INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Sumário

I - O regime legal da insolvência apenas obsta à pendência ou à instauração da impugnação pauliana se e na medida em que possa contender com a resolução do acto (impugnado) por parte do administrador da insolvência: os credores podem impugnar actos de alienação praticados pelo devedor/insolvente que não tenham sido objecto de resolução pelo administrador ou cuja resolução tenha sido julgada ineficaz.
II - A prevalência da resolução operada pelo administrador justifica-se, em face dos seus efeitos quando confrontada com os da impugnação: a resolução operada pelo administrador aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa; a impugnação só aproveita ao impugnante.
III - Assim, não existindo notícia da resolução dos actos, declarada pelo Administrador da Insolvência, nada impede o prosseguimento da impugnação pauliana, impondo-se, no entanto, a articulação entre este meio de conservação da garantia patrimonial e o instituto da exoneração do passivo restante.
IV - A exoneração do passivo produz, como efeito típico, a extinção dos créditos sobre a insolvência que ainda existam no momento em que o despacho da exoneração é proferido. Esta solução aplica-se mesmo aos créditos sobre a insolvência que não tenham sido reclamados ou verificados. Subsistem, porém, apesar da exoneração, os créditos enumerados no nº2 do artigo 245º do CIRE, que dado o carácter excepcional desta norma, tem de se entender a enumeração como taxativa.
V - Não se verifica a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide enquanto se mantiver a possibilidade de reconstituição de todos os créditos extintos o que ocorre com a revogação da exoneração do passivo restante.
VI - Sendo um dos requisitos substantivos da impugnação paulina a existência do crédito, não faz sentido permitir o prosseguimento dessa acção quando o direito de crédito invocado pela autora se mostra extinto com o trânsito em julgado da decisão que deferiu a exoneração de passivo do réu. Todavia, havendo a possibilidade de reconstituição do crédito invocado, pela autora, que ocorre com a revogação da exoneração do passivo restante, verifica-se motivo justificativo para a suspensão da instância nos termos da 2ª parte, do nº 1, do artigo 272º do Código de Processo Civil.
VII - O nº3 do artigo 127º do CIRE respeita aos efeitos da procedência da impugnação pauliana e não aos requisitos substantivos da mesma.
VIII - O CIRE confere aos credores meios de controlo da actuação do devedor, nomeadamente a possibilidade de requererem antecipadamente a não exoneração do passivo do devedor, com fundamento na sua responsabilidade pela situação de insolvência; de controlarem os pressupostos da concessão da exoneração do passivo restante, manifestando oposição a essa pretensão do devedor; ou de requererem a revogação da exoneração que tenha sido concedida.

Texto Integral

Processo nº 1330/20.0T8PVZ.P1

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Morais

Primeira Adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 

Segundo Adjunto: Carlos Gil

I_ Relatório

A autora AA intentou a presente acção de impugnação pauliana contra os réus (1) BB, (2) CC, (3) DD, (4) EE, (5) FF, (6) GG e (7) HH, pedindo que:

a) sejam as compras e vendas e dação em pagamento referentes aos imóveis identificados na petição, celebradas entre os réus, declaradas simuladas, nulas e ineficazes em relação à credora, aqui autora;

b) seja ordenado o cancelamento dos registos efectuados sobre todos os imóveis referidos na petição, relativamente aos quais incidiram os contratos de compra e venda e de dação em pagamento;

c) seja reconhecido o direito da autora à restituição dos imóveis identificados na petição, na medida  necessária à satisfação do seu crédito (actualmente, no montante de €225.803,22, acrescido de juros até integral pagamento), podendo qualquer desses bens imóveis supra mencionados ser executado no património da 3ª, 4ª 5º, 6ª e 7ª réus, bem como a autora autorizada a praticar os actos de conservação de garantia patrimonial conferidos por lei sobre os mesmos.

Alegou, em síntese, que:
a. por sentença proferida em 19 de Junho de 2019, transitada em julgado, foram condenados os Réus BB e CC a pagar à Autora a quantia de €209.779,73 (duzentos e nove mil, setecentos e setenta e nove euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa Euribor a 6 meses, adicionada de um spread de 4%, contados a partir de 01 de Dezembro de 2018 até efectivo e integral pagamento.
b. Cientes dessa dívida, constituída em 15 de Fevereiro de 2015, os 1º e 2º Réus, BB e CC arquitectaram um plano que teve unicamente como objectivo dissiparem todo o património imobiliário que pudesse responder por aquela dívida à Autora.
c. Para tal efectuaram negócios de compra e venda e dação em pagamento simulados, actuando conscientemente e com o fito de não pagar à Autora ou a qualquer outro credor, socorrendo-se da ajuda dos demais Réus (3º, 4º, 5, 6º e 7º).
d. Os 3º, 4º 5º , 6º e 7º Réus ajudaram os 1º e 2º Réus a  ocultar todo o seu património, com plena consciência que os negócios que iriam fazer eram fictícios e simulados porque foram efectuados com o único intuito de enganar terceiros.
e. No dia 2 de Junho de 2017, o 1º Réu, BB, dissipou todo o património imobiliário que tinha em seu nome e fê-lo através de escritura de compra e venda, outorgada, no dia 02 de Junho de 2017, na qual declarou vender à 3ª Ré, DD, pelo preço de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), metade indivisa da raiz ou nua propriedade dos seguintes imóveis:
(i) Pelo preço de € 67.500,00, da fracção autónoma, designada pela letra “N”, destinada a habitação, sita na Rua ..., ... e Rua ..., ..., inscrita na competente matriz sob o artigo ... – “N” da União de freguesias ... e ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..., com um valor patrimonial de €136.497,20;
(ii) Pelo preço de € 37.500,00, da fracção autónoma, designada pela letra “K”, destinada a habitação, sita na Rua ..., ..., inscrita na competente matriz sob o artigo ... – “K” da União de freguesias ... e ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..., com um valor patrimonial de € 75.560,92;
(iii) tendo reservado para si o direito de uso e habitação vitalício de ambas as fracções alegadamente vendidas.
f. Sobre a primeira fracção objecto da venda, encontrava-se registada uma hipoteca a favor do Banco 1..., S.A. e sobre a segunda fracção objecto da alegada venda, encontravam-se registadas duas hipotecas a favor do Banco 2..., SA.
g. Esse negócio é simulado e, por consequência, nulo pois foi efectuado apenas com o fito de afastar os bens, referidos na aludida escritura, da esfera patrimonial do 1º Réu para que os mesmos não pudessem responder pela dívida à Autora e aos demais credores do 1º Réu, bem sabendo a 3ª Ré que ao outorgar aquela escritura estava a contribuir para tal  pois, vive em união de facto, com aquele.
h. Para criar a aparência de que o referido negócio foi efectuado segundo a vontade das partes, o 1º Réu e a 3ª Ré, em comunhão de esforços, decidiram levar a cabo mais uma transmissão sobre os supra mencionados bens, contando com a ajuda e colaboração dos 6º e 7º Réus:
- no mês de Julho de 2018, a 3ª Ré, DD outorgou uma escritura pública de compra e venda da referida fracção autónoma, designada pela letra “N” – acima identificada - à 6ª Ré, GG;
- no mês de Julho de 2018, a 3ª Ré, DD, vendeu ao 7º Réu, HH, a outra fracção autónoma, designada pela letra “K”.
i. Estes negócios, à semelhança do primeiro negócio, foram simulados, visando apenas impedir que os credores do 1º Réu conseguissem que as primeiras transmissões dos bens fossem declaradas nulas, o que era do conhecimento dos 6ª e 7º Réus.
j. Constituíram mútuos com o conhecimento dos 1º e 3ª Réus, os quais assumem o seu pagamento mensal.
k. Existiam hipotecas sobre as referidas fracções inscritas a favor do Banco 1... SA e Banco 2..., S.A., tendo o montante em dívida de onde derivaram essas hipotecas sido pago com dinheiro do 1º Réu, apesar da raiz ou nua propriedade se encontrar em nome da 3ª Ré.
l. Sempre no mesmo dia e no mesmo cartório, ou seja no dia 02 de Julho de 2017 e no Cartório da Dr.ª II, em Fafe, o 1º e 2ª Réus, BB e CC, declararam vender metade indivisa (pertencendo um quarto indiviso a cada um) à 4ª Ré, EE, pelo preço de €3.000,00 (três mil euros), dos seguintes imóveis:

- Prédio rústico, denominado “...”, composto por lameiro e vinha em ramada, sito no Lugar ..., inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ... e ..., concelho de Arco de Valdevez, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº ...;

- Prédio rústico, denominado “...”, composto por terreno de lameiro e vinha em ramada, sito no Lugar ..., inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ... e ..., concelho de Arco de Valdevez, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº...;

i. Esta transmissão apenas visou retirar esses bens da esfera patrimonial dos 1º e 2ª Réus, com o intuito de enganar terceiros, impedindo que os seus credores, incluindo a Autora, os pudessem executar, com tal furtando-se aqueles réus ao pagamento das suas dívidas, tudo com pleno conhecimento e aceitação da 4ª Ré.

j. Ainda no mesmo dia e cartório e sempre com o objectivo de dissipar todo o património e furtarem-se ao pagamento das dívidas aos credores, entre os quais a Autora, a 2ª Ré, CC vendeu a raiz ou nua propriedade, pelo preço de € 33.980,00 (trinta e três mil e novecentos e oitenta euros), ao 5º Réu, FF, dos seguintes bens imóveis:

- Pelo declarado preço de € 10.930,00, do prédio urbano, inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Arco de Valdevez e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº ...;

- Pelo declarado preço de € 12.270,00, do prédio urbano, inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Arco de Valdevez e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº ...;

-  Pelo suposto preço de € 10.030,00, do prédio urbano, inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Arco de Valdevez e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº ...;

- Pelo declarado preço de €750,00, do prédio rústico, denominado “Quintal”, composto por terreno de cultura arvense vinha em ramada, inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Arco de Valdevez e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o nº ...;

l. A 2ª Ré reservou para si o direito de uso sobre o prédio rústico e o direito de uso e habitação vitalício sobre os prédios urbanos.

m. Tais compras e vendas, sem qualquer pagamento de preço,  foram levados a cabo com o único objectivo de retirar da esfera patrimonial da 2ª Ré os referidos imóveis e, com tal, impedir os credores da mesma – mormente a Autora – de satisfazerem os seus créditos, tudo sendo do perfeito conhecimento do 5º Réu que aceitou pactuar com a 2ª Ré na dissipação do património desta.

n. Ainda no dia 2 de Junho de 2017 e sempre perante a mesma notária, a 2ª Ré, CC, declarou vender a raiz ou nua propriedade, pelo preço de € 1.000,00 (mil euros),  ao seu ex-marido, 5º Réu, FF, o prédio rústico, denominado de “quintal”, inscrito na competente matriz sob o artigo ... da União de freguesias ..., ... e ..., concelho de Arco de Valdevez e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o número ..., tendo reservado para si o direito de uso sobre o imóvel.

o. Também esta alegada venda, à semelhança das anteriores, foi efectuada com o fito de impedir os credores de obterem a satisfação dos seus créditos através do património da 2ª Ré, actuando esta e o 5º Réu sempre em comunhão de esforços, ambos cientes que com aquela venda estavam a dissipar o património da primeira.

p. No dia 23 de Outubro de 2018, a 2ª Ré, CC, através de escritura de dação em cumprimento, declarou dar em pagamento ao seu ex- marido, 5º Réu, FF, o direito de uso e habitação sobre todos os imóveis referidos, tendo para tanto, declarado que era devedora do seu ex-marido da quantia de €11.538,59, resultante de vários empréstimos que o mesmo lhe concedera entre os anos de dois mil e dois mil e treze, em numerário, para fazer face a necessidades do seu dia-a-dia e compromissos financeiros assumidos.

q. A 2ª Ré e o 5º Réu visavam impedir a satisfação dos créditos dos credores da primeira, nomeadamente da Autora, não existindo a dívida mencionada na escritura de 23/10/2018, nem existiu qualquer alienação do uso e habitação dos imóveis para o 5ª Réu.

r.  Após consumarem todos os negócios, no início do ano de 2019, o 1º Réu, BB, apresentou-se à insolvência que veio a ser declarada no dia 28 de Fevereiro de 2019, no âmbito do processo n.º 6244/18.1T8GMR que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo do Comércio de Guimarães – Juiz 1. 

s. A 2ª Ré, CC socorreu-se de igual instituto jurídico, apresentando-se à insolvência que veio a ser declarada no dia 28 de Março de 2019, no âmbito do processo n.º7634/18.5T8VNG que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 3.

t. Quer o 1º Réu, quer a 2ª Ré, declararam naqueles processos de insolvência que não tinham qualquer património, razão pela qual foram os processos encerrados por insuficiência da massa, apenas estando pendentes com decurso do prazo para exoneração do passivo restante.

u. Qualquer dos 1º e 2ª Réus não declarou no seu articulado de apresentação à insolvência que tinha uma dívida superior a  €200.000,00, à Autora, apesar de já terem recebido as cartas de interpelação para pagamento da dívida e após terem sido citados para a acção que correu os seus termos neste mesmo Tribunal – Juiz 2, proc. 2005/18.6T8PVZ.

v. O património imobiliário que os 1º e 2º Réus alienaram era o único capaz de responder pela dívida da Autora, não possuindo qualquer outro património para responder por aquela dívida.

Concluiu a Autora que quer o 1ºRéu, quer a 2ª Ré, actuaram cientes do facto de terem assinado uma confissão de dívida no dia 20 de Fevereiro de 2015, data na qual a dívida foi constituída, que não queriam pagar e, até hoje, não pagaram, para tal dissipando o seu vasto património imobiliário contando com o conhecimento e colaboração dos restantes Réus que sabiam da dívida daqueles, e, após, apresentando-se à insolvência.


*

Citados, os réus apresentaram contestação.

I.1_ Por despacho de 17/6/2021, foi determinada a notificação da autora para “exercer o contraditório relativamente às exceções invocadas pelos Réus”.

I.2_ Notificada, a autora apresentou requerimento, em 2/11/2021, sobre o qual foi proferida sentença homologatória da “desistência dos pedidos apresentada nesse requerimento - referência 40330694 -, por ser válida quanto à qualidade do interveniente, bem como à disponibilidade dos direitos, nos termos dos artigos 277º alínea d), 283º nº 1, 284º, 285º nº 1, 286º nº 2, 289º nº 1 a contrario, 290º nº 1 do Código de Processo Civil, declarando extintos os direitos que a Autora pretendia fazer valer relativamente à declaração de nulidade por simulação das compras e vendas e dação em pagamento referentes aos imóveis aludidos nos autos e ao cancelamento dos registos efetuados sobre esses imóveis em consequência dos aluídos negócios.”

I.3_ Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixados o objecto do litigio e os temas da prova.

I.4_ Em 6/3/2023 – requerimento com a referência 44907183 -, requereu o réu JJ a extinção da instância, quanto à sua pessoa, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, al. e), do CPC.

Sustentou o réu que:

 - “desaparec[eu] o objecto do processo, o que desde logo acarreta a perda do interesse pela solução do litígio, pelo facto de não ser possível atingir o resultado visado”;

- “o pedido da A. assenta num alegado crédito que esta detém sobre o R. constituído por uma fiança datada de 20 de Fevereiro de 2015 (ponto A, alínea d) da matéria provada);

-“o R. recorreu a um processo de insolvência, a qual foi declarada a 28.02.2019, no âmbito do qual peticionou a exoneração do passivo restante, exoneração esta que lhe foi definitivamente concedida por Douto Despacho de 13.12.2022 e que transitou em julgado no passado dia 04.01.2023”;

- “o alegado crédito da A. é um crédito sobre a insolvência do R., por ter fundamento em data anterior à data da declaração respetiva. (artigo 47º nº 1 do CIRE).

Concluiu que “importando a exoneração do devedor a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, como é o caso do relativo à A., inclusivamente os que não tenham sido reclamados e verificados, conforme resulta inelutavelmente do artigo 245º nº 1 do CIRE, inexistindo crédito, a impugnação pauliana tem forçosamente de soçobrar por falta de um pressuposto intrínseco a este instituto, conforme resulta indubitavelmente do disposto no artigo 610º do Código Civil.”

I.5_ Em 6/3/2023, a ré CC apresentou requerimento pedindo a sua absolvição do pedido por “a concessão da Exoneração do Passivo Restante, constitui[r] excepção peremptória, nos termos do artigo 576.º n.º 3 CPC, inexistindo, dessa forma, qualquer crédito alegado pela Autora”.

Alegou que:

Aos 26 de Março de 2019, houve prolação de Sentença decretando a sua insolvência, no âmbito do processo n.º 7634/18.5T8VNG, à ordem do Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia;

2. Esta declaração de Insolvência abrange, legalmente, nos termos do artigo 47.º CIRE, todos os créditos, reclamados ou não, com data anterior;

3. Ora, o crédito que a Autora alega ter sobre a Ré CC, tem, incontestavelmente, data anterior à data de insolvência desta;

4. Posteriormente, aos 12 de Janeiro de 2023, foi prolatado despacho final de exoneração do passivo restante, à Ré aqui exponente;

5. E assim, por ser de data anterior e por não se tratar de nenhuma das situações elencadas no artigo 245.º CIRE, como não abrangidas pela Exoneração;

6. Dúvidas não poderão quedar que este alegado crédito desaparece agora, por força da concessão da Exoneração do Passivo restante;

7. Até porque, ademais e sem prescindir, o dito foi elencado na Relação de Créditos Reconhecidos, em sede da mesma Insolvência, bem como a Autora incluída na Lista de Credores…;

8. E não havendo crédito, não poderá haver recurso à Impugnação Pauliana, por inexistência de um dos seus requisitos de base…”.

I.6_ Em 8/3/2023, foi proferido o seguinte despacho:

“Nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, notifique a Autora para, querendo, em dez dias, exercer o contraditório relativamente aos requerimentos de 6 de Março apresentados pelos Réus.

I.7_ Notificada, a Autora pronunciou-se, em 23/3/2023, quanto aos requerimentos apresentados pelos Réus, pugnando pelo prosseguimento dos autos por, no seu entender, não ter ocorrido qualquer causa de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

I.8_ Por despacho [1] proferido em 28/6/2023, decidiu o Tribunal a quo que:

“a) não existe, atualmente, fundamento para declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto, como se referiu, apesar da extinção do crédito da Autora com o trânsito em julgado das decisões proferidas ao abrigo do artigo 244º nº 3 do CIRE, existe a possibilidade da sua exoneração e reconstituição de todos os créditos;

b) existe fundamento para a suspensão da instância nos termos do artigo 272º nº 1 do Código de Processo Civil, porquanto o prosseguimento dos autos depende das vicissitudes dos processos de insolvência nº 6244/18.1T8GMR e nº 7634/18.5T8VNG no que diz respeito ao referido incidente.

Nos termos do artigo 3º nº 3 determino que as partes tomem posição, no prazo de dez dias, quanto à intenção do Tribunal de suspender a instância por causa prejudicial.

Custas do incidente a cargo dos Réus com 1 UC de taxa de justiça a cada um.

Notifique”.

I.9_ Por requerimento de 13/7/2023, veio o réu BB reiterar que a “presente lide tem de ser forçosamente extinta por inutilidade superveniente da lide”, o que requereu, alegando que:

“1º_ Os efeitos da exoneração definitiva são imediatamente eficazes e produzem desde logo os seus efeitos na Ordem Jurídica, conforme decorre aliás, de forma insofismável, do artigo 245º do CIRE.

2º_ Assim, tal produção de efeitos não está dependente de qualquer facto eventual e futuro, mormente os decorrentes de hipotética revogação.

3º_ Desta forma, dúvidas não poderão restar que a A. não possui, atualmente, qualquer crédito sobre o R. e assim, a presente lide falece de fundamento para prosseguir.

4º_ Inexistindo fundamento para o atual prosseguimento desta lide não pode, no modesto entendimento do R., ser esta lide suspensa até que se produza um facto incerto, remoto, hipotético e futuro.

5º_ Não sendo este um motivo justificado, previsto no artigo 271º nº 1 do CPC, para o efeito”.


*

I.10_ A autora pronunciou-se por requerimento de 13/7/2023 – referência 46137935 - , no sentido da inexistência de fundamento legal para ser suspensa a instância.

Alegou, em síntese, que entre os processos de insolvência n.º 6244/18.1T8GMR e n.º7634/18.5T8VNG e a presente acção não existe o necessário nexo de prejudicialidade que justifique a suspensão da instância. Sustenta que existe utilidade e interesse no prosseguimento da presente acção, sendo de extrema relevância discutir os factos controvertidos no âmbito dos presentes autos de impugnação pauliana para, em consequência da decisão de mérito que venha a ser proferida nesta acção, eventualmente aquilatar das consequências que da mesma possam resultar para a eventual revogação das decisões de exoneração do passivo restante proferidas nos processos de insolvência dos Réus CC e BB.

Argumenta, ainda, que a declaração de insolvência com exoneração do passivo restante concedida aos Réus BB e CC apenas abrange os créditos sobre a insolvência, com fundamento em data anterior à declaração de insolvência, o que, no caso dos dois Réus, sucedeu em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos de processo com o n.º 2005/18.6T8PVZ, razão pela qual o crédito da Autora, reconhecido nessa sentença, não poderá considerar-se um crédito sobre a insolvência e/ou abrangido pela exoneração. Ainda que assim não fosse, não obstante a concessão da exoneração do passivo restante aos 1º e 2º Réus, o crédito da Autora não deixaria, nem deixou de existir, enquanto pressuposto processual para efeitos da presente acção.

Invoca, ainda, o disposto no artigo 127º, nº3, do CIRE para justificar a prossecução dos autos de impugnação pauliana. Conclui que a assim não ser, a credora impugnante – no caso, a Autora -, fica desprotegida face a uma declaração de insolvência e concessão da exoneração do passivo restante relativamente aos Réus CC e BB no âmbito de outro processo, ficando estes últimos totalmente beneficiados e incólumes, não obstante terem agido com má-fé e em conluio com os restantes co-réus na transmissão dos bens objecto destes autos, permitindo-se um total esvaziamento do disposto no artigo 616º do Código Civil e uma total desprotecção jurídica da credora impugnante em detrimento do direito à tutela jurisdicional efectiva contida no artigo 2º do Código de Processo Civil.

I.11_ Em 11/10/2023, foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimentos referência 46017731, 46134382, 46137935:

O artigo 272º nº 1 do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

No despacho proferido em 28 de Junho passado, o Tribunal expôs claramente os fundamentos para a não extinção imediata da instância por inutilidade da lide, pelo que qualquer objeção dos Réus BB e CC deveria ter sido expressa através da interposição do recurso.

Também ficou claramente exposto que o crédito da Autora ficou extinto com o trânsito em julgado das decisões que deferiram a exoneração de passivo dos supra identificados Réus, ou seja, em 4 e 31 de Janeiro de 2023, respetivamente, importando salientar que a constituição do mesmo não corresponde à data do trânsito da sentença proferida no processo nº 2005/18.6T8PVZ, porquanto esta tem efeitos meramente declarativos quanto à sua existência, que reconhece, correspondendo o segmento condenatório à formação de título executivo para o respetivo pagamento, ou seja, ao propósito de conferir tutela judiciária para cobrança coerciva.

Por isso, na hipótese de um credor, que não a Autora, exercer a faculdade prevista no artigo 246º do CIRE, no prazo de um ano, os restantes, incluindo a demandante, beneficiam dos efeitos da revogação da exoneração do passivo, o que significa que, não obstante a extinção, os créditos reconstituem-se.

Nessa medida, contrariamente ao alegado pela Autora, não existe fundamento para o prosseguimento dos autos, que só se justificará se o seu crédito, que se encontra extinto, se reconstituir em consequência de procedência de incidente de revogação da exoneração do passivo que, eventualmente, venha a ser suscitado.

Transcorrido o prazo até 4 de Janeiro de 2024, quanto ao Réu BB e até 31 de Janeiro de 2024, quanto à Ré CC, sem que seja praticado o ato processual necessário à revogação, a presente ação será extinta por inutilidade superveniente da lide; em caso de pendência do incidente, será necessário aguardar pela prolação da decisão definitiva.

Pelo exposto, ocorrendo um motivo justificado, de harmonia com a primeira norma citada, declaro a suspensão da instância até 31 de Janeiro de 2024.

Notifique.”


*

Inconformado, o réu BB interpôs recurso do despacho proferido em 11/10/2023, apresentando as seguintes conclusões:

“A)O Tribunal “a quo”, através do Douto Despacho ora recorrido, suspendeu a presente lide ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 1 do CPC.

B)E, adicionalmente, de forma inexpectável, determina que “No despacho proferido em 28 de Junho passado, o Tribunal expôs claramente os fundamentos para a não extinção imediata da instância por inutilidade da lide, pelo que qualquer objeção dos Réus BB e CC deveria ter sido expressa através da interposição do recurso.”

C) O Recorrente não pode aceitar este entendimento pois, no Douto Despacho proferido a 28.06.2023, referência 449805490, o Tribunal “a quo” expôs os fundamentos que no seu entendimento impediam a extinção imediata da instância por inutilidade superveniente da lide.

D)E dele resulta “in fine” que:

Pelo exposto:

a) não existe, atualmente, fundamento para declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto, como se referiu, apesar da extinção do crédito da Autora com o trânsito em julgado das decisões proferidas ao abrigo do artigo 244º nº 3 do CIRE, existe a possibilidade da sua exoneração e reconstituição de todos os créditos;

b) existe fundamento para a suspensão da instância nos termos do artigo 272º nº 1 do Código de Processo Civil, porquanto o prosseguimento dos autos depende das vicissitudes dos processos de insolvência nº 6244/18.1T8GMR e nº 7634/18.5T8VNG no que diz respeito ao referido incidente.

Nos termos do artigo 3º nº 3 determino que as partes tomem posição, no prazo de dez dias, quanto à intenção do Tribunal de suspender a instância por causa prejudicial.

E) Desta forma, o Tribunal recorrido ao remeter para o artigo 3º nº 3 do CPC, dando às partes dez dias para tomarem posição sobre o entendimento por si perfilhado e ao referir de forma expressa à “intenção” de suspender a instância, pretendia tão somente que fosse exercido pelas partes o contraditório respetivo, o que o Recorrente fez através do seu requerimento de 13.07.2023, referência, 36216481.

F) Não se tratando de uma decisão definitiva, o Recorrente encontrava-se naturalmente impedido de apresentar qualquer recurso de apelação ao predito Despacho de 28.06.2023. G) Assim, nada mais resta ao Recorrente senão requer a revogação do Douto Despacho ora recorrido por manifesta preterição do disposto no artigo 644º nº 2 al. c) do CPC, admitindo, em consequência, a presente instância recursiva.

Adicionalmente e sem prescindir:

H) O Recorrente não pode também aceitar a suspensão da presente lide ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 1 do CPC.

I) Conforme referiu o Recorrente no aludido requerimento de 13.07.2023, os efeitos da exoneração definitiva, mormente e no que tange à extinção de todos os créditos sobre a insolvência, são imediatamente eficazes e produzem desde logo os seus efeitos na Ordem Jurídica, conforme decorre aliás, de forma insofismável, do artigo 245º nº 1 do CIRE.

J) Assim, tal produção de efeitos não está dependente de qualquer facto eventual e futuro, mormente os decorrentes de hipotética revogação da exoneração do passivo restante, pelo que dúvidas não poderão restar que a Recorrida não possui, atualmente, qualquer crédito sobre o Recorrente e assim, a presente lide falece de fundamento para prosseguir.

K) Desta forma, estando os créditos extintos por uma decisão transitada julgada, não pode a presente instância ficar pendente de se produzir um facto incerto, remoto, hipotético e futuro, pelo que não estamos perante um motivo justificado, previsto no artigo 272º nº 1 do CPC, para a suspensão da presente instância.

L) Em face ao exposto, tem a presente instância de ser forçosamente extinta por inutilidade superveniente da lide, sendo pois certo que o Douto Despacho ora recorrido viola o disposto nos artigos 245º nº 1 do CIRE e 272º nº 1 e 277º al. e) do CPC.

Termos em que, revogando o Douto Despacho ora recorrido e substituindo-o por outro que ordene que a presente lide seja extinta por inutilidade superveniente da lide estarão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a produzir a tão habitual e costumada JUSTIÇA!”


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Inconformada, a autora interpôs recurso do despacho proferido em 11/10/2023, apresentando as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, tendo por objecto sindicar o despacho que foi proferido pelo Tribunal a quo em 11 de outubro de 2023 e notificado às partes em 16 de outubro de 2023;

B. Mediante o qual a M.ma Juiz do Tribunal a quo decidiu suspender a presente instância ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 272º do Código de Processo Civil;

C. O argumento invocado pelo tribunal a quo para a referida suspensão é a circunstância de, no âmbito de outra causa (processo de insolvência dos réus BB e CC), ter sido concedido aos mesmos o benefício da exoneração do passivo restante, considerando por esse motivo a M.ma Juiz do Tribunal recorrido que o crédito da autora fora extinto;

D. Com efeito, justifica a suspensão da instância por considerar que, pelo menos até 4 de janeiro e 31 de janeiro de 2024 (um ano após o trânsito em julgado das decisões finais de exoneração), pode ainda algum dos credores requerer a revogação da exoneração, caso em que o crédito da autora se reconstituirá e os autos poderão prosseguir;

E. Ora, é certo que não há razões para a extinção da presente instância e acerca disso o Tribunal a quo já se pronunciou no seu despacho de 28.06.2023, transitado em julgado;

F. No entanto, entendemos que também não haverá razão para a instância ser suspensa, pelo que os autos devem prosseguir os seus normais termos ao final;

G. Quanto à suspensão da instância, prevê o n.º 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”;

H. Com efeito, uma causa só está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta puder afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja em apreciação uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito;

I. Causa prejudicial é aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia;

J. Tal situação não é, indubitavelmente, o caso dos autos, desde logo por não existir entre as acções o necessário nexo de prejudicialidade;

K. Por outro lado, não existe qualquer outro motivo justificado, até porque nem o tribunal recorrido se socorre da alegação ou fundamentação de qualquer outro motivo que possa entender justificado para a lograda suspensão;

L. Por outro lado, mas não menos importante, a declaração de Insolvência com exoneração do passivo restante concedida aos réus BB e CC apenas abrange os créditos sobre a insolvência, com fundamento em data anterior à declaração de insolvência. – vide o disposto no artigo 47º/1 e 245º/1, ambos do CIRE;

M. No caso dos réus/ recorridos CC e BB, a declaração da sua insolvência sucedeu em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos de processo com o n.º 2005/18.6t8pvz que correu termos pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sentença essa que é o que sustenta e fundamenta o invocado crédito da autora nestes autos;

N. O que vale por dizer que o crédito da recorrente sobre os Réus recorridos só se constituiu, para todos os efeitos legais, após a declaração de insolvência dos recorridos;

O. Por essa razão, o crédito da autora, reconhecido nessa sentença, não poderá considerar-se um crédito sobre a insolvência;

P. O crédito da autora não está abrangido pela exoneração do passivo restante que foi concedida aos réus, motivo pelo qual o crédito da autora também não ficou extinto com a decisão de exoneração.

Q. Acresce que, sem preterir, não obstante a concessão da exoneração do passivo restante aos 1º e 2º réus, CC e BB, o crédito da autora não deixaria nem deixou de existir enquanto pressuposto processual para efeitos da presente acção;

R. O crédito da autora continua a subsistir, ainda que os devedores pudessem ficar exonerados ou desobrigados do seu pagamento;

S. Acresce ainda que, a presente acção não foi apensa aos processos de insolvência dos réus CC e BB e, por  outro lado, não foram os negócios invocados na petição inicial - e cuja impugnação constitui objecto dos presentes autos - resolvidos pelo senhor administrador da insolvência, motivo pelo qual a decisão a proferir nestes autos não teria qualquer afectação nos processos de insolvência que, aliás, já se encontram encerrados – repete-se;

T. Concomitantemente, prevê-se no nº 3 do artigo mesmo artigo 127º que, julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616º do código civil, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito, nomeadamente por via de um eventual plano de insolvência ou de pagamento;

U. Assim, tendo a autora total interesse no prossecução dos autos de impugnação pauliana, a instância deverá prosseguir, com abstracção das demais circunstâncias ou modificações introduzidas no crédito originário da autora, mormente com abstracção do facto de aos réus CC e BB ter sido concedida a exoneração do passivo restante;

V. A não ser assim, a credora impugnante, no caso, a autora, ficaria desprotegida face a uma declaração de insolvência e concessão da exoneração do passivo restante relativamente aos réus CC e BB no âmbito de outro processo, ficando estes últimos totalmente beneficiados e Incólumes, não obstante terem agido com má-fé e em conluio com os restantes co-réus na transmissão dos bens objecto destes autos, permitindo-se um total esvaziamento do disposto no artigo 616º do código civil e uma total desprotecção jurídica da credora impugnante em detrimento do direito à tutela jurisdicional efectiva contida no artigo 2º do Código de Processo Civil;

W. Ao decidir como decidiu, no nosso modesto entendimento, o Tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação, aplicação e subsunção das normas jurídicas enquadráveis perante os factos que estão em causa, violando o disposto no artigo 2º e n.º 1 do artigo 272º do Código de Processo Civil e  ainda o n.º 1 do artigo 47º, n.º 2 do artigo 127º e n.º 1 do artigo 245, todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, sendo o despacho Recorrido revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos”.


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Em 4/1/2024, foi proferido despacho de admissão do recurso interposto pelo  Réu BB, e do recurso interposto pela Autora.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II_ Questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, perante as conclusões dos Recorrentes, a questão essencial consiste em saber se, numa acção de impugnação pauliana instaurada por um credor contra os devedores declarados insolventes, após declarada a exoneração do passivo restante dos mesmos, existe fundamento legal para a “suspensão da instância, nos termos do artigo 272º, nº1, do Código de Processo Civil” ou para a extinção da instância por “inutilidade superveniente lide”.


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III. Fundamentação de facto
Os pressupostos fácticos, a considerar, são os que se deixaram explicitados no relatório.

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III. Fundamentação de direito
Dissente a Autora/Recorrente do despacho proferido pelo Tribunal a quo, em 11/10/2023, que determinou a suspensão da instância, nos termos do artigo 272º, nº1, do Código de Processo Civil.
Insurge-se o Réu/Recorrente BB com o despacho proferido em 11/10/2023 por:
a. O Tribunal a quo ter considerado que a discordância relativamente ao decidido por despacho proferido em 28 de Junho de 2023, só podia ser expressa através da interposição de recurso. Sustenta que se encontrava “impedido de apresentar qualquer recurso de apelação ao predito Despacho de 28.06.2023” por não se tratar de “decisão definitiva” e que, nesse despacho, o Tribunal a quo  “pretendia tão somente que fosse exercido, pelas partes, o contraditório”   relativamente à sua intenção de suspender a instância.
b. O Tribunal a quo ter determinado a suspensão da instância, sustentando que “não estamos perante um motivo justificado, previsto no artigo 272º, nº 1, do CPC”. Extintos os créditos da Autora “por uma decisão transitada julgada, não [pode] a presente instância ficar pendente de se produzir um facto incerto, remoto, hipotético e futuro”, devendo “ser forçosamente extinta por inutilidade superveniente da lide”.
Cumpre apreciar e decidir.
No que tange à primeira questão suscitada pelo Recorrente/Réu BB, não lhe assiste razão.

Em 6/3/2023, requereu o Réu JJ que fosse determinada a “extinção da instância, quanto à sua pessoa, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º al. e) do CPC”.

Sobre esse requerimento, pronunciou-se o Tribunal a quo, decidindo, por despacho de 28/6/2023, que “não existe, atualmente, fundamento para declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto, como se referiu, apesar da extinção do crédito da Autora com o trânsito em julgado das decisões proferidas ao abrigo do artigo 244º nº 3 do CIRE, existe a possibilidade da sua exoneração e reconstituição de todos os créditos”.

Proferida essa decisão, o Tribunal a quo comunicou às partes que no seu entender, existia fundamento para “a suspensão da instância nos termos do artigo 272º nº 1 do Código de Processo Civil” e concedeu-lhes o prazo de dez dias para se pronunciarem “quanto à intenção do Tribunal de suspender a instância por causa prejudicial” e não também sobre a  extinção da instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide, questão esta já decidida.
Assim, apreciada a questão da inutilidade superveniente da lide, suscitada pelo Réu, no seu requerimento de 6/3/2023, não podia o Tribunal a quo reapreciá-la, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional (não sendo, no entanto, o despacho susceptível de apelação autónoma, por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 644º do CPC, e não pela razão invocada pelo Réu/Recorrente).
Dispõe o artigo 272º do Código de Processo Civil, no seu nº1, que “O Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.

Ensina o Professor José Alberto dos Reis [2] que “Uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, concordando com a posição do Professor Manuel de Andrade no sentido de que “a verdadeira prejudicialidade  e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.”

Ainda nas palavras do Professor José Alberto dos Reis, “a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos”.

A suspensão da instância pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz. Refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa[3], «O juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda”, acrescentando que “a conexão entre acções determinada pela necessidade de harmonia de decisões pode constituir um “motivo justificado” para a suspensão da instância numa delas”.»

Dispõe o artigo 277º do Código de Processo Civil que “A instância extingue-se com (alínea e) [a] impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

Em anotação ao artigo 277º do Código de Processo Civil,  referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4], «[A] impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – ali, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…) Não deve, porém, confundir a decisão de questão prejudicial (…) nem a ocorrência superveniente de uma excepção, designadamente o pagamento (artigo 573º-2), ambas dando lugar a decisões de mérito, com a impossibilidade ou inutilidade da lide, que dá lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa

A inutilidade da lide é reflexo, no plano processual, da inutilidade da relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objecto ou à causa.

Transpondo tais princípios para os presentes autos, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Prevê a lei, nos artigos 610º e seguintes do Código Civil, a impugnação pauliana, pelo credor, dos actos do devedor que o possam prejudicar. Constitui um dos meios de conservação da garantia patrimonial, colocado ao dispor do credor sempre que o devedor pratique acto ou celebre negócio jurídico de que resulte a diminuição do seu activo patrimonial ou um aumento do seu passivo.
Os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido – cfr. artigo 616º, nº4, do Código Civil - e não aos demais credores do devedor. Determina o artigo 616º, nº2, do Código Civil que o credor que recorre à impugnação pauliana tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
Assim, julgada procedente a impugnação pauliana, “mantém-se válido e eficaz o acto celebrado entre o devedor e o terceiro, ocorrendo apenas uma situação de responsabilidade do devedor perante o terceiro, em virtude de o credor ter, em consequência da acção do devedor lesiva da garantia patrimonial, adquirido sobre o terceiro um direito à restituição dos bens na medida do seu interesse”.[5]
A impugnação pauliana tem como requisitos gerais que são cumulativos, os seguintes:
I_ a realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal;
 II_ que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direto do futuro credor.
III_ que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé, tanto do alienante como do adquirente;
IV_ que resulte do acto a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade”.
No caso de os adquirentes dos bens terem procedido a uma nova alienação, os credores podem igualmente impugnar essa transmissão através da impugnação pauliana desde que:
I. relativamente à primeira transmissão se verifiquem os requisitos de impugnabilidade;
II. no caso de a nova transmissão ser a título oneroso, ocorra má fé, tanto do alienante, como do posterior adquirente.
Consta da decisão recorrida que o réu BB foi declarado insolvente [por sentença proferida em 21 de Março de 2019 e transitada em julgado em 21 de Março de 2019] no processo nº 6244/18.1T8GMR e:

«a) em 22 de Novembro de 2019 foi proferido despacho ao abrigo do artigo 239º nº 1 do CIRE relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo Réu, concluindo pela inexistência de razões que obstassem ao deferimento da pretensão formulada e nomeadamente algum dos previstos no nº 1 do artigo 238º e declarou iniciado com o trânsito em julgado do mesmo, o período de cessão do rendimento disponível;

b) em 13 de Dezembro de 2022 foi proferida decisão final do procedimento de exoneração do passivo restante declarando aplicável a Lei nº 9/22 de 11 de Janeiro e com o seguinte teor “não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 238º e 243º, ambos do CIRE, ao abrigo do artigo 244º do mesmo diploma legal, concedo ao devedor insolvente, a exoneração do passivo restante, ou seja, dos créditos sobre a insolvência e que não hajam sido pagos no âmbito destes autos e que ainda subsistam nesta data, incluindo os não reclamados e não verificados, com excepção dos créditos mencionados no nº 2 do artigo 245º do CIRE – (a) os créditos por alimentos; b) as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor que hajam sido reclamadas nessa qualidade; c) os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações; d) os créditos tributários e da Segurança Social”;

c) a decisão identificada em b) transitou em julgado a 4 de Janeiro de 2023;

d) o crédito da Autora não consta da relação prevista no artigo 129º do CIRE.»
Por referência à ré CC, consta da decisão recorrida que foi declarada insolvente [por sentença transitada em 28 de Março de 2019], no processo nº 7634/18.5T8VNG e:

«a) em 21 de Maio de 2019, transitado em julgado a 12 de Junho de 2019, foi proferido despacho admitindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente;

b) em 12 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho com o seguinte teor “à míngua de consolidadas razões que contra tal deponham, concedo ao insolvente (s) a exoneração final do passivo restantes (cfr. os arts. 244º a 246º do CIRE)”;

c) o despacho identificado em b) transitou em julgado a 31 de Janeiro de 2023;

d) da lista prevista no artigo 129º do CIRE ficou a constar como reconhecido o crédito da Autora no valor de €192.000.

Dispõe o artigo 127º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):

“1_É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas acções de impugnação pauliana de actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.

2 - As acções de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do acto pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas acções quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.

3 - Julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.”

Assim, o regime legal da insolvência apenas obsta à pendência ou à instauração da impugnação pauliana se e na medida em que possa contender com a resolução do acto (impugnado) por parte do administrador da insolvência.  O artigo 127º, nº1, do CIRE impede, apenas, aos credores da insolvência a instauração de novas acções de impugnação pauliana de actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência. Os credores podem impugnar actos de alienação praticados pelo devedor/insolvente que não tenham sido objecto de resolução pelo administrador ou cuja resolução tenha sido julgada ineficaz.

Referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[6] , “na sua articulação com o nº1, deste nº2 resulta que a lei dá prevalência à actuação do administrador de insolvência na resolução dos actos do insolvente sobre a impugnação dos credores”. Acrescenta que “esta prevalência da resolução operada pelo administrador se justifica, em face dos seus efeitos, quando confrontada com os da impugnação. Na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante”.[7]

A propósito deste artigo, consta do ponto 41 do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, “[a] finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa. A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma. No actual sistema, prevê-se a possibilidade de resolução de um conjunto restrito de actos, e a perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana, tão frequentemente ineficaz, ainda que se presuma a má fé do terceiro quanto a alguns deles. No novo Código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o acto em benefício da massa. Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a resolução em benefício da massa insolvente –, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.

No caso dos autos, não existindo notícia da resolução dos actos - indicados na petição inicial -  declarada pelo Administrador da Insolvência, nada impede o prosseguimento da impugnação pauliana. Impõe-se, no entanto, a articulação entre este meio de conservação da garantia patrimonial e o instituto da exoneração do passivo restante.

Dispõe, porém, o artigo 245º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que:

“1- A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º

2-A exoneração não abrange, porém:

a) Os créditos por alimentos;

b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido  reclamadas nessa qualidade;

c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;

d) Os créditos tributários e da segurança social.
Consagrou-se na norma transcrita, em resposta ao problema do sobre-endividamento das famílias, o instituto da exoneração do passivo restante, com o propósito de conjugar o ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica (ponto 45 do preâmbulo do Decreto-Lei 53/2004), prosseguindo-se, assim, o objectivo de revitalização e investimento no devedor insolvente, e de salvaguarda e continuidade da produção através dos recursos humanos existentes, preservando-se a sua potencialidade como meio de obtenção de receita.

A exoneração do passivo produz, como efeito típico, a extinção dos créditos sobre a insolvência que ainda existam no momento em que o despacho da exoneração é proferido. Esta solução aplica-se mesmo aos créditos sobre a insolvência que não tenham sido reclamados ou verificados. Subsistem, porém, apesar da exoneração, os créditos enumerados no nº2, que “dado o carácter excepcional desta norma, tem de se entender esta enumeração como taxativa”.[8]

O nº4 do artigo 246º do CIRE regula os efeitos da revogação da exoneração. Escrevem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[9], “a revogação faz cessar os efeitos da exoneração, ou seja, segundo o nº1 do artigo 245º, a extinção dos créditos sobre a insolvência que tenham sido reclamados ou verificados, na parte não paga quando a exoneração efetiva seja decretada. Quanto aos créditos não reclamados e verificados, a extinção é total. Assim, quando o nº4 determina a reconstituição de todos os créditos extintos» deve entender-se na parte em que o tenham sido”.

Sendo este o regime legal decorrente do CIRE, concorda-se com o Tribunal a quo quando à suspensão da instância, nos termos do artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil e à inexistência de fundamento para a extinção da acção de impugnação pauliana.

Não se verifica a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide enquanto se mantiver a possibilidade de reconstituição de todos os créditos extintos o que ocorre com a revogação da exoneração do passivo restante. Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21/02/2013, proferido no processo nº 2839/08.0YXLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt., “a inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável”.

Contudo, o crédito invocado pela Autora, nestes autos, mostra-se extinto, com o trânsito em julgado das decisões que deferiram a exoneração de passivo dos réus BB e CC, em 4 e 31 de Janeiro de 2023, respectivamente.

Conforme se referiu, a impugnação pauliana pelo credor dos actos do devedor que o possam prejudicar, constitui um dos meios de conservação da garantia patrimonial. Consequentemente, um dos requisitos substantivos da impugnação paulina consiste na existência do crédito. Não faz sentido permitir o prosseguimento da acção de impugnação pauliana, quando o direito de crédito invocado pela autora se mostra extinto. Todavia, havendo a possibilidade de reconstituição do crédito invocado, pela autora, verifica-se motivo justificativo para a suspensão da instância nos termos da 2ª parte, do nº 1, do artigo 272º do Código de Processo Civil. Como determinado pelo Tribunal a quo, “contrariamente ao alegado pela Autora, não existe fundamento para o prosseguimento dos autos, que só se justificará se o seu crédito, que se encontra extinto, se reconstituir em consequência de procedência de incidente de revogação da exoneração do passivo que, eventualmente, venha a ser suscitado.”, pelo que não assiste razão à Autora/Recorrente quando invoca, na sua peça recursiva, que o Tribunal a quo não fundamentou a suspensão da instância em “outro motivo” justificado.

Insurge-se a Autora/Recorrente com a decisão recorrida invocando que o seu crédito não se encontra abrangido pela exoneração do passivo restante por a declaração de insolvência ser anterior “ao trânsito em julgado da sentença que sustenta e é fundamento do seu crédito”.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. O crédito da autora não integra nenhuma das situações previstas no nº2 do artigo 245º do CIRE. Como refere o Tribunal a quo, a data de constituição do direito de crédito da autora “não corresponde à data do trânsito da sentença proferida no processo nº 2005/18.6T8PVZ, porquanto esta tem efeitos meramente declarativos quanto à sua existência, que reconhece”. A própria autora alega, na sua petição inicial, que a obrigação dos réus foi constituída em 15 de Fevereiro de 2015 e encontra-se vencida desde 1 de Dezembro de 2018, data a partir da qual são devidos juros de mora, sendo irrelevante, para efeitos de exoneração, que se trate de crédito não reclamado e verificado.

Não assiste igualmente razão à Autora/Recorrente quando refere que o seu crédito “continua a subsistir, ainda que os devedores pudessem ficar exonerados ou desobrigados do seu pagamento” porquanto, a exoneração do passivo restante produz a extinção dos créditos[10] sobre a insolvência que ainda existam no momento em que o despacho de exoneração é proferido.

Dissente, ainda, a Autora/Recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo alegando que a  “decisão a proferir nestes autos não teria qualquer afectação nos processos de insolvência que, aliás, já se encontram encerrados” porquanto:

_ a presente acção não foi apensa aos processos de insolvência dos réus CC e BB;

_ os negócios invocados na petição inicial não foram resolvidos pelo Senhor Administrador da insolvência.

Os presentes autos não foram apensos ao processo de insolvência, nem podiam sê-lo, atento o disposto no nº2 do artigo 127º do CIRE.

No que tange ao segundo argumento, efectivamente, a massa não beneficia da impugnação pauliana e só são proibidas as acções novas (posteriores à declaração de insolvência) e  suspensas as acções pendentes (em curso à data da declaração de insolvência) sempre que a resolução tenha sido/venha a ser declarada pelo Administrador da Insolvência, regime que encontra a sua justificação no nº 3 do artigo 127º do CIRE. Todavia, conforme explicado, a impugnação pauliana, meio de conservação da garantia patrimonial, tem como requisito substantivo, a existência de um crédito; extinto o crédito, qual a necessidade da garantia patrimonial?

Não procede o argumento invocado pela Recorrente, com fundamento no nº3 do artigo 127º do CIRE, para sustentar a utilidade na prossecução dos presentes autos porquanto, constitui previsão dessa norma a procedência da acção de impugnação pauliana. Como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[11],  “o interesse do credor impugnante é aferido, segundo a estatuição do nº3 do artigo em anotação, sem atender às modificações introduzidas no seu crédito por um plano de insolvência ou de pagamentos que tenha sido aprovado e homologado; isto significa  que o seu crédito é considerado, quanto à medida do direito à restituição, nos termos e para os efeitos do nº1 do referido artigo 616º, tal como tenha sido reclamado e verificado no processo de insolvência”. A questão suscitada nestes autos respeita, não aos efeitos da procedência da impugnação pauliana, mas à verificação dos requisitos substantivos da mesma.

Por último, sustenta a Recorrente que não prosseguindo a impugnação pauliana, a sua posição, enquanto credora impugnante, fica desprotegida face à declaração de insolvência e concessão da exoneração do passivo restante aos réus CC e BB, “ficando estes últimos totalmente beneficiados e incólumes, não obstante terem agido com má-fé e em conluio com os restantes co-réus na transmissão dos bens objecto destes autos, permitindo-se um total esvaziamento do disposto no artigo 616º do Código Civil e uma total desprotecção jurídica da credora impugnante em detrimento do direito à tutela jurisdicional efectiva contida no artigo 2º do Código de Processo Civil”.

O CIRE admite a possibilidade de os credores requererem antecipadamente a não exoneração do passivo do devedor, com fundamento na sua responsabilidade pela situação de insolvência, o que não sucedeu (artigo 243º do CIRE).

À luz do CIRE, os credores têm, ainda, a possibilidade de controlar os pressupostos da concessão da exoneração do passivo restante, manifestando oposição a essa pretensão do devedor (artigo 238º, nº2).

Os credores podem, ainda, requerer a revogação da exoneração que tenha sido concedida (artigo 246º do CIRE).

Como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[12], “O exercício dessa fiscalização pelos credores é obviamente do seu interesse, uma vez que a concessão da exoneração do passivo restante afectará necessariamente uma grande parte ou mesmo a totalidade dos seus créditos, o que só poderá ser evitado com a sua acção de controlo sobre a verificação dos pressupostos legais da mesma”.

Resulta do exposto que a Autora não ficou desprotegida face à declaração de insolvência e concessão da exoneração do passivo restante, aos réus BB e CC. A autora optou por intentar a presente acção de impugnação pauliana, no ano de 2020, com os efeitos, em caso de procedência, previstos no artigo 127º, nº3, do CIRE – a impugnação aproveita apenas a impugnante e não os de mais credores -, podendo ter recorrido aos diversos meios de controlo da concessão da exoneração do passivo que a lei coloca à sua disposição.

Pelo exposto, improcedem ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas

As custas são integralmente da responsabilidade dos Recorrentes por referência aos recursos por si interpostos, considerando a total improcedência dos mesmos.


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V. Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Réu BB, bem como o recurso interposto pela Autora e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas dos recursos a cargo dos respectivos Recorrentes (artigo 527º do CPC).


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Sumário:

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Porto, 3/6/2024
Anabela Morais
Fernanda Almeida
Carlos Gil
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[1] Consta do despacho:
“Os Réus BB e CC requereram a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide alegando que no âmbito dos respetivos processos de insolvência requereram a exoneração do passivo restante, os quais foram declarados extintos, respetivamente, por despacho transitado em julgado a 4 de Janeiro de 2023 e proferido a 12 de Janeiro de 2023.
A Autora exerceu o contraditório alegando que estamos no âmbito de uma ação de impugnação pauliana onde alega o seu direito de crédito mas também a prática de atos de transmissão com agravamento da situação do seu crédito, através de conluio entre os Réus, a declaração de insolvência é anterior ao trânsito em julgado da sentença que sustenta e é fundamento do seu crédito, concluindo que o mesmo não poderá considerar-se um crédito sobre a insolvência e/ou abrangido pela exoneração.
Cumpre decidir.
Extrai-se das certidões juntas pelo Réu BB em 18 de Maio último, extraídas do processo nº 6244/18.1T8GMR onde foi declarado insolvente, em conjugação com a certidão do assento de nascimento junta em 6 de Março passado, que:
a) em 22 de Novembro de 2019 foi proferido despacho ao abrigo do artigo 239º nº 1 do CIRE relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo Réu, concluindo pela inexistência de razões que obstassem ao deferimento da pretensão formulada e nomeadamente algum dos previstos no nº 1 do artigo 238º e declarou iniciado com o trânsito em julgado do mesmo, o período de cessão do rendimento disponível;
b) em 13 de Dezembro de 2022 foi proferida decisão final do procedimento de exoneração do passivo restante declarando aplicável a Lei nº 9/22 de 11 de Janeiro e com o seguinte teor “não se verificando nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 238º e 243º, ambos do CIRE, ao abrigo do artigo 244º do mesmo diploma legal, concedo ao devedor insolvente, a exoneração do passivo restante, ou seja, dos créditos sobre a insolvência e que não hajam sido pagos no âmbito destes autos e que ainda subsistam nesta data, incluindo os não reclamados e não verificados, com excepção dos créditos mencionados no nº 2 do artigo 245º do CIRE – (a) os créditos por alimentos; b) as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor que hajam sido reclamadas nessa qualidade; c) os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações; d) os créditos tributários e da Segurança Social”;
c) a decisão identificada em b) transitou em julgado a 4 de Janeiro de 2023;
d) o crédito da Autora não consta da relação prevista no artigo 129º do CIRE.
…[D]a certidão junta pela Ré CC em 5 de Junho último, extraída do processo nº 7634/18.5T8VNG, onde foi declarada insolvente, em conjugação com as peças processuais juntas em 6 de Março, extraídas do mesmo processo, que:
a) em 21 de Maio de 2019, transitado em julgado a 12 de Junho de 2019, foi proferido despacho admitindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente;
b) em 12 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho com o seguinte teor “à míngua de consolidadas razões que contra tal deponham, concedo ao insolvente (s) a exoneração final do passivo restantes (cfr. os arts. 244º a 246º do CIRE)”;
c) o despacho identificado em b) transitou em julgado a 31 de Janeiro de 2023;
d) da lista prevista no artigo 129º do CIRE ficou a constar como reconhecido o crédito da Autora no valor de € 192.000.
A exoneração do passivo restante é instituto de natureza excecional que constitui um facto extintivo de créditos sobre a insolvência visando “proporcionar ao devedor um fresh start, ou uma nova oportunidade, de modo a que, liberto do passivo que o vinculava, se reabilite economicamente e se reintegre, plenamente na vida económica”, embora, reconhecidamente, conflitue com outro fim do processo de insolvência, que consiste na satisfação dos credores do insolvente através da denominada “execução coletiva ou universal” (Nesse sentido, vide Ac. RC de 3.06.2014 in http://www.dgsi.pt/jtrc processo nº 747/11.6TBTNV-J.C1.).
Com efeito, o artigo 245º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( DL nº 53/2004 de 18 de Março, com a versão consolidada pelo DL nº 57/2022 de 25 de Agosto), estatui que a exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artigo 217º, não abrangendo, porém, (a) os créditos por alimentos, (b) as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, (c) os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações, (d) os créditos tributários e da Segurança Social.
O pressuposto da concessão da exoneração assenta numa “cláusula implícita de merecimento da exoneração” (Nesse sentido, vide Ac. RG de 28.03.2019 in http://www.dgsi.pt/jtrg processo nº 3616/18.5T8VNF-D.G1) (Com a verificação dos mesmos pressupostos substantivos quer na fase liminar, quer no despacho final, bem como, ao longo do processo, através do mecanismo previsto no artigo 243º do CIRE), por isso, o artigo 246º nº 1 salvaguarda que a exoneração do passivo restante é revogada provando-se que o devedor:
» incorreu em alguma das situações previstas nas alíneas b) e seguintes do nº 1 do artigo 238º,
ou seja:
i) o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
ii) o devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos dez anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
iii) o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica;
iv) constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º;
v) o devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos dez anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
vi) o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do CIRE, no decurso do processo de insolvência;
» ou violou dolosamente as suas obrigações durante o período da cessão, e por algum desses motivos tenha prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência.
O nº 2 especifica que a revogação apenas pode ser decretada até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração e, quando requerida por um credor da insolvência, este tem ainda de provar não ter tido conhecimento dos fundamentos da revogação até ao momento do trânsito.
Ocorrendo a revogação da exoneração todos os créditos extintos se reconstituem, de harmonia com o nº 4 da norma em apreço.
Como referimos, a exoneração do passivo restante foi concedida aos Réus BB e CC por decisões transitadas em julgado, respetivamente, a 4 e 31 de Janeiro de 2023, existindo, porém, a possibilidade de revogação até às mesmas datas do ano de 2024.
Sucede que a demandante não poderá requerer tal revogação na medida em que os factos alegados na presente ação de impugnação pauliana demonstram o seu conhecimento das circunstâncias previstas na alínea e) do nº 1 do artigo 238º do diploma, sendo sua obrigação de fornecer ao processo de insolvência ou ao Fiduciário as informações correspondentes ao alegado esvaziamento da esfera patrimonial dos Réus alienantes em conluio com os Réus adquirentes.
Por isso, a partir de 4 e 31 de Janeiro de 2023, o crédito da Autora ficou extinto, a tal não obstando a sentença proferida no processo nº 2005/18.6T8PVZ, transitada em julgado a 9 de Setembro de 2019, que condenou os Réus BB e CC, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 209.779,73 acrescida de juros de mora calculados à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 4%, contados a partir de 1 de Dezembro de 2018 até efetivo integral pagamento, porquanto a mesma estava obrigada a intentar ação nos termos do artigo 146º do CIRE para verificação, reconhecimento e subsequente graduação do mesmo, pois só assim poderia obter pagamento no âmbito do concurso universal dos credores, sendo certo que, para efeitos de exoneração, tal resulta irrelevante na medida em que a mesma opera a extinção de todos os créditos subsistentes na data do trânsito em julgado do despacho previsto no artigo 244º nº 3, não sendo o crédito da demandante exceção.
Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de outro credor requerer a revogação da exoneração invocando factos relevantes e demonstrando o seu desconhecimento dos mesmos até ao trânsito em julgado do despacho proferido ao abrigo da última norma citada.
De igual forma, tem sido reconhecida ao Administrador da Insolvência e ao Fiduciário tal legitimidade na medida em que a possuem para a cessação antecipada (Nesse sentido, vide Ac. RP de 15.12.2020 in http://www.dgsi.pt/jtrp processo nº 2154/14.0TBSTS.P1).
Importa acrescentar que a possibilidade de prosseguimento do processo de impugnação pauliana, não obstante a insolvência, quando o Administrador de Insolvência não recorra ao mecanismo de resolução dos negócios em favor da massa insolvente, tem justificação na circunstância de, em caso de procedência da ação, ser no património dos adquirentes que os bens alienados irão ser executados para satisfação do crédito do impugnante, isto é, não existe um “regresso” à esfera jurídica do alienante.
Porém, estes poderes do credor não constituem obstáculo à aplicação do regime da exoneração do passivo restante porquanto a impugnação pauliana exige a existência de um crédito.
Em suma, o crédito da Autora encontra-se extinto, porém, tal situação pode ser revertida se vier a ser proferida decisão de revogação”.
[2] Professor José Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 268 a 272.
[3] Professor Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, https://drive.google.com/file/d/1cCN5d0Q0uhN13GFx1zy634PE9AcD0oKX/view.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2021, 4ª ed., vol. I, págs. 559 e 560.
[5] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Almedina, vol. II, 13ª ed., pág. 315.
[6] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2015, 3ª ed., págs. 517 e 518.
[7] Pronunciando-se sobre o artigo 127º do CIRE, refere o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19/12/2018, proferido no processo nº 930/13.0TVPRT.P1.S1:
“Entre os credores de um mesmo devedor existe, desde o momento em que se constituem os seus créditos, uma relação de “solidariedade económica natural”, em que partilham todos, inevitavelmente, dos riscos económicos da empresa ou da actividade patrimonial do devedor comum. Verificada que seja, pela declaração de insolvência, a condição que desencadeia o concurso dos credores (cfr. artigo 604.º, n.º 1, do CC), fica definitivamente limitado o alcance da responsabilidade patrimonial do devedor (cfr. artigo 601.º do CC). A limitação que sofrem os direitos dos credores (comunhão nas perdas) mais não é do que a consequência, no plano jurídico, daquela “solidariedade económica natural” (comunhão no risco). Há que impedir, numa palavra, que algum credor consiga obter, à margem do processo de insolvência, de forma mais célere ou mais eficaz do que os restantes, a realização do seu crédito (cfr. artigo 90.º do CIRE).
Da disciplina actual dos instrumentos de reacção contra os negócios prejudiciais à massa resulta, claramente, que a impugnação pauliana constitui um instrumento subsidiário em relação à resolução em benefício da massa. Bem se compreende que assim seja. Enquanto esta determina a reversão dos bens ou valores para a massa insolvente, sendo, assim, os seus efeitos susceptíveis de aproveitar a todos os credores, aquela detém um marcado carácter pessoal e dirige-se, como é seu timbre, à exclusiva tutela do interesse do credor impugnante (cfr. artigo 616.º do CC ex vi do artigo 127.º, n.º 3, do CIRE), desviando-se daquilo que, em rigor, se imporia em face da natureza universal do processo de insolvência, ou seja, a par conditio creditorum.”
[8] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2015, 3ª ed., pág.871.
[9] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2015, 3ª ed., pág.873.
[10] Neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, 8ª ed., pág. 421; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2015, 3ª ed., pág.873; Luís Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina, 2022 -12ª ed., pág.311.
[11] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2015, 3ª ed., pág.873.
[12] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, Almedina, 2023, 11ª ed., págs. 339 e 340.