PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INCIDENTE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - A pedido do devedor, o processo de insolvência pode ser encerrado se o devedor deixou de se encontrar em situação de insolvência ou se obteve a concordância de todos os credores relativamente ao encerramento do processo.
II - Na hipótese de ser invocada a cessação da situação de insolvência, o pedido de encerramento, com esse fundamento, constitui um incidente, o qual deve ser notificado aos credores para que estes, querendo, deduzirem oposição, no prazo de oito dias, seguindo, posteriormente, os trâmites processuais legais.
II - A nulidade da decisão decorrente da omissão de pronúncia, traduzida no incumprimento da resolução de todas as questões relevantes e pedidos formulados, deve ser sanada pelo tribunal de recurso, salvo se for necessário dar cumprimento ao princípio do contraditório e produzir eventualmente prova.

Texto Integral

Processo n.º 3710/22.8T8OAZ-D.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunta: Lina Castro Baptista

Adjunto: Eduardo Rodrigues Pires


*

Sumário

………………………………

………………………………

………………………………


*

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

O Condomínio do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, denominado “Edifício ...”, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis requereu a insolvência de AA e de BB.

Por sentença, proferida no dia 22/05/2023, foi declarada a insolvência dos devedores, dispensada a realização de assembleia de credores e determinado que os autos prosseguissem para liquidação por se saber que os devedores eram proprietários de um imóvel.

No dia 08/07/2023 a AI juntou aos autos o relatório a que se refere o artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, identificando, para além do referido imóvel, quatro veículos automóveis.

Por requerimento, de 18/09/2023, os devedores vieram requerer o encerramento do processo por ter cessado a sua situação de insolvência alegando que “em virtude da cessação da sua situação de insolvência, vêm, nos termos do disposto nos arts. 230, alínea c) e 231º do CIRE, requerer o encerramento do presente processo, nos termos e com os fundamentos seguintes:

- Conforme melhor resulta da lista de credores junta ao processo, o passivo dos insolventes ascende ao total de €79.749,43 (quantia na qual já se encontram contabilizados juros, correspondendo o capital a €70.513,27);

- Desse total de €70.513,27, €42.213,05 correspondem à divida contraída junto do Banco 1..., S.A, para aquisição da fração autónoma onde os insolventes residem, a qual foi apreendida nos presentes autos.

- O aludido crédito bancário foi reclamado nos presentes autos tão só devido à declaração de insolvência e não porque estivesse em incumprimento;

- Com efeito, a situação de incumprimento em que incorreram os insolventes relativamente a alguns credores esteve relacionada com a situação de desemprego do insolvente marido, a qual se prolongou por bastante tempo e afetou gravemente o rendimento mensal do agregado familiar.

- Sucede que, neste momento, o insolvente marido já está a trabalhar (conforme contrato de trabalho que se junta);

- De modo que, para além da prestação hipotecária que sempre pagaram, os insolventes têm agora meios financeiros para alocarem parte do seu rendimento á satisfação das demais dividas.

- Os insolventes já encetaram negociações com alguns credores e, em particular, com credor requerente (Condomínio ..., ...), o qual é o segundo maior credor, e estão agora em condições de dar cumprimento ao já alinhavado.

- Os insolventes irão, também, contactar os demais credores no sentido de renegociarem as suas dívidas.

- Atendendo ao valor comercial atual da fração autónoma pertencente aos insolventes, a qual constitui a casa de morada de família, e conjugado tal património com os rendimentos atuais efetivos dos insolventes é manifesto que o seu ativo é superior ao passivo reclamado na presente ação e, como tal, a sua situação patrimonial líquida é positiva;

- Por outro lado, o facto de o insolvente marido estar agora a trabalhar, permite que os insolventes possam alocar parte desse ganho à liquidação faseada e prestacional das suas dividas, ou seja, os insolventes passaram de uma situação de impotência económica para uma situação de possibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.”

Por despacho de 18/10/2023 os devedores foram advertidos de que deveriam proceder nos termos do disposto no artigo 230º, nº 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pois que se assim não o fizessem o processo não seria encerrado.

Por requerimento, de 02/11/2023, os devedores vieram requerer um prazo de 10 dias para obtenção do consentimento dos credores ao encerramento do processo, prazo que lhes foi concedido por despacho de 02/11/2023.

Por requerimento, de 11/12/2023, os devedores informaram terem chegado a um acordo com o credor requerente da insolvência e com CC, ainda não formalizados, estando a cumprir os pagamentos ao Banco 1.... Terminaram alegando que os referidos credores representam 77% do passivo pelo que se deveria considerar extinto o processo.

Por despacho, proferido no dia 11/01/2024, foram os devedores de novo advertidos de que não haviam cumprido com o estabelecido no artigo 230º, nº 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, pese embora o carácter de urgência do processo e de a sentença de insolvência datar de 22/05/2023, foi-lhes concedido um derradeiro prazo de cinco dias para observarem os legais formalismos previstos para o encerramento do processo sob pena de, não o fazendo, ser dada ordem de imediata liquidação dos bens apreendidos.

Por requerimento de 19/01/2024, com declaração electrónica de adesão por parte da Il. Mandatária do credor CC, vieram os devedores e o credor informar que haviam chegado a um acordo para o pagamento do crédito reclamado em prestações pelo que o credor não se opunha ao encerramento do processo.

No dia 22/01/2023 os devedores e a credora requerente outorgaram um contrato de confissão de dívida pelo qual os insolventes se confessaram devedores da quantia de 9.593,22€, comprometendo-se a pagar tal quantia em prestações.

Por requerimento de 24/01/2024 os devedores, alegando que fizeram acordos de pagamentos com os credores CC e Condomínio ..., os quais representam 23% do valor total do passivo e ainda que estão a pagar a dívida ao credor hipotecário (Banco 1...) e à ATA, requereram que se declarasse o encerramento do processo.

Nestes autos estão reconhecidos os seguintes créditos:

a) Ao credor CC, um crédito no montante de 6.766,01€;

b) À ATA, um crédito no montante de 8.304.02€;

c)Ao credor Condomínio (requerente da insolvência), um crédito no montante de 12.279,58€;

d)Ao ISS, um crédito no montante de 213,73€;

e) Ao Banco 1..., um crédito no montante de 42.375,89€;

f) À credora A... um crédito no montante de 8.978,05€.


*

Proferiu-se decisão que indeferiu o pedido de encerramento e de extinção do processo de insolvência por não haver anuência de todos os credores relativamente ao encerramento do processo nos termos do artigo 230º, nº 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

*

Inconformados com a decisão, os insolventes interpuseram recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1. O objeto do presente processo radica numa única questão: apreciar e decidir se estão ou não preenchidos os requisitos legais de encerramento da insolvência a pedido do devedor.

2. Por requerimento de 18 de setembro de 2023, os aqui recorrentes requereram ao Tribunal a quo o encerramento do processo, alegando que tinha cessado a sua situação de insolvência.

3. Conforme então já resultava dos autos, o passivo total dos insolventes ascendia a €79 749,43 (quantia na qual já se encontravam contabilizados os juros vencidos, correspondendo o capital a €70.513,27).

4. No âmbito do aludido processo, foi aprendido um imóvel – fração autónoma de residência do agregado familiar dos insolventes – cujo valor tributário, conforme auto de apreensão da Senhora AI, ascende a € 59.969,57 e cujo valor de mercado nunca será inferior ao dobro desse montante. (Aliás, consoante informação colhida junto da senhora AI, o credor hipotecário terá validado o valor mínimo da fração para venda nos presentes autos em €137.499,00).

5. Ou seja, o valor do imóvel apreendido nos presentes autos é manifestamente superior ao passivo dos devedores e notoriamente suficiente à sua satisfação.

6. Ademais, mesmo após a declaração de insolvência, familiares dos devedores foram liquidando as prestações mensais bancárias de amortização do crédito á habitação, de forma a que este permanecesse em situação regular.

7. Fora isso, a vida dos devedores melhorou substancialmente, já que, o insolvente marido, que esteve bastante tempo desempregado, logrou obter um posto de trabalho e passou a auferir um rendimento mensal de €760,00, agora atualizado para €820,00, por força do aumento do valor do salário mínimo nacional (conforme cópia do contrato de trabalho que foi junto aos autos em requerimento de 18.09.2023).

8. A partir dessa data, para além do imóvel, cujo crédito bancário está em cumprimento e regular (o qual representa 53,14% do total do passivo reclamando nos presentes autos), os insolventes reuniram um rendimento mensal que lhes deu capacidade para renegociar as suas dividas.

9. De forma que, fizeram chegar ao processo o plano de pagamentos estabelecido com dois dos maiores credores – CC e o Condomínio ..., cujos créditos representam 23% do valor total do passivo.

10. Acresce que, na impossibilidade de obterem a anuência da AT, encontram-se a efetuar pagamentos por conta e esperam negociar as demais dividas reclamadas (as quais representam menos de 20% do passivo total identificado nos presentes autos) mal tenham capacidade mensal de pagamento para o fazerem, o que acontecerá logo que terminem o pagamento mensal de uma das dividas ou, em último caso, consigam reunir a ajuda de um familiar.

11. Certo é que, o imóvel de que são proprietários tem valor capaz de satisfazer todo o passivo reclamado nos presentes autos e pode constituir garantia de pagamento de uma divida cuja liquidação faseada não se revele aceite pelo credor.

12. Desta feita, os insolventes consideram que deixaram de estar numa situação de insolvência, já que se encontram a cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas e que têm capacidade financeira para prover ao cumprimento das que ainda não conseguiram negociar (as quais representam, como já se disse, uma minoria, pois são inferiores a 20% do total do passivo).

13. Ou seja, os devedores consideram que o processo de insolvência deverá ser encerrado, porque, e utilizando as sábias palavras de Menezes Leitão, in Direito de Insolvência, 6ª Ed., Pág. 279, “no decurso do processo cessaram os pressupostos que desencadearam a própria situação de insolvência”.

14. Salvo o devido respeito, os devedores consideram que o seu ativo é superior ao seu passivo e que a alteração das condições laborais do devedor marido, que passou de desempregado a trabalhador por conta de outrem, conferiu estabilidade financeira ao casal que lhes permite, agora, negociar com os seus credores e liquidar as suas obrigações vencidas, estando ao seu alcance, inclusive, utilizar a fração autónoma de que são proprietários como garantia desses acordos, dado que o seu valor de mercado acrescerá pelo menos em dobro ao valor do crédito hipotecário.

15. Pelo exposto e salvo o devido respeito, os recorrentes consideram que o despacho recorrido não está conforme aos princípios gerais do direito e ao disposto nos artigos 3, n.º 3 e 230, n.º 1, a) do CIRE.


*

A Massa Insolvente respondeu concluindo da seguinte forma:

A) Vieram os Recorrentes requerer o encerramento do processo de insolvência nos termos da alínea c) do n.º 1, art.º 230.º, do CIRE.

B) Alegando que por um lado o seu ativo é superior ao passivo, por outro porque se encontram numa situação regular.

C) O art.º 231.º do CIRE e, em concretização da al. c), do art.º 230.º do CIRE, duas possibilidades de encerramento por iniciativa/pedido do próprio devedor: porque deixou de estar verificada a sua situação de insolvência ou quando, não obstante a manutenção da situação, todos os credores anuem ao seu encerramento,

D) Anuência que tem de ser acompanhada de documentos que comprovem o consentimento de todos os credores que hajam reclamado;

E) O que não ocorreu nem se demostra a inexistência da insolvência;

F) Permanecendo a sua incapacidade em satisfazer as obrigações por ausência de liquidez, e não pela insuficiência patrimonial;

G) Nem ocorreu qualquer liquidação aos valores reclamados por forma a que cessasse a condição de insolvência decretada aos Recorrentes;

H) E, mesmo que tenham sido regularizadas as prestações bancárias para amortização bancária, pelos seus familiares, tal não faz com que os Recorrentes tenham capacidade financeira pelo contrário, atesta a sua incapacidade financeira;

I)Concluindo-se que o exposto pelos Recorrentes não é motivo para afastar a situação de insolvência nem para ser declarado o encerramento do processo nos termos do art.º 230.º n.º 1 alínea c) e art.º 231 do do CIRE.


*

II—Delimitação do Objecto do Recurso

A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o processo de insolvência pode ser encerrado, a pedido dos devedores.


*

III—FUNDAMENTAÇÃO (dão-se por reproduzidos os actos processuais acima descritos)

*

IV-DIREITO

A declaração de insolvência do devedor pode ser requerida, segundo o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do CIRE, por qualquer credor, como sucedeu neste caso, por ter sido da iniciativa do credor condomínio do prédio onde residem, cujo crédito ascende à quantia de 12.279,58€, por falta de pagamento das quotizações e demais encargos a que se encontravam adstritos.

Após a declaração de insolvência, os devedores, por considerarem que já não se encontram nessa situação, alegando que retomaram o pagamento das prestações bancárias e que estão em negociações com o condomínio, requereram a extinção do processo.

Por duas vezes o tribunal advertiu os devedores no sentido que deviam obter a concordância de todos os credores, o que não sucedeu, razão pela qual foi indeferido o pedido de encerramento e extinção do presente processo de insolvência.

Nesta instância recursiva defendem que não se encontram em situação de insolvência não só porque o valor do imóvel apreendido nos presentes autos é manifestamente superior ao passivo mas também atendendo a que familiares foram liquidando as prestações mensais bancárias de amortização do crédito á habitação, e o insolvente, que esteve bastante tempo desempregado, logrou obter um posto de trabalho, passando a auferir um rendimento mensal de €760,00, agora atualizado para €820,00.

Por conseguinte, cumpre decidir se os pressupostos previstos no artigo 230.º, n.º 1, al. c) do CIRE, se encontram preenchidos, ou seja, se o devedor deixou de se encontrar em situação de insolvência ou se obteve a concordância de todos os credores relativamente ao encerramento do processo.

Relativamente a este último fundamento (consentimento de todos os credores), que determinou o indeferimento da pretensão dos devedores, é manifesto que não se verifica, sendo tal aceite pelos Recorrentes.

Com efeito, os devedores não demonstraram nos autos o cumprimento do disposto no art. 231.º, n.º 2 do CIRE, o qual exige que o pedido de encerramento seja acompanhado de documentos que comprovem o consentimento de todos os credores que tenham reclamado os seus créditos.

Porém, cumpre sublinhar que os devedores não requereram o encerramento do processo com base no consentimento dos credores mas sim por entenderem que já deixaram de estar numa situação de insolvência e que consubstancia um fundamento diferente daquele.

Ora, na hipótese de ser invocada a cessação da situação de insolvência, o pedido de encerramento, com esse fundamento, deve, nos termos do art. 231.º, n.º 1 do CIRE, ser notificado aos credores para que estes, querendo, deduzirem oposição, no prazo de oito dias, aplicando-se o disposto no art. 41.º, n.º 3 e 4 que se refere ao processamento e julgamento dos embargos.

Segundo o art. 25.º, n.º 2 do CIRE ex vi art. 41.º, n.º 3, o requerente deve oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas.

Após a oposição, se houver, e à produção da prova que deva ser realizada antecipadamente, procede-se à audiência de julgamento dentro dos cinco dias imediatos, com o formalismo estabelecido no art. 35.º, n.º s 5 a 8-cfr. art. 41.º, n.º 4 do CIRE.

Os devedores, para provarem o novo vínculo profissional do insolvente, juntaram cópia do contrato de trabalho e do plano de pagamentos que acordaram com dois dos credores-CC e o Condomínio ....

Alegaram que estão a pagar as prestações bancárias e que, “na impossibilidade de obterem a anuência da AT, encontram-se a efetuar pagamentos por conta e esperam negociar as demais dividas reclamadas mal tenham capacidade mensal de pagamento para o fazerem, o que acontecerá logo que terminem o pagamento mensal de uma das dividas ou, em último caso, consigam reunir a ajuda de um familiar.”

É justamente na sua alegada actual solvência que radica o pedido dos devedores para que seja encerrado e extinto o processo de insolvência, evitando, desta forma, a venda do imóvel onde residem que, segundo os próprios, garante a satisfação das dívidas.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Nesta conformidade, a declaração de insolvência depende da verificação de algum dos seguintes factos-índice, previstos no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) e b) do CIRE: suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas e falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do seu incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

Esta impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas constitui “(o) único pressuposto objectivo da declaração de insolvência (…), sendo os factos-índice meros fundamentos necessários mas não suficientes do requerimento de declaração de insolvência do devedor”[1].

Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[2] salientam, na anotação ao referido art.º 3.º, que desde há muito que tem sido pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas.

Acrescentando que “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. (negrito nosso)

No domínio deste quadro normativo, ao credor incumbe alegar e provar (sumariamente[3]) factos susceptíveis de integrar qualquer um daqueles “factos-índice”, e ao devedor, nos termos do art. 30.º, n.º 4 do CIRE, ilidir esta presunção, alegando e demonstrando a sua solvência.

Como tivemos oportunidade de constatar, ainda não foi dado cumprimento ao formalismo processual, previsto na lei, para o incidente de cessação da situação de insolvência no âmbito do qual será discutida a alegada solvência actual dos devedores.

Afigura-se-nos que ocorreu efectivamente omissão de pronúncia quanto ao fundamento invocado pelos devedores para obter o encerramento do processo de insolvência-cfr. art. 615.º, n.º 1, al. do C.P.Civil.

Nas palavras de Abrantes Geraldes[4] “(…) a anulação da decisão (vg. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários.”[5]

Em suma, esta nulidade não poderá ser suprida por este Tribunal, de acordo com a regra estabelecida no art. 665.º, n.º 1 do CPC, atendendo à necessidade de cumprimento do princípio de contraditório e da eventual produção da prova oferecida no âmbito do incidente.


*

V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar nula a decisão impugnada por omissão de pronúncia, devendo o incidente prosseguir os trâmites processuais da cessação da situação de insolvência.

Custas pela Massa Insolvente.

Notifique.

Porto, 4/6/2024
Anabela Miranda
Lina Baptista
Rodrigues Pires
______________
[1] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução, 3ª ed. Almedina, pág. 25.
[2] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, pág. 86.
[3] Neste sentido, Ac. STJ de 31/01/2006 disponível em www.dgsi.pt.
[4] Recursos No Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 277.
[5] No mesmo sentido, v. entre outros Ac. STJ de 18/01/2021 (Rel. Jorge Dias) disponível em www.dgsi.pt