REJEIÇÃO DE ARTICULADO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário

I - Nos termos do disposto no artigo 644º nº 2 al. d) do CPC cabe recurso autónomo, em separado, da decisão que rejeita um articulado (in casu da contestação), a interpor no prazo de 15 dias (artigo 638º nº 1 do CPC).
II - Não tendo a recorrente interposto recurso desta decisão, transitou a mesma em julgado com o consequente e definitivo desentranhamento da contestação apresentada e declarada confissão dos factos articulados.

Texto Integral

Processo nº. 902/23.6T8PRT.P1
3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Miguel Baldaia Morais

Adjunta – Ana Paula Amorim

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível do Porto

Apelante/ “A... Lda.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

……………………………………

……………………………………

……………………………………

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1- AA instaurou contra “A... Lda.” a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, peticionando pela sua procedência a condenação da R.:

“a) No pagamento de uma indemnização no valor de 15 725, 55 Euros (com IVA incluído), acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo pagamento e, a título subsidiário, na hipótese da improcedência daquele pedido, a reparar definitivamente os defeitos, de acordo com o relatório elaborado pelo Eng. BB, avaliada em 15 725, 55 Euros (com IVA incluído), no prazo de um mês a contar da data do transito em julgado da respetiva sentença proferido pelo presente douto Tribunal e ao pagamento dos honorários de 2000 euros (IVA incluído) de um perito indicado pelo autor que irá fiscalizar a execução da mesma reparação;

b) No pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de 5860, 50 Euros, acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo pagamento;”

Para tanto e em suma alegou o A.:

- ter celebrado com o R. um contrato de compra e venda do imóvel descrito nos autos – precedido de contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel;

- imóvel este que foi submetido pela A. a obras de recuperação e reabilitação antes da celebração do contrato de compra e venda. Apresentando estes trabalhos erros de execução;

- o imóvel apresenta patologias/defeitos vários que a R. está obrigada a reparar, o que não fez apesar de para tanto interpelada.

Ou custear a respetiva reparação;

- o imóvel não apresenta condições de habitabilidade.

Sendo a descrita situação causa de danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

Termos em que concluiu nos termos acima assinalados.

2- Foi enviada carta registada com AR para citação da R. para a morada indicada pelo autor em 19/01/2023 – Rua ..., ... Porto.

Registo com a referência – ...50 e (na zona inferior do código de barras) ...73...

3- Em 26/01/2023 foi devolvido aos autos o AR relativo à citação referida em 2, assinado por “CC”, com identificação do respetivo CC e a assinalada menção de se comprometer a entregar a carta prontamente ao destinatário.

AR este assinado com data de 23/01/2023.

4- Em 02/03/2023, a R. apresentou nos autos contestação, juntando igualmente procuração a favor do Exmo. Mandatário constituído e subscritor do articulado mencionado.

Da respetiva procuração, outorgada pelo seu gerente DD e datada de 14/02/2023 constando como sede da R. – Rua ..., ..., ... Porto.

5- Na contestação apresentada a R. não suscitou qualquer irregularidade quanto ao processo da sua citação.

6- Na mesma data de 02/03/2023 foi proferida decisão a apreciar a tempestividade da contestação apresentada nos seguintes termos:

“Contestação da R. apresentada em 02/03/2023:

A R. foi citada em 23/01/2023, pelo que o prazo para contestar (de 30 dias) terminou em 22/02/2023.

A R. ainda poderia ter praticado aquele ato nos três dias úteis seguintes (dias 23, 24 e 27 de fevereiro de 2023) mediante o pagamento de multa, nos termos previsto no art.º 139.º, n.º 5, do CPC.

Contudo, a contestação apenas deu entrada em juízo em 02/03/2023, pelo que é extemporânea.

Pelo exposto, julgo extemporânea a contestação da R. e, em consequência, ordeno o seu desentranhamento.

Notifique.”

Subsequentemente determinando ainda o tribunal a quo o cumprimento do disposto no artigo 567º nº 2 do CPC, com o seguinte fundamento:

“Uma vez que não obstante a R. ter apresentada contestação, foi ordeno o seu desentranhamento, por ser extemporânea, considero confessados os factos articulados pelo A., com exceção dos previstos no art.º 568.º do CPC (art.º 567.º, n.º 1, do CPC).

Cumpra o disposto no art.º 567.º, n.º 2, do CPC.”

7- As partes, na pessoa dos respetivos Exmos. Mandatários foram notificadas via citius em 07/03/2023, conforme o histórico consultado, do decidido e mencionado em 6.

Sem que conste dos autos qualquer reação a tal decisão.

8- O A. apresentou alegações em 21/03/2023 nos termos do artigo 567º nº 2 do CPC.

9- Em 24/03/2023 foi junto aos autos uma “2ª VIA CITAÇÃO AR”, tendo por referência o mesmo RE mencionado em 2 - ...73.... Com identificação do “Remetente”/pessoa a devolver manuscrita.

Do histórico dos autos não constando o motivo da existência desta 2ª VIA.

A qual se mostra assinada por DD em 01/02/2023.

10- Em 24/05/2023 foi proferida sentença julgando:

“parcialmente procedente por provada na mesma medida, a presente ação e, em consequência, condenar a R.:

1)- No pagamento de uma indemnização no valor de 15.725, 55 Euros (quinze mil, setecentos e vinte e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos), com IVA incluído, acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo pagamento;

2)- No pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de 2.360,50 Euros (dois mil, trezentos e sessenta euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo pagamento.”


*

***


Notificadas as partes da sentença proferida, interpôs a R. recurso de apelação, oferecendo alegações nas quais a título de introdução declarou:

«1. Pretende a recorrente demonstrar que a douta sentença, está ferida de invalidade, porquanto estribou o seu douto raciocínio num errado pressuposto de facto; pré-apreendido e tido por válido e que foi o facto de ter decidido na douta sentença que a contestação foi apresentada fora de prazo.

(...)

11. A recorrente foi notificada da douta sentença que a condenou no pagamento de uma indemnização no valor de 15.725,55€, acrescida de juros e ainda noutra quantia de 2.360,50€, também acrescida de juros. Para o efeito, foi decidido na douta sentença, que a aqui recorrente, tendo sido citada, não contestou no prazo legal: “A R. foi citada regularmente para contestar, mas não o fez, no prazo legal, tendo sido desentranhada a contestação por ela apresentada.”

12. A motivação do recurso ora interposto, é exclusivamente dirigida a esta conclusão da douta sentença.[1]»

A final formulando as seguintes

Conclusões

1. A recorrente foi notificada da douta sentença que a condenou no pagamento de uma indemnização no valor de 15.725,55€, acrescida de juros e ainda noutra quantia de 2.360,50€, também acrescida de juros, tendo fundado a sua decisão no facto a aqui recorrente, tendo sido citada, não contestou no prazo legal. “A R. foi citada regularmente para contestar, mas não o fez, no prazo legal, tendo sido desentranhada a contestação por ela apresentada.”

2. A recorrente é uma sociedade comercial, pessoa coletiva de direito privado. Nos termos do artigo 223 n.º 1 do CPC, as sociedades comerciais são citadas na pessoa do seu legal representante; o gerente comercial, portanto; e nos termos do n. 3 do citado preceito legal, as pessoas coletivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.

3. A recorrente possui como único gerente comercial o Sr. DD, o mesmo senhor gerente que assinou a procuração forense que a recorrente juntou aos autos.

4. A recorrente só poderia ter sido citada na pessoa do seu gerente comercial, o Sr. DD, ou numa outra pessoa, nos termos do n.º 3 deste artigo.

5. A douta sentença decidiu erradamente que a recorrente foi citada a 23 de janeiro de 2023, e consequentemente quando a contestação deu entrada nos autos, em 2 de março de 2023, já tinha decorrido e esgotado o prazo de trinta dias para a apresentar, nos termos do artigo 569.º do CPC.

6. A douta sentença fundou-se erradamente no facto de se encontrar junto aos autos um aviso de receção datado de 23.01.2023 e que se encontra assinado por uma pessoa chamada de CC”. Encontra-se também junto aos autos um outro aviso de receção assinado pelo gerente comercial da recorrente o Sr. DD, datado de 01.02.2023. Ambos os avisos de receção referidos possuem inscrito o mesmo código de registo dos serviços postais: ...73....

7. A recorrente não foi citada em 23 de janeiro de 2023.

A recorrente desconhece que é essa CC; não é gerente comercial da recorrente; não é trabalhadora da recorrente; não é sua procuradora; nem prestadora de serviços à recorrente, nem representa a recorrente seja de que forma for, não estando igualmente autorizada pela recorrente a receber qualquer correspondência ou receber citações, e nunca entregou qualquer correspondência que tenha recebido à recorrente, nomeadamente a citação.

8. A citação da recorrente através dessa senhora CC, se é que ocorreu é nula, nos termos do artigo 191 n.º 1 do CPC.

9. Quem recebeu validamente a correspondência com a citação foi o gerente comercial da recorrente. A recorrente recebeu um aviso na caixa postal para levantar a correspondência a 31 de janeiro de 2023, uma vez que não se encontrava ninguém na sede da recorrente nessa data e hora, e no dia seguinte, um de fevereiro de 2023, procedeu ao seu levantamento na estação dos correios da freguesia ..., no Porto.

10. Não tendo sido recebida a correspondência no local de entrega, como não foi, só o gerente comercial é que a poderia ter levantado nos correios, com a apresentação de certidão comercial da recorrente e ainda da apresentação do cartão de cidadão.

11. Ambos os avisos de receção que se encontram juntos aos autos, possuem o mesmo código de registo dos serviços postais: ...73.... Esse código permite que qualquer interessado possa verificar junto do sítio eletrónico (internet) dos “CTT – correios de Portugal” o percurso que a correspondência percorre, desde a sua aceitação até à entrega ao destinatário.

12. Da consulta desse código ...73... pode-se verificar percurso do envelope que continha a citação e que foi o seguinte:

20 Jan 16h26

Aceite

O envio foi aceite. O processo de envio foi iniciado.

Loja CTT ...

23 Jan 07h29

Em entrega

O envio saiu para entrega. Será entregue durante o dia.

Centro de Entrega ... – Porto

23 Jan 11h10

Não entregue

A entrega do envio não foi conseguida.

Motivo: Foi impossível passar na morada.

Centro de Entrega ... – Porto

31 Jan 07h23

Em entrega

O envio saiu para entrega. Será entregue durante o dia.

Centro de Entrega ... - Porto

31 Jan 12h48

EE

Advogado

Rotunda ..., ... sala ...2 ... Valongo

Não entregue

A entrega do envio não foi conseguida.

Motivo: O destinatário não atendeu.

Centro de Entrega ... – Porto

31 Jan 16h39

Em trânsito

Saiu do centro operacional.

PTCDOE - (CDP) ... PORTO

01 Fev 09h15

No ponto de entrega

O envio está disponível para levantamento no Ponto de

Entrega.

Loja CTT ... (Porto) até 1 janeiro

01 Fev 13h27

Entregue

O envio foi entregue. O processo de envio terminou.

Loja CTT ... (Porto)

13. A recorrente junta uma impressão retirada diretamente do sítio da internet do “CTT – correios de Portugal” por entender que se trata de um documento importante para a descoberta da verdade e que sustenta os factos ora alegados. A junção do documento verifica-se necessária tendo em conta a sentença proferida, que deu por provado que a recorrente foi citada a 23 de janeiro, de modo a demonstrar inequivocamente que a Recorrente foi citada a um de fevereiro de 2023, nos termos do artigo 651 nº 1 do CPC. (documento 1).

14. Pelo que só no dia 1 de fevereiro de 2023 é que a recorrente foi citada, através do seu gerente comercial, que procedeu ao levantamento da correspondência na estação dos correios.

15. Aliás, o gerente comercial da recorrente levantou o envelope da citação, e nele estava colado um autocolante utilizado pelos serviços postais dos CTT onde estava inscrito:

HORA – 13.50

DATA – 31.01.2023

GIRO – 240

O CARTEIRO – PINA

AVISADO NA LOJA CTT DE – ...

(com uma cruz numa inscrição - Não atendeu)

Conforme cópia do envelope que se junta. A junção do documento verifica-se necessária tendo em conta a sentença proferida, que deu por provado que a recorrente foi citada a 23 de janeiro, de modo a demonstrar inequivocamente que a Recorrente foi citada a um de fevereiro de 2023, nos termos do artigo 651 nº 1 do CPC. (documento 2).

16. A recorrente só foi citada a 1 de fevereiro de 2023 e tendo o prazo para contestar iniciado no dia 2 de fevereiro, à data em que a contestação foi apresentada, ainda estava dentro do prazo de 30 dias, pois o mesmo só se esgotaria no dia 3 de março de 2023.

17. Pelo que a alegada citação da recorrente que fundou a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 191 n.º 1 do CPC.

18. Esta nulidade inquina todo o processo subsequente à citação e fere de nulidade a sentença que se impugna.

19. Partindo a douta sentença desse falso pressuposto de facto, a conclusão de que a recorrente apresentou a contestação fora de prazo é também ela nula porque fundada num errado pressuposto de facto, nos termos do artigo 615.º n. 1 alínea c) do CPC.

20. A citação válida e eficaz, através da qual a recorrente foi chamada ao processo foi aquela que a recorrente levantou no posto dos correios pelo seu gerente comercial, no dia 1 de fevereiro de 2023, e só partir dessa data é que se iniciou o prazo para contestar.

21. Nos termos do artigo 188.º n.º 1 do CPC há falta de citação, quando tenha havido erro na identidade do citado (alínea b) ou quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável (alínea e).

22. A recorrente desconhece quem é a pessoa que recebeu a citação e que nunca lhe entregou; e por outro lado, a recorrente não chegou a ter conhecimento que tinha ocorrido a sua citação em pessoa diversa e por facto que não lhe é imputável.

23. A apresentação da contestação ocorreu dentro do prazo dos trinta dias, nos termos do artigo 569 n.º 1 do CPC.

24. A sentença recorrida errou a decidir dar por provado que a recorrente apresentou a contestação fora de prazo, violando o artigo 607 n.º 4 do CPC.

25. O Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, nos termos do artigo 662. N.º 1 do CPC.

26. A douta sentença deve ser alterada na parte que fixou que “A R. foi citada regularmente para contestar, mas não o fez, no prazo legal, tendo sido desentranhada a contestação por ela apresentada.” por outra decisão que decida que a contestação apresentada pela recorrente não e encontrava fora de prazo.

27. Assim, a sentença recorrida violou os artigos 188.º, 191º, 236.º, 569º, 607 n.º 4, 662º, todos do CPC, devendo ser revogada na parte que decidiu “A R. foi citada regularmente para contestar, mas não o fez, no prazo legal, tendo sido desentranhada a contestação por ela apresentada.” E ser substituída por outra que decida que a recorrente apresentou a sua contestação tempestivamente, e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

Termos em que deve a douta sentença ser revogada e (...) substituída por douto acórdão que decida que a recorrente apresentou a sua contestação tempestivamente, e ordenando-se o prosseguimento dos autos, fazendo-se justiça.”[2]

Junto com as suas alegações, ofereceu a recorrente:

- um print que indicou ser dos CTT com a referência do registo ...73... e atividade compreendida entre 20/01 e 1/02.

Deste print não constando qualquer entrega nomeadamente a 23/01;

- uma nota de aviso/não atendeu em 31/01/2023, sem que deste conste a identificação do objeto a entregar, sequer do seu destinatário.


*


O recorrido apresentou contra-alegações.

Nestas tendo em suma pugnado pela improcedência do recurso.

Tendo nomeadamente invocado/questionado:

- a fidedignidade do 2º AR, que impugnou, atendendo a que a identificação do remetente se encontra manuscrita ao contrário do primeiro AR e ao contrário do que é prática habitual dos tribunais;

- a inadmissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso;

- a citação foi realizada de acordo com o previsto nos artigos 223º nº 3 e 230º do CPC;

- o recorrente não questionou a anterior decisão de 02/03/2023, estando a suposta nulidade de citação sanada.


*


O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


***

II – FACTUALIDADE PROVADA.

A R. recorrente restringiu expressamente o objeto do seu recurso à questão da tempestividade da contestação por si apresentada, para tanto arguindo previamente a falta/nulidade de citação – por referência ao AR assinado a 23/01/2023.

Verificada a falta ou nulidade de citação da R., tal implicará a anulação de todo o processado (nos termos do artigo 187º ou 195º); e se improcedente, manter-se-á na integra o decidido quanto ao mérito dos autos, motivo por que nos abstemos de reproduzir a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo, por inócua para o objeto do recurso.


*

Para conhecimento do objeto do recurso: a tempestividade da contestação, baseada na alegada nulidade (ou falta) da citação da R. – esta considerada pelo tribunal a quo como ocorrida em 23/01/203 – relevam as vicissitudes processuais acima elencadas.


*

III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta ter a recorrente identificado como questão a apreciar a tempestividade da contestação que pressupõe a por si arguida nulidade [por referência ao previsto no artigo 191º do CPC] ou falta da sua citação [por referência ao previsto no artigo 188º nº 1 als. b) ou e) do CPC] por referência ao AR assinado com data de 23/01/23.

Tal como resulta do relatório supra, na própria versão da R. a mesma foi citada para os autos.

A questão está na data em que a mesma foi citada.

 Já que a R. defende apenas ter sido citada de forma regular em 01/02/2023, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo que considerou a citação como ocorrida em 23/01/23.

A recorrente ofereceu ainda e juntamente com a alegação de recurso, dois documentos, cuja oportunidade apenas nesta fase cumpre também analisar.


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Apreciando.

1- Da oportunidade dos documentos oferecidos, juntamente com a alegação de recurso.

Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos alegados – 341º do CC (Código Civil).

Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios, tal como previsto no artigo 412º do CPC.

De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.

Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para a decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.

Mais e quanto ao momento processual adequado à pretendida junção, regula o artigo 423º do CPC – estando em causa situação anterior ao encerramento da discussão, pois que para o momento posterior preceitua o artigo 425º do CPC – do qual se extrai que o momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa é por regra o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do nº 1 deste artigo 423º que disciplina o “Momento da Apresentação”.

Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:

“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.

Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Assim e fora da situação regra – junção com o respetivo articulado – apenas é permitida a junção dos documentos pertinentes até 20 dias antes da audiência com multa, salvo se for provado que antes com o respetivo articulado os não pôde oferecer. Após tal momento e até ao encerramento da discussão sendo ainda permitida a junção de documentos quando:

- a apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou quando

- a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A impossibilidade de apresentação em momento anterior poderá ser fundada em circunstâncias objetivas por o documento se reportar a incidências supervenientes a tal limite temporal, ou em circunstâncias subjetivas por até lá a parte do mesmo ou da situação a que se reporta não ter tido conhecimento.

A necessidade de apresentação em momento posterior tem por sua vez como pressuposto a novidade da questão que o mesmo visa provar, o que não ocorre quando este se destina à prova de questões alegadas nos articulados e que são alvo de prova.

Já em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é ainda admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:

i- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

No caso dos autos, é claro não estar em causa uma qualquer situação de superveniência objetiva.

A questão suscitada pela R. respeita à tempestividade da contestação apresentada e como seu pressuposto prévio, a data da sua citação para os autos.

E tal questão foi pelo tribunal a quo expressamente analisada e decidida logo após o oferecimento da contestação pela R., aliás no próprio dia em que foi oferecida aos autos.

Tão pouco se trata de superveniência subjetiva, pelas exatas mesmas razões. A parte logo tomou conhecimento da posição assumida pelo tribunal a quo e os documentos juntos reportam-se a momento temporal anterior à apresentação da própria contestação.

Afastada, pelas mesmas razões está a novidade da questão tratada.

Diga-se, por uma questão de precisão, que a questão suscitada da data da citação considerada pelo tribunal a quo e consequente extemporaneidade da contestação, não foi tratada na sentença.

A questão foi, tal como já referido, tratada logo após a apresentação da contestação.

A sentença limitou-se no que ao objeto deste recurso respeita, a elencar as vicissitudes processuais relevantes e ocorridas até ao momento da prolação da sentença.

Entre as quais a decisão anteriormente tomada de julgar extemporânea a contestação apresentada e determinar o seu desentranhamento, atenta a citação ocorrida a 23/01/2023. Com a consequente confissão dos factos.

O mesmo é dizer que esta questão concreta não foi decidida na sentença e nessa medida não constitui novidade tratada na decisão para efeitos de justificação da junção dos documentos oferecidos com as alegações.

Pelo que está afastada a possibilidade de junção destes documentos neste momento processual.

Pelo exposto, não se admite a junção aos autos dos documentos oferecidos com as alegações de recurso.

2- Da tempestividade da contestação apresentada e da nulidade ou falta da citação (considerada pelo tribunal a quo como ocorrida em 23/01/23) e tempestividade da sua arguição.

Nos termos do disposto no artigo 189º do CPC e sob a epígrafe “Suprimento da nulidade de falta de citação” é declarado que “Se o réu … intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.

Tal como resulta do relatório supra efetuado, a R. deduziu nos autos contestação, subscrita por Exmo. mandatário constituído, conforme procuração que também fez juntar aos autos, sem que qualquer questão tenha suscitado quanto à sua citação.

O que à partida e só por si, precludiria a posterior invocação de qualquer nulidade fundamentada em falta de citação (com a consequência prevista no artigo 187º - nulidade de todo o processado depois da petição), atento o previsto no citado artigo 189º.

Não obstante e admitindo, perante o circunstancialismo que a recorrente descreveu nas suas alegações, que apenas teve conhecimento da ação contra si proposta através da “2ª VIA” do AR assinado a 01/02/2023 [data relevante para a questão da tempestividade da apresentação da contestação], bem como que do ato de citação que se mostra efetuada nos autos com data de 23/01/2023 não teve conhecimento anterior à apresentação do seu articulado por facto a si não imputável, não poderia a R. sobre este se ter pronunciado nessa mesma contestação.

Não conhecimento que se tem de admitir como possível, atendendo a que o acesso eletrónico aos autos ocorrerá após a junção da procuração com a contestação. Momento em que o Exmo. mandatário passa a estar associado aos autos para consulta eletrónica dos mesmos – vide artigo 132º do CPC e Portaria 280/2013 de 26/08 que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais.

No entanto e mesmo a admitir esta situação, não pode a recorrente fazer-se valer de tal suposto desconhecimento a partir do momento em que foi notificada da decisão do tribunal a quo que julgou a contestação extemporânea e determinou o seu desentranhamento – decisão de 02/03/2023 e notificada a 07/03/23. Extemporaneidade justificada precisamente com a citação de 23/01/2023.

A partir de então, recaía sobre a R. recorrente o ónus de ter vindo impugnar a decisão que declarou a extemporaneidade da contestação, com fundamento precisamente na nulidade da citação de 23/01/23.

Verificada e julgada extemporaneidade que determinou o desentranhamento da contestação e a consequente declaração de confissão dos factos alegados pelo autor e o cumprimento do disposto no artigo 567º nº 2 do CPC.

Porém, a R. notificada da decisão que declarou a extemporaneidade da contestação apresentada, tendo em conta a data da citação para o efeito considerada pelo tribunal a quo de 23/01/23, bem como da consequente declaração de confissão dos factos articulados pelo autor, nada fez.

Sobre a R. recaía o ónus de impugnar tal decisão. A qual e por não atacada tempestivamente transitou em julgado.

Nos termos do disposto no artigo 644º nº 2 al. d) do CPC cabe recurso autónomo, em separado, da decisão que rejeita um articulado (in casu da contestação), a interpor no prazo de 15 dias (artigo 638º nº 1 do CPC).

Não tendo a recorrente interposto recurso desta decisão, transitou a mesma em julgado com o consequente e definitivo desentranhamento da contestação apresentada e declarada confissão dos factos articulados.

Por outro lado, a partir desta mesma decisão não tem a R. como defender que não tomou conhecimento do ato através do qual o tribunal a quo a considerou regularmente citada.

E assim sendo, sobre si recaía o ónus de ter arguido perante o tribunal a quo a competente nulidade da citação, como forma de obviar à decidida extemporaneidade da apresentação da contestação.

Nulidade fundada em não conhecimento por facto a si não imputável – já que a citação em causa foi enviada para a sede da R. e o AR se mostra assinado por quem no mesmo está identificado e se comprometeu a entregar prontamente ao destinatário.

Não o tendo feito, precludiu-se o direito da recorrente em o fazer só agora com a notificação da sentença proferida.

Note-se que na sentença recorrida e como acima já deixámos mencionado, nada se decidiu quanto à citação da R. e à tempestividade da contestação apresentada.

Tais questões haviam sido decididas em 02/03/2023.

A sentença limitou-se no que ao objeto deste recurso respeita, a elencar as vicissitudes processuais relevantes e ocorridas até ao momento da prolação da sentença.

Entre as quais foi relatada a decisão anteriormente tomada de julgar extemporânea a contestação apresentada e determinar o seu desentranhamento. Com a consequente confissão dos factos.

Concluindo, foi extemporaneamente arguida a nulidade da citação, bem como o pedido de julgar apresentada em tempo a contestação que a R. fez juntar aos autos.

Perante a extemporaneidade da arguição de nulidade da citação, bem como do pedido de julgar tempestivamente apresentada a contestação, resulta manifestamente improcedente a arguida nulidade da sentença nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC (vide conclusão 19ª), porquanto a mesma tinha como pressuposto precisamente a tempestividade da contestação apresentada.

Questão, nos termos apreciados, definitivamente decidida e afastada.


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Por último e sem prejuízo do assim exposto, embora sem relevo para o conhecimento do objeto deste recurso, não resulta da consulta eletrónica dos autos o motivo por que apareceu nos autos a 2ª VIA de citação.

A sua origem deverá ser apurada pelo tribunal a quo, para esclarecimento do circunstancialismo em que surgiu, atendendo nomeadamente à questão da fidedignidade levantada pelo recorrido.


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Resta nos termos expostos, concluir pela improcedência do recurso interposto.


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V. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se confirmando a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.


Porto, 2024-06-03

Fátima Andrade

Miguel Baldaia de Morais

Ana Paula Amorim


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[1] Realce nosso.
[2] Realce nosso.