AÇÃO DE EXECUÇÃO ESPECÍFICA
REGISTO DA AÇÃO
HIPOTECA
Sumário

I - É oponível a terceiros, desde a data do registo da ação de execução específica, o direito reconhecido pela sentença proferida em tal ação contra titular de direito incompatível com o do beneficiário do registo.
II - A invocação pelas partes, aquando da celebração de um contrato de mútuo, da existência e manutenção para garantia do novo crédito constituído, de hipotecas anteriores cujo registo ainda se mantém sobre imóvel em relação ao qual o mutuário já não é proprietário ou, como é o caso, tem já ação de execução específica devidamente registada contra si instaurada, é ineficaz em relação ao proprietário do imóvel ou beneficiário do registo de ação de execução específica que vê ser esta mesma ação entretanto julgada procedente.

Texto Integral

Processo nº. 26569/17.2T8PRT-B.P2
3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Carlos Gil

Adjunta – Teresa Sena Fonseca

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Execução do Porto

Apelante/ AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA (herdeira habilitada do inicial co-executado BB[1]) deduziu por apenso à execução em que ora é exequente “A... SA[2]”, a presente oposição à execução por embargos, pedindo que se julguem “procedentes os embargos, declarando-se a ilegitimidade da Exequente, devendo a execução ser rejeitada por inexistência ou insuficiência do título executivo e consequente inexigibilidade da obrigação, determinando-se, em consequência, a absolvição total do pedido, nos termos dos artigos 574º e 576º nº3 do CPC.”

Para tanto alegou/invocou, em suma:

- A ilegitimidade da (então) exequente “B..., por no título executivo – as escrituras de mútuos de capital e constituição de hipotecas como garantia do crédito – figurar como mutuante o Banco 1..., S.A. e não a exequente, sem que tenha sido clausulada a hipótese de cedência dos créditos, sequer autorizada, pelos mutuários.

Invocando por tal a nulidade das cedências com a consequente ilegitimidade da exequente;

- A nulidade do contrato de mútuo de 01/04/2003 e ineficácia da hipoteca constituída, o que fundamentou nos seguintes termos

. a transmissão da propriedade a favor do pai da embargante das frações dadas em garantia à mutuante operou a 25/02/2003 por decisão judicial em ação intentada pelo seu progenitor. Constando tal transmissão registada na certidão predial;

. O Banco 1... posteriormente a esse registo de 25/02/2003, nomeadamente em 01/04/2003, mutuou nova quantia ao mutuário e executado CC mantendo nesse contrato de mútuo as hipotecas existentes e constituindo nova hipoteca pelo valor à data mutuado;

. Não poderia o executado CC dar como garantia um bem que não era seu, nem manter as hipotecas constituídas a favor do Banco 1... (Banco 2... anteriormente) em contrato assinado com o Banco 1... (atento o disposto no artigo 715º do CPC), pelo que essa hipoteca não é válida nem eficaz, não o sendo igualmente a cláusula que mantém as hipotecas constituídas a favor do Banco 1....

Sendo o contrato nulo e ineficaz.

E insuficiente o título executivo por carecer de concretização dos valores mutuados com garantia real hipotecária válida, no sentido de ser líquida e exigível a obrigação;

-  sendo nulo o contrato celebrado em 01/04/2003, não são os juros aplicáveis. Para além de estar a sua exigibilidade limitada ao prazo temporal de 3 anos (artigo 693º do CC);

- A propriedade do imóvel – fração A – está atribuída por sentença proferida em processo que correu seus termos na 6ª Vara pelo que nenhum valor poderá ser reclamado pela exequente à embargante.

Termos em que concluiu nos termos acima enunciados.


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Recebidos liminarmente os embargos e notificada a exequente, contestou a mesmo, em suma tendo pugnado pela improcedência das exceções invocadas, impugnado o alegado e concluído pela sua absolvição do pedido formulado pela executada/embargante.

Realçando que em 2003 não foram constituídas novas hipotecas, tão só mantendo as já existentes.

Concluindo a final:

“A) Deve a presente oposição ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente,

B) Deve a execução em apenso prosseguir os seus ulteriores termos até final como peticionado, condenando-se ainda os executados nas custas e demais encargos legais.”

Foi proferida uma primeira sentença, julgando “parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos, absolvendo-se a embargante AA relativamente à quantia exequenda peticionada pelo exequente a título de juros, prosseguindo a execução relativamente ao restante pedido exequendo.”

      Sentença esta da qual foi interposto recurso per saltum para o STJ.

         Tendo sido proferido Acórdão que determinou “a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que seja providenciado pela ampliação da matéria de facto nos termos e dentro dos parâmetros sobreditos.”


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      Remetidos os autos à 1ª instância e realizadas as diligências tidas por necessárias – nomeadamente junção de prova documental – foi proferida novo saneador-sentença, tendo a final sido decidido:

“julgar parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos, absolvendo-se a embargante AA relativamente à quantia exequenda peticionada pelo exequente a título de juros, prosseguindo a execução relativamente ao restante pedido exequendo.”


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Do assim decidido apelou a embargante, oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

“1. A Recorrente deduziu Embargos de Executado invocando a exceção de nulidade da hipoteca constituída a 01.04.2003 pelo co-Executado CC, por ser posterior à transferência da propriedade do bem imóvel onerado para o pai da Recorrente a 25.02.2003;

2. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência da alegada nulidade concluindo que “…Face ao exposto, não foi constituída uma nova hipoteca. O que sucedeu foi a manutenção das hipotecas anteriormente constituídas….”;

3. Interpretando, erradamente, o artigo 715º do Código Civil, não aplicando este preceito normativo ao caso sub judice, por considerar excluído do seu âmbito.

4. Ora, em nosso entendimento, a aplicação do artigo 715º do CC determina a nulidade das hipotecas constituídas, ou mantidas como define a Exequente no contrato de mútuo de 01.04.2003, sendo inexistentes como garantia desse mesmo contrato.

5. Pelo que, e salvo melhor opinião, o Tribunal de 1ª instância incorreu numa errada interpretação e aplicação errónea do artigo 715º do Código Civil, desvirtuando o espírito da Lei;

6. Quando considera que é permitida e legal a manutenção de hipotecas constituídas em datas em que o mutuário não é proprietário do bem, para garantir um novo negócio jurídico em que lhe é entregue capital mutuado, para ultrapassar o impedimento legal de constituir nova hipoteca sobre bens que já não lhe pertencem à data do novo contrato de mútuo, facto corroborado pelo registo provisório do bem.

7. Esta contorno da Lei que constituiu um expediente inadmissível, traduz-se mesmo num enriquecimento sem causa do mutuário que oferece como garantia bens que não são propriedade sua, recebendo um valor fastigioso de capital mutuado (€1.121.320,00) por uma instituição bancária, dando como garantia a “manutenção” de hipotecas anteriores, sendo que os bens se encontravam anteriormente registados, provisoriamente, como propriedade do pai da Recorrente e do irmão, também Executado;

8. A invocada “manutenção” de hipotecas anteriores para garantia de um novo contrato de mútuo, do Tribunal a quo, mais não é do que um desrespeito claro pela da Lei, sendo que essa cláusula constante do contrato de mútuo traduz-se num subterfúgio ilegal e inadmissível, para fugir e evitar a aplicação de uma norma jurídica impeditiva deste negócio jurídico.

9. Em bom rigor, o contrato de mútuo junto aos autos, com garantia de hipoteca (mantida não constituída) não se rege pelas normas jurídicas dos direitos reais de garantia, i.e., “foge” deliberadamente, ao estipulado no artigo 715º do CC, que define sem margem para dúvidas que “só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respetivos bens”,

10º Abalando o espírito da lei e o princípio de segurança jurídica, porque facilita a criação de expedientes negociais que permitem a celebração de sucessivos contratos de mútuo garantidos com “manutenção” de hipotecas anteriores, onerando-se interminável e indefinidamente um bem, sendo indiferente o facto de a propriedade não ser daquele que o onera, violando, ainda, as regras do Registo Predial;

11º Isto porque, a não observância dos artigos 3º e 92º nº1 alínea a) do CRPredial, permitiu ao Tribunal a quo ignorar o facto de que existia um registo provisório do bem a 25.02.2003 a favor do pai dos Executados, sendo essa prova dada com assente na respetiva sentença.

12º Em conclusão, as referidas hipotecas de 1997, 1998 e 2000, mantidas como garantia do contrato de mútuo celebrado a 01.04.2003 são nulas ao abrigo do artigo 715º do Código Civil e dos artigos 3º e 92º, nº1, alínea a) do Código Registo Predial, o que determina uma manifesta falta de título executivo nos termos do disposto no artigo 703º do Código de Processo Civil;

13º Pelo que, procedendo a invocada exceção de nulidade da hipoteca constituída a 01.04.2003, no âmbito do estatuído no artigo 715º do CC e 576º nº3 do CPC e, ainda, dos artigos 3º e 92º, nº1, alínea a) do Código Registo Predial, deverá a Recorrente ser absolvida totalmente do pedido.

14º Em nosso entendimento, o Tribunal a quo agiu erradamente, ao arrepio da Lei, interpretando erradamente o artigo 715º do Código Civil e aplicando erroneamente o seu preceituado, ao decidir pela sua inaplicabilidade ao caso sub judice;

15º Desprezando, ainda, a aplicabilidade dos artigos 3º e 92º, nº1, alínea a) do Código Registo Predial ao caso em apreço, quando confrontado com os documentos probatórios do registo provisório dos bens, a 25.02.2003, que é anterior à celebração do novo contrato de mútuo a 01.04.2003.

16º Pelo supra exposto, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das disposições legais supra indicadas, pelos motivos aduzidos, caindo por terra a sentença que daí decorreu.

Termos em que

Deve a Douta Decisão ser revogada por outra que, fazendo justiça, declare procedentes as pretensões da Recorrente.”

Apresentou a recorrida/exequente contra-alegações em suma tendo concluindo pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo.

Tendo a final apresentado as seguintes

Conclusões

A. O Tribunal a quo decidiu no sentido da improcedência da invocada “nulidade da hipoteca constituída a 1.4.2004” pelo Executado CC.

B. O pai da Recorrente registou a aquisição dos bens imóveis que servem de garantia ao crédito exequendo a 25.2.2003

C. Resulta da matéria de facto provada que não foi constituída qualquer hipoteca em 1.4.2004, razão pela qual o Douto Tribunal a quo conclui pela inaplicabilidade in casu o disposto no artigo 715º do CPC.

D. Resulta da matéria de facto provada que sobre as frações autónomas A e C do imóvel descrito na 2º Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº o n.º ...73 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ...31 impendiam 3 (três) registos de hipoteca voluntária a favor do Banco 2..., S.A. / Banco 1..., S.A., inscritos sob as Aps. ...0 de 1997/08/27, 79 de 1998/02/26 e ...3 de 2000/04/28.

E. Conforme é possível constatar pela simples leitura das certidões do registo predial dos bens imóveis em apreço, as referidas hipotecas são de natureza genérica e visam garantir ao pagamento de (…) todas e quaisquer letras, livranças, cheques bancários descontados pelo Banco e nos quais os executados interviessem em qualquer qualidade e de todos e quaisquer empréstimos, garantias, abertura de créditos, descobertos em conta ou outras operações financeiras e quaisquer outras responsabilidades em que os executados interviessem de qualquer modo e a qualquer título perante o banco”(sublinhado nosso) até ao limite máximo assegurado de € 1.588,796,00 ( um milhão quinhentos e oitenta e oito mil setecentos e noventa e seis euros).

F. As hipotecas acima referenciadas não foram voluntária ou coercivamente liquidadas.

G. Não ocorreu nenhuma outra causa extintiva das hipotecas acima referenciadas.

Sem embargo,

H. Resulta da matéria de facto provada que, por sentença proferida a 18.12.2003 e transitada em julgado a 29.3.2005 no âmbito da Ação de processo Ordinário n.º 1070/03.5TVPRT, que tramitou no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em que era autor BB e Réus CC e DD, condenou “ os Réus a entregar a entregar ao A. da quantia de € 1.778.084 (…) para efeitos de expurgação das hipotecas que sobre as frações incidem” por oposição ao pedido inicial do Autor que peticionava “sejam também os Réus condenados na entrega ao A. da quantia de € 544.849,39, da quantia de juros moratórios vencidos e vincendos e até integral pagamento, para efeitos de expurgação das mesmas hipotecas, com a consequente anulação e cancelamento de todos os registos prediais efetuados e que se revelem incompatíveis com a procedência deste pedido, mormente as inscrições de propriedade e de hipoteca ou outros ónus”

I. As garantias provenientes de hipotecas genéricas com data de registo anterior ao registo de aquisição por terceiro encontram-se limitadas em função do seu objeto e do montante dos créditos garantidos.

J. Decorre da simples leitura do requerimento executivo que nenhum dos limites das garantias genéricas previamente constituídas foi ultrapassado.

K. Com a devida vénia, a admitir-se decisão diversa, tal sempre consubstanciaria a violação das disposições constantes dos artigos 2º nº1 alínea h), 5º, 6º, 7º do Código do Registo Predial, do artigo 721º e 730º do Código Civil.

Termos em que, e nos demais de direito, sempre contando com douto suprimento de V. Exas, deverá ser proferido acórdão que confirme a douta sentença recorrida, confirmando-se decisão proferida no que concerne à inexistência da nulidade invocada, assim se fazendo Justiça!”


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (da oposição) e com efeito meramente devolutivo.

Foram dispensados os vistos.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar se ocorre erro na decisão de direito.


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III- Fundamentação

O tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto[3].

«1. No exercício da sua atividade creditícia o “Banco 2... S.A.” posteriormente integrado por fusão com incorporação global de património no Banco 1... S.A., celebrou em 16 de outubro de 1997, com os Executados CC e DD, uma Escritura Pública de Constituição de Hipoteca para garantia do pagamento: a) de todas e quaisquer letras, livranças, cheques bancários descontados pelo Banco e nos quais os executados interviessem em qualquer qualidade e de todos e quaisquer empréstimos, garantias, abertura de créditos, descobertos em conta ou outras operações financeiras e quaisquer outras responsabilidades em que os executados interviessem de qualquer modo e a qualquer título perante o banco, tudo até ao limite de trinta e dois milhões e quinhentos mil escudos – contravalor de € 162.109,32 (cento e sessenta e dois mil cento e nove euros e trinta e dois cêntimos); b) dos juros remuneratórios à taxa de quinze por cento ao ano, elevável em caso de mora e a título de cláusula penal, em mais quatro pontos percentuais ou outra ou outras taxas e sobretaxas que venham a ser legalmente fixadas; c) das despesas extrajudiciais incluindo honorários de advogados e solicitadores, que o banco haja de fazer para manter assegurar ou haver o seu crédito e o cumprimento das cláusulas da referida escritura, fixando-se aquelas despesas exclusivamente para efeitos de registo predial em 1.300.000$00 – contravalor de € 6.484.37 (seis mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos);

         Esta hipoteca, cujo montante máximo de capital e acessórios é de cinquenta e dois milhões trezentos e vinte e cinco mil escudos foi constituída com toda a plenitude legal, sobre os seguintes imóveis, com todas as suas construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras:

         a) Prédio urbano, composto de casa de um piso e quintal, sito na Rua ... (...) descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ... (...) registado a favor dos outorgantes pela inscrição G-dois (...)

         b) Terreno para construção, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o número ... (...) registado a favor dos outorgantes pela inscrição G-dois (...)”

         “Da referida hipoteca tendo sido efetuado o registo provisório pelas inscrições C-um.” – “conforme documento constante 4 a 8 dos autos principais e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” e doc. 2 junto com o requerimento executivo.

2. Os prédios referidos em 1 - a) e b) - deram origem ao prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila de Nova de Gaia, sob o nº ...26, sito na Rua ..., Rua ..., ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ...31, sobre o qual foi constituída por escritura pública propriedade horizontal – frações ... a ....

         A hipoteca referida em 1, passou para a atual descrição do prédio - vide AP ...0 de 1997/08/27.

        Estando cancelada quanto às frações B, E, F, G, H, I, L e M.

Permanecendo registada, nomeadamente, quanto às frações A e C.

3. Em 02 de abril de 1998, o “Banco 2... S.A.” posteriormente integrado por fusão com incorporação global de património no Banco 1... S.A., e os executados CC e DD outorgaram uma Escritura Pública de Constituição de Hipoteca para garantia do pagamento: a) de todas e quaisquer letras, livranças, aceites bancários descontados pelo Banco e nos quais os segundos outorgantes intervenham em qualquer qualidade e de todos e quaisquer empréstimos, abertura de créditos, garantias, descobertos em conta ou outras operações financeiras e quaisquer outras responsabilidades em que os mesmos segundos outorgantes intervierem de qualquer modo e a qualquer título perante o banco, tudo até ao limite de cento e vinte milhões de escudos – contravalor de € 59.855.75 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco mil euros e setenta e cinco cêntimos); b) dos juros remuneratórios à taxa de quinze por cento ao ano, elevável em caso de mora e a título de cláusula penal, em mais quatro pontos percentuais ou outra ou outras taxas e sobretaxas que venham a ser legalmente fixadas; c) das despesas extrajudiciais incluindo honorários de advogados ou procuradores que o banco haja de fazer para manter assegurar ou haver o seu crédito e o cumprimento das cláusulas da referida escritura, fixando-se aquelas despesas exclusivamente para efeitos de registo predial em 4.800.000$00 – contravalor de € 23.942,30 (vinte e três mil novecentos e quarenta e dois mil e trinta cêntimos).

Esta hipoteca, cujo montante máximo de capital e acessórios é de cento e noventa e três milhões e duzentos mil escudos foi constituída com toda a plenitude legal, sobre os seguintes imóveis, com todas as suas construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras:

Terreno destinado à construção urbana, sito na Rua ..., (...) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .../vinte e seis zero dois noventa e oito, na mesma registado a favor dos segundos outorgantes pela inscrição ....

Da referida hipoteca tendo sido efetuado o registo provisório pela inscrição C-dois.  – cfr. documento constante de fls. 52 e ss. dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4. O registo da hipoteca mencionada em 3 passou para a atual descrição do prédio identificado em 2, sob a AP ...9 de 1998/02/26.

Estando cancelada quanto às frações B, E, F, G, H, I, L e M.

Permanecendo registada, nomeadamente, quanto às frações A e C.

5. Em 06 de abril de 2000, o “Banco 2... S.A.” posteriormente integrado por fusão com incorporação global de património no Banco 1... S.A., e os executados CC e DD outorgaram uma Escritura Pública de Constituição de Hipoteca para garantia do pagamento: a) de todas as obrigações assumidas e a assumir, resultantes de todos os tipos de operações bancárias de crédito, em que eles, segundos outorgantes, sejam ou venham a ser intervenientes de algum modo e a qualquer título perante o banco, designadamente empréstimos, aberturas de crédito, descontos, descobertos em conta ou outras operações da mesma natureza até ao limite de cinquenta milhões de escudos – contravalor de € 249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil trezentos e noventa e oito mil euros e noventa e cinco cêntimos); b) dos juros remuneratórios à taxa de dez por cento ao ano, elevável em caso de mora e a título de cláusula penal, em mais quatro pontos percentuais ou outra ou outras taxas e sobretaxas que venham a ser legalmente fixadas; c) das despesas extrajudiciais incluindo honorários de advogados e solicitadores, que o banco haja de fazer para manter assegurar ou haver o seu crédito e o cumprimento das cláusulas da referida escritura, fixando-se aquelas despesas exclusivamente para efeitos de registo predial em 2.000.000$00 – contravalor de € 9.975,96 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) –

Esta hipoteca, cujo montante máximo de capital e acessórios é de setenta e três milhões de escudos foi constituída com toda a plenitude legal sobre o seguinte imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, com exceção das inscrições hipotecárias C-um e C-dois a favor do mesmo banco ora credor, com todas as suas construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras:

Prédio Urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão e dois andares, sito na Rua ..., (...) descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ... (...).

Este prédio encontra-se registado a favor dos segundos, pela inscrição ... - cifrando documento constante de fls. 12 a 14 dos autos principais e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. O registo da hipoteca mencionada em 5 passou para a atual descrição do prédio identificado em 2, sob a AP ...3 de 2000/04/28.

Estando cancelada quanto às frações B, E, F, G, H, I, L e M.

Permanecendo registada, nomeadamente, quanto às frações A e C.

7. Por contrato celebrado em 01-04-2003, o Banco 1... S.A mutuou aos executados a quantia de € 1.121.320,00 (um milhão cento e vinte e um mil trezentos e vinte euros), cifrando documento n.º 15 a 16 dos autos principais que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Pelo referido contrato foi acordado que os executados manteriam em vigor as hipotecas constituídas a favor do então Banco 2... S.A., sobre o prédio urbano identificado em 2.

9. Correu termos a Ação de processo Ordinário n.º 1070/03.5TVPRT, no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em que era autor BB e Réus CC e DD, na qual se peticionou o seguinte, para além do mais: “a) em verem declarado o incumprimento contratual por banda destes do contrato promessa de compra e venda consubstanciado no documento n.º 1 junto à petição inicial; b) em verem proferida Sentença Judicial que decrete a transmissão para o A. da propriedade plena das frações identificadas no artigo 4.º da petição (referidas em 4 e 6 supra), livres de ónus e de encargos com efetiva e definitiva entrega das mesmas ao A. e ainda e caso a extinção das hipotecas mencionadas 29º da petição (referidas em 1 a 6) não proceder ou não coincidir com a transmissão sejam também os Réus condenados na entrega ao A. da quantia de € 544.849,39, da quantia de juros moratórios vencidos e vincendos e até integral pagamento, para efeitos de expurgação das mesmas hipotecas, com a consequente anulação e cancelamento de todos os registos prediais efetuados e que se revelem incompatíveis com a procedência deste pedido, mormente as inscrições de propriedade e de hipoteca ou outros ónus; c) no pagamento ao A. da quantia de € 14.922,94, acrescida dos juros moratórios vincendos, contados desde 20-2-2003, e à taxa convencionada de 10%, sobre o capital de € 69.831,71 e até efetiva transmissão de propriedade das frações a favor do A. (…)”

10. A Acão foi interposta no dia 20/2/2003 e encontra-se registada pela AP. ... de 2003/02/25.

11.Tendo sido proferida sentença no dia 18-12-2003 e transitada em julgado no dia 29-3-2005, cujo teor se dá inteiramente por reproduzido, constando, para além do mais, dos factos provados, o seguinte: “Em 31.07.1997, o Réu prometeu vender ao Autor, que prometeu comprar, livres de ónus ou encargos, os seguintes bens imóveis (…) As frações prometidas vender pelos Réus ao Autor são assim descritas “Fração autónoma designada pela letra “A” (…) descrita na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia sob a ficha n.º ...73/...98-A-”; Fração autónoma designada pela letra “C” (…) descrita na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia sob a ficha n.º ...73/...98-C-” (…) Sobre as frações referidas (…) encontram-se registadas duas hipotecas a favor do Banco 2..., SA, hoje Banco 1...

12. A sentença em causa teve o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, julgo a Acão parcialmente procedente por provada e, consequentemente, a) Na falta de cumprimento por banda dos Réus do contrato promessa de compra e venda (…) declaro transferida para o Autor a propriedade relativa às frações assim descritas: Fração autónoma designada pela letra “A”, no rés-do-chão, com entrada privativa pelo 242, para comércio ou similar de hotelaria, composta de cave e rés do chão, com a área total de 202 m2, com terraço privativo com a área de 125 m2, descrita na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia sob a ficha n.º ...73/...98-A-; Fração autónoma designada pela letra “C”, no primeiro andar esquerdo, lado sul com entrada pelo ...38, para habitação, tipo T3, com a área de 138 m2, com uma garagem individual demarcada na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia sob a ficha n.º ...73/...98-C- (…) com a consequente efetiva e definitiva entrega das mesmas àquele; b) Condeno os Réus a entregar ao A. da quantia de € 1.778.084 (…) para efeitos de expurgação das hipotecas que sobre as frações incidem; c) mais os condeno no pagamento ao A. da quantia de € 14.922,94 (…) acrescida dos juros moratórios vincendos contados desde 20-2-2003 e à taxa convencionada de 10%, sobre o capital de € 69.831,71 (…) até efetiva entrega das frações; No mais, vão absolvidos.

13.Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia sob a ficha n.º ...73/...98-A- e sob a ficha n.º ...73/...98-C-: “Decisão: proferida sentença que operou a transferência da propriedade para o Autor BB (Reprodução da inscrição F-1)”.

14.Nos autos principais, e face ao falecimento do executado BB, foram habilitados os seus herdeiros AA e EE.

15.Por escritura exarada a fls. 17 a 97 verso do Livro nº ...23-A de escrituras diversas, no Cartório Notarial de FF, no dia 29 de Dezembro de 2008, o Banco 1..., S.A. (sociedade que integrou, por fusão com incorporação global de património – entre outras – o Banco 2... S.A.) cedeu à sociedade B..., o crédito que detinha sobre os Executados, conforme documento junto como n.º 5 com o requerimento executivo nos autos principais e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

16.A referida cessão de créditos incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipotecas constituídas para sua garantia, bem como a posição processual da financeira nos processos judiciais identificados no documento complementar, relativamente a cada um dos créditos cedidos.

17.A Exequente procedeu ao registo da transmissão de créditos junto da respetiva conservatória, através das Aps. AP. ...0 de 2007/04/18, AP. ...1 de 2007/04/18, AP. ...3 de 2007/04/18, AP. ...8 de 2007/05/10, AP. ...0 de 2007/05/10 e AP. ...2 de 2007/05/10.

18.No âmbito daquele contrato, incluiu-se o crédito sobre os ora Executados.

19. O executado CC e a executada/insolvente DD faltaram ao pagamento que deveria ter sido realizado em 30-9-2003 (quanto ao contrato ...46) e em 30-4-2003 (quanto ao contrato ...47) – requerimento executivo e fls 51 dos presentes autos.”


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Do direito.

Em função da factualidade assente e tendo presente o objeto do recurso, delineado pelas conclusões acima reproduzidas, cumpre apreciar de direito.

Em causa, nesta fase processual, está apenas a pela recorrente invocada nulidade da hipoteca “constituída” em 01/04/2003.

O tribunal a quo pronunciou-se pela validade da mesma, com a consequente improcedência (parcial) dos embargos, nos seguintes termos:

“Conforme se pode constatar pela matéria de facto dado como provada em 7) e 8) supra, foi celebrado em 01-04-2003, o contrato de mútuo no âmbito do qual o Banco 1... S.A mutuou com ao executado CC (e à executada agora insolvente) a quantia de € 1.121.320,00 (um milhão cento e vinte e um mil trezentos e vinte euros), tendo sido ainda acordado que estes manteriam em vigor as hipotecas constituídas a favor do então Banco 2... S.A., sobre o prédio urbano supra referido.

Face ao exposto, não foi constituída uma nova hipoteca. O que sucedeu foi a manutenção das hipotecas anteriormente constituídas.

Assim sendo, a data de aquisição do imóvel pelo falecido executado BB é posterior à constituição das hipotecas aqui em causa, e por esse motivo é que os executados CC e a agora insolvente DD foram condenados no âmbito a Ação de processo Ordinário n.º 1070/03.5TVPRT, no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no pagamento das quantias indicadas nas alíneas b) e c) do segmento decisório dessa sentença para efeitos de expurgação das aludidas hipotecas, razão pela qual se conclui que inexiste a nulidade invocada improcedendo a exceção em análise.”

Na perspetiva do tribunal a quo (e também da exequente/recorrida) foram dadas como garantia do crédito da exequente – constituído em 01/04/2003 - hipotecas que então já estavam constituídas à data em que ocorreu a aquisição do imóvel pelo falecido pai da embargante e inicial executado. Motivo por que nada obsta à validade da garantia oferecida pelos devedores a favor da exequente mutuária.

Para a apreciação da questão, relevam 3 fatores: data da constituição do crédito; propriedade do bem dado em garantia e modo de constituição dessa mesma garantia.

Tal como resulta do alegado pela exequente e vem provado – vide facto provado 7 - o crédito exequendo tem origem no contrato de mútuo celebrado em 01/04/2003.

Tendo neste contrato sido declarado pelos outorgantes mutuários que manteriam em vigor as hipotecas constituídas a favor do então Banco 2... sobre o imóvel referido em 2 [ou seja as hipotecas mencionadas de 1 a 6 dos factos provados.

01-04-2003 é a data da constituição do crédito e nenhuma outra relação contratual foi invocada como fundamento do crédito exequendo pela exequente/recorrida (vide o alegado em 7º a 13º do requerimento executivo).

Assim sendo, apenas este contrato pode ser considerado como fonte da obrigação contratual que a exequente invocou ter sido incumprida e sobre a qual mais invoca ser beneficiária de hipotecas sobre bem pertença do inicial co-executado BB, do qual entretanto e por falecimento do mesmo foram habilitados os seus herdeiros e nomeadamente a embargante recorrente [a demanda deste executado fundou-se na alegada existência de garantia real sobre bem de terceiro contra quem a exequente pretendeu fazer valer essa mesma garantia, nos termos dos artigos 54º nº 2 do CPC].

À data de 01/04/2003 constava já registado na Conserv. do registo predial e desde 25/02/2003 pela AP. ..., a instauração da ação em que foi autor o falecido pai da embargante BB e RR. os executados CC e DD, na qual foi formulado pedido (entre o mais) de prolação de sentença judicial a decretar a transmissão para o A. (o mencionado BB) da propriedade plena das frações A e C identificadas em 2, 4 e 6 dos factos provados – vide fp’s 9 e 10.

Ação que foi julgada procedente, nomeadamente na respetiva sentença tendo sido declarada “transferida para o autor a propriedade relativa às frações (...) A (...) C (..), com a consequente efetiva e definitiva entrega das mesmas àquele (...)”. Mais tendo os ali RR. sido condenados a “entregar ao A. a quantia de € 1.778.084 (...) para efeitos de expurgação das hipotecas que sobre as frações incidem” – vide fp 12.

Constando da mesma AP. ... a menção de ““Decisão: proferida sentença que operou a transferência da propriedade para o autor BB” – vide fp 13.

O registo inicial – provisório por natureza, converteu-se em definitivo por averbamento quando a ação é julgada procedente [vide artigos 2º nº 1 al. a), 3º nº 1 al. a) e c), 92º nº 1 al. a) e 101º nº 4].

O registo da ação de execução especifica tem como efeitos a sua oponibilidade a terceiros, beneficiando por tal do princípio da prioridade previsto no artigo 6º do Código do Registo Predial (CRP), o qual assim dispõe:

         “1- O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.

         (...)

3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.”

Uma vez que e tal como resulta do nº 3 deste artigo 6º, o registo provisório quando convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha, vale o mesmo contra terceiros que posteriormente e sobre esse mesmo bem tenham constituído e registado direitos que sobre estes prevalecem.

Assim o executado BB, agora os seus herdeiros que nos seus direitos lhe sucederam, podem fazer valer o direito que lhe adveio da procedência da ação de execução específica que instaurou contra os outros executados, contra todos os terceiros – e assim também contra a ora exequente/recorrida – que tenham/invoquem direitos registados incompatíveis com o seu direito de propriedade após o registo da ação.

Implicando poder legitimamente opor ao credor ou credores que depois desse registo tenham penhorado o bem a que se refere, o direito que lhes foi reconhecido naquela ação

É neste contexto que se entende a alegada propriedade do pai da embargante desde a data do registo que na verdade a exequente não questionou, embora no rigor jurídico a sentença que declarou a transmissão da propriedade para o autor na ação de execução específica não tenha efeitos retroativos à data da propositura da ação[4].

O que para os autos releva é ser oponível a terceiros e nomeadamente à exequente, desde a data do registo da ação de execução específica, o direito reconhecido pela sentença proferida em tal ação contra titular de direito incompatível com o do beneficiário do registo.

Assente igualmente esta questão, importa agora apurar os termos em que uma hipoteca é constituída e como pode ser oponível a terceiros.

Por definição a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Podendo a obrigação garantida pela hipoteca ser futura ou condicional (vide artigo 686º do CC).

A hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou declaração unilateral (artigo 712º do CC) e recaindo sobre bens imóveis estava à data de 2003 sujeita a escritura pública, hoje sem prejuízo do disposto em lei especial (vide artigo 714º do CC na redação em vigor à data da constituição do crédito em causa nos autos e na atual redação).

Adicionalmente e para que possa produzir efeitos, mesmo em relação às partes, tem de ser registada (artigo 687º do CC).

O que implica a natureza constitutiva do próprio registo da hipoteca, sem o que esta não existe.

Para além de que só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respetivos bens (artigo 715º do CC), sob pena de nulidade - vide artigo 939º do CC por remissão para o disposto no artigo 892º do CC quanto ao regime de venda de coisa alheia.

Em relação ao proprietário do prédio dado em hipoteca por terceiro que para tanto não tem legitimidade, a constituição de tal hipoteca apresenta-se como “res inter alios” e ineficaz em relação ao mesmo[5].

Do enquadramento jurídico assim efetuado, temos como certo que os atos praticados pelos executados CC e DD após a data do registo da ação de execução específica acima mencionada (vide factos provados 9 e 10) que oneraram ou visaram onerar o prédio alvo desta mesma ação, são ineficazes em relação ao beneficiário do direito que registou a ação em que viu ser declarada a transmissão da propriedade desse mesmo prédio a seu favor.

Entendimento diverso permitiria a incompreensível extensão do âmbito de hipotecas antes constituídas e ainda não canceladas a novos créditos constituídos por quem já não é titular dos bens que indicou dar em garantia.

O mesmo é dizer que a invocação pelas partes, aquando da celebração de um contrato de mútuo, da existência e manutenção para garantia do novo crédito constituído, de hipotecas anteriores cujo registo ainda se mantém sobre imóvel em relação ao qual o mutuário já não é proprietário ou, como é o caso, tem já ação de execução específica devidamente registada contra si instaurada, é ineficaz em relação ao proprietário do imóvel ou beneficiário do registo de ação de execução específica que vê ser esta mesma ação entretanto julgada procedente.

Não é a pré-existência de hipotecas constituídas, mesmo que prevendo garantir créditos futuros que alteram o acima afirmado.

Tampouco tendo influência no assim exposto, o decidido na ação referida em 9 dos factos provados, para efeitos de expurgação das hipotecas, porquanto o óbice à pretensão da exequente está na constituição do crédito posterior ao registo da ação de execução específica, com as consequências já assinaladas.

Nestes termos, temos de concluir pela procedência do recurso interposto, por a declarada manutenção das hipotecas como garantia do novo crédito constituído, após o registo da ação de execução específica que veio a ser julgada procedente, ser ineficaz em relação ao beneficiário do direito registado, in casu o pai da embargante, em cujos direitos sucedeu.

Com a consequente total extinção da execução em relação ao mesmo e levantamento das penhoras efetuadas sobre as frações A e C.


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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando a decisão proferida julgando extinta a execução em relação ao executado BB, que ora prossegue com os seus herdeiros habilitados e nomeadamente a ora embargante. Mais se ordenando o levantamento das penhoras incidentes sobre as frações A e C.

Custas pela recorrida.


Porto, 2024-06-03.

Fátima Andrade

Carlos Gil

Teresa Fonseca


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[1] A execução foi inicialmente intentada por “B...” contra CC; DD e BB.
Por sentença de 31/10/2019, em competente incidente de habilitação de herdeiros tramitado na própria execução, foram julgados habilitados como únicos herdeiros do falecido BB, a fim de com ela prosseguir os seus termos na ação principal: AA e EE, seus filhos.
Tendo a habilitada AA deduzido os presentes embargos em 04/12/2019.
[2] “B...”, inicial exequente, justificou a sua legitimidade de exequente, enquanto cessionária do credor “Banco 1..., S.A.” – o qual por sua vez integrara por fusão com incorporação global de património – entre outras – o “Banco 2... S.A.” inicial credor e beneficiário da hipoteca registada.
Na pendência da execução foi deduzido e julgado procedente incidente de habilitação de cessionário, no qual a atual exequente “A..., S.A.” (por sentença proferida em 06/05/2020) foi julgada habilitada como cessionária do crédito da inicial exequente, para nessa qualidade prosseguir os seus termos a execução.
[3] Os factos 1 a 8, 10, 15 a 18 e 19 (parcialmente) correspondem ao alegado no requerimento executivo, sendo os primeiros 1 a 8, 10, 15 a 17 provados unicamente por via documental.
No confronto com essa mesma prova documental foram detetadas várias imprecisões, as quais aqui oficiosamente se deixam corrigidas, assinaladas a negrito, assim conformando o alegado ao teor dos documentos oferecidos e que não foram impugnados.
[4] Vide Ana Prata in “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, edição Almedina de 1995, p. 988 a 990.
[5] Vide Ac. STJ de 06/05/2008, nº de processo 08ª1056; abordando o mesmo tema Ac. TRC de 02/03/2010, nº de processo 42/2001.C1; Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 3294/11.2TBBCL.G1.S1 todos in www.dgsi.pt