu, no mais, o cumprimento do seu descanso diário [desde 26-04-2021 e até àquela data a empregadora marca os exames de pesados de hora a hora, obrigando e pressionando o trabalhador, na qualidade de examinador, a cumprir no espaço de uma hora o exame, a deslocar-se até ao veículo onde se encontrava o candidato e o instrutor, a identificar o candidato e o instrutor e ainda que se procedesse à higienização do veículo, procedimentos que impediam o cumprimento do descanso diário do Autor] – pontos 1. a 4. da carta de resolução;

2) Tomou conhecimento que, no dia 28 de junho de 2021, os sorteios da tarde, entre as 14 horas e as 17 horas, bem como os dos dias 1, 5 a 6 de julho de 2021 às 14 horas, não foram efetuados pela pessoa indicada pelo IMT (Diretora do Centro), nem por nenhum dos examinadores que poderiam ser nomeados em sua substituição, mas pela funcionária de secretaria BB – ponto 2. da carta de resolução;

3) A empregadora registou, em nome do Autor, exames práticos e teóricos nos quais este não esteve presente [Tomou conhecimento no dia 30-06-2021 que existiram exames teóricos e práticos de 20/07/2017 a 27/07/2017, de 2/05/2028 a 9-05-2018, de 16-12-2020 a partir das 14 horas a 23-12-2020, 12-05-2021 e 20-05-2021 a 27-05-2021 que foram indevidamente lançados informaticamente em seu nome, atendendo a que se encontrava de baixa médica nesses períodos]pontos 7. e 8. da carta de resolução;

4) Foi excluído de reuniões promovidas pela empregadora com os examinadores, a fim de lhes dar conhecimento das alterações e deliberações legislativas, tratando-se de uma forma de discriminação por parte da empregadora e que afetou dignidade do Autor ao ser excluído, considerando, por isso a atuação da empregadora humilhante e lesiva - pontos 9. a 13. da carta de resolução;

5)  Desde 26-04-2021 e até àquela data que a empregadora não atribuia exames ao Autor no horário das 8 horas – 8:30 horas – a empregadora indica na véspera dos exames de Código marcados para as 8:30 horas aos demais examinadores para o realizarem, à exceção do Autor privando-o assim de exercer as suas funções – ponto 14. da carta de resolução;

6) O Autor, depois da sua reinserção como examinador, que ocorreu em maio de 2017 e até àquela data, foi afastado de funções de substituição da Diretora do Centro de Exames da Empregadora que exerceu entre 1994 e novembro de 2015 – o Autor substituiu sempre a Diretora, desde 1994 até novembro de 2015, desempenhando as mesmas funções nas suas ausências: férias, licença de maternidade, impedimentos para o trabalho ou qualquer outro motivo por ausência da Diretora; na substituição da Diretora o Autor foi substituído por um examinador novo no centro, muito menos experiente nesse tipo de funções e com menos habilitações académicas, quadro que representa uma humilhação face aos funcionários que habitualmente o viram exercer tais funções durante 25 anos – pontos 15. a 17. da carta de resolução;

7) O Autor depois da sua reinserção como examinador, que ocorreu em maio de 2017 e até àquela data, foi afastado de funções de acompanhamento na integração de novos examinadores, atribuindo-as a examinadores com menos experiência, o que representa manifesto desprestígio e humilhação – ponto 18. da carta de resolução.

Da matéria de facto provada decorre que:

a) O Autor obrigou-se a prestar 40 horas de trabalho semanal, com entrada pelas 09:00 horas e saída às 18:00 horas e intervalo para almoço das 13:00 às 14:00 horas, sendo o sábado e o domingo de descanso (ponto 3));

b) No âmbito do processo comum coletivo nº 3110/13.0JFLSB.P1 o Autor esteve em cumprimento das medidas de coação de prisão preventiva e de suspensão do exercício de funções até 5-05-2017, altura em que retomou a prestação da sua atividade para a Ré (pontos 12) e 13));

c) Desde que retomou as funções na Ré, em maio de 2017, que a Ré não atribui ao Autor exames de código marcados para o horário das 8h às 8h30 (ponto 6));

d) Os exames práticos de 20-7-2017, 21-7-2017, 16-12-2020, 22-12-2020 foram lançados informaticamente em nome do Autor, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático (ponto 5));

e) Os exames são marcados com 5 dias de antecedência e os sorteios informáticos através dos quais são designados os examinadores são realizados 10 minutos antes do início de cada prova de exame prático (ponto 15));

f) Em situações de faltas imprevistas, por motivo de doença ou acidente, os examinadores sorteados são substituídos, para que os candidatos não percam a oportunidade de realizar o exame naquela data, sendo solicitada ao IMTT autorização para substituição do examinador ou procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes, alterando-se a hora do exame (ponto 16)).

g) O Autor substituiu sempre a Directora do Centro de Exames da Ré desde 1994 desempenhando as mesmas funções nas suas ausências por motivo de férias, licença de maternidade, impedimentos para o trabalho ou qualquer outro motivo, sendo que, desde maio de 2017, que o Autor nunca mais desempenhou as funções de substituição da Diretora (pontos 7) e 8));

h) O Autor esteve de baixa médica desde 2-05-2018 a 1-10-2020 (ponto 14)).

Por outro lado, não resultou provado que:

- Desde 26 de Abril que a Ré marcou exames de pesados de hora a hora, obrigando o Autor a cumprir no espaço de uma hora o exame, a deslocar-se até ao veículo onde se encontrava o candidato e o instrutor (deslocação de cerca de 300 metros a pé), a identificar o candidato e o instrutor (despende cerca de 5 minutos) e ainda que se procedesse à higienização do veículo, procedimentos que impediam o cumprimento do descanso obrigatório do Autor em particular quando os exames eram marcados, como foram, para as 12 ou para as 17 horas, sendo que o período de descanso era das 13 às 14 horas e o período diário de trabalho terminava às 18 horas, como foi o caso, entre outros, do exame realizado no dia 09/06/2021 (ponto i));

- No dia 28 de Junho de 2021 os sorteios da tarde, entre as 14h00 e as 17h00, bem como os dos dias 1, 5 e 6 de Julho de 2021, às 14h00, não foram efectuados pela pessoa indicada pelo IMTT (Directora do Centro), nem por nenhum dos examinadores que poderiam ser nomeados em sua substituição, mas sim pela funcionária de secretaria BB (ponto ii);

- Os exames teóricos e práticos de 22/07/2017 a 27/07/2017, de 02/05/2018 a 09/05/2018, 23/12/2020, 12/05/2021 e 20/05/2021 a 27/05/21 foram lançados informaticamente em seu nome, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático nesses períodos (ponto iii);

- O Autor não esteve presente na reunião de examinadores do dia 15/06/2021 destinada a tratar de assuntos relativos aos procedimentos a efectuar nos exames de condução de motociclos, não tendo a Ré, posteriormente, transmitido ao Autor as decisões tomadas na referida reunião no que respeita, designadamente aos procedimentos a adoptar nos exames de motociclos (iv);

- O Autor foi impedido de participar na reunião do dia 1 de Julho de 2021; porquanto quando a Directora do Centro de Exames da Ré constatou que o Autor se apercebera que ocorria tal reunião, deslocou-se para o seu gabinete, acompanhada pelos examinadores que participavam na reunião e neste local prosseguiram com a mesma (v);

- O Autor tem vindo a ser excluído de todas as reuniões que a Ré promove com os examinadores a fim de lhes dar conhecimento das alterações e deliberações legislativas, entre outros assuntos (vi);

- Na substituição da Sra. Directora o A. foi substituído por um examinador novo no centro, muito menos experiente nesse tipo de funções e com menos habilitações académicas, quadro que representa uma humilhação face aos funcionários que habitualmente o viram exercer tais funções durante 25 anos (vii);

- A Ré retirou ao Autor funções de acompanhamento na integração de novos examinadores, passando a designar examinadores com menor experiência, o que representa um manifesto desprestigio e humilhação (viii).

O enunciado quadro factual provado, ao contrário do sustentado pelo Recorrente e como já adiantamos, não permite concluir que estejamos perante um comportamento assediante por parte da Ré.

Na verdade, do comportamento da Ré, visto na sua globalidade, não resulta qualquer prática reiterada e/ou intensa suscetível de criar um ambiente hostil, degradante, intimidativo ou stressante, nem essa intencionalidade decorre da matéria de facto provada.

Não se olvide que não é, nem poderá ser, um qualquer comportamento, ainda que violador de algum direito ou garantia do trabalhador, que poderá ser configurado como assédio, sob pena de, como se sublinha no citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023, «assim não sendo, tudo o poder ser, afigurando-se-nos ser exigível, numa apreciação global e conjunta, uma gravidade, intensidade e/ou reiteração tais que permita concluir-se no sentido da existência de um comportamento “assediante”, direcionado ao trabalhador, reprovável, ainda que não intencional.».

Quanto à não atribuição ao Autor, desde que retomou funções na Ré em maio de 2017, de exames de Código marcados para o horário das 8:00 horas às 8:30 horas, não se vê como essa situação corporize uma prática discriminatória, abusiva ou arbitrária, quando é certo que o próprio horário de trabalho do Autor não era compatível com essa atribuição, já que apenas se iniciava às 9:00 horas. Perante a matéria de facto provada, considera-se que, objetivamente, não se pode sequer afirmar qualquer ilicitude neste comportamento da Ré. Pelo contrário, para cumprir as horas de início do período normal do trabalhador, a Ré não poderia atribuir ao Autor exames para o horário das 8:00 horas às 8:30 horas. A Ré empregadora tinha que, dentro dos seus poderes conformativos e organizativos da sua atividade, garantir a observância e compatibilidade dessa prestação com o horário de trabalho dos seus trabalhadores. Aliás, na motivação de facto da sentença consta expresso o seguinte: «A realização de exames para as 8h encontrava-se sujeita à disponibilidade dos examinadores, já que não se mostrava compreendido no horário de trabalho dos mesmos das 9h às 18h. Sublinhe-se que anteriormente à detenção, o Autor realizava o horário com entrada pelas 8 h, e saída pelas 17h, de molde a frequenter um curso em horário pós-laboral, o que foi explicado pelas testemunhas CC e DD. Tendo com a reintegração em 2017 retomado o A. o seu horário de trabalho das 9h às 18h, os exames teóricos agendados para as 8h eram assegurados por quem tivesse disponibilidade para o efeito, o que era solicitado primeiramente aos examinadores em regime de prestação de serviços, conforme contextualizado pela mesma testemunha CC.».

Relativamente ao facto de o Autor desde maio de 2017 nunca mais ter substituído a Diretora do centro de exames da Ré (quando o tinha feito desde 1994, desempenhando as mesmas funções nas suas ausências por motivo de férias, licença de maternidade, impedimentos para o trabalho ou qualquer outro motivo apurado), no circunstancialismo apurado, afigura-se que o comportamento da Ré encontra justificação objetiva e razoável, não assumindo, salvo melhor opinião, contornos de comportamento censurável. Atente-se, por um lado, que o Autor no âmbito do processo crime n.º 3110/13.0JFLSB.P1 esteve em cumprimento de medidas de coação de prisão preventiva e de suspensão do exercício de funções até 5-05-2017, altura em que retomou a prestação da sua atividade para a Ré. Daqui decorre que já antes de maio de 2017 e no período em que o Autor esteve preso preventivamente e suspenso do exercício de funções, o Autor não substituiu a Diretora do centro de exames da Ré, já que e desde logo a Ré não podia contar com o Autor para esse efeito. Neste particular, na fundamentação da matéria de facto elucida-se o seguinte: «Quanto à substituição da Sra. Directora, resultou firme na convicção do tribunal que se inicialmente era assegurada pelo A., com antiguidade e habilitações literárias superiores aos demais, na ausência deste passou a ser assegurado pelo examinador EE, “que era licenciado e era o mais antigo dos novos” – conforme afiançou a testemunha DD – que se manteve após a reintegração do A., sempre sem prejuízo de pontualmente ter sido substituída pela funcionária BB, conforme resulta do documento de fls. 51». Quando o Autor retomou a prestação da sua atividade para a Ré, em maio de 2017, estava ainda pendente o referido processo crime, no âmbito do qual o Autor era acusado da prática de crimes levados a cabo no exercício da sua atividade profissional de examinador ao serviço da Ré e por causa da posição funcional que detinha na organização da Ré, sendo certo que o acórdão proferido nesse processo transitou em julgado a 5-01-2022. O sobredito circunstancialismo, tendo ainda em consideração a responsabilidade inerente ao cargo de Diretor do centro de exames, que responde perante a DGV pelo funcionamento do respetivo centro, permite compreender o facto de o Autor não ser designado pela Ré para substituir a Diretora do centro de exames. Ademais, após a retoma do serviço em maio de 2017, o Autor esteve de baixa médica desde 2-05-2018 a 1-10-2020, abrangendo precisamente períodos em que são geralmente marcados e gozados os períodos de férias no verão nos anos de 2018, 2019 e 2020.

Por último, e no que se reporta ao facto de os exames práticos de 20-7-2017, 21-7-2017, 16-12-2020, 22-12-2020 terem sido lançados informaticamente em nome do Autor, quando se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático, sem mais, nada permite concluir em termos de intenção, muito menos de efeitos daí decorrentes, para integrar um quadro de assédio.

Da factualidade dada como provada não se retira qualquer intenção da Ré de destabilizar, discriminar, perturbar ou humilhar o Autor, nem que os atos retratados na factualidade provada tivessem provocado no Autor qualquer um desses efeitos.

Na avaliação global e integrada da factualidade dada como provada não se identificam comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador. Não se identifica um comportamento “assediante” que, como se refere na sentença recorrida, «tenha o efeito de exercer pressão sobre o A., atentando contra a sua dignidade, constrangendo-o mormente a resolver o contrato de trabalho.

Em conclusão, não pode afirmar-se que a Ré tenha incorrido em assédio moral.

Apesar da justa causa invocada na carta de resolução não estar circunscrita à verificação de uma situação de assédio, não merece também censura a decisão recorrida quando conclui que o Autor não logrou provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) factualidade suscetível de justificar a resolução do contrato e que fosse geradora da impossibilidade imediata da manutenção da relação laboral.

Valem aqui as considerações atrás tecidas em termos de valoração dos factos provados, sendo certo que quanto à não atribuição de exames de Código marcados para o horário das 8:00 horas às 8:30 horas o comportamento apurado nem sequer se configura como ilícito e quanto ao não desempenho das funções de substituição da Diretora o comportamento da Ré não se perfila como censurável, falhando no primeiro caso o pressuposto da ilicitude e no segundo da culpa que se considera ilidida.

No que respeita ao lançamento informático (do que se depreende da motivação no sistema informático do IMTT) de exames práticos em nome do Autor, quando este se encontrava de baixa médica e/ou isolamento profilático, das situações invocadas apenas resultou apurado que tal se verificou quanto aos exames práticos de 20-07-2017, 21-07-2017, 16-12-2020 e 22-12-2020. Ficou também provado que: os exames são marcados com 5 dias de antecedência; os sorteios informáticos através dos quais são designados os examinadores são realizados 10 minutos antes do início de cada prova de exame prático; em situações de faltas imprevistas, por motivo de doença ou acidente, os examinadores sorteados são substituídos, para que os candidatos não percam a oportunidade de realizar o exame naquela data, sendo solicitada ao IMTT autorização para substituição do examinador ou procede-se a novo sorteio com os examinadores presentes, alterando-se a hora do exame. Para além disso, na motivação da matéria de facto, consta ainda que: «No que tange ao sorteio descreveu a testemunha CC, Directora do Centro de Exames, que os exames são marcados com 5 dias úteis de antecedência, indicando a R. quantos examinadores tem disponíveis para cada dia. Se porventura no dia aprazado um dos examinadores faltasse, ou o exame não seria realizado por falta do examinador (cfr. fls. 854 e 855); ou sendo possível, este seria substituído por outro examinador, ficando a alteração manualmente registada na pauta (fls. 855 verso a 858), sendo que a inscrição do resultado dos exames práticos no sistema informático do IMTT não permite alterar o campo da identificação do examinador nem acrescentar observações. Este procedimento mostra-se corroborado pelos documentos de fls. 51 a 52 verso, tendo sido asseverado pelo legal representante da Ré, FF, Diretor-Geral da Ré, encontrando-se pedidos de substituição seja da Sra. Diretora seja do examinador A. patenteados nos emails de fls. 51 e verso. (…) Veja-se que, na informação prestada pelo IMTT, mediante solicitação do tribunal (fls. 898 a 899 verso), dá-se conta da atribuição de exames ao A., com lançamento de resultados, nos dias 20-07-2017, pelas 9:30, 11h, 13h30 e 15h, e 21-7-2017 pelas 9h30 e 11h. Tal mostra-se sobreponível às faltas e substituições registadas nas pautas manuais de fls. 853vss. Já nos dias 16-12-2020 e 22-12-2020, apesar da atribuição eletrónica, surge o resultado “falta” na própria informação do IMTT.». Tais pautas manuais foram juntas pela Ré com o seu requerimento de 24-11-2021 refª citius 30614330 (40561223), constando nas pautas manuais 16721, 16728 e 16734 e 16750 relativas aos exames da parte da tarde do dia 16-12-2020 (exames das 14 horas, 15 horas, 16 horas e 17 horas) a menção a falta do examinador Autor (doente). Já nas pautas manuais desse mesmo dia 16-12-2020 da parte da manhã aparecem os exames como tendo sido realizados pelo Autor. O próprio Autor, aliás, em resposta a tais documentos explicita o seguinte: «2. Ora, os documentos 1 a 8 respeitam todos ao mesmos dia – 16-12-2020. 3. Correspondendo os doc. 1 a 4 ao período da manhã e os doc. 5 a 8. Ao da tarde. Sucede que, 4. Nesse dia 16/12/2021 o A. da parte da manhã, desempenhou as suas funções e da parte da tarde viu-se na contingência de se ausentar do serviço por “motivo de perigo de contágio e como medida de contenção de disseminação de doença infecciosa, conforme documento 5 junto ao articulado inicial. 5. Motivo pelo qual, aliás, consta dos documentos 5 a 8 “Falta (doente).”» [requerimento do Autor de 30-11-2021 refª citius 30671901 (4619132) – a referência ao ano de 2021 deve-se a mero lapso material, totalmente revelado do contexto da declaração, na medida em que o Autor no requerimento em causa se pretendia reportar ao dia 16-12-2020, como decorre da sua leitura conjunta – pontos 2., 3., 4. e 5., sendo que o documento 5. junto com a petição inicial se reporta à data de 16-12-2020]. Relativamente aos dias 20-07-2017 e 21-07-2027, tal como se refere na sentença, foram registadas nas pautas manuais as substituições do Autor por outros examinadores com a menção de baixa do Autor – pautas 7923, 7951, 7942, 7932, 8119, 8107.  Quanto à informação prestada pelo IMTT a que alude a motivação da sentença, a mesma consta do ofício de 10-02-2023 refª citius 34721455, da qual resulta a atribuição de exames ao Autor, com lançamento de resultados, nos dias 20-07-2017, pelas 9.30, 11h, 13.30 e 15h e 21-07-2017 pelas 9h30 e 11 horas. Já nos dias 16-12-2020 e 22-12-2020, apesar da atribuição eletrónica, surge o resultado “falta” na própria informação do IMTT. Ou seja, apesar da atribuição eletrónica do exame ao Autor o que se encontra na própria informação do IMTT é a informação “FL”- falta.

Do ponto 5) dos factos provados, que espelha os termos da alegação efetuada pelo Autor nesta matéria , no rigor dos princípios, nem sequer se poderia sem mais concluir que os exames práticos dos dias em causa foram lançados informaticamente como tendo sido realizados pelo Autor, sendo certo que recorrendo à motivação dessa matéria até se verifica que no que toca aos dias 16-12-2020 (da parte da tarde) e 22-12-2020 o que foi lançado informativamente não foi qualquer resultado de exames práticos realizados, mas sim a falta. Ou seja, apesar da atribuição eletrónica de exames ao Autor nos dias 16-12-2020 (da parte da tarde) e 22-12-2020, o que se encontra na própria informação do IMTT é a informação “FL”- falta.

No que respeita aos dias 20-07-2017 e 21-07-2017 a informação constante do IMTT não está em conformidade com a realidade verificada, sendo certo que seria à Ré a quem incumbiria fornecer ao IMTT os elementos necessários para assegurar tal conformidade, ainda que o fizesse posteriormente, dando conta ao IMTT do procedimento adotado e plasmado nas respetivas pautas manuais (isto tendo em conta a alegada impossibilidade de alteração pela Ré do campo de identificação do examinador e de acrescentar observações – cfr. motivação da sentença). Mesmo a dar-se de barato essa impossibilidade, caberia à Ré explicar os procedimentos que tomou, ou não tomou, de modo a que se pudesse concluir não ser da sua responsabilidade, mas sim do IMTT, essa discrepância. Cabia à Ré a obrigação do cumprimento das comunicações necessárias para efeitos do registo e do seu correto cumprimento, até porque recai sobre a mesma uma presunção de culpa nos termos e para os efeitos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Sem prejuízo do antedito, a verdade é que se entende que a referida factualidade não consubstancia justa causa de resolução do contrato, não determinando a impossibilidade/inexigibilidade, para o Autor de manter o contrato de trabalho.

Com efeito, admite-se que, em abstrato, a desconformidade entre a realidade e o que se mostra registado no IMT relativamente a exames práticos dos dias em causa poderia não ser irrelevante, sendo certo que, perante tais registos, o Autor poderia ser confrontado com alguma anomalia relativamente a tais exames que não realizou. Porém, da matéria de facto provada não se retira (nem isso, aliás, foi alegado) que daí e em concreto, tenha resultado qualquer consequência para o Autor, nomeadamente a imputação de alguma anomalia relativamente a tais exames.

A factualidade provada sob o ponto 5), ao contrário do que defende o Autor, não traduz uma situação que permita concluir por uma «quebra absoluta e um abalo profundo na relação de confiança do Autor na Ré, tornando inexigível a manutenção do vínculo contratual».

Em suma, ponderando toda a factualidade provada, não pode concluir-se pela verificação de qualquer comportamento/atuação/situação imputável à Ré que, pela sua gravidade, em si e nas suas consequências, tornassem inexigível ao trabalhador - no contexto da empregadora e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes - a manutenção do vínculo laboral, não estando demonstrada a justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

Pelo exposto, improcedem as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.


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A responsabilidade pelas custas do recurso impende sobre o Recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

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IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acorda-se, em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique e registe.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 3 de junho de 2024
Germana Ferreira Lopes
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
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[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[3] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 2º Adjunto, acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[4] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[5] Processo n.º 2605/20.4.L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[6] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes.
[7] Obra citada, pág. 199.
[8] Obra citada pág. 200 e 201.
[9] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[10] Obra citada, págs. 201 e 202.
[11] Processo n.º 818/18.8STB.E1.S1, Relator Conselheiro Luís Espírito Santo.
[12] Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, página 763, 3ª edição, em anotação ao artigo 623.º.
[13] Processo n.º 1164/07.8TTPRT.S1, Relator Conselheiro Pinto Hespanhol.
[14] Processo n.º 268/11.7TBRDD.E1, Relator Desembargador Manuel Bargado.
[15] Diploma legal a que se referem todas as disposições citadas, desde que o sejam sem menção de origem.
[16] Com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 14/2018 de 19-03 e 93/2019, de 4-09.
[17] Com a alteração introduzida pela Lei n.º 14/2018 de 19-03, que aditou o n.º 5.
[18] Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 22-06-2022, processo n.º 845/20.5T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes.
[19] Neste sentido, entre outros, na jurisprudência os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2015 (processo nº 2881/07.8TTLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Melo Lima) e de 16-03-2017 (processo n.º 244/14.8TTALM.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Chambel Mourisco), e os Acórdãos desta Secção Social da Relação do Porto de 19-04-2021 (processo n.º 7945/18.0T8VNG.P1, relatado pelo Desembargador Rui Penha) e de 17-04-2023 (processo n.º 3728/21.8T8MTS.P1, relatado por Paula Leal de Carvalho, atual Juíza Conselheira; na doutrina, entre outros, João Leal Amado, Contrato de Trabalho À Luz do novo Código do Trabalho, 444 e ss. e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 1044.
[20] Com a alteração introduzida pela Lei n.º 73/2017 de 16-08.
[21] Processo n.º 17592/19.3T8PRT.P1.S1, relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[22] Com a precisão que as referências que nesse Acórdão se reportam a Doutrina se irão incluir em notas de rodapé, no correspondente local do texto e, bem assim, não constarão na transcrição os sublinhados e destaques.
[23] Correspondente à nota 7 do Acórdão: Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 9ª edição, p. 214 e 231 – 236.
[24] Correspondente à nota 8 do Acórdão: Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9.ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.
[25] Correspondente à nota 9 do Acórdão: Ob. cit., p. 410/(1079) e 412.
[26] Correspondente à nota 10 do Acórdão: Ibidem.
[27] Correspondente à nota 11 do Acórdão: V.g., a animosidade decorrente de diferenças políticas, culturais ou religiosas, a rivalidade inerente à dinâmica competitiva no local de trabalho, desafio, inveja, desconfiança, ambição, deslumbramento pelo exercício do poder, antipatia e insegurança.
[28] Correspondente à nota 12 do Acórdão: “Transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar”, na expressão de Júlio Gomes, ibidem, p. 431.
[29] Correspondente à nota 13 do Acórdão: Cfr. Gloria P. Rojas Rivero, El daño por mobbing: delimitación y responsabilidades, Editorial Bomarzo, pp. 39 – 40.
[30] Correspondente à nota 14 do Acórdão: Cfr. Jordi Escartín, Álvaro Rodríguez-Carballeita e Dieter Zapf, Mobbing, Acoso psicológico en el trajajo, Editorial Sintesis, pp. 24 – 32, e Marie-France Hirigoyen, El acosso moral, Paidós, 2023, p. 120 e ss.
[31] Correspondente à nota 15 do Acórdão: Direito do Trabalho, Almedina, 22ª edição, p. 302.
[32] Correspondente à nota 16 do Acórdão: Direito do Trabalho, I, 2007, p. 436.
[33] Correspondente à nota 17 do Acórdão: Ibidem, pp. 302 - 303.
[34] Correspondente à nota 18 do Acórdão: Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436.
[35] Correspondente à nota 19 do Acórdão: Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100.
[36] Processo n.º 3444/20.8T8MAI.P1, Relatora Desembargadora Rita Moreira, e no qual intervieram também como Adjuntos os aqui Adjuntos Desembargadores Teresa Sá Lopes e António Luís Carvalhão.