PRAZO DE PRESCRIÇÃO
MÚTUO BANCÁRIO
OBRIGAÇÃO A LIQUIDAR EM PRESTAÇÕES
DÍVIDA FRACIONADA EM PRESTAÇÕES
Sumário

I - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da e) do art.º 310º do C.Civil, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II - O vencimento antecipado da totalidade das prestações, mormente por via do disposto no art.º 781.º do C.Civil, não se altera a natureza da dívida, não interferindo com o referido prazo prescricional.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 422/23.9 T8VLG-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo - Juiz 1
Recorrente – A..., SARL
Recorridos – AA e BB
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Fernando Vilares Ferreira
Desemb. Ramos Lopes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes move A..., SARL vieram os executados AA e BB deduzir os presentes embargos invocando a prescrição das prestações de amortização dos empréstimos e dos juros por força do disposto no art.º 310.º al. e) do C.Civil.
Mais alegaram que nos autos de insolvência da mutuária foi paga à exequente a quantia de €54.335,93, pelo que nunca seriam devidos os valores peticionados nem a título de capital nem de juros.

Recebidos os embargos e notificada a exequente veio dizer que face ao vencimento antecipado da dívida resultante do contrato em apreço nos autos, o prazo de prescrição é o previsto no art.º 709.º do C.Civil.
Mais alegou que o valor recebido no processo de insolvência foi amortizado no capital e juros em dívida, concluindo pela improcedência dos embargos.

Convidada a vir esclarecer a forma como calculou a quantia exequenda tendo em conta o valor recebido no processo de insolvência da mutuária veio fazê-lo em requerimento apresentado sob a ref.ª. 36723504, concluindo pela bondade dos valores apresentados no requerimento executivo.

Os embargantes exerceram o direito ao contraditório nos termos constantes da ref.ª 36793978, dando por reproduzida a defesa apresentada na petição de embargos.

Realizou-se audiência prévia e após foi proferido despacho saneador-sentença de onde consta a seguinte decisão “Termos em que se julgam procedentes os embargos e, em consequência, extinta a execução movida contra os embargantes.
Custas pela embargada.
Notifique”.

Inconformada com tal decisão, dela veio a exequente recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e substituída por outra que julgue os embargos improcedentes.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
I. O Tribunal de 1.ª instância considerou que, a dívida exequenda se encontra prescrita, tendo em consideração, que o respetivo prazo prescricional se iniciou no dia 27 de julho de 2017.
II. Nessa conformidade, julgou verificada a exceção perentória de prescrição prevista no artigo 576.º n.º 3 do Código de Processo Civil, e, consequentemente, determinou a absolvição dos recorridos da instância executiva.
III. Por documento particular, denominado de Mútuo com Hipoteca e Fiança outorgado em 17 de setembro de 2015, o Banco cedente concedeu à sociedade mutuária “B..., Ld.ª.”, um empréstimo no valor de €225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros), destinado à antecipação de receitas, pelo prazo de 120 meses.
IV. Também os aqui embargantes, confessaram-se e constituíram-se fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela mutuária referenciados supra, no âmbito do contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia, declarando conhecimento de todo o conteúdo dos documentos complementares.
V. Por outro lado, a declaração de insolvência da mutuária “B..., Ld.ª., em 7 de fevereiro de 2017, determinou o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas.
VI. Tendo os contratos sido resolvidos com base no incumprimento definitivo, a exequente peticionou o montante da dívida global.
VII. Isto porque, o vencimento da totalidade do capital em dívida, nos termos do disposto no art.º 781.º do CC, dá origem a uma nova dívida, não fracionada nem periodicamente renovável, com génese no momento e por causa do incumprimento.
VIII. Por outro lado, no âmbito do processo de insolvência da sociedade mutuária apenas em 20 de janeiro de 2020, foi efetuado o pagamento do rateio final aos credores, no qual o aqui embargante recebeu a quantia de Eur.54.335,93.
IX. Ora, só após esta data, e após efetuar a devida amortização, é que o embargado, já devidamente ressarcido de parte do valor em dívida, e ainda dentro do respetivo prazo de prescrição, intentou execução contra os fiadores.
X. Com o início da presente ação executiva em curso, interrompe-se novamente a prescrição, independentemente da data da citação dos devedores.
XI. Assim, também por esta razão, bem se vê que as alíneas d), e e) do artigo 310.º do Cód. Civil, não podem ser aplicadas ao crédito exequendo.
XII. É que, no caso, não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” nem “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
XIII. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.04.2016 Proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1,disponível em www.dgsi.pt), onde se lê: "(...) 4. Se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos."
XIV. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.03.2017 (Proc. n.º 589/15.0T8VNF-A.G1,disponível em www.dgsi.pt) do qual resulta que: " I - No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeira ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al, g), do artigo 310.º, do CC. II - Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos."
XV. Por tudo quanto foi exposto, não é de aplicar ao caso concreto o regime especial da prescrição das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Cód. Civil, mas o prazo geral da prescrição de 20 anos (artigo 309.º do Cód. Civil).
XVI. A sentença é violadora da igualdade processual das partes, e denega a justiça e o direito.
XVII. Viola o princípio da segurança jurídica e proporcionalidade.
XVIII. De outra forma, denega-se ao apelante a possibilidade de lhe serem reconhecidos os seus direitos adquiridos, fundamentados no princípio da proteção e confiança jurídica legitima.
XIX. A sentença a quo, decidindo como decidiu, desrespeita e viola por completo o legitimamente estatuído no código de processo civil e na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente.
XX. Ora, tendo em conta o supra exposto, conclui-se que o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a lei, devendo por esse motivo a sentença ora em crise revogada.

Os executados/embargantes juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Em 17 de setembro de 2015 foi celebrado, por documento particular autenticado, entre o Banco 1..., S.A. e a B..., Ld.ª um contrato de mútuo com hipoteca e fiança nos termos do qual o banco concedeu à referida mutuária um empréstimo no valor de €225.000,00, quantia de que a mesma se confessou devedora.
2. Nos termos da cláusula terceira do documento anexo ao referido contrato o mesmo tinha o prazo de 120 meses a contar da data da celebração, resultando da cláusula quarta que o reembolso do empréstimo seria efetuado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, podendo a mutuária beneficiar de um período de carência de capital de seis meses a contar da data da celebração.
3. Nos termos do mesmo documento os embargantes declararam “… que se constituem fiadores e principais pagadores, com renuncia ao benefício da excussão prévia, de todas as obrigações emergentes para a sociedade comercial representada pela Outorgante mulher, do presente contrato”.
4. Em 17 de janeiro de 2017 deixaram de ser pagas as prestações devidas em resultado do contrato atrás referido.
5. Em 7 de fevereiro de 2017 a B..., Ld.ª foi declarada insolvente.
6. Em 10 de março de 2017 o Banco 1..., S.A. apresentou no processo de insolvência da mutuária reclamação de créditos no valor de €231.935,35, sendo €220.396,11 de capital e €11.539,19 de juros vencidos.
7. Face à insolvência da mutuária o Banco 1..., S.A. considerou vencidas todas as obrigações da mesma, interpelando os embargantes por carta datada de 27 de julho de 2017, para proceder ao pagamento da quantia de €219.721,41, sendo €210.757,39 de capital, €8.612,28 de juros vencidos, €344,77 de imposto de selo e €6,97 de despesas.
8. Em 28 de julho de 2017 o administrador da insolvência da B..., Ld.ª apresentou no processo de insolvência a relação definitiva de créditos a que alude o art.º 129.º do CIRE da qual resulta ter sido reconhecido ao Banco 1..., S.A. o crédito no valor global de €231.935,35, sendo €220.396,16 de capital e €11.539,19 de juros, tendo a natureza de crédito garantido o valor de €222.229,75 e de crédito comum o valor de €9.669,34.
9. Em 24 de junho de 2019 foi celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a exequente um contrato de cessão de créditos que englobou o crédito resultante do contrato referido em 1.
10. Em 28 de janeiro de 2020 a exequente recebeu do processo de insolvência da mutuária a quantia de €54.335,93.
11. Em 23 de janeiro de 2023 a exequente interpôs a execução de que estes autos são apenso, na qual reclama o pagamento da quantia de €252.942,39, sendo €206.291,59 respeitante ao capital em dívida em 17 de janeiro de 2017 e €46.650,80 dos juros vencidos desde aquela referida data e até 14 de dezembro de 2022.
12. A exequente pagou à Sr.ª AE a quantia referida no art.º 726.º n.º 6 al. a) do CPC em 31 de janeiro de 2023.
13. Em 6 de fevereiro de 2023 foi proferido despacho a convidar a exequente a juntar aos autos documento comprovativo de que o crédito exequendo foi abrangido no contrato de cessão de créditos invocado tendo a mesma dado cumprimento ao referido despacho em 6 de março de 2023.
14. Os executados foram citados em 27 de fevereiro de 2023.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

*
Ora, visto o teor das alegações da exequente/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da alegada não prescrição do crédito exequendo.
*
Vejamos.
Como bem se refere na decisão recorrida “… resulta dos Factos Provados os embargantes vêm demandados na qualidade de fiadores do contrato de empréstimo celebrado entre o Banco 1..., S.A. e B..., Ld.ª.
Nos termos do art.º 627.º n.º 1 do CC “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, tendo a fiança “o conteúdo da obrigação principal”, cobrindo “as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor” (art.º 634.º do CC). Por força do disposto no art.º 640.º do CC o fiador que tiver renunciado ao beneficio da excussão não pode recusar o cumprimento mesmo que o credor não tenha “excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do sei crédito (n.º1 do art.º 638.º do CC) ou que haja “garantia real constituída por terceiro, contemporânea da fiança ou anterior a ela …” que ainda não tenha sido executada (n.º 1 do art.º 639.º do CC).
São características essenciais deste instituto a acessoriedade e a subsidiariedade, resultando aquela do disposto no n.º 2 do art.º 627.º do CC e tendo como consequências a submissão da fiança à forma exigida para a obrigação principal (n.º 2 do art.º 628.º); a proibição da fiança exceder a dívida principal ou ser contraída em condições mais onerosas (n.º 1 do art.º 631.º), determinando a invalidade da obrigação principal a invalidade da fiança (n.º 1 do art.º 632.º) e a extinção da obrigação principal a extinção da fiança (art.º 651.º do CC). Por sua vez a subsidiariedade concretiza-se essencialmente no chamado benefício da excussão prévia.
Mais resulta provado nos autos que a mutuária - B..., Ld.ª – foi declarada insolvente por sentença de 7 de fevereiro de 2017, e consequentemente, o mutuante – Banco 1..., S.A - em 10 de março de 2017 apresentou nesse processo de insolvência reclamação de créditos no valor de €231.935,35, sendo €220.396,11 de capital e €11.539,19 de juros vencidos e face à insolvência da mutuária o banco mutuante considerou vencidas todas as obrigações da mesma, interpelando os embargantes/fiadores, por carta datada de 27 de julho de 2017, para procederem ao pagamento da quantia de €219.721,41, sendo €210.757,39 de capital, €8.612,28 de juros vencidos, €344,77 de imposto de selo e €6,97 de despesas.
O AI da insolvência da mutuária, em 28 de julho de 2017, juntou a esses autos a lista definitiva de créditos reconhecidos, de onde resulta ter sido reconhecido ao banco mutuante um crédito no valor global de €231.935,35, sendo €220.396,16 de capital e €11.539,19 de juros - tendo a natureza de crédito garantido o valor de €222.229,75 e de crédito comum o valor de €9.669,34.
Posteriormente, em 24 de junho de 2019 o banco mutuante cedeu esse crédito à ora exequente/apelante.
*
Por via dos presentes embargos, os executados/fiadores defendem que tendo sido requerida a sua citação para os autos de execução e que este é um apenso em 23.01.2023, certo é que apenas foram citados a 27.02.2023. Não obstante por via da pandemia COVID 19, e das leis de exceção entretanto publicadas, por via das quais foi determinada a suspensão de vários prazos, incluindo o de prescrição, nos períodos de 9.03.2020 a 3.06.2020 e de 22.01.2021 a 6.04.2021, certo é que encontram-se, decorridos mais de cinco anos sobre o vencimento da divida, que segundo a exequente se venceu em 17 de janeiro de 2017.
Primordialmente defendem os executados/embargantes que estamos perante um contrato de mútuo com hipoteca e fiança em que as prestações, englobando quotas de amortização de capital e juros, são mensais constantes e sucessivas~, pelo que o prazo de prescrição é de 5 anos, cfr. art.º 310.º al. e) do C.Civil.
Mais defende que é jurisprudência assente que a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
*
Este foi o entendimento tido em 1.ª instância, podendo ler-se da sentença recorrida, além do mais, que: “…estamos perante uma dívida liquidável em prestações à qual, em princípio, se aplica o regime do art.º 781.º do C.C., segundo o qual a falta de pagamento de qualquer prestação implica o vencimento imediato de toda a dívida.
Sobre o entendimento deste dispositivo formaram-se duas correntes.
Uma, defendida por Pires de Lima e Antunes Varela, Almeida Costa, Lobo Xavier, defende que tal norma consagra uma solução de exigibilidade antecipada, não dispensando, assim, a interpelação do devedor.
Outra, defendida por Galvão Teles e, pensamos, pela maioria da jurisprudência nacional, entende que o dispositivo em causa consagra a solução do vencimento automático, dispensando assim a interpelação e sendo devidos juros sobre a totalidade da quantia em divida desde o momento do incumprimento.
Pacífico é que tal dispositivo não é de natureza imperativa, podendo ser alterado por acordo das partes.
(…)
Conclui-se, assim, que aos fiadores não é extensiva a perda do benefício do prazo e, por conseguinte, em caso de perda do benefício do prazo por parte do devedor principal, o credor não deixa de ter de esperar pelo vencimento normal das prestações para exigir o cumprimento aos codevedores ou a terceiros garantes da obrigação.
No entanto, como a disposição em referência tem natureza supletiva e vigorando, nesta sede, o princípio da liberdade contratual (v. art.º 405.º do Código Civil), pode o respetivo regime ser afastado se as partes convencionarem de modo diverso, o que sucederia se os fiadores, e a ora oponente, tivesse consignado no título a renúncia ao aludido benefício do prazo, o que não aconteceu.
Conclui-se, assim, que a ausência de automatismo do vencimento antecipado em relação aos fiadores “arrasta uma consequência: Só pode levar-se a cabo tal exigência – mormente através da instauração de processo executivo – depois da interpelação ao devedor para cumprir a obrigação de pagamento que entretanto ganhou novos contornos” (Ac. do STJ de 10.05.2007, processo n.º 07B841, in www.dgsi.pt).
A interpelação prévia mostra-se necessária para dar aos fiadores a possibilidade de, para além de pagar as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição do devedor principal, pagando as prestações que se forem vencendo.
(…)
Ocorre que, no caso dos autos o que determinou o vencimento antecipado não foi a falta de pagamento de qualquer prestação na data prevista, mas sim a declaração de insolvência da mutuária, como a própria exequente reconhece.
Sendo certo que não resulta dos autos a data em que a exequente tomou conhecimento da insolvência, naturalmente tal conhecimento foi anterior a 10 de março de 2017, data em que foi apresentada a reclamação de créditos no processo de insolvência, a acrescer que, sendo o Banco 1..., S.A o maior credor da insolvência foi, na sentença proferida em 7 de fevereiro de 2017, determinada a sua citação.
De todo o modo, ainda que se considere que tal conhecimento lhe chegou na referida data de 27 de julho de 2017, data em que interpelou os embargantes, e que só nesta data se iniciou o prazo de prescrição do seu crédito no confronto dos fiadores – cfr. art.º 306.º do CC - e interrompendo-se o prazo, como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 323.º do C.C., “pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente”, começando a correr novo prazo, igual ao primeiro, e quando a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, a partir do trânsito em julgado de decisão que puser termos ao processo – v. art.ºs 326.º e 327.º do CC. – temos que o crédito dos autos já se mostra prescrito.
(…) o art.º 310.º do mesmo diploma legal determina que “Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) d) Os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos, (…); e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;”, sendo a razão deste desvio à regra geral a “de proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos” – Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ, 106, pág. 119.
É pois, pacífico, que em contratos de financiamento como os dos autos estamos perante uma obrigação “única mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente pago, e não perante uma obrigação periodicamente renovável ‘stricto sensu’; no entanto se o cumprimento dessa obrigação única é efetivado em prestações fracionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros é aplicável às quotas de amortização do capital o regime da prescrição quinquenal estabelecido na al. e) do art.º 310.º do CCiv” – Ac. do STJ de 10 de setembro de 2020, pub. in www.dgsi.pt e para o qual, para maiores desenvolvimentos se remete.
Os entendimentos dividiam-se quando se verifica o vencimento antecipado de todas as demais prestações, entendendo uns que se continua a aplicar a prescrição de curto prazo e outros que passa a aplicar-se ao capital em dívida a prescrição ordinária.
O STJ no Acórdão 6/2022, publicado no Diário da República, I Série de 22 de setembro de 2022 fixou a seguinte jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma legal, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas vencidas”.
Estando a exequente em condições de demandar os fiadores, pelo menos desde 27 de julho de 2017, iniciando-se nesta data o prazo de prescrição do seu crédito no confronto dos mesmos, verificar-se-ia a prescrição em 27 de julho de 2022.
Ocorre que por força da L. 1-A/2020 de 19 de março – cfr. art.º 7.º n.º 3 – e L. 16/2020 de 29 de maio, L. 4-B/2021 de 1 de fevereiro e L. 13-B/2021 de 5 de abril os prazos de prescrição estiveram suspensos entre o dia 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021 suspensão que se computa em 161 dias, do que resulta que a prescrição da obrigação exequenda se operou em 2 de janeiro de 2023.
Tendo o requerimento executivo sido apresentado em 23 de janeiro de 2023 já se a obrigação se mostrava prescrita, tendo que proceder os presentes embargos, ficando prejudicado o conhecimento da restante questão colocada pelos embargantes”.
*
A exequente/apelante vem defender que “…o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros” e cita em seu favor o teor do Ac. da Rel. de Guimarães de 16.03.2017, in www.dgsi.pt
Mais defende a exequente que “…no âmbito do processo de insolvência da sociedade mutuária apenas em 20 de janeiro de 2020, foi efetuado o pagamento do rateio final aos credores, no qual o aqui embargado recebeu a quantia de Eur.54.335,93, pelo que só após esta data, e após efetuar a devida amortização, é que o embargado, já devidamente ressarcido de parte do valor em dívida, e ainda dentro do respetiva prazo de prescrição, intentou, em 31.01.2023, execução contra os fiadores, cuja citação interrompeu o prazo de prescrição”.
*
Está assente nos autos que por força do convencionado entre o banco mutuante, a mutuária, ora insolvente e os embargantes, fiadores desta que estes “… se constituem fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, de todas as obrigações emergentes para a sociedade comercial representada pela Outorgante mulher, do presente contrato”.
Em causa está a obrigação que a exequente/apelante imputa aos executados/embargantes na qualidade de fiadores, pelo que há que chamar à colação o preceituado no art.º 782.º do C.Civil, segundo o qual “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.
Dúvidas não existem de que se trata de uma norma de caráter supletivo, afastável por vontade das partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, cfr. art.º 405.º do C.Civil. E “in casu”, tal efetivamente sucedeu, ou seja, atenta a factologia provada e acima consignada, o preceituado no art.º 782.º do C.Civil, foi efetivamente afastado.
E assim sendo, temos de reverter para o preceituado no art.º 781.º do C.Civil “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Como resulta provado nos autos, a mutuária foi declarada insolvente e assim, por força do disposto no art.º 91.º n.º 1 do CIRE, segundo qual: “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”. Ou seja, a declaração de insolvência como bem se concluiu no Ac. desta Rel. de 14.06.2017, in www.dgsi.pt. “opera, de per si, o vencimento de todas as obrigações do insolvente, independentemente de qualquer interpelação, para que os credores possam reclamar os seus créditos no processo de insolvência, e dessa forma se possa verificar e liquidar a massa insolvente de uma só vez”.
Tendo a mutuária sido declarada insolvente por sentença de 7 de fevereiro de 2017, nessa data venceram-se automaticamente todas as obrigações da mutuária, ocorrendo a perda do benefício do prazo estabelecido em seu favor no âmbito do contrato de mútuo em apreço, sem necessidade de interpelação daquela e também sem necessidade de interpelação dos fiadores, ora embargantes, pois, estes renunciaram ao benefício do prazo. Todavia, e como resulta provado dos autos, o banco mutuante, por carta de 27.07.2017, interpelou os executados/embargantes, para procederem ao pagamento da quantia de €219.721,41, sendo €210.757,39 de capital, €8.612,28 de juros vencidos, €344,77 de imposto de selo e €6,97 de despesas.
*
Resulta do disposto no art.º 298.º do C.Civil, que a prescrição tem o efeito de extinguir direitos que não sejam indisponíveis ou imprescritíveis por força da lei, não se incluindo nessa exclusão os direitos de crédito.
Preceitua o art.º 310.º do C.Civil que: “O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”. E segundo o disposto no art.º 309.º do mesmo C.Civil “Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 337, trata-se neste último preceito, não de uma prescrição presuntiva, mas de uma prescrição comum, pois “na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei. O regime comum da prescrição é neutro em relação ao cumprimento ou incumprimento. A prescrição ocorre, quer o devedor tenha já cumprido, quer não. Se já tiver cumprido, o devedor deixa de ter de invocar e demonstrar o cumprimento, basta-lhe invocar a prescrição; se não tiver cumprido, também a invocação da prescrição lhe permite bloquear a pretensão do credor”. Não se trata de uma exceção passível de conhecimento “ex officio” do Tribunal, cfr. art.ºs 301 e 303.º do C.Civil.
O início da contagem do prazo de prescrição depende, em regra, de dois requisitos: i) a existência do direito e ii) a possibilidade do seu exercício, cfr. art.º 306.º, n.º 1 do C.Civil
No que respeita à aplicação do prazo de prescrição aplicável a um contrato de mútuo remunerado, cujas prestações se encontram fracionadas ao longo do tempo, através de prestações de capital e juros, como é, por regra, o caso dos mútuos bancários, é consensual que se aplica o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art.º 310.º, al. e), do C.Civil, enquanto não se verificar incumprimento de qualquer das prestações conforme o plano prestacional convencionado.
*
Há então que apurar “in casu”, considerando que ocorreu em 7.02.2017, o vencimento imediato de todas as prestações devidas pela mutuária, que efeitos daí decorrem para o plano de pagamento acordado no âmbito do contrato de mútuo em apreço, mormente, como defende a exequente/apelante, será que os valores em dívida voltaram a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos, cfr. art.º 309.º do C.Civil, e os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, ao prazo de prescrição de cinco anos, cfr. art.º 310.º, al. d) do C.Civil.
Ora e, não obstante ter existido alguma divergência jurisprudencial sobre tal questão, certo é que, como bem se refere no Ac. do STJ de 29.09.2022, in www.dgsi.pt “Sucede que no pretérito dia 30.06.2022, o Supremo Tribunal de Justiça, em Pleno das Secções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, publicado no DR n.º128/2022, série I, de 2022.09.22, tirado por unanimidade, clarificou a questão, fixando, no segmento uniformizador a seguinte jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma legal, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas vencidas”.
A orientação jurisprudencial fixada corresponde à que era largamente dominante neste Supremo (…).”
*
Do exposto decorre, sem dúvidas, que tendo ocorrido em 7.02.2017, o vencimento imediato de todas as prestações devidas pela mutuária, ora insolvente, em face dos termos do respetivo contrato de mútuo e do citado AUJ, n.º 6/2022, a situação da dívida exequenda peticionada aos executados/fiadores é enquadrável na previsão do art.º 310.º al. e) do C. Civil, ou seja, o prazo prescricional é o de cinco anos, tendo o mesmo se iniciado nessa data – 7.02.2017 - e em relação a todas as quotas assim vencidas e tendo-se, por regra, esgotado a 7.02.2022.
Admite-se, até por ligeireza de raciocínio, como se entendeu em 1.ª instância, que tal prazo prescricional relativamente aos executados/fiadores apenas se tenha iniciado com a receção da missiva a eles endereçada pelo banco mutuante em 27.07.2017, interpelando-os para procederem ao pagamento da quantia de €219.721,41, sendo €210.757,39 de capital, €8.612,28 de juros vencidos, €344,77 de imposto de selo e €6,97 de despesas. Pois mesmo nessa situação, e tendo em consideração a suspensão dos prazos prescricionais decorrentes das leis de exceção publicadas por força da pandemia COVID19 (Lei 1-A/2020, de 19.03; Lei 4-B/2021, de 1.02 e Lie 13-B/2012, de 5.04) entre 9.03 e 3.06 de 2020 e entre 22.01 e 5.04 de 2021, temos de concluir que o prazo de prescrição de 5 anos se completou a 2.01.2023, senão em 18.07.2022 como é, segundo entendemos. A solução correta em termos legais.
Ora, considerando que a execução de que este é um apenso apenas deu entrada em juízo a 23 de janeiro de 2023, nada mais resta senão concluir que se mostrava esgotado o aludido prazo prescricional, e como tal a respetiva exceção foi, correta e devidamente, invocada pelos executados/embargantes em sede dos presentes embargos.
Improcedem assim as conclusões da exequente/apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.
*
Finalmente, vem a exequente/apelante alegar que uma tal decisão “é violadora da igualdade processual das partes, e denega a justiça e o direito. Viola o princípio da segurança jurídica e proporcionalidade. denegando-se ao apelante a possibilidade de lhe serem reconhecidos os seus direitos adquiridos, fundamentados no princípio da proteção e confiança jurídica legitima”.
Como é evidente não lhe assiste razão.
Na verdade, “in casu” a verificação do decurso do prazo prescricional e a consequente extinção do crédito sobre os executados/embargados só à exequente/apelante, por incúria ou falta de diligência na defesa dos seus interesses poderá ser atribuído. Não se podendo olvidar que a mesma ficou cessionária de tal crédito por contrato de 24.06.2019 e apenas em 23.01.2023 intentou contra os executados/embargantes a execução de que este é um apenso para cobrança desse mesmo crédito, ou seja, teve a exequente/apelante cerca de 3 anos para validamente obter o pagamento coercivo do crédito e nada fez, pelo que “sibi imputet”.
Logo, e sem necessidade de outros considerandos, a decisão recorrida que vai confirmada não se revela minimamente violadora de qualquer direito fundamental da exequente/apelante.
Improcedem as derradeiras conclusões da apelante.

Sumário:
……………………………
……………………………
……………………………

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela exequente/apelante.

Porto, 2024.06.04
Anabela Dias da Silva
Fernando Vilares Ferreira
João Ramos Lopes