INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ALIMENTOS
ENSINO PARTICULAR
Sumário

- As responsabilidades parentais, pela sua origem (relação de filiação) e natureza jurídica (um conjunto de poderes-deveres, estruturados tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor), não se compadecem com uma visão estritamente contratualista, inexistindo o sinalagma funcional que é pressuposto da invocação da excepção de não cumprimento do contrato;
-Não tem justificação a invocação por parte da progenitora de que não cumpre a obrigação de alimentos, porque o recorrido decidiu, contra a sua vontade, inscrever a menor num estabelecimento de ensino privado.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
           
I. Relatório
HA intentou contra HS incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, relativamente à filha menor de ambos, MA, nascida em 15 de Setembro de 2007, pedindo a realização de todas as diligências necessárias para o cumprimento cabal do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais da MA, nomeadamente o pagamento dos valores em dívida, a título de comparticipação nas despesas de educação.
Regularmente notificada, a Requerida apresentou alegações, pugnando, em suma, pela improcedência do pedido formulado pelo Requerente.
Procedeu-se à audição da jovem MA e foi realizada conferência de pais, na qual os progenitores alcançaram acordo, tendo os autos prosseguido na parte relativa aos alimentos/ comparticipação nas despesas.
As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 4, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 7, ambos do RGPTC, tendo apresentado alegações e requerimentos probatórios.
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme se infere da respectiva acta.
Em 13/02/2014 foi proferida sentença, com o seguinte conteúdo decisório:
Face ao exposto, e ao abrigo das normas legais citadas, decido julgar parcialmente procedente o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, em que é Requerente HA e Requerida HS e, em consequência:
 A) Declarar verificado o incumprimento da Requerida, quanto à comparticipação de 20 % nas despesas de educação da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia”, no ano lectivo 2022/ 2023, no valor de 1.364,32 euros, acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
***
Inconformada, a requerida HS interpôs recurso de apelação para esta Relação e formulou na sua alegação as seguintes conclusões:
1. A decisão sobre a frequência, por menor, de estabelecimento de ensino público ou de ensino privado é, consensualmente, uma decisão de particular importância para a vida da menor, que carece do acordo de ambos os progenitores.
2. A recorrente oportunamente informou o recorrido da sua oposição a que a filha de ambos frequentasse estabelecimento de ensino provado no ano letivo de 2022/2023.
3. O recorrido, porém, unilateralmente inscreveu a menor em estabelecimento de ensino provado para ao ano letivo de 2022/2023.
4. Violou, assim, o regime de responsabilidades parentais.
5. Não tem, consequentemente, direito a exigir da recorrente o pagamento do que quer que seja relativamente aos custos da sua unilateral decisão, violadora do regime de responsabilidades parentais.
O recorrido HA apresentou contra alegações, nas quais deduziu as seguintes conclusões:
A. A douta sentença recorrida, não merece qualquer censura, por clara, inequívoca e bem fundamentada de facto e de direito, devendo ser mantida, nos seus precisos termos.
B. Inexiste diferendo entre a opção de ensino privado e ensino público; ambos os progenitores entendem que, é da maior relevância para a vida da filha, a continuação de frequência no “Colégio de Santa Doroteia”.
C. A MA frequenta o ensino privado há sete anos por opção de ambos os progenitores, bem sabendo ambos que, as renovações de matrículas se realizam no mês de Março de cada ano.
D. A decisão de manter a frequência da MA no “Colégio de Santa Doroteia” é consensual e não unilateral, argumento para nada pagar.
E. A recorrente 6 (seis) meses após a renovação de matrícula da filha (em 22 de Setembro de 2022), aquando da remessa da primeira factura do Colégio para comparticipar com 20% do valor, comunicou ao recorrido, que não pagava.
F. A recorrente em momento algum, manifestou vontade de alteração do estabelecimento de ensino da sua filha.
G. A obrigação da recorrente, na eventualidade de não lhe sobejar dinheiro para comparticipar no pagamento da mensalidade do Colégio que a filha frequenta, é pedir alteração do regime acordado por ambos os progenitores.
H. A recorrente incumpriu, quando unilateralmente, decidiu não comparticipar nas despesas de ensino e actividades extracurriculares da filha e foi doutamente condenada a cumprir.
O Ministério Público contra alegou nos seguintes termos:
1. A douta sentença proferida pela Mmª Juiz, fez correta avaliação da factualidade e correta aplicação da lei.
2. A jovem MA frequenta o Colégio de Santa Doroteia desde o 5.º ano de escolaridade.
3. Em 18 de janeiro de 2022 os progenitores da MA acordaram que a filha continuasse a frequentar o referido colégio.
4. A progenitora concorda que a filha continue a frequentar tal colégio apenas não pretende comparticipar no pagamento.
5. Em momento algum intentou o incidente previsto no artigo 44.º do RGPTC referente à resolução da questão de particular importância – escolha entre a frequência do ensino privado ou público.
6. Considerando que a progenitora alega não poderia já suportar o pagamento dos 20% do colégio frequentado pela filha, embora concorde com a sua frequência, poderia por outro lado de ter suscitado uma alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais, o que também não fez.
7. A questão em litígio é tão somente a seguinte: os progenitores, concordando ambos na frequência escolar da filha, mas a progenitora pretende que seja o progenitor pagar a totalidade dessa frequência, alegando que o outro se encontra em melhor situação financeira para suportar essa despesa.
8. Atento o regime de regulação das responsabilidades parentais que vigorava o certo é que nenhuma outra decisão deveria ter sido proferida, senão a condenação da recorrente.
9. A recorrente incumpriu ao não proceder ao pagamento em causa tendo consequentemente sido condenada a cumprir.
10. Afigura-se-nos, assim, que nenhuma outra decisão deveria ter sido proferida.
11. A douta sentença recorrida fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que deve ser mantido.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver é a da verificação da situação incumprimento da obrigação de alimentos/ comparticipação nas despesas, por parte da Requerida/recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
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III. Os factos
A factualidade a ter em conta é a seguinte:
1. MA nasceu no dia 15 de Setembro de 2007, tendo actualmente 16 anos de idade.
2. A jovem MA é filha de HA e de HS, Requerente e Requerida, respectivamente, nos presentes autos.
3. Nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que correram termos neste Juiz 1 sob o n.º 19185/21.8T8LSB - Apenso A, por acordo dos pais homologado por sentença proferida em 18 de Janeiro de 2022, transitada em julgado, foi fixado o seguinte regime:
«1. A menor MA, fixa a residência junto do pai.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, sendo as da vida corrente pelo progenitor com quem a menor se encontrar.
3. No presente ano letivo 2021/2022, o cargo de encarregado de educação será exercido pela mãe, no próximo ano letivo 2022/2023 pelo pai, e assim sucessiva e alternadamente.
4. Os pais autorizam-se reciprocamente a viajar com a filha MA dentro do espaço Schengen e Reino Unido, devendo o progenitor que pretende viajar, comunicar ao outro progenitor, com uma antecedência mínima de 15 dias, as datas de partida e chegada, local de destino, forma de contacto e meio de transporte.
4.1. As viagens da menor para ao estrangeiro, fora do espaço Schengen e do Reino Unido, carecem de autorização escrita de ambos os progenitores.
5. A MA poderá conviver com a mãe, em fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, indo para o efeito a progenitora recolher a filha à sexta-feira, ao colégio, no final das atividades letivas, entregando-a na segunda feira-seguinte, no mesmo local, no início das atividades letivas.
6. A mãe poderá ainda conviver com a filha durante a semana, combinando previamente com a mesma o respetivo dia e horário.
7. As férias escolares do Natal da menor, serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que no ano de 2022, a primeira semana até ao dia 25 de dezembro, pelas 11 horas, será passada com o pai, e a segunda semana será passada com a mãe, alternando nos anos seguintes.
8. Nas férias escolares da páscoa, a menor passará de forma igualitária o mesmo período de tempo com cada um dos progenitores. Na falta de acordo, a mãe escolhe em primeiro lugar nos anos pares e o pai escolhe em primeiro lugar nos anos ímpares.
9. As férias escolares do carnaval, serão passadas com cada um dos progenitores, de forma alternada, sendo que no ano de 2022 serão passadas com a mãe e no ano de 2023 com o pai.
10. Nas férias escolares de verão, a menor passará pelo menos 15 dias seguidos com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos, até finais de março de cada ano. Na falta de acordo, a mãe escolhe em primeiro lugar nos anos pares e o pai escolhe em primeiro lugar nos anos ímpares.
11. No dia de aniversário da menor, a mesma tomará uma refeição com cada um dos progenitores, respeitando os horários e actividades escolares.
12. No dia de aniversário do pai, da mãe e no dia do pai e da mãe, a menor passará o dia com o respectivo progenitor/aniversariante, respeitando os horários e actividades escolares.
13. A título de alimentos a favor da filha, a mãe contribuirá com a quantia de 100,00€ mensais, a entregar ao pai, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta bancária que o progenitor indicar.
14. As despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde, e as despesas de educação, serão pagas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, mediante a apresentação do comprovativo pelo progenitor que efetuar a despesa.
14. As despesas com as atividades extra curriculares da menor, desde que previamente acordadas por ambos os progenitores, serão suportadas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, acordando desde já que a mãe comparticipe nas aulas de piano. Na falta de acordo o progenitor que inscrever a menor suportará o respetivo pagamento.»
4. Em 29 de Janeiro de 2023, o progenitor HA instaurou o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
5. Em 27 de Junho de 2023, em sede de conferência de pais realizada no âmbito dos presentes autos, por acordo dos progenitores, homologado por sentença proferida nessa data, transitada em julgado, ficou estipulado que:
«1. A menor MA, fixa a residência junto do pai.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, sendo as da vida corrente pelo progenitor com quem a menor se encontrar.
2.1 Os pais definem como questões de particular importância dependentes de decisão conjunta:
a) Alteração da residência da menor para fora da área metropolitana de lisboa ou para o estrangeiro;
b) Intervenções cirúrgicas que coloquem em risco a vida e a integridade física da filha;
c) Opção entre o ensino público e o ensino privado;
3. O pai exercerá as funções de encarregado de educação da filha.
4. Os pais autorizam-se reciprocamente a viajar com a filha MA dentro do espaço Schengen e Reino Unido, devendo o progenitor que pretende viajar, comunicar ao outro progenitor, com uma antecedência mínima de 15 dias, as datas de partida e chegada, local de destino, forma de contacto e meio de transporte.
4.1. As viagens da menor para ao estrangeiro, fora do espaço Schengen e do Reino Unido, carecem de autorização escrita de ambos os progenitores.
5. A MA poderá conviver com a mãe, em fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, indo para o efeito a progenitora recolher a filha à sexta-feira, ao colégio, no final das atividades letivas, entregandoa na segunda feira-seguinte, no mesmo local, no início das atividades letivas.
5.1 Fora do período letivo, as recolhas e as entregas serão feitas pela mãe na casa do pai, pelas 17:00 horas, sem prejuízo de acordarem de forma diferente.
6. A mãe poderá ainda conviver com a filha durante a semana, combinando previamente com a mesma o respetivo dia e horário.
7. As férias escolares do Natal da menor, serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que no ano de 2022, a primeira semana até ao dia 25 de dezembro, pelas 11 horas, será passada com o pai, e a segunda semana será passada com a mãe, alternando nos anos seguintes.
8. Nas férias escolares da páscoa, a menor passará de forma igualitária o mesmo período de tempo com cada um dos progenitores. Na falta de acordo, a mãe escolhe em primeiro lugar nos anos pares e o pai escolhe em primeiro lugar nos anos ímpares.
8.1 As recolhas e entregas da filha serão efetuadas às 17:00 horas, indo o progenitor que iniciar as férias, recolher a filha em casa do outro progenitor, sem prejuízo de os pais acordarem de forma diferente.
9. As férias escolares do carnaval, serão passadas com cada um dos progenitores, de forma alternada, sendo que no ano de 2022 serão passadas com a mãe e no ano de 2023 com o pai.
9.1 As recolhas e entregas da filha serão efetuadas às 17:00 horas, indo o progenitor que iniciar as férias, recolher a filha em casa do outro progenitor, sem prejuízo de os pais acordarem de forma diferente.
10. Nas férias escolares de verão, a menor passará pelo menos 15 dias seguidos com a mãe, a acordar entre ambos, até finais de março de cada ano. Na falta de acordo, a mãe escolhe em primeiro lugar nos anos pares e o pai escolhe em primeiro lugar nos anos ímpares.
10.1. A mãe irá recolher e entregar a filha na casa de morada de família, pelas 17:00 horas.
11. No dia de aniversário da menor, a mesma tomará uma refeição com cada um dos progenitores, respeitando os horários e atividades escolares.
12. No dia de aniversário do pai, da mãe e no dia do pai e da mãe, a menor passará o dia com o respetivo progenitor/aniversariante, respeitando os horários e atividades escolares.
13. A título de alimentos a favor da filha, a mãe contribuirá com a quantia de 100,00€ mensais, a entregar ao pai, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária, para a conta bancária que o progenitor indicar.
14. As despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde, e as despesas de educação, serão pagas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, mediante a apresentação do comprovativo pelo progenitor que efetuar a despesa.
 15. As despesas com as atividades extracurriculares da menor, desde que previamente acordadas por ambos os progenitores, serão suportadas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, acordando desde já que a mãe comparticipe nas aulas de piano. Na falta de acordo o progenitor que inscrever a menor suportará o respetivo pagamento.»
6. Em 27 de Junho de 2023, em sede de conferência de pais realizada no âmbito dos presentes autos, por acordo provisório dos progenitores, homologado por decisão proferida nessa data, ficou estipulado que:
«1. A MA continuará a frequentar o colégio de Santa Doroteia, no próximo ano letivo 2023/2024.
2. O pai suportará integralmente as despesas inerentes ao colégio, no próximo ano letivo 2023/2024.»
7. A jovem MA frequenta o estabelecimento de ensino privado “Colégio de Santa Doroteia”, em Lisboa, onde se mantém desde o seu 5.º ano de escolaridade até à actualidade.
8. No presente ano lectivo 2023/ 2024, a jovem MA frequenta o 11.º ano de escolaridade, na área das humanidades, no referido “Colégio de Santa Doroteia”.
9. No ano lectivo de 2022/ 2023, o progenitor efectuou o pagamento das despesas da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia”, no valor total de 6.821,62 euros, correspondentes a:
- Setembro de 2022: 611,00 euros;
- Outubro de 2022: 692,62 euros;
- Novembro de 2022: 687,50 + 36,00 euros;
- Dezembro de 2022: 681,50 euros;
- Janeiro de 2023: 709,50 euros;
- Fevereiro de 2023: 709,50 euros;
- Março de 2023: 709,50 euros; - Abril de 2023: 659,50 euros;
- Maio de 2023: 709,50 euros; - Junho de 2023: 615,50 euros.
10. O Requerente enviou à Requerida os comprovativos das despesas da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia” supra identificadas.
11. No ano lectivo de 2022/ 2023, através de mensagem de correio electrónico, a progenitora opôs-se à frequência pela filha MA, quer do colégio privado, quer da actividade da ginástica acrobática.
12. Até à presente data, a progenitora não requereu ao Tribunal providência tutelar cível para resolução de diferendo por falta de acordo dos pais em questões de particular importância, nomeadamente quanto à alteração do estabelecimento de ensino frequentado pela sua filha menor MA.
13. Apesar de interpelada para o efeito, a progenitora Requerida não pagou ao progenitor Requerente o montante de 1.364,32 euros, correspondente a 20 % do valor total de 6.821,62 euros, das despesas da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia, no ano lectivo de 2022/ 2023.
14. O progenitor Requerente exerce a actividade profissional de técnico comercial, por conta de “Ale Internacional- Sucursal Portugal”, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca 3.951,08 euros.
15. A progenitora Requerida exerce a actividade profissional de professora do 1.º Ciclo, na Escola EB Pintor Almada Negreiros, auferindo o vencimento mensal líquido de cerca de 1.510,50 euros.
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IV. O mérito do recurso
O Direito
Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão da recorrente, à luz do mesmo.
Com o presente recurso, pretende a recorrente reverter em seu favor a decisão do Tribunal de 1ª instância que declarou verificado o incumprimento da requerida/recorrente, quanto à comparticipação de 20 % nas despesas de educação da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia”, no ano lectivo 2022/ 2023, e decretou medidas com vista ao cumprimento coercivo daquela comparticipação.
O art. 41.º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), define o “Incumprimento” de acordo com a seguinte previsão:
«1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
(…)
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
(…)»
Por sua vez, o artigo 42.º regula a alteração do regime das responsabilidades parentais, estabelecendo:
«1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2 - O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e:
(…)
4 - Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
5 - Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º.
6 - Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias.»
Temos assim que o processo de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação de uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido - trata-se de um incidente de incumprimento do acordado, ou decidido, relativamente a qualquer questão do regime de regulação das responsabilidades parentais.
Como bem sintetizou o Ac. da Relação de Lisboa de 26-05-2022, desta secção (6ª): O “incumprimento” para efeitos do artº 41º nº 1 do RGPTC há-de consistir: (i) na inobservância, por um dos progenitores (ou por terceiro) de um dos deveres que para ele resulta do Regime Fixado da Regulação das Responsabilidades Parentais; (ii) que seja um não cumprimento imputável (causado com dolo ou negligência); (iii) que revista alguma gravidade/relevância; (iv) aferida à luz do Superior Interesse da Criança/menor e do direito/dever do outro progenitor (Ac. proferido no proc. 2626/19.0T8GMR-I.L1-6, versão integral em www.dgsi.pt).
Quanto à questão aqui em análise- o incumprimento da recorrente, quanto à comparticipação de 20 % nas despesas de educação da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia”, no ano lectivo 2022/ 2023-, convém sublinhar a pauta jurídica vigente ao tempo do alegado incumprimento que, para o que aqui interessa, era a seguinte:
3. Nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que correram termos neste Juiz 1 sob o n.º 19185/21.8T8LSB - Apenso A, por acordo dos pais homologado por sentença proferida em 18 de Janeiro de 2022, transitada em julgado, foi fixado o seguinte regime:
(…)
14. As despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde, e as despesas de educação, serão pagas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, mediante a apresentação do comprovativo pelo progenitor que efetuar a despesa. (sublinhado nosso)
5. Em 27 de Junho de 2023, em sede de conferência de pais realizada no âmbito dos presentes autos, por acordo dos progenitores, homologado por sentença proferida nessa data, transitada em julgado, ficou estipulado que:
(…)
14. As despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada por qualquer subsistema de saúde, e as despesas de educação, serão pagas na proporção de 20% pela mãe e 80% pelo pai, mediante a apresentação do comprovativo pelo progenitor que efetuar a despesa. (sublinhado nosso)
Não restam, pois, dúvidas que na ocasião do incumprimento denunciado pelo progenitor/recorrido, a recorrente, no que concerne ao ano lectivo de 2022/2023, não efectuou as comparticipações a que estava obrigada quanto às despesas da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia”, melhor discriminadas no ponto 9 da factualidade assente.
Considerando que, o recorrido enviou à recorrente os comprovativos das despesas da filha menor MA, relativas à frequência do “Colégio de Santa Doroteia” supra identificadas, não pode deixar de considerar-se doloso o incumprimento daquela, e tratando-se de despesas realizadas no âmbito do processo de formação escolar da menor no qual ambos os progenitores devem participar activa e proactivamente, o incumprimento é grave e lesivo do interesse da menor.
Deu-se como assente que no ano lectivo de 2022/ 2023, através de mensagem de correio electrónico, a progenitora opôs-se à frequência pela filha MA, quer do colégio privado, quer da actividade da ginástica acrobática, ainda segundo a recorrente, o recorrido por unilateralmente ter inscrito a menor naquele colégio, violou o regime das responsabilidades parentais.
 Não ignoramos que, tal como referido na sentença sob sindicância, a opção pelo ensino particular ou oficial para a escolaridade do filho, constitui questão de particular importância e, de acordo com o regime das responsabilidades parentais em vigor, as questões de particular importância para a vida da filha, são exercidas em comum por ambos os progenitores pelo que a decisão de permanência da menor num colégio privado deveria ter sido consensualizada entre recorrente e recorrido.
Todavia, continuamos a considerar a melhor jurisprudência, aquela segundo a qual,   as responsabilidades parentais, pela sua origem (relação de filiação) e natureza jurídica (um conjunto de poderes-deveres, estruturados tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor), não se compadecem com uma visão puramente contratualista, inexistindo o sinalagma funcional que é pressuposto da invocação da excepção de não cumprimento do contrato (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-06-2009, proferido no proc. 238-A/2001.C1, versão integral em www.dgsi.pt).
Não tem justificação, pois, a invocação por parte da progenitora, aqui recorrente, de que não cumpre a obrigação de alimentos porque o recorrido decidiu, contra a sua vontade, inscrever a menor num estabelecimento de ensino privado, essa falta de justificação é tanto mais evidente se pensarmos que  a jovem MA (actualmente com 16 anos de idade) frequenta o estabelecimento de ensino privado “Colégio de Santa Doroteia” desde o seu 5.º ano de escolaridade até à actualidade (11.º ano de escolaridade). Pelo que, caso a progenitora pretendesse a alteração do estabelecimento de ensino frequentado pela sua filha menor (designadamente para uma escola pública), deveria ter requerido ao Tribunal a resolução do diferendo, instaurando a providência tutelar cível expressamente prevista no citado artigo 44.º, do RGPTC, o que não se verificou até à data da prolacção da decisão recorrida.
Em face do exposto, não beneficia a recorrente de qualquer causa legítima que exclua a sua culpa no incumprimento verificado.
Deverá, pois, improceder a presente apelação.

V. Decisão                                                          
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente a presente apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (art. 539º nº 4 do CPC).
Registe e notifique.

Lisboa, 20-06-2024,
João Brasão
Jorge Almeida Esteves
Vera Antunes