RESPONSABILIDADE MÉDICA
CULPA
ACTOS DE AUXILIARES
Sumário

1- O princípio da culpa, base do nosso sistema de responsabilidade civil, é derrogado pelo regime da responsabilidade por actos de auxiliares previsto no artº 800º nº 1 do CC que, no fundo, consagra uma ficção: os actos dos auxiliares (ou dos representantes legais) são considerados como se fossem actos do devedor, isto é, projecta-se o comportamento do auxiliar na pessoa do devedor.
2-Assim, no âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente é aquela instituição quem responde, exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo médico na qualidade de auxiliar no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artº 800º, nº 1, do CC.

Texto Integral

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-MJL, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra SR– Gestão de Serviços, Lda e, contra FF, pedindo:
-A condenação dos réus a pagarem 23 872,61€ (sendo 7 743€ pelo preço da implantação da prótese dentária, 4 229,61€ por despesas com correções do serviço prestado e, 12 000€ por danos não patrimoniais).
Alegou, em síntese, ter-se deslocou-se ao estabelecimento da ré “Sorrir” com o intuito de se submeter um procedimento médico dentário, através da colocação de implantes; no dia 21 de Setembro de 2015, foi realizado o procedimento em questão, através da colocação de seis implantes superiores com carga imediata por próteses fixa; liquidou o preço de 7 743,00€; foi o 2 º réu quem colocou a prótese provisória, tendo o maxilar superior ficado desalinhado com o maxilar interior e sendo visível um desnivelamento desta prótese. Para correcção, o réu forçou a prótese, causando grande dor e desconforto à autora; após, o réu desgastou a prótese, tentando solucionar a situação; em face da insatisfação com a prótese colocada, a 1ª ré agendou nova intervenção, para 23 de Setembro de 2015, com vista à substituição da prótese provisória; a nova prótese provisória foi aplicada, não se tendo adaptado à boca da autora; a nova intervenção causou grandes dores à autora; em 24 de Novembro de 2015, a autora foi informada na clínica que tudo estava dentro da normalidade; porém, havia quatro pontos que não haviam sido retirados e um dos pontos encontrava-se já coberto pela gengiva, além disso, a segunda prótese que havia sido colocada teve de ser removida pois não se encontrava ajustada à sua boca; a autora sentiu-se deprimida, tendo-se socorrido de tratamento médico para o efeito; teve de suportar custos na ordem dos 4 229,61€.
2- Citados, apenas a 1ª ré contestou.
Invocou que a autora foi previamente informada de todo o procedimento; contrariamente ao alegado pela autora, a colocação da prótese provisória ocorreu normalmente; a prótese provisória descaiu um pouco e o que sucedeu foi que a autora ficou insatisfeita com a sua estética; o desnível da prótese provisória seria corrigido aquando da colocação da prótese
definitiva; porém, a autora pediu que lhe fosse colocada uma nova prótese provisória; foi por isso que em 23 de Setembro lhe foi colocada nova prótese, tendo-lhe sido previamente explicadas as contraindicações desse processo, uma vez que, por se encontrar em período de cicatrização, havia o risco de provocar estragos nos implantes, o que a autora aceitou; a autora apresentava-se emocionalmente descontrolada; a autora, que inicialmente se mostrou agradada com a segunda prótese, começou a mostrar-se também desagrada com a prótese provisória, alegando que a mesma apresentava folgas, folgas estas que eram normais até à colocação da prótese definitiva; a autora informou que não queria realizar a prótese definitiva junto da ré; as despesas reclamadas pela autora não podem ser imputadas à ré, por inexistir nexo de causalidade adequada.
3- Teve lugar a audiência prévia, com saneamento do processo, fixação do valor da causa, indicação do objecto do litígio e dos temas de prova.
4- Foi feita perícia médico-legal.
5- Realizada a audiência final, com data de 29/06/2023 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
V. DECISÃO:
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
1. Condeno a ré SR – GESTÃO DE SERVIÇOS, LDA., no pagamento à autora da quantia de 6.342,22€ (seis mil trezentos e quarenta e dois euros e vinte e dois cêntimos), acrescida dos juros moratórios legais contabilizados à taxa sucessivamente em vigor desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do remanescente do pedido.
2. Absolvo o réu FF da totalidade do pedido formulado pela autora.”
6- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls._, de 26.09.2023, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência condenou a 1.ª Ré no pagamento à Autora da quantia de € 6.342,22, acrescida dos juros moratórios legais e absolveu o 2.º Réu da totalidade do pedido formulado pela Autora.
2. A sentença recorrida não só errou na decisão sobre a matéria de facto, como aplicou erroneamente, e salvo melhor opinião, o Direito aos Factos em apreço.
3. Sublinhe-se que dos 38 factos dados como provados, excluindo os 8 que foram por acordo das partes, apenas 5 factos provados não o foram por via do depoimento do marido da Autora, ou seja, a matéria factual dada como assente foi praticamente toda provada pelo testemunho do marido da Autora.
4. Sucede que o depoimento do marido da Autora mostrou-se, em diversos momentos, altamente tendencioso e contraditório com o das demais testemunhas, com a prova documental junta aos autos e com as declarações da Autora.
5. Justificou o douto Tribunal que os factos 9 a 12 “decorrem do depoimento da testemunha VS, que presenciou os factos em causa relatando-os em audiência.”.
6. Sucede que, do depoimento da Dra. VS não decorre, de forma alguma, que o 2.º Réu forçou a prótese e que, não tendo solucionado o problema por essa via, desgastou a prótese.
7. A testemunha VS é médica dentista e, ao tempo dos factos, trabalhava ao serviço da 1.ª Ré, presenciou os factos e relatou-os em detalhe e de forma completamente isenta na audiência, tendo explicado claramente que quando o 2.º Réu voltou ao gabinete a seu pedido, desgastou alguns dentes da prótese, limando-os para equilibrar a mordida, tendo-o conseguido, pois após esta intervenção quando a Autora fechava a boca os dentes já batiam de ambos os lados (Ficheiro 20230628101421 minuto 00.22.20 até 00.24.30; minuto 00.27.24 até 00.28.08 e minuto 00.32.17 até 00.32.32).
8. Questionada directamente se assistiu ao 2.º Réu a forçar excessivamente a prótese na boca da Autora, a referida testemunha respondeu: “Eu lembro-me da MSL estar mais queixosa, mas é normal, também a anestesia já estava a (…) terminar. (…) Quando se coloca a prótese e para depois se fixar esses cilindros não é às vezes, não é isso que é mais chato, às vezes depois o tirar, como já está agarrado aos implantes, já está aparafusado, a fricção em tirar,(…) pode ter sentido mais nesse sentido, mas tudo dentro da normalidade. (…) Sente-se ali um bocadinho mais, claro que ela devia estar mais sensível.” (sublinhados nossos) (Ficheiro 20230628101421 minuto 01.08.39 até 01.09.57).
9. Portanto, não resulta, de modo algum, do depoimento da Dra. VS que o 2.º Réu forçou a prótese sobre os maxilares da Autora e que após tal intervenção malograda passou para o desgaste da prótese, aliás, a testemunha foi peremptória em afirmar que a actuação do 2.º Réu decorreu “dentro da normalidade”.
10. Face ao exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provados os factos 11 e 12, pelo que se requer o seu aditamento aos factos não provados, em conformidade.
11. Requer-se a correcção da data constante do facto 17, por se tratar de um lapso, para dia 23 de Setembro de 2015 (ao invés de 25 de Setembro de 2015), data em que foi efectivamente colocada a segunda prótese provisória.
12. Resultou provado que a Autora e o marido, como não ficaram satisfeitos com a aparência estética da prótese, exigiram à 1.ª Ré a sua correcção (facto 16) e foi, efectivamente, o que aconteceu.
13. Sucede, contudo, que a Dra. VS explicou à Autora todas as contra-indicações à colocação de nova prótese provisória dois dias depois da primeira intervenção, tendo sido percebido e aceite pela Autora que, de forma livre e esclarecida, prestou o consentimento informado para avançar com a colocação da segunda prótese.
14. Foi explicado à Autora, com rigor e detalhe, pela Dra. VS, que durante o período de osteointegração não é aconselhável mexer nos implantes, como haviam sido feitas extracções de dentes estava em período de cicatrização e, por isso, ainda que o protocolo o admitisse, era desaconselhável substituir a prótese provisória naquele momento.
15. A acrescer que o único problema da prótese provisória era estético, situação que seria resolvida com a colocação da prótese definitiva.
16. A testemunha Dra. VS asseverou que explicou, por várias vezes, à Autora, os riscos de trocar a prótese provisória por outra naquele momento, tendo inclusivamente referido que “se fosse na minha boca não faria” (Ficheiro 20230628101421 minuto 00.36.11 até 00.38.03 e minuto 00.46.09 até 00.46.23).
17. Questionada se as folgas da prótese provisória são normais e previsíveis, a testemunha VS respondeu que sim, porque o osso está a reabsorver, está a cicatrizar, como foram feitas extracções de dentes há uma remodelação do osso e a prótese provisória é adaptada à condição em que está o osso e a gengiva naquele momento e, portanto, é normal que a prótese vá ganhando folgas, e referiu que esta informação foi explicada à Autora (Ficheiro 20230628115518 minuto 00.01.13 a 00.02.59).
18. A testemunha VS esclareceu que quando a Autora e o marido chegaram à clínica “vinham com o objectivo de fazer uma nova prótese”, por sua iniciativa, tendo-lhe sido pedida a sua opinião e tendo ela esclarecido à Autora que por motivos clínicos não se deveria fazer, principalmente naquela fase (Ficheiro 20230628115518 minuto 00.08.23 até 00.09.28).
19. Questionada sobre se a Autora foi para casa na condição de fazer um pós-cirúrgico normal, a testemunha VS respondeu que sim, acrescentou que a Autora não gostou do aspecto estético da prótese porque como houve desgaste dos dentes via-se que os dentes estavam mais curtos de um lado, mas que se tratava de uma prótese provisória e, portanto, o que tem de ser garantido nessa fase é que haja equilíbrio de mastigação para os implantes integrarem, sendo a parte estética menos importante (Ficheiro 20230628101421 minuto 00.33.03 até 00.35.03).
20. A aludida testemunha disse ainda que a Autora “Estava muito triste com o trabalho, com os dentes. Queria outros dentes. Porque não gostava quando se via ao espelho daquilo que via.” (Ficheiro 20230628101421 minuto 01.16.40 até 01.17.02).
21. A testemunha LR, à data dos factos coordenadora da clínica, corroborou que a Autora ficou insatisfeita com a parte estética da primeira prótese provisória (Ficheiro 20230628155550 minuto 00.11.15 até 00.11.37).
22. A testemunha VC, assistente dentista, esclareceu que foi necessário o 2.º Réu fazer ajustes porque os dentes da prótese estavam muito grandes, tendo havido bastante desgaste da prótese e, por isso, a Autora, apesar de conseguir fechar a boca não gostou do resultado final (Ficheiro 20230628162457 minuto 00.04.24 até 00.04.53).
23. A testemunha CM também confirmou que a Autora estava descontente com o aspecto estético da primeira prótese provisória, o “que é perfeitamente normal, é uma coisa que nós dizemos, ainda hoje em dia quando dizemos que os dentes não são estéticos, são dentes só para a pessoa estar apresentável” (Ficheiro 20230628162457 minuto 00.07.19 até 00.07.42).
24. Portanto, da prova produzida nos autos resulta que um dos lados da primeira prótese provisória não ficou esteticamente muito bonito e que a Autora não gostou de se ver com a prótese.
25. Resultou também provado que o único problema da primeira prótese provisória era estético, situação que seria resolvida com a colocação da prótese definitiva, mas a Autora exigiu uma prótese nova.
26. A prova produzida resultou também que ao nível da mordida a prótese provisória estava em perfeito funcionamento e correctamente colocada.
27. Resulta dos factos dados como provados, a Autora e o marido “não ficaram satisfeitos com a aparência estética da prótese e exigiram à 1.ª ré a sua correcção” (facto 16), mesmo perante todos os riscos detalhadamente explicados pela Dra. VS, conforme resulta dos depoimentos acima mencionados.
28. Note-se que foi explicado à Autora em que consistia o procedimento e foram enumeradas pela Dra. VS todas as contra-indicações à colocação de nova prótese provisória naquele momento, tendo sido percebido e aceite pela Autora que, de forma livre e esclarecido prestou o consentimento informado e decidiu avançar.
29. As folgas que a segunda prótese apresentava eram normais e previsíveis, conforme
esclareceu a Dra. VS.
30. E a Autora, ao aceitar trocar a prótese, conformou-se e aceitou essa possibilidade de a segunda prótese apresentar mais folgas e não se adaptar tão bem à sua boca, pelo que, esse facto não pode ser imputado à 1.ª Ré.
31. Aqui chegados, é forçoso concluir que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do Direito, na medida em que não se verifica qualquer cumprimento defeituoso nem qualquer incumprimento contratual da 1.ª Ré.
32. Consta da douta sentença que “era exigível que a prótese que foi colocada à autora
não só fosse esteticamente harmoniosa, com as dimensões adequadas, como adaptada à sua boca e não magoasse ou inflamasse a gengivas”.
33. Contudo, conforme esclarecido pelas testemunhas, na situação da Autora, em que foram feitas inúmeras extracções de dentes e com colocação de implantes, a função da prótese provisória não é ser esteticamente harmoniosa, tal propósito é relegado para a colocação da prótese definitiva, o essencial é que haja uma boa integração dos implantes e a mordida esteja ajustada, o que aconteceu no caso sub judice.
34. A prótese, após o desgaste pelo 2.º Réu, ficou com as dimensões adequadas e esteticamente apresentável, conforme atestado pelas testemunhas (vide depoimentos acima) e conforme resulta dos docs. 5 e 6 juntos com a contestação.
35. A acrescer que clinicamente era viável que a Autora permanecesse com a segunda
prótese provisória colocada na clínica da 1.ª Ré até à colocação da prótese
definitiva, bastando fazer as consultas de seguimento e manutenção.
36. Decorre da factualidade dada como provada que a Autora foi submetida a consultas de seguimento na clínica da 1.ª Ré, contudo, a Autora deslocou-se a outra clínica onde “foi informada de que teria de ser submetida a uma intervenção na gengiva para retirada de um ponto e que a prótese tinha de ser removida e reparada, porque estava a inflamar a gengiva” (factos 27 e 28).
37. O Tribunal a quo não explicita na douta sentença qual(ais) o(s) meio(s) de prova que o levaram a dar como provado o facto 28 e, sublinhe-se, nenhum meio de prova atestou a necessidade da realização de uma intervenção, naquela data, para a retirada de um ponto.
38. Relativamente à existência de pontos por retirar, a testemunha Dr. PEC, médico-dentista da CUF afirmou: “Havia uns pontos por baixo da prótese mas eu penso que foram removidos pelo meu colega, o Dr. PC” (sublinhado nosso) (Ficheiro 20230628115518 minuto 00.20.06 a 00.20.16).
39. A testemunha Dr. PEC, médico em cirurgia maxio-facial da CUF,
quando questionado se se recordava de terem sido encontrados pontos esquecidos, respondeu: “Eu não me recordo, mas o meu Colega, o Dr. PC quando eu falei com ele na última sexta-feira acerca desta minha vinda cá e que lhe perguntei olha lá, tu lembras-te de alguma coisa desta senhora? E ele esteve-me a descrever e até me disse é pá não te lembras? Disse é pá não me lembro de nada, tenho muita pena, não me lembro. E ele falou-me á pa que até tínhamos lá uns pontos lá por baixo, ele mencionou isso.” (negritos nossos) (Ficheiro 20230710141422 minuto 00.17.36 a 00.18.12).
40. Portanto, por um lado, o Dr. PC afirma que havia pontos e que pensa que foram removidos pelos Dr. PEC - ou seja, não tem a certeza – e também não se pronunciou minimamente sobre a eventual necessidade da retirada de pontos ou por que motivo era necessário retirá-los ou se o mesmos não cairiam naturalmente com o passar do tempo.
41. Por outro lado, o Dr. PEC afirmou categoricamente que não se recorda de terem sido encontrados pontos esquecidos na boca da Autora, o seu Colega PC é que lhe disse que “tínhamos lá uns pontos”. Trata-se, portanto, de um depoimento com reduzido valor probatório em virtude da razão de ciência porque a testemunha se limitou a afirmar o que a outra testemunha lhe transmitiu, não tendo nenhuma lembrança sua do caso.
42. Mas, ainda que assim não fosse, o Dr. PRC também não se pronunciou minimamente sobre a eventual necessidade da retirada de pontos ou por que motivo era necessário retirá-los ou se o mesmos não cairiam naturalmente com o passar do tempo.
43. Face ao exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado de que na primeira ida à CUF a Autora foi informada de que teria de ser submetida a uma intervenção na gengiva para retirada de um ponto, pelo que se requer o aditamento do facto 28 aos factos não provados, em conformidade.
44. Por outro lado, ainda quanto ao facto provado n.º 28, diga-se ainda que a 2.ª prótese, não obstante apresentar algumas folgas, não tinha que ser substituída.
45. Conforme acima vimos, as folgas na prótese provisória são normais e previsíveis e a prótese cumpria efectivamente as suas funções.
46. Resulta do depoimento da testemunha Dr. PC que a prótese apresentava irregularidades, que foram por si polidas, que é normal este tipo de próteses apresentar folgas com o passar do tempo e por isso é necessário ir fazendo ajustes, mas resulta também que, na sua opinião, a prótese não apresentava viabilidade e que tinha de ser substituída por outra prótese antes da passagem para a prótese definitiva, daí ter sugerido à Autora uma nova prótese provisória (Ficheiro 45 www.bindrl.pt 20230628115518 minuto 00.17.34 até 00.19.38; minuto 00.26.46 a 00.2723 e minuto 00.28.49 a 00.30.10).
47. Contudo, num segundo momento do depoimento, contrariando a sua opinião de que aquela prótese colocada na clínica da 1.º Ré não tinha viabilidade e que tinha de ser trocada por outra, a testemunha Dr. PC confirmou que a prótese colocada na clínica da 1.ª Ré permaneceu na boca da Autora mais dois meses após a primeira ida à CUF (Ficheiro 20230628115518 minuto 00.35.36 até 00.36.44).
48. Sendo que a determinada altura do depoimento da testemunha Dr. PC resulta que a Autora não fez a troca de prótese no imediato porque a prótese que trazia não fosse viável, ou completamente desajustada, ou não cumprisse a sua função (porque nesse caso teria que ser substituída no imediato), mas sim por uma questão essencialmente estética, com o objectivo de que a prótese definitiva fosse de encontro às suas pretensões estéticas (porque é muito mais dispendioso substituir uma prótese definitiva do que uma provisória) (Ficheiro 20230628115518 minuto 00.37.14 a 00.37.47).
49. Conforme foi explicado pela testemunha, é necessário ir fazendo ajustes a este tipo de próteses nas consultas pós cirúrgicas porque à medida que a gengiva desinflama a prótese vai ganhando folgas, o que teria sido feito na clínica da 1.ª Ré se a Autora não tivesse abandonado o plano de tratamento que ali lhe havia sido traçado e que foi feito na CUF e permitiu à Autora guardar em boca por dois meses a prótese.
50. O certo é que, se a prótese causasse dores excruciantes à Autora e apresentasse folgas que não fossem passíveis de ajustar e fosse, de facto, inviável, a Autora não teria permanecido com ela em boca por mais dois meses.
51. Não consta, nem documentalmente nem por meio de prova testemunhal, que na CUF tenham tratado de qualquer problema gengival à Autora.
52. Daqui se conclui que era clinicamente viável que a Autora permanecesse com a segunda prótese provisória colocada na clínica da 1.ª Ré até à colocação da prótese definitiva, bastando fazer as consultas de seguimento e manutenção e tal só não sucedeu porque o médico da CUF considerou, numa opinião que é sua e não validada por mais nenhum médico, mais seguro fazer uma nova prótese provisória para se certificar que a Autora gostaria do aspecto estético da prótese definitiva, mediante contrapartida financeira adicional para CUF.
53. Donde se conclui que, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado que a prótese tinha de ser removida e reparada, porque estava a inflamar a gengiva, pelo que se requer o aditamento do facto 28 aos factos não provados, em conformidade.
54. Consequentemente, deve a 1ª Ré ser absolvida do reembolso à Autora das despesas que esta suportou relativamente a tratamentos dentários na CUF no valor total de € 3.559,00 (três mil quinhentos e cinquenta e nove euros), correspondente à soma das seguintes parcelas: € 135,00; € 35,00; € 30,00; € 100,00; € 40,00; 80,00€; € 100,00; € 125,00; € 1.500,00; € 1.414,00).
55. Face a todo o exposto, é também forçoso concluir que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do Direito, na medida em que não se verifica qualquer cumprimento defeituoso nem qualquer incumprimento contratual da 1.ª Ré.
56. Assim, face à alteração da factualidade provada tal como acabámos de descrever, concluímos que uma douta realização da Justiça não pode concluir de outra forma que não absolvição da 1.ª Ré da totalidade do pedido, no que respeita a danos patrimoniais e a danos não patrimoniais, com as legais consequências, o que se requer.
57. Em sede de Petição Inicial, a Autora veio alegar que devido às intervenções dos dias 21 e 23 de Setembro de 2015 sofreu uma grave depressão.
58. Sobre este tema foram dados como provados os factos 22, 23, 34 e 35 com base exclusivamente no depoimento do marido da Autora.
59. Sucede que, contrariamente ao que ficou decidido na sentença de que ora se recorre, nos autos não ficou provado que a depressão da Autora decorreu directa e necessariamente dos factos em discussão no caso sub judice.
60. A testemunha CL, marido da Autora, quando questionado sobre qual foi o impacto psicológico desta situação na Autora, respondeu: “O que aconteceu é que o mundo desabou naquele dia [dia 21 de Setembro de 2015]. E ela entrou em depressão.”, tendo esclarecido que a Autora foi à Clínica do R onde lhe foi prescrita medicação que a ajudou muito (Ficheiro 20230628142706 minuto 00.54.57 a 00.56.30).
61. A aludida testemunha relatou que o que aconteceu no dia 21 de Setembro de 2023 – essencialmente dores na colocação e não gostar do resultado estético de uma prótese provisória - despoletou na Autora uma grave depressão, que foi diagnosticada por um médico generalista na Clínica do R, tratando-se, sem dúvida, de uma nova depressão pois a Autora havia sim tido uma depressão, mas muitos anos antes da data dos factos aqui em causa (Ficheiro 20230628142706 minuto 01.20.20 a 01.21.34).
62. Contudo, quando confrontado com o documento n.º 2 da Contestação – “Ficha de paciente – historial clínico” preenchida segundo as indicações da Autora e assinada pela própria no dia da primeira ida à clínica da 1.ª Ré - onde consta um “x” em depressão e consta a anotação “fez desmame há mais ou menos um mês” a testemunha CL afirmou: “Pois, isto está assinado. Parece-me ser a da minha mulher, sim.(…) Não vou dizer que não tenha acontecido.” e esclareceu ainda que era possível que à data em que fez o tratamento na clínica da 1.ª Ré a Autora ainda estivesse no processo de finalizar a medicação para a depressão (Ficheiro 20230628142706 minuto 01.22.13 a 01.23.58).
63. Na verdade, a testemunha só admitiu que era possível que a Autora ainda estivesse a fazer medicação psiquiátrica à data dos factos quando foi confrontado com um documento escrito, assinado pela Autora nesse sentido,
64. E, perante tais circunstâncias afirmou: “o que é que eu posso dizer? O documento mostra isso.”, ou seja, não se tratou de um lapso de memória devido à passagem tempo, trata-se de um depoimento muito pouco idóneo e que, por isso, forçosamente tem de ser desconsiderado.
65. Como se tal não bastasse, sublinhamos ainda que este depoimento - que, relembramos, foi a base para considerar assentes os factos relativos à depressão da Autora (factos 22, 23, 34 e 35) – foi contrariado pelas declarações da própria Autora, que afirmou ter tido um acidente alguns anos antes, o que lhe causou depressão e por isso foi medicada com Fluoxetina, Lexotan, Triticum e Bupropiona, afirmou ainda que quando fez os tratamentos na clínica da 1.ª Ré ainda estava a tomar Triticum e Bupropiona em fase de desmame e que em virtude do que se passou na clínica da 1.ª Ré foi ao médico que não lhe reintroduziu nenhum outro medicamento, mas sim deu-lhe indicações para permanecer com os dois medicamentos que já tomava (Ficheiro 20230710141422 minuto 01.12.00 a 01.16.14).
66. Ainda sobre a mesma temática, a Autora afirmou que quando foi à clínica da 1.ª Ré já só tomava Triticum e Bupropiona e que nunca mais voltou a tomar Fluoxetina, e Lexotan (Ficheiro 20230710141422 minuto 01.16.35 a 01.17.55).
67. Portanto, resulta das declarações da Autora que após os factos aqui postos em crise
manteve a medicação psiquiátrica que já tomava antes da ocorrência dos mesmos (contrariamente ao que declarou a Autora, o Triticum e o Bupropiona são ambos antidepressivos).
68. Resulta também que não se despoletou uma nova depressão que exigisse introdução de nova medicação ao contrário do alegado em sede de Petição Inicial e ao contrário do que o marido da Autora quis fazer crer o Tribunal num primeiro momento.
69. A depressão apenas pode ser atestada por quem está validamente capacitado para a diagnosticar, ou seja, um médico.
70. Não foi alegado nem provado quanto tempo demoraria o tal desmame e, portanto, não resultou provado que a Autora manteve, de facto, estes dois medicamentos mais tempo do que o já esperado para o desmame em virtude da factualidade aqui em análise.
71. Portanto, mal andou a sentença recorrida ao dar como provado que a situação fáctica em análise no caso sub judice despoletou uma “nova” depressão na Autora unicamente com base no depoimento do marido da Autora.
72. O documento n.º 17 junto pela Autora é referente a uma “consulta de medicina interna”, sem, contudo, se fazer acompanhar de qualquer relatório médico a atestar que nessa consulta foi diagnosticada uma depressão à Autora e o médico que consultou a Autora nesse dia não prestou depoimento nos autos, pelo que, não foi produzida prova a atestar que essa consulta tenha tido qualquer teor psiquiátrico, que ali tenha sido diagnosticada uma depressão à Autora, o que a causou, nem que foram prescritos antidepressivos à Autora (que seja os que já estava a tomar ou outros).
73. Não foi feita prova de que a aludida consulta tenha nexo de causalidade com a depressão que a Autora alega ter tido na decorrência da factualidade imputada à aqui Recorrente, pelo que, o reembolso da respectiva factura, no valor de € 95,00 não pode ser assacado à Recorrente, pelo que se requer a correcção da sentença recorrida nessa parte.
74. Foi junto aos autos pela Autora, um “atestado”, datado de 27.06.2016, que não estabelece qualquer relação de causalidade entre a depressão da Autora e os factos aqui em análise, pois diz apenas que, naquela data, a Autora estava em tratamento psiquiátrico “desencadeado após o tratamento de implante dentário” e não “desencadeado em virtude de”, o que é substancialmente diferente.
75. Foi também junto aos autos pela Autora uma prescrição medicamentosa feita pela psiquiatra MDA, de Fluoxetina, Bupropiona e Donaren, ou seja, três antidepressivos, que contraria as declarações da própria Autora que, conforme acima referido, afirmou não ter voltado a tomar a Fluoxetina nem outro antidepressivo.
76. Portanto, a prescrição, em Junho de 2016, de Fluoxetina, Bupropiona e Donaren em nada poderá estar relacionado com os factos em discussão nos autos pois a Autora deixou bem claro em sede de julgamento que devido à depressão que teve por causa dos factos imputados à 1.ª Ré apenas manteve a medicação do desmame - o Triticum e o Bupropiona.
77. Pelo que, o documento não é apto a fazer prova de que a Autora teve uma depressão, directamente decorrente dos tratamentos que efectuou na clínica da 1.ª Ré.
78. Quanto ao “atestado” datado de 4 de Julho de 2016, subscrito pela psicóloga ECM e junto aos autos pela Autora, sempre se diga que relata apenas que a Autora se encontra em tratamento psiquiátrico que não é, necessariamente, um tratamento para a depressão.
79. Além de que o atestado não especifica que doença tinha a Autora, nem desde quando, nem porquê, pelo que não é apto a provar as alegações da Autora.
80. Como a Autora não especificou quanto tempo demoraria o desmame que estaria, alegadamente, a fazer quando foi à clínica da 1.ª Ré, não resultou provado que as facturas das consultas juntas pela a Autora tenham ocorrido apenas em virtude da factualidade aqui posta em crise, pelo que o respectivo reembolso não é exigível à 1.ª Ré.
81. As declarações da Autora foram no sentido de que manteve a medicação que já tomava quando foi à clínica da 1.ª Ré e têm o valor de confissão e como tal devem ser tidas em consideração e valoradas pelo douto Tribunal (cfr. artigo 466.º, n.º 3 do CPC).
82. Face ao exposto, mal andou o Tribunal a quo ao condenar a 1.ª Ré no pagamento da consulta na Clínica do R no valor de € 95,00 e as consultas de psiquiatria dos dias 02 e 27 de Abril de 2016 no valor de € 188,22, pelo que se requer a absolvição da 1.ª Ré no pagamento dessas consultas num total de € 283,22 (duzentos e oitenta e três euros e vinte e dois cêntimos).
83. Caso assim não se entenda – no que não se concede, mas se admite por mera cautela de patrocínio – e caso se mantenha a decisão de condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização à Autora por danos não patrimoniais, sempre se diga que deve a mesma ser substancialmente reduzida.
84. Havendo que recorrer a juízos de equidade para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais (cfr. artigo 496.º do CC), a actividade do julgador passa, necessariamente, por efectuar uma comparação jurisprudencial, com vista a fixar um montante indemnizatório equilibrado e respeitador da justiça relativa das decisões judiciais.
85. Sucede que, na fundamentação de decisão recorrida não está, ainda que superficialmente, plasmada essa comparação jurisprudencial.
86. Desse modo, fazendo uma análise jurisprudencial de casos de alguma forma idênticos ao caso sub judice, torna-se evidente que o montante fixado na sentença recorrida - € 2.500,00 - é claramente exagerado, perante danos da mesma natureza.
87. Veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, Processo n.º 25029/13.5T2SNT.L1-2; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-07-2009, processo n.º 252/05.0TBPVZ.P1; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-03-2022, Processo n.º 1891/19.7T8GDM.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, que se debruçam sobre situações com grau de gravidade e extensão dos danos não patrimoniais superiores às do caso sub judice e em que os valores indemnizatórios atribuídos a título de danos não patrimoniais, foram fixados entre os € 1.000,00 e os € 2.000,00.
88. Portanto, comparando as situações acima descritas, a gravidade e a extensão dos danos não patrimoniais verificados em cada uma das situações com a do caso subjudice considera-se que, caso se mantenha a decisão de condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização à Autora por danos não patrimoniais - no que não se concede, mas se admite por mera cautela de patrocínio - ,a expressão da compensação monetária a atribuir à Autora deve ser fixada no montante de € 1.000,00 (mil euros), respeitando, deste modo, a justiça relativa e o equilíbrio das decisões em causa.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. muito doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença ora posta em crise, alterando-se a matéria de facto provada e, por consequência, absolvendo-se a 1.ª Ré da totalidade do pedido, com as demais consequências legais daí advenientes,
Caso assim não se entenda, que seja reduzida, para montante não superior a € 1.000,00 (mil euros), a indemnização, a título de danos não patrimoniais, atribuída à Autora.
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7- A autora contra-alegou, sem apresentar conclusões, pugnando pela improcedência da impugnação da matéria de facto e pela improcedência do recurso.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A revogação da sentença, com a consequente improcedência da acção ou, quando muito, na redução da indemnização por danos não patrimoniais em 1 000€.
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2- Matéria de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de factos:
-Factos Provados:
1. A 1.ª ré dedica-se à actividade de exploração de clínicas dentárias, explorando a clínica “Sorrir”;
2. Em 5 de Agosto de 2015 a autora deslocou-se a esta clínica com vista à colocação de implantes no maxilar superior;
3. Após avaliação médica, foi proposto à autora a colocação de seis implantes superiores com carga imediata por prótese fixa;
4. O que ficou agendado para o dia 21 de Setembro de 2015;
5. A Autora liquidou à 1.ª ré a quantia de 7.743,00€;
6. No dia 21 de Setembro de 2015, a autora foi submetida à cirurgia de colocação de implantes e à fixação de prótese provisória;
7. O que foi realizado pela Dr. VS e pelo 2.º réu;
8. Tendo a Dra. VS colocado os implantes o 2.º réu procedido à captura e fixação da prótese provisória;
9. Após colocação desta prótese, verificou-se que a mesma se encontrava desalinhada, apresentando um desnivelamento entre maxilares;
10. O réu abandonou o local e só regressou após ser chamado pela Dra. VS;
11. Em face do desagrado manifestado pela autora, o 2.º réu forçou a prótese sobre os maxilares, o que lhe causou fortes dores e desconforto;
12. Não tendo solucionado o problema por essa via, o 2.º réu desgastou a prótese, designadamente o tamanho dos dentes;
13. Na data mencionada no ponto 6, a autora permaneceu na clínica cerca de 10 horas;
14. Quando saiu, a autora apresentava-se exausta;
15. A autora ficou tão desiludida que deixou de conseguir dormir e de querer falar;
16. A autora e o marido não ficaram satisfeitos com a aparência estética da prótese e exigiram à 1.ª ré a sua correcção;
17. Nessa sequência, foi combinada nova intervenção a realizar em 23/09/2015 a fim de ser substituída a prótese provisória por outra; * (data corrigida por via da impugnação da matéria de facto).
18. Nessa data, dois dias depois da primeira cirurgia, foram tirados moldes para uma nova prótese e colocada essa nova prótese;
19. A retirada da primeira prótese e a colocação de nova causou à autora grandes dores por força da pressão exercida sobre os implantes recém-colocados;
20. A segunda prótese mostrou-se larga e com folgas, à medida que a boca da autora foi desinflamando, e causava-lhe dores;
21. O que dificultava que a autora mastigasse e falasse;
22. O que lhe provocou depressão e aumentou o seu isolamento;
23. A autora foi submetida a consultas de seguimento na clínica da 1.ª ré em 28 e 30 de Setembro e 7 e 21 de Outubro de 2015;
24. Em 24 de Novembro, foi realizada uma ortopantomografia na clínica da 1.ª ré para avaliação dos implantes;
25. Nessa data foi informada que tudo se encontrava dentro da normalidade;
26. Nessa data, a autora ainda não se sentia bem;
27. A autora perdeu a confiança na 1.ª ré e dirigiu-se a outra clínica;
28. Nessa ocasião foi informada de que teria de ser submetida a uma intervenção na gengiva para retirada de um ponto e que a prótese tinha de ser removida e reparada, porque estava a inflamar a gengiva;
29. Tendo despendido para o efeito 135,00€;
30. Em 30 de Novembro a autora sujeitou-se a nova consulta de medicina dentária, tendo despendido a quantia de 35,00€;
31. Em 10 de Dezembro, a autora pagou a quantia de 30,00€ por uma “cirurgia de retalho por quadrante” e a quantia de 100,00€ por uma “exodontia do 1.7.”;
32. A autora pagou ainda as seguintes quantias:
a. 40,00€ por “impressões e modelos de estudo”;
b. 80,00€ por “impressão funcional usando base ajustada, material termoplástico e outro”;
c. 100,00€ por “registo da relação intermaxial usando cera em base estabilizada numa arcada”;
d. 125,00€ por “estudo e diagnóstico de caso clínico”.
33. Em 19 de Janeiro de 2016 a autora pagou a quantia de 1.500,00€ por uma “carga imediata superior” bem como a quantia de 1.414,00€ referente a adaptadores, para a substituição da prótese provisória que trazia;
34. A situação acima relatada causou sofrimento à autora, a qual se sentiu desanimada e deprimida e careceu de tratamento médico;
35. Tendo, para tratamento desse quadro mental, despendido, pelo menos, as quantias de 95,00€ e de 188,22€;
36. A autora deslocou-se ao Porto, à ERS, para negociar uma solução com a 1.ª ré;
37. Tendo despendido 167,94€ na viagem de avião;
38. A primeira prótese nunca foi devolvida à autora, apesar das diversas solicitações
feitas.
-Factos Não Provados.
39. A autora foi informada de que, após a intervenção, ficaria com um sorrido lindo e
que ao final de 15 dias estaria a mastigar normalmente;
40. Após a colocação dos implantes pelo 2.º réu, a autora sofreu uma infecção generalizada na boca;
41. A intervenção havia sido programada para ser realizada pelo Dr. DB, mas foi realizada pelo 2.º réu sem qualquer explicação;
42. Esta alteração causou na autora ansiedade e desconfiança;
43. Vendo frustada a tentativa de remediar a prótese provisória, o 2.º réu abandonou o
local, sem menção de voltar;
44. A Dra. VS foi atrás dele, ordenando-lhe que resolvesse o problema;
45. Quando foi à CUF a autora foi informada de que um dos implantes tinha falhado, que dois eles podiam não se osteointegrar e que tinha quatro pontos esquecidos;
46. A autora despendeu a quantia de 50,00€ em deslocações no Porto.
***
3- As Questões Enunciadas.
3.1- Impugnação da Matéria de Facto.
Nas conclusões do seu recurso, a ré/apelante impugna a decisão da 1ª instância quantos aos pontos 11, 12, 28, 22, 23, 34 e 35, pretendendo que sejam considerados não provados.
Vejamos cada um destes pontos.
Quanto aos pontos 11 e 12.
Recordemos o teor desses dois pontos de facto:
11. Em face do desagrado manifestado pela autora, o 2.º réu forçou a prótese sobre os maxilares, o que lhe causou fortes dores e desconforto;
12. Não tendo solucionado o problema por essa via, o 2.º réu desgastou a prótese, designadamente o tamanho dos dentes;”
Refere a apelante que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão, quanto aos pontos 9 a 12 dos factos provados, no depoimento de VS e, defende que com base no depoimento desta testemunha o tribunal não podia ter dado como provados os pontos 11 e 12, porque a testemunha, segundo a apelante, jamais referiu que o “…2º réu forçou a prótese sobre os maxilares, o que lhe causou fortes dores e desconforto;” e “não tendo solucionado o problema o 2º réu desgastou a prótese, designadamente o tamanho dos dentes.”
Vejamos
Pois bem, ouvido, na integra, o depoimento desta testemunha disse ela, acerca destes dois pontos de facto, em síntese, que:
O Dr. FF interveio para colocar a prótese provisória; não se lembra se esteve (ela) sempre presente; com a prótese já colocada, quando a MJL trincou, a prótese só batia de um lado; pediu ao Dr. FF para regressar, para fazer o ajuste, porque a prótese não podia bater só de um lado; é suposto a prótese encaixar; o Dr. FF não verificou se (a prótese) estava bem implementada; ela foi fixar os ajustes dos parafusos; quando a prótese foi colocada verificou-se que não assentava de um lado e foi aí que precisou de afinação, de fazer o ajuste na boca; a prótese não podia ficar assim, tem de haver equilíbrio na mastigação; o Dr. FF ajustou a mordida e limou os dentes; como houve desgaste dos dentes a MJL não gostou do que viu esteticamente; esteticamente, uns dentes estavam mais desgastados que outros. Lembra-se que a MJL estava muito queixosa, talvez por a anestesia estar a terminar, podia sentir mais; podia estar mais sensível; a MJL estava queixosa.
Ora, deste depoimento pode retirar-se que por a prótese não assentar de um lado, o Dr. FF tentou fazer o ajuste da prótese na boca; fazer o ajuste na boca significa, no caso, tentar equilibrar a mordida em termos de os dentes da prótese acertarem ou baterem, de modo igual, em todos os dentes da maxila inferior e não apenas nos dentes de um dos lados dessa maxila inferior. Ou seja, é razoável entender que para tentar ajustar a prótese na boca, o Dr. FF tenha forçado/pressionado o lado onde os dentes da prótese estavam mais salientes, para os fazer subir a fim de tentar equilibrar a mordida. E essa tentativa de reequilibrar a mordida, com a prótese ainda na boca, causou fortes dores à autora; veja-se que a testemunha, VS, afirmou, mais de uma vez, que a MJL estava muito queixosa, admitindo a testemunha que essas dores se devessem, talvez, à circunstância de a anestesia estar a terminar. Mais disse a testemunha que o Dr. FF, para ajustar a mordida, limou os dentes de um dos lados.
Ou seja, embora a testemunha VS não tenha utilizado, expressis verbis as palavras o 2º réu forçou a prótese sobre os maxilares, pode deduzir-se, com segurança, do depoimento da testemunha …, que o Dr. FF tentou uma manobra de ajuste da prótese, ainda na boca, o que inculca que a tenha pressionado contra a maxila superior, o lado da prótese que estava mais saliente e, como não resultou, optou por proceder aos desgaste dos dentes mais salientes da prótese.
A esta vista, não vemos fundamento para considerar como não provados os pontos 11 e 12 dos factos provados.
-Correcção da data constante no ponto 17 dos facos provados.
A apelante refere que existe um lapso de escrita relativamente à data mencionada no ponto 17 dos factos provados: consta 25 de Setembro de 2015 quando deveria constar 23 de Setembro de 2015.
Tem razão, a apelante, quanto à correcção do lapso pretendido: da ficha clínica junta como documento nº 3 com a contestação consta 23/09/2015; e o marido da autora referiu que a 2ª prótese (provisória) foi colocada dois dias depois da primeira, ou seja, a 23 de Setembro de 2015. Aliás, o ponto 18 dos factos provados, menciona, expressamente “…dois dias depois…”.
Deste modo, corrige-se, no local próprio, a data constante do ponto 17 dos factos provados.
- Quanto ao ponto 28 dos factos provados.
A apelante entende que além de não ter sido produzida prova sobre esse facto, o tribunal também não fundamentou em que meios se prova se baseou para considerar esse facto como provado. Refere que o Dr. PEC disse não se lembrar da retirada de pontos e que só o mencionou por virtude da conversa que teve, antes do depoimento, com a testemunha PC e, este, não se recorda de quem retirou os pontos. Refere, ainda, que o Dr. PC mencionou ser normal que a próteses provisória precise de ajustamentos, à medida que a as gengivas vão cicatrizando e, que essas correcções poderiam ter sido feitas na clínica da ré, sendo desnecessário que a autora procurasse a clínica da CUF. Defende que o ponto 28 dos factos provados deve considerar-se não provado.
Vejamos.
Recorde-se o teor do ponto 28 dos factos provados.
28. Nessa ocasião foi informada de que teria de ser submetida a uma intervenção na gengiva para retirada de um ponto e que a prótese tinha de ser removida e reparada, porque estava a inflamar a gengiva;”
Uma primeira nota: a 1ª instância não referiu em que meios de prova se baseou para dar como provado o ponto 28.
No entanto, contrariamente ao que menciona a ré/apelante, a testemunha, PC, no seu depoimento referiu, expressamente, que foram retirados pontos. A circunstância de o Dr. PC ter mencionado não se lembrar da retirada dos pontos é normal, dados os anos que passaram entre a intervenção e o depoimento e a quantidade de pacientes que observou ao logo desse tempo. Aliás, a testemunha PC até referiu, no seu depoimento, que não se lembrava da cara da autora e, o que sabia resultou da consulta dos seus registos clínicos. Não obstante, a verdade é que a testemunha PC mencionou, expressamente, que o colega, PC, lhe mencionou a retirada de pontos e ele acredita, perfeitamente, que isso tenha acontecido.
Convém ainda, acerca desta matéria, recordar o depoimento do Dr. PC – cujo depoimento foi integralmente ouvido – que, em síntese, disse:
Na 1ª consulta a paciente queixava-se de dores e tinha as gengivas muito inflamadas; propôs a colocação de uma outra prótese provisória; aquela que a paciente tinha, não servia por ter irregularidades e não encaixava por estar danificada; não estava em condições e estava a danificar tecidos moles e a causar grande desconforto; por isso foi proposto colocar nova prótese provisória para haver cicatrização dos tecidos e deixar de causar dor e, não é suposto que quando se usa a prótese cause dor; com dois meses de implantação da prótese provisória é suposto que as gengivas estejam cicatrizadas. A parte dos implantes já estava feita mas retiraram pontos. A prótese provisória não estava adaptada aos implantes: devia ter sido tocada por instrumento cortante e estavam danificados os cilindros da prótese. A prótese tem de estar o mais junta e polida possível porque se não, impede a cicatrização dos tecidos, causando dor, desconforto e até hemorragias.
Pois bem, à luz destes dois depoimentos, somos a entender que não há fundamento para alterar o ponto 28 dos factos provados.
Quanto aos pontos 22, 23, 34 e 35 dos factos provados.
Invoca a ré/apelante que o tribunal a quo, para dar estes factos como provados, se baseou, exclusivamente no depoimento da testemunha CL, sendo certo que há outros meios de prova que afastam que a alegada depressão da autora se tenha ficado a dever aos invocados problemas decorrentes das intervenções realizadas na clinica ré. Concretamente, do documento 2 da contestação, ficha clínica do paciente, resulta que ela tinha historial clínico de depressão e havia feito desmame da medicação havia cerca de um mês. E, quando confrontada a testemunha com esse documento, admitiu poder estar enganado e que a esposa ainda estivesse em fase de depressão, embora a finalizar a medicação. A própria autora reconheceu que quando foi intervencionada a 1ª vez, na clínica da ré, ainda estava a tomar Triticum e Bupropiona, e tinha deixado de tomar Fluoxetina a Lexotan. O que resulta das declarações da autora é que não se despoletou nova depressão que exigisse a reintrodução de nova medicação. Além disso, não há relatório médico a atestar a nova depressão da autora por consequência da intervenção na clínica da ré. Além disso, existe contradição entre o que consta do documento elaborado pela Dra. MDG e as declarações da autora: aquela refere três medicamentos Fuoxetina, Bupropina e Donaren e, a autora refere não ter voltado a tomar Fuoxetina. Por outro lado, a declaração da Psicóloga EM não refere que situação psiquiátrica sofria a autora. Por tudo isto, o tribunal não podia condenar a ré a pagar os custos das consultas de psiquiatria e da Clínica do R (95€ + 188,32€).
Vejamos.
Primeiro que tudo, recorde-se o texto desses pontos de facto:
22. O que lhe provocou depressão e aumentou o seu isolamento;
23. A autora foi submetida a consultas de seguimento na clínica da 1.ª ré em 28 e 30 de Setembro e 7 e 21 de Outubro de 2015;

34. A situação acima relatada causou sofrimento à autora, a qual se sentiu desanimada e deprimida e careceu de tratamento médico;
35. Tendo, para tratamento desse quadro mental, despendido, pelo menos, as quantias de 95,00€ e de 188,22€;”
A questão que se coloca é a de saber se os pontos 22, 23, 34 e 35, não podiam ser dados como provados.
Ora bem, no que toca ao ponto 23, apesar de a 1ª instância ter referido que se baseou no depoimento do marido da autora (mencionou que se baseou no depoimento de CL, quanto aos pontos 13 a 27 e, aos pontos 34 a 37), vejamos se pode considerar-se esse facto como não provado.
Pois bem, no que respeita ao ponto 23, da ficha clínica junta pela ré como documento 3 da contestação, resulta, justamente, que a autora após remoção da 1ª prótese provisória, em 23/09/2015, teve consultas na ré a 28/09/2015, a 30/09/2015, a 07/10/2015, a 21/10/2015 e a 24/11/2015.
Por conseguinte, não vislumbramos que o ponto 23 dos factos provados possa ser considerado não provado.
Quanto ao ponto 22, é necessário verificar o respectivo enquadramento. Com efeito, o ponto 22 não surge desgarrado da demais factualidade tida como provada e que, de resto, a ré não impugnou. Na verdade, foi dado como provado que:
“15. A autora ficou tão desiludida que deixou de conseguir dormir e de querer falar;
16. A autora e o marido não ficaram satisfeitos com a aparência estética da prótese e exigiram à 1.ª ré a sua correcção;
17. Nessa sequência, foi combinada nova intervenção a realizar em 23/09/2015 a fim de ser substituída a prótese provisória por outra; * (data corrigida por via da impugnação da matéria de facto).
18. Nessa data, dois dias depois da primeira cirurgia, foram tirados moldes para uma nova prótese e colocada essa nova prótese;
19. A retirada da primeira prótese e a colocação de nova causou à autora grandes dores por força da pressão exercida sobre os implantes recém-colocados;
20. A segunda prótese mostrou-se larga e com folgas, à medida que a boca da autora foi desinflamando, e causava-lhe dores;
21. O que dificultava que a autora mastigasse e falasse;”
Ou seja, com a colocação da 1ª prótese provisória, a autora deixou de conseguir dormir e de querer falar e tinha dificuldade de mastigar e de falar. A estas duas circunstâncias factuais acresce o depoimento do marido da autora que, mencionou que a mulher estava com muitas dores e com uma comoção enorme; mesmo com a 2ª prótese provisória, colocada também pela ré, a autora continuava a ter dores e manteve essas dores por mais de dois meses. Acrescentou que, referindo-se à publicidade da ré, “Quando se promete um novo sorriso em 15 dias e acontece o que aconteceu, é como se o mundo caísse; o mundo desabou; ela entrou em depressão que acabou por interferir no dia a dia do casal por causa da depressão. A clínica do R fez análises e consulta e disse que fisicamente estava bem (a autora) o que tinha era um a grande depressão. A mulher foi para o Brasil para estar com os netos e a filha a ver se melhorava, descontraia e aproveitou e foi a outra médica psiquiatra que lhe diagnosticou depressão e manteve a medicação; depois, foi também a uma psicóloga.”  E, acerca da depressão anterior, embora tenha dito, primeiramente, que estava debelada, acabou por admitir que tinha feito desmame da medicação psiquiátrica cerca de um mês antes da 1ª intervenção da clínica ré. O próprio Dr. PC disse que a autora queixava-se da cavidade oral, tinha muitas dores e não conseguia comer. O Dr. PEC disse que a autora, quando foi à sua consulta disse que tomava quatro medicamentos diferentes, todos relacionados com depressão. A própria autora, nas suas declarações de parte, manifestou, inequivocamente, que a situação a deprimiu. Acresce, a estes meios de prova, o documento 17, junto com a petição inicial (consulta na Clínica do R) que o marido da autora esclareceu tratar-se de consulta por médico internista (especialista em medicina interna) que lhe disse não ter problema de saúde física, mas de depressão. Bem como o documento 18, junto com a petição inicial – trata-se de atestado emitido pela Dra. MDA, médica psiquiatra, datado de 27/06/2016, pelo qual pagou 300 reais – onde é referido que a autora “…encontra-se em tratamento psiquiátrico por quadro depressivo, desencadeado após tratamento de implante dentário. A paciente encontra-se em uso de medicações psicotrópicas. Manhã: Fluoxetina 20 mg e Bupropiona 150 mg; à noite: Donaret Retard 150 mg. E ainda o documento junto com a petição inicial consistente num atestado emitido a 04/07/2016, pela Dra. EM, Psicóloga, que atesta que a autora “…encontra-se em tratamento psiquiátrico.”
Ora, destes meios de prova e atendendo ao standard de prova, afigura-se-nos ser muito mais provável que a autora tenha despoletado depressão na sequência das intervenções, falhadas, na clínica da ré, do que o seu contrário.
Assim, entendemos que não há fundamento para dar como não provado o ponto 22.
Pelos mesmos fundamentos, mantém-se como provado o ponto 34: A situação acima relatada causou sofrimento à autora, a qual se sentiu desanimada e deprimida e careceu de tratamento médico.
Quanto ao ponto 35, decorre que atendendo à manutenção dos pontos 22, e 34, conjugados com o documento 17 (factura de 95€ pagos pela ré na Clínica do R) e do pagamento de 300 reais à Dra MDA e de 480 reais à Dra. EM, mantém, igualmente, o ponto 35.
Do que fica exposto, conclui-se pela total improcedência da impugnação da matéria de facto.
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3.2- A revogação da sentença, com a consequente improcedência da acção ou, quando muito, na redução da indemnização por danos não patrimoniais em 1 000€.
A apelante defende a improcedência da acção, baseando-se, em primeira linha, na alteração da matéria de facto que impugnou, concretamente, pontos 11, 12, 22, 23, 28, 34 e 35.
Vimos que essa impugnação da matéria de facto foi totalmente improcedente. Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se há fundamento para alterar a decisão sob recurso.
Ora a ré/apelante defende que o único problema que existia com a primeira prótese provisória era meramente estético e que se resolveria com a colocação da prótese definitiva; que a 1ª prótese provisória, após desgaste pelo 2º réu, ficou com as dimensões adequadas; e que a colocação da 2ª prótese provisória poderia ficar até à colocação da prótese definitiva, tanto mais que quando a autora foi à outra Clínica (CUF), aquela 2ª prótese apenas careceu de pequenos ajustamentos, que são normais neste tipo de intervenção e, por isso, não havia necessidade de ser colocada uma terceira prótese provisória na Clínica CUF. Conclui que não há fundamento para condenar a ré a pagar 3 559€ correspondentes à soma das parcelas de despesas que a autora suportou junto da Clínica da CUF.
Será assim?
Desde já adiantamos que a ré/apelante não tem razão quanto a esta pretensão de ser absolvida do pagamento das quantias despendidas pela autora, junto da Clínica CUF, com a intervenção para colocação da 3ª prótese provisória.
Na verdade, como esclareceu o Dr. PC, a prótese provisória – a 2ª prótese provisória colocada pela ré – não podia ser mantida porque não estava adaptada à boca da autora: causava inflamação nas gengivas, tinha irregularidades que tiveram de ser polidas e a prótese não estava adaptada aos implantes; que as próteses provisórias têm de estar mais justas e polidas possível porque, se não, impedem a cicatrização dos tecidos e causam dor.
Também o Dr. PEC disse que a autora apresentava alguns problemas nos implantes e patologias associadas; ele não teria feito aquela (realizada pela ré) reabilitação, pelo menos daquela maneira.
Quer dizer, da factualidade dada como provada, decorre que a 1ª e a 2ª próteses provisórias colocadas pela ré não eram adequadas a realizar a função a que se destinavam: permitir a cicatrização dos tecidos na sequência da intervenção cirúrgica para extração dos dentes e colocação dos implantes, permitindo, simultaneamente que a ré pudesse mastigar sem dor, falar e sorrir.
Como é referido na sentença sob recurso:
De facto, através desse contrato, a 1.ª ré assumiu a obrigação de prestar serviços
odontológicos à autora, consistindo esses cuidados na colocação de implantes dentários e prótese fixa, em troca do pagamento de um montante pecuniário previamente acordado.
Porém, alega a autora que esses serviços médicos foram incorrectamente prestados.
(…)
A efectivação da responsabilidade civil do médico, incluindo médico-dentista, depende, como em todas as outras situações de responsabilidade civil, da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos: a ilicitude do facto, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
(…)
O cumprimento defeituoso da obrigação pode verificar-se quanto a toda e qualquer obrigação proveniente de contrato ou qualquer outra fonte e ocorre quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito.
(…)
“…não podendo o 2.º réu ser considerado como parte no contrato de prestação de serviços, que foi estabelecido entre a autora e a 1.ª ré, apenas esta poderá ser responsabilizada pelo descrito incumprimento contratual, não podendo duvidar-se do cumprimento defeituoso da 1.ª ré, já que era exigível que a próstese que foi colocada à autora não só fosse esteticamente harmoniosa, com as dimensões adequadas, como adaptada à sua boca e não magoasse ou inflamasse a gengivas.
Ora, neste caso, presume-se a culpa da ré, nos termos do artigo 799.º do CC, culpa
esta que a ré não logrou afastar.
Assim sendo, deverá a 1.ª ré responder pelos prejuízos sofridos pela autora, ou seja, reparar as consequências danosas do seu incumprimento contratual.
Concordamos com a 1ª instância quando fundamenta a responsabilidade da 1ª ré e exclui a responsabilidade do 2º réu, baseando-se no artº 800º nº 1 do CC.
Na verdade, o princípio da culpa, base do nosso sistema de responsabilidade civil, é derrogado pelo regime da responsabilidade por actos de auxiliares. O conceito de auxiliares tanto abrange os auxiliares dependentes ou subordinados, em regra integrados na empresa do devedor, como os auxiliares independentemente, por regra não integrados na empresa. Por outro lado, nesse artº 800º nº 1 do CC consagra-se uma ficção: os actos dos auxiliares (ou dos representantes legais) são considerados como se fossem actos do devedor, isto é, projecta-se o comportamento do auxiliar na pessoa do devedor (Cf. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág. 447). E continua este autor “O artº 800º ficciona que o comportamento dos auxiliares (ou dos representantes legais) é um comportamento do devedor. Em termos ético-jurídicos, o princípio é (já) o de que o devedor responde sem culpa”.
Trata-se, portanto de responsabilidade civil objectiva (Cf. Carla Gonçalves, A Responsabilidade Civil Médica: Um Problema para Além da Culpa, pág. 124).
Aliás, no mesmo sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes), onde, no respectivo sumário expressamente afirma:
“I. No âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo médico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do CC.  
III. A responsabilidade contratual da instituição prestadora dos cuidados de saúde perante o paciente, ao abrigo do artigo 800.º do CC, será aferida em função dos ditames que o médico “auxiliar” do cumprimento deva observar na execução da prestação ao serviço daquela instituição.
IV. De um modo geral, tem-se entendido que o resultado correspondente ao fim visado pelo contrato de prestação de serviço de ato médico não se reconduz a uma obrigação de resultado, no sentido de garantir a cura do paciente, mas a uma obrigação de meios dirigida ao tratamento adequado da patologia em causa mediante a observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (leges artis).
V. Porém, casos há em que, tratando-se de ato médico com margem de risco ínfima, a obrigação pode assumir a natureza de obrigação de resultado.
VI. Para efeitos dessa qualificação, não se mostra curial adotar critérios apriorísticos em função da mera categorização do tipo de atividade médica, mas sim de forma casuística centrada no contexto e contornos de cada situação.
VIII. No âmbito da execução do ato médico correspondente ao cumprimento do dever de prestar, importa ainda atentar no dever de proteção na salvaguarda da integridade física do paciente, coberta pela tutela da personalidade, nos termos previstos no artigo 70.º, n.º 1, do CC, na medida em que se mostre estreitamente conexionado com esse cumprimento.
IX. Nessa medida, o reforço daquele dever de prestar por virtude do referido dever de proteção permitirá configurar a ilicitude do ato médico violador da integridade física do paciente, ocorrido em sede da própria execução do cumprimento da obrigação contratual.
XI. Nessas circunstâncias, presumindo-se a culpa do médico operador, incumbirá ao devedor da prestação provar que tal ocorrência não lhe é imputável por falta de cuidado ou de imperícia, nos termos do artigo 799.º do CC.”
No caso em apreço, verificámos que o 2º réu “auxiliar” da 1ª ré, colocou a 1ª prótese provisória de modo desadequado ao resultado visado, dado que os dentes da prótese não faziam a oclusão total com os dentes da maxila inferior; e, para tentar reparar essa errada execução, limou a prótese e os dentes que, desde logo, apresentavam um aspecto inestético e causavam dor à autora. A tentativa de remediar a situação, com a colocação de uma 2ª prótese provisória, também não produziu os resultados pretendidos, porque a autora não conseguia mastigar, tinha dores e, as gengivas apresentavam-se muito inflamadas e com pontos, que houve necessidade de serem retirados e, a 2ª prótese provisória adaptada à boca da autora.
A esta luz e de acordo com o que ensina o referido acórdão do STJ, de 23/03/2017, temos de concluir que a 1ª ré responde, civilmente, pelo acréscimo de despesas que a autora teve de suportar para debelar a incorrecta colocação de próteses provisórias na clínica ré.
A esta vista, deve manter-se a condenação da 1ª ré, proferida pela 1ª instância, quanto à responsabilização pelo pagamento da quantia de 3.842,22€, correspondente à soma das várias despesas; 135,00€; 35,00€; 30,00€; 100,00€; 40,00€; 80,00€; 100,00€; 125,00€; 1.500,00€; 1.414,00€; 95,00€ e 188,22€.
E o mesmo se diga quanto à indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes quer das dores físicas quer da depressão a que o tratamento incorrecto conduziu a autora.
Na verdade, concorda-se com a 1ª instância quando fundamenta:
O montante da indemnização destes danos deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, como decore do n.º 3 do artigo 496.º do CC, sendo de atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso com relevância à sua aferição.
Revertendo ao caso concreto, às dores e sofrimento físico e psicológico decorrente da intervenção sofrida, entendemos ajustado fixar a indemnização devida em 2.500,00€.”
A 1ª ré, não está em desacordo com este dever de indemnizar danos não patrimoniais. Apenas discorda do respectivo montante atribuído, defendendo que seria adequada a quantia de 1 000€.
Invoca três acórdãos de Relações, um da Relação de Lisboa e dois da Relação do Porto e um do STJ (este sem o identificar):
Pois bem, dos acórdãos invocados, o do TRP, de 17/07/2009, diz respeito a danos não patrimoniais, decorrestes de acidente de viação. A situação analisada nesse acórdão não é semelhante à dos autos, por isso, não pode servir como elemento de comparação.
O acórdão do STJ, além de não vir identificado nem por data, nem por relator ou processo, não permite comprová-lo e, além disso, dirá respeito a danos decorrentes de acidente de viação, não servindo, portanto, de termo de comparação.
O acórdão do TRP, de 08/03/2022, que atribuiu uma indemnização de 1 000€, por danos não patrimoniais, numa situação de má prática médica em caso de odontologia, não é coincidente com a situação dos autos em que, para além das dores, incómodos que se prolongaram por mais de dois meses, a autora passou a sofrer de depressão na sequência da deficiente prestação dos serviços pela clínica ré.
E o mesmo se diga relativamente ao acórdão do TRP de 08/03/2022, neste, foi mantida uma indemnização de 2 000€, por danos não patrimoniais, num caso de má prática médica odontológica em colocação de implante dentário. Só que nesse caso, o autor não sofreu de depressão, como no caso dos autos, mas, somente, dores e alteração da fisionomia da boca e dificuldades respiratórias.
Por isso, não se vislumbram fundamentos para reduzir a indemnização de 2 500€ por danos não patrimoniais por a situação dos autos ser mais grave, dada a depressão de que passou a padecer.
Em suma, o recurso improcede.
***
III-DECISÃO
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso totalmente improcedente e, por conseguinte, mantém a sentença sob impugnação.
Custas, na instância de recurso, pela ré/apelante.

Lisboa, 20/06/2024
Adeodato Brotas
Jorge Almeida Esteves
Gabriela de Fátima Marques