COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRIBUNAL COMPETENTE
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
REVISÃO DA SITUAÇÃO DO REQUERIDO
Sumário

I - A competência para a tramitação normal do processo de internamento compulsivo (salvo o caso de detido em EP e de internamento de urgência/confirmação do internamento), decorre no tribunal da área de residência do requerido.
II - Em caso de mudança de residência do requerido a lei não prevê que outro tribunal passe a ser o competente (nomeadamente o tribunal/ juízo com jurisdição nessa área de residência);
III - A regra de competência estabelecida no artº 34º LSM como ali expressamente se prevê “para efeitos do disposto no presente capítulo, é competente:” é para todo o processo, até ao seu final, incluindo por isso todas as revisões a que haja de se fazer em novas e periódicas apreciações sobre a situação do requerido.

Texto Integral

Proc. Intern. Compulsivo nº 6856/15.5T8VNG-A.P1
TRP – 1ª Secção Criminal

Conflito Negativo de Competência







No Proc. Internamento Compulsivo nº 6856/15.5T8VNG-A.P1 a correr no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1 em que é requerido AA, foi decidido sujeitar o requerido a tratamento compulsivo em regime ambulatório, sendo a residente do mesmo na área de Vila Nova de Gaia.
Posteriormente em 5/2/2024 na sequência da necessidade de notificação do requerido, verificou-se que o mesmo já não reside naquela morada, mas na Rua ..., ..., ... Santa Maria da Feira, o Mº juiz declarou-se incompetente para o prosseguimento destes autos, face à mudança de residência do requerido e remeteu o processo para o tribunal da área de residência atual.
Recebidos os autos no Tribunal da Comarca de Aveiro, Juízo local Criminal de Santa Maria da Feira o Porto - Juiz 2, o Mº juiz considerou que o tribunal competente é o da área de residência à data da instauração do processo e decisão conjunta de prova e irrelevantes quaisquer alterações posteriores na falta de precisão legal e como tal declarou-se incompetente para o prosseguimento do processo.

Enviado a este tribunal da Relação o apenso de conflito, foram notificados os sujeitos processuais (artº 36º 1 CP), para alegarem.
A ilustre PGA emitiu parecer no sentido de a competência ser deferida ao Tribunal de Aveiro – Juízo Local de Santa Maria da Feira, como local da atual residência

Não ocorreram outras respostas.
Cumpre decidir.
Consta dos autos.
- Por decisão do Mº Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, em 20/8/2015 o requerido foi sujeito a tratamento compulsivo em regime ambulatório, e então residia na Rua ..., ..., .... ... Vila Nova de Gaia.
- Em 5/2/2024 a GNR, na sequência de um pedido de notificação do requerido, veio informar que o requerido residia na Rua ..., ..., ... Santa Maria da Feira.
Conhecendo:
Nos termos do n.º 1 do art.º 34º do CPP“Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido”, caso em que estaremos perante um conflito negativo, que importa redimir.
Assim:
Dispõe o artº 12º nº 5 CPP que “Compete aos presidentes das secções criminais das relações, em matéria penal:
a) Conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de 1.ª instância do respectivo distrito judicial;
e o artº 76 da LOSJ (Lei 62/2013) que “2 - O presidente do tribunal da Relação é competente para conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de comarca da área de competência do respetivo tribunal ou entre algum deles e um tribunal de competência territorial alargada sediado nessa área, podendo delegar essa competência no vice-presidente.”
E em face da aplicação subsidiária do CPP prevista no artº 37º LSM (Lei 35/2023), compete ao Tribunal da Relação a resolução do conflito, e bem assim a aplicação das regras do CPP aos casos omissos.
Ora a LSM, dispõe no seu artº 34º que:
1 - Sem prejuízo dos números seguintes, para efeitos do disposto no presente capítulo, é competente:
a) O juízo local criminal com competência na área de residência do requerido, ou o juízo de competência genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal;
b) O tribunal de execução das penas quando o requerido estiver em prisão ou internamento preventivos ou em cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - Nos casos previstos no n.º 1 do artigo 31.º, é competente o juízo local criminal com competência na área do serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria, ou o juízo de competência genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 31.º, as comunicações e as remessas são feitas ao Ministério Público com competência na área em que se iniciou a condução da pessoa.”
Daí resulta que a tramitação normal do processo de internamento compulsivo (salvo o caso de detido em EP e de internamento de urgência/confirmação do internamento), decorre no tribunal da área de residência do requerido.
Pese embora, se pudesse considerar o processo em causa de natureza de jurisdição voluntária face à reversibilidade / alterabilidade da decisão, não estivesse em questão a liberdade do requerido (razão da competência dos juízos criminais), o certo é que a lei manda aplicar subsidiariamente a lei processual penal e não a lei processual civil, nem a lei de Saúde Mental prevê o envio do processo em função da área de residência do requerido em cada momento, para além da competência inicial estabelecida aquando da instauração do processo.
A regra estabelecida no artº 34º LSM como ali expressamente se prevê “ para efeitos do disposto no presente capítulo, é competente:” é para todo o processo, até ao seu final, incluindo por isso todas as revisões a que haja de se fazer em novas e periódicas apreciações sobre a situação do requerido, pois o capitulo em causa (Capitulo IV), inclui todo o processo e pela aplicação subsidiária do CPP ( artº 37º) não ocorrem alterações de competência após a decisão inicial sobre a situação do requerido (submissão ou não a tratamento), pelo que a competência se fixou tendo em conta a residência do requerido na altura da intervenção do tribunal. Assim é irrelevante a ulterior mudança de residência do requerido.
Poderá parecer uma decisão demasiado formalista, mas o certo é que podendo a lei prever uma situação diversa e idêntica à existente em outras situações (proteção de crianças e jovens e anterior OTM) o certo é que não o fez e antes determinou a aplicação subsidiária das regras do processo penal, onde a mudança de residência do visado é irrelevante no decurso do processo. O local de tratamento ou a submissão a novas avaliações psiquiátricas, atenta a especificidades destas e os meios telemáticos de comunicação, não impõem um olhar diverso sobre a competência fixada.

*


Pelo exposto, dirimindo o conflito de competência, decido julgar competente para continuação dos procedimentos ao tramitar do Proc. Internamento Compulsivo nº 6856/15.5T8VNG-A.P1 o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, onde decorre.

Cumpra, de imediato, o disposto no n.º 3 do art.º 36º CPP.

Sem Custas.

DN







Porto, 17.6.2024
José A. V. Carreto