PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
EXECUÇÃO CONTRA UM DOS CÔNJUGES
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DA PENHORA
Sumário

1. – Correndo a execução contra apenas um dos cônjuges e tendo-se procedido à penhora de bens comuns do casal, importa proceder à citação do outro cônjuge, nos termos e para efeitos do artº 740º,nº1, do CPC;
2.- A citação referida em 1. não pode ser dispensada caso exista já uma decisão de divórcio do ex-casal, mas não tenha ainda sido efectuada a partilha dos bens comuns do dissolvido casal ;
3. – A falta da citação referida em 2. e existindo a penhora de bens comuns do ex-casal não determina a anulação da referida penhora ,mas apenas dos actos subsequentes e daquela dependentes que contendam com os direitos processuais do ex-cônjuge do executado não citado;

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1. - Relatório                        
Intentada em 2009 acção executiva por A [ Banco ….S.A. ] , contra  B, C, D, E, F e G, com vista a cobrança coerciva da quantia total de 12.525.114,07 € [ com fundamento em livrança subscrita e avalizada pelos Executados ], e prosseguindo os autos a respectiva tramitação legal, veio no seu decurso a ter lugar, v.g,  os seguintes ACTOS :
A – A citação dos executados e a penhora ( em 1/3/2010) de diversos IMÓVEIS, propriedades dos executados D, B e C ;
B – A citação dos credores ,nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 865º e na alínea c) nº 3 do art. 864º ambos do CPC e, artigo 80º do Código do Procedimento e Processo Tributário ;
C - A citação dos credores ,nos termos e para os efeitos do disposto no o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 864º A e artigo 865º do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
D) A Suspensão da execução por Acordo de pagamento - artigo 882º do CPC - em prestações, prosseguindo a execução a partir de 6/7/2015 com o NOVO BANCO, SA, na ausência de acordo;
E) A prolação em 11/6/2021 do seguinte despacho : “ Estando comprovado o falecimento do executado B, face ao assento de óbito junto aos autos, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 269.º e art. 270.º, ambos do CPCivil, suspendo a instância até ser notificada a decisão que considere habilitado(s) o(s) sucessor(es) do falecido, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção ”;
F) A citação, por carta registada C/AR , de 04-01-2022 e de 21/9/2022 , de H, remetida para a R. …, Lote G - .. Esq. 2645-050 Alcabideche , a Rua …, n.º … Carcavelos e Rua …, 148 Cascais ], e para nos termos do artigo 740º do Código do Processo Civil (CPC) e com referência ao presente processo de execução à margem referenciado, requerer no prazo de 20 (vinte) dias a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns ;
G) A prolação em 4/1/2022 do seguinte despacho : “ Transitada em julgado a sentença de habilitação de herdeiros proferida no apenso G, declaro cessada a suspensão da instância e em consequência determino o prosseguimento dos autos.”;
1.1. – Prosseguindo a execução os respectivos termos e tendo em vista a venda dos bens penhorados, em 11/10/2023 é atravessado nos autos instrumento subscrito por ….. e …., no qual, invocando a qualidade de filhos de H [  identificada em F supra ]  e aduzindo que esta última faleceu no dia 8 de setembro de 2018, no estado de divorciada , reclamam :
a) A anulação de todo o processado, a partir da invocada e verificada falta de citação e de habilitação dos herdeiros da falecida ex-cônjuge do executado, mãe dos ora Requerentes, só devendo o processo prosseguir após a citação destes, como sucessores, e em representação da sua falecida mãe;
Ou, se assim não se entender,
b) Que seja dada sem efeito a penhora do imóvel penhorado [ o prédio urbano sito na Rua … n.º …, com traseiras para a Praça …, n.ºs … a 1 …., Venteira, Amadora, correspondente à matriz predial urbana n.º … – Fração “C” e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o artigo … – fracão “C, imóvel que foi adquirido, por compra, na pendência do casamento (sob o regime da comunhão de adquiridos) da falecida mãe dos Requerentes com o executado G ,sendo portanto um bem comum do casal, entretanto dissolvido por divórcio, antes da morte da mãe dos ora Requerentes  ]  , por ser penhorável apenas ao executado a sua meação nos bens comuns do dissolvido casal, ainda não partilhados, e não de um dos bens concretos que integram os bens comuns.
1.2. – Respondendo o NOVO BANCO,S.A., Exequente, ao requerimento identificado em 1.1. [ pugnando pelo respectivo indeferimento ] , foi em 6/3/2024 proferida a seguinte e “parcial” DECISÃO :
“ (…)
Compulsados os autos, constata-se que foi penhorado nos autos, além do mais, o “prédio urbano sito na Rua … n.º …., com traseiras para a Praça …, n.ºs 1 a 1 C, Venteira, Amadora, correspondente à matriz predial urbana n.º … – Fração “C” e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o artigo … – fração “C” (AP. … de 2010/01/15), cuja aquisição, por compra, se mostra inscrita a favor H casada com G no regime de Comunhão de adquiridos; e C Casado/a com B no regime de Comunhão de adquiridos (AP. … de 1988/10/27).
Considerando que G é executado nos autos e foi penhorado bem comum do casal, o Sr. Agente de Execução procedeu à citação da respetiva cônjuge ( H ), nos termos e para os efeitos 740.º do CPC, a qual foi concretizada em 23.09.2022, na pessoa de terceiro:
Razão pela qual, o Sr. Agente de Execução deu, depois, cumprimento ao disposto no artigo 233.º do CPC.
Com efeito, a citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus.
Esses direitos podem decorrer de uma de três situações.
a). A primeira, a que se reporta a primeira parte da al a) do artigo 786º, conjugada com o nº 1 do artigo 787º, ambos do CPC, resulta de, estando em causa dívida própria do executado ter sido objeto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que aquele não pode alienar livremente, o que, sendo o regime de bens o da separação, só poderá ocorrer relativamente à casa de morada de família, nos termos do artigo 1682º-A/2 CC.
b). A segunda ocorre quando, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns, sendo que nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
c). A terceira situação que justifica a citação do cônjuge do executado, resulta das hipóteses previstas nos artigos 741º e 742º CPC, a que se reporta o nº 5 do art 786º,pressupondo-se nessas hipóteses, em ambos os casos, que o cônjuge do executado pretenda contestar a comunicabilidade da dívida - no caso do art 741º, alegada pelo exequente, no caso do art 742º, alegada pelo cônjuge contra quem a execução foi promovida.
Verificando-se as situações descritas em a) e b), é manifesta a obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, cuja omissão tem os mesmos efeitos que a falta de citação do réu (cf. Ac. RL, de 08.06.2017, relatado por Vaz Gomes, proc.5239/12.3TBFUN.L1-2, in www.dgsi.pt) “donde não ser irrelevante deixar na indefinição a situação do cônjuge do executado quanto à sua citação”, integrando uma nulidade absoluta de conhecimento oficioso (cf. Ac. RP, de 21.06.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, proc.2000/20.5T8OVR-A.P1, in www.dgsi.pt).
E a tal não obsta o facto do casal já se encontrar divorciado, porquanto, mantendo-se o património comum ou coletivo após a dissolução do casamento e enquanto o mesmo não for partilhado, continua o mesmo a responder pelas dívidas exclusivas de cada um dos ex-cônjuges, na medida da responsabilidade e do direito de meação do respetivo devedor. Assim, sendo movida execução respeitante a dívida(s) exclusiva de um dos ex-cônjuges e sendo penhorado o imóvel que integra o património comum do ex-casal, cabe ao outro ex-cônjuge requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da correspondente ação de separação de bens, continuando a ser de observar o disposto no citado artigo 740.º, n.º 1 NCPC, agora por interpretação extensiva, não sendo admissível os embargos de terceiro por parte do ex-cônjuge não devedor (contrariamente ao defendido pelo exequente) – cf. Ac. RP, de 10.07.2019, relatado por Joaquim Correia Gomes, proc.1557/11.6TBPVZ-C.P1 (in www.dgsi.pt).
Nesta conformidade, apesar dos herdeiros não terem legitimidade para arguir a nulidade por falta de citação – porquanto não são parte nos autos nem, neles, foram, ainda, habilitados –, o Tribunal não pode deixar de a conhecer.
Assim, resultando da documentação junta aos autos (pelos respetivos herdeiros) que a ex-cônjuge (do executado) faleceu em 08.09.2018, portanto, em data anterior à da sua citação, é manifesta a verificação da falta de citação da referida ex-cônjuge, nos termos do disposto no artigo 188.º, nº1, alínea d), do CPC.
Acresce que, tendo sido penhorado, em execução instaurada apenas contra um dos cônjuges, bem imóvel comum, tendo o cônjuge não executado falecido – como é o caso –,deve proceder-se à habilitação dos respectivos sucessores para realizar nestes a citação prevista nos artigos 740.º e 786.º do Código de Processo Civil (cf. Ac. RP, de 10.07.2019, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, proc. 1366/08.0YYPRT-A.P1, in www.dgsi.pt), o que ainda não sucedeu.
Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da falta de citação da ex-cônjuge do executado – o que, como vimos, integra uma nulidade absoluta de conhecimento oficioso ( cf.artigos 187.º, 188.º, nº1, alínea d), e 196.º do CPC) –, declaro nulos todos os actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da ex-cônjuge do executado, relativos, apenas, ao acto de penhora do identificado bem comum (“prédio urbano sito na Rua … n.º …., com traseiras para a Praça …, n.ºs 1 a 1 C, Venteira, Amadora, correspondente à matriz predial urbana n.º … – Fração “C” e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o artigo …”).
Notifique.
(…) ”.
1.3. – Notificada da decisão identificada em 1.2., veio a exequente ......BANCO, S.A.,- em 16/04/2024 - da mesma interpor a competente Apelação, no âmbito da qual formulou as seguintes conclusões :
I - Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 06/03/2024, de fls. (…) que decidiu:
“ Em face de todo o exposto, por verificação da falta de citação da ex-cônjuge do executado – o que, como vimos, integra uma nulidade absoluta de conhecimento oficioso (cf. artigos 187.º, 188.º, nº1, alínea d), e 196.º do CPC) –, declaro nulos todos os atos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da ex-cônjuge do executado, relativos, apenas, ao ato de penhora do identificado bem comum (“prédio urbano sito na Rua … n.º …, com traseiras para a Praça …, n.ºs … C,
II- Com o qual o Exequente não se conforma.
III- Primeiro, não se vislumbra a razão pela qual a secretaria judicial não notificou o Exequente do referido douto despacho; crendo trata-se de um lapso -cfr. artº 719º, n,º 3 do CPC.
IV- Depois, conforme aduzido pelos Requerentes, a falecida H … já se encontrava divorciada (o que os autos desconheciam).
V- Logo, em rigor não tinha de haver lugar ao cumprimento do art.º 740.º do CPC.
VI- Foi, então, praticado um acto na convicção que havia um cônjuge, quando, na verdade, se veio agora a verificar que tal vínculo conjugal cessou.
VII- Subsidiariamente, sempre se diga, também, que o bem imóvel era detido em compropriedade (por dois então casais), detendo a falecida H uma quota (ideal) de 25%.
VIII- Logo, a declarada nulidade sempre se teria de restringir aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% do identificado bem comum ( “ prédio urbano sito na Rua … n.º …., com traseiras para a Praça R…, n.ºs … a ….., Venteira, Amadora, correspondente à matriz predial urbana n.º … – Fração “C” e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o artigo …”).
IX- Deve, pois e em suma, o despacho ora em crise ser revogado e substituído por outro que declare infundada a invocada nulidade, tout court.
X- Subsidiariamente, deverá tal nulidade ser restringida aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% sobre tal bem penhorado.
NESTES TERMOS,
Deve ser o presente recurso considerado procedente e, em consequência ser o douto despacho revogado e substituído por outro nos termos principais e subsidiários que vêm descritos. Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA A COSTUMADA JUSTIÇA!
1.4. – Com referência à apelação identificada foram apresentadas contra-alegações – sem conclusões - por …… e ……., pugnando ambos pela improcedência do recurso.
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Thema decidenduum
2 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e artº 6º, deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir, são as seguintes;
A) Aferir se importa revogar a decisão recorrida de 6/3/2024 , porque in casu não havia lugar à citação de H ;
B) Aferir se, improcedendo a questão referida em A, se a decisão recorrida importa ser restringida aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% sobre o bem penhorado.
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2. - Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da  apelação pela exequente …….BANCO, S.A interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, importando ainda acrescentar a seguinte [ para melhor compreensão do julgado ] e a qual resulta do processado nos autos e prova documental no mesmo inserta  :
2.1. – O executado G foi casado com H, no regime de comunhão de adquiridos ;
2.2. – Em 1/3/2010 foi objecto de penhora [ registada na 1ª CRP da Amadora ] na execução a Fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente à Cave do prédio sito na Rua …, nº …., Venteira, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Venteira, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o nº …/19841130 ;
2.3. – A Fracção identificada em 2.2. , foi objecto de aquisição [ registada na CRP 1ª Secção da Amadora, por AP … de 1988/10/27, e por compra a S…-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES BRANCO E SANTOS, LDA ] efectuada por :
- H Casado/a com G no regime de Comunhão do adquiridos ;
- G Casado/a com H no regime de Comunhão de adquiridos;
- C Casado/a com B no regime de Comunhão de adquiridos
- B Casado/a com C no regime de Comunhão de adquiridos;
2.4. - H faleceu em 8 de setembro de 2018, já no estado de divorciada de G ;
2.5. – Não obstante o referido em 2.4., não se procedeu ainda à partilha de bens integrantes da ex-comunhão conjugal , ou sequer à partilha da herança deixada por H.
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3. -   Motivação de direito
3.1.- Se importa revogar a decisão recorrida de 6/3/2024 , porque in casu não havia lugar à citação de H .
É entendimento da recorrente/exequente que in casu não havia lugar à citação de H , em cumprimento do disposto no artº 740º do Código do Processo Civil , e isto porque à data em que foi feita a penhora, a mãe dos ora Requerentes já não era casada com o demandado como executado - G - , dado que o casamento havia já sido dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, homologado por sentença proferida em processo de divórcio por mútuo consentimento, que correu sob o n.º 50/99, pelo 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Cascais.
Como sabemos já, o tribunal a quo enveredou por entendimento diverso, daí a NULIDADE decretada.
Apreciando.
A presente execução, como sabemos já, foi movida apenas contra G, sendo que , no seu decurso, teve lugar a penhora de imóvel/bem comum do ex-casal G/ H.
Perante o referido, procedeu-se à citação de H, nos termos e para efeitos do disposto no nº1,do artº 740º, do CPC, o qual reza que :
“ 1-Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.”
A aludida disposição legal adjectiva, mostra-se em consonância com o disposto no artº1696º, do CC, permitindo este último a penhora de bens comuns do casal, e quer em causa esteja uma situação de responsabilidade exclusiva do executado, quer comum, mas em que a execução foi movida contra um só dos responsáveis  e tem por desiderato :
i) permitir ao cônjuge do executado que, no prazo de 20 dias, requeira a separação de bens ;ou
ii) juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.
Após a referida citação, e nada fazendo o cônjuge do executado, prossegue inevitavelmente a execução sobre os bens comuns penhorados, sendo que, requerendo a separação de bens, e apensado o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão – cfr. nº 2, do artº 740º.
Em face do exposto, tudo aponta para que o pressuposto/razão essencial que obriga à citação do nº1, do artº 740º,nº1, do CPC, é a penhora de bens comuns de casal e uma execução movida apenas contra um dos cônjuges, que não a existência de um vínculo conjugal ainda vigente.
Daí que, seja jurisprudência consensual e pacífica aquela que considera que , “apesar de, no artigo 740.º, n.º 1, do CPC, se aludir apenas à citação do cônjuge do executado não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjetiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já não o seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal em pé, por ausência de partilha ”.
Perfilhando o referido entendimento, recorda-se, e de entre outros, existem designadamente os seguintes Acórdãos :
- O do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/9/2014 (1);
-  O do Tribunal da Relação do Porto, de 08/10/2018 (2);
-  O do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/3/2024 (3);
-  O do Tribunal da Relação do Porto, de 18/11/2013 (4);
-  O do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/1/2008 (5);
-  O do Tribunal da Relação de Guimarães , de 26/4/2012 (6);
-  O do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/6/2017 (7);
- O do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 5/3/2015 (8), tendo-se designadamente neste último e douto Acórdão sido aduzidas as seguintes conclusões :
I - Correndo a execução contra apenas um dos cônjuges e tendo-se procedido à penhora de bens comuns do casal, não se impõe o cumprimento do disposto no art. 119.º, n.º 1, do CRgP, mas antes a citação do outro cônjuge para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que tal tenha sido requerida.
II - O divórcio que não seja acompanhado da partilha dos bens comuns do dissolvido casal não tem como efeito a dispensa da citação do cônjuge contra quem a execução não foi instaurada pois este é ainda titular daqueles.
III - Dado que a citação referida em I apenas deve ter lugar após a penhora (art. 825.º, n.º 1, do CPC), a falta da mesma não determina a anulação da penhora mas apenas dos atos subsequentes e dela dependentes que contendam com os direitos processuais do cônjuge do executado (art. 864.º, n.º 6, do CPC), devendo aquela manter-se por não se verificar qualquer vício prévio ou contemporâneo a tal ato.
IV - Não se verificando qualquer vício prévio ou contemporâneo à penhora e posto que este ato não ofende os bens comuns (tal apenas sucede quando o executado tem bens próprios ou bens que com eles respondam ou quando, sendo a dívida comum e havendo título contra ambos os cônjuges, apenas um deles haja sido demandado), é inviável declarar a sua anulação ou determinar o seu levantamento em virtude da procedência dos embargos de terceiro deduzidos pelo cônjuge cuja citação se preteriu”
Perante o exposto, e não vislumbrando nós existirem razão de direito válidas que justifiquem divergir da jurisprudência consensual esta matéria - bem pelo contrário-, eis porque improcede necessariamente a apelação nesta parte .
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3.2.- Se importa modificar a decisão recorrida de 6/3/2024 , restringindo a mesma aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% sobre o bem penhorado.
Subsidiáriamente, impetra a recorrente que importa restringir a nulidade reconhecida/decretada aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% sobre o bem penhorado, e isto porque está este último imóvel detido em compropriedade (por dois então casais), detendo, assim, a falecida H … uma quota (ideal) de 25%.
Logo, remata a apelante, a declarada nulidade sempre se teria de restringir aos actos correspondentes às fases da execução posteriores à data em que deveria ter ocorrido a citação da falecida, relativos apenas à proporção de 25% do identificado bem comum ( “prédio urbano sito na Rua … n.º …., com traseiras para a Praça … C, Venteira, Amadora, correspondente à matriz predial urbana n.º … – Fração “C” e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o artigo …”), e isto porque na compropriedade os proprietários são donos de uma determinada quota ideal de um determinado bem indiviso (cfr. art.º 1403.º, n.º 1 do CC), sendo que, as quotas se presumem quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo (cfr. o mesmo art.º, n.º 2)..
Também nesta parte falece à apelante o necessário fundamento legal com vista à “pretensão” reclamada.
Senão ,vejamos.
Antes de mais, importa não olvidar que, na génese da NULIDADE decretada está a penhora de bem comum de ex-casal, sendo que, como é consabido, no âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum ou propriedade coletiva, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens integrados na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum. (9)
Tal equivale a dizer que, ao invés da “compropriedade” [ em que  o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403º, 1412º e 1413º do Código Civil ], o património comum do casal persiste até à partilha de bens, não se convertendo num regime de compropriedade ou semelhante.
Dito de uma outra forma, se a extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, maxime a extinção da comunhão entre ambos e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha, tal não significa que os bens comuns deixem de ser um património comum e passem a pertencer aos dois cônjuges em compropriedade, antes a  comunhão persiste até à partilha.
Em suma, e como bem explicam PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA (10), constituindo os bens comuns uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de “um único direito sobre ela”, sendo que , o direito a metade no património comum, que o artigo 1730º, nº1, CC atribui a cada cônjuge aquando da dissolução daquele, não confere a cada cônjuge o direito a metade de cada bem concreto do património comum, mas, tão só, o direito ao valor de metade desse património.
Para além do acabado de expor, acresce também que, sendo verdade que [ em face do facto inserto em 2.3. ] relativamente ao imóvel penhorado e identificado em 2.2. se verifica em rigor uma situação de compropriedade  [ cfr. artº 1403º,nº1, do CC, porque prima facie a titularidade do respectivo direito de propriedade pertence a dois “patrimónios comuns ], sendo que, “Na falta de indicação em contrário no título constitutivo, as quotas dos comproprietários presumem-se quantitativamente iguais” ( cfr. nº 2 do mesmo normativo ), o certo é que in casu [ e prima facie ao arrepio do disposto no artº 743º,do CPC, porque a falecida H … não é executada, logo, não poderia o imóvel – a se -  compreendido na património comum ser objecto de penhora , mas apenas o direito do executado G ao bem indiviso ] e como decorre do item de facto nº 2.2. a penhora concretizada nos autos coercivos incidiu sobre a Fracção autónoma designada pela letra "C", correspondente à Cave do prédio sito na Rua …, nº ….., Venteira, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Venteira, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o nº …/19841130 .
Destarte, não correndo a presente execução contra os dois “comproprietários” do imóvel,  e , tendo a penhora concretizada incidido sobre o próprio imóvel [ que não v.g. sobre o direito a ½ indivisa de cada um dos “comproprietários” ], inviável se mostra portanto a reclamada redução da NULIDADE decretada a concreta proporção sobre o bem penhorado.
Em face do exposto, eis porque não pode e não deve a NULIDADE decretada ser “reduzida” à proporção de 25% [ ou até 50% ] do supra identificado bem comum, porque para todos os efeitos não incide a penhora concretizada sobre uma qualquer quota do comproprietário património comum” [ pertencente a  G  e H, porque casados no regime de Comunhão de adquiridos ] sobre a fracção  identificada em 2.2..
A apelação, portanto, improcede in totum.
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4 – Sumariando  ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC ) :
4.1. – Correndo a execução contra apenas um dos cônjuges e tendo-se procedido à penhora de bens comuns do casal, importa proceder à citação do outro cônjuge, nos termos e para efeitos do artº 740º,nº1, do CPC;
4.2.- A citação referida em 4.1. não pode ser dispensada caso exista já uma decisão de divórcio do ex-casal, mas não tenha ainda sido efectuada a partilha dos bens comuns do dissolvido casal ;
4.3. – A falta da citação referida em 4.2.  e existindo a penhora de bens comuns do ex-casal não determina a anulação da referida penhora ,mas apenas dos actos subsequentes e daquela dependentes que contendam com os direitos processuais do ex-cônjuge do executado não citado;
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5.- Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, NÃO concedendo provimento ao recurso interposto por ......BANCO, S.A.:
5.1.- Manter/confirmar a decisão apelada;
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Custas na apelação pela recorrente.
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(1) Proferido no Processo nº 45740/06.6YYLSB-A.L1-8, e disponível em www.dgsi.pt;
(2) Proferido no Processo nº 2001/15.5T8OVR-A.P1, e disponível em www.dgsi.pt;
(3) Proferido no Processo nº 22487/06.8YYLSB.L1-2, e disponível em www.dgsi.pt;
(4) Proferido no Processo nº 254/11.7TBPVZ-B.P1, e disponível em www.dgsi.pt;
(5) Proferido no Processo nº 9533/2007-2, e disponível em www.dgsi.pt;
(6) Proferido no Processo nº 562/06.9TBVCT-C.G1, e disponível em www.dgsi.pt;
(7) Proferido no Processo nº 947/15.0T8CBR-B.C1, e disponível em www.dgsi.pt;
(8) Proferido no Processo nº 45740/06.6YYLSB-A.L1-A.S1, e disponível em www.dgsi.pt;
(9) Cfr. Ac. do STJ, de 7/3/2019, proferido no Processo nº 065/16.9T8VRL.G1.S1, e disponível em www.dgsi.pt
(10) Em Curso de Direito de Família”, Vol. I, Direito Matrimonial, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 507 e segs. .
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LISBOA, 20/6/2024
António Manuel Fernandes dos Santos
Jorge Almeida Esteves
Nuno Lopes Ribeiro