FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
JULGAMENTO EQUITATIVO
Sumário

Será de recorrer à figura da interpretação conforme à Constituição e, adequando o regime legal à configuração do direito de contraditório, de forma a assegurar o tratamento equitativo das partes e a efetividade da tutela jurisdicional, facultar ao requerido, em caso de incumprimento do dever expresso no art. 15º-F, nº3 do NRAU, no que concerne ao pagamento da taxa de justiça aí prevista, a possibilidade de sanar essa falta, mediante realização ulterior desse depósito, acrescido de multa, nos termos previstos no art. 570º do Código de Processo Civil.
 (Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
A
interpôs o presente procedimento especial de despejo, contra
B,
Peticionando se decrete o despejo do imóvel sito na Rua C, n.º 30, r/c Esq., em Lisboa, invocando a cessação do contrato de arrendamento com prazo certo e fins habitacionais, por oposição à renovação pelo senhorio.
Notificado o requerido, em 18/3/2024, veio este apresentar oposição, em 2/4/2024, indicando no respectivo formulário Ref. de Autoliquidação: 702580090711297.
Invoca o requerido, nesse articulado, a improcedência da pretensão, impugnando os factos invocados bem como requer o diferimento da eventual desocupação e a comunicação devida para o apoio a local alternativo.
Remetidos os autos à distribuição, foi de imediato proferida a seguinte decisão, em 5/4/2024:
De acordo com o nº5 do art. 15º-F do NRAU, o requerido pode apor-se ao requerimento de despejo, devendo, para esse efeito, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, salvo nos casos de apoio judiciário.
No seu articulado de defesa, o requerido não juntou qualquer comprovativo de pagamento, nem comprovou ser beneficiário de apoio judiciário.
De acordo com o nº6 da citada norma legal, “não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Ante ao citado normativo, tem-se a oposição apresentada como não deduzida.
Notifique.
**
A apresentou requerimento de despejo no Balcão do Arrendatário e do Senhorio contra B, para desocupação do locado sito Rua C, n.º 30, r/c Esq, em Lisboa.
A oposição apresentada pelo requerido considerou-se como não deduzida.
*
De acordo com alínea b) do nº1 do art. 15º-EA, os autos devem ser conclusos ao Juiz para efeitos de prolação de decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que a oposição se tiver por não deduzida.
Verificando-se a previsão da referida norma legal, e mostrando-se observados os formalismos legais na tramitação desenvolvida pelo BAS, ao abrigo do citado art. 15º-EA, n.º 1, al. b) e dos artigos 15º-J n.ºs 3 e 4 do NRAU e 757º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, autoriza-se a entrada imediata no imóvel sito na Rua C, nº30, r/c Esq, … Lisboa, para efeitos de investimento da Requerente na posse do imóvel.
Sendo o caso, o Agente de Execução deverá observar o disposto no art. 15º, nº3 do Decreto-Lei nº1/2013, de 07.01.
Notifique – cf. artigo 15.º-EA, nº5 do NRAU.
Dê as competentes baixas estatísticas, e devolva os autos ao BAS
Com data de 8/4/2024, foi pela secretaria junto comprovativo de registo, com o seguinte teor:
Registo: 702580090711297 Montante: 153,00 € Descritivo: Taxa de Justiça Cível Área: Cível Número: 8624/24.4T8LSB Parte: Réu Nome: B Data: 03-04-2024 Unidade: Juízo Local Cível de Lisboa Data: 02-04-2024
E, no mesmo dia, foi aberta conclusão com a seguinte informação:
informando que pela referência nº 389675539, encontra-se efectuado o pagamento de taxa de justiça no montante de € 153,00, já associada nos autos.
Ainda no mesmo dia, foi proferido despacho com o seguinte teor:
A taxa de justiça devida para a acção ascendia a €306, tendo o oponente liquidado o montante de €153.
O regime do procedimento especial de despejo, dada a sua natureza urgente, não contempla a possibilidade do pagamento de taxa de justiça em duas prestações.
 O pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de comprovação (cfr. nº2, do art. 145º, do CPC), devendo o montante de €153 ser devolvido ao apresentante.
Notifique
*
Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
a) A presente apelação vem deduzida contra os despachos/sentença, Ref.as 434363898 e 434459142, que lhe foram notificados pela Ref.a 434468436.
b) Os despachos/sentença objeto de recurso, deferiram o requerimento de despejo do locado, casa de família do R., ora apelante e, antes disso, de seus pais e no qual este reside desde 01-03-1960.
c) 1.° No âmbito do processo 471/24.OYPRT, do BNA, foi o R. notificado do pedido da A., conforme Ref.a 38967532.
2.° O ora recorrente, deduziu a correspondente oposição e junção de documentos, Ref.as 38967539 e 38967540, (NRAU artigos 15.° -EA n.° 1 a), a contrário e 15.° F n.° 1).
3.° O BNA notifica o R. "da remessa dos autos à distribuição com a oposição ", Ref.a 38967542,
4.° E a A., Ref.a 38967541, notificando-a da oposição deduzida (NRAU artigo 15.° H n.°s 1,2.a parte e 2).
5.° Remetendo os autos para distribuição, nos termos do artigo 9.° do DL n.° 1/2013, de 7/01, Ref.a 38967402.
6.° O processo do BNA dá entrada no TJ.C. de Lisboa em 03/04/2024 e distribuído ao tribunal a quo em 04/04/2024, Ref.a 38967402.
7.° O processo é concluso, Ref.a 434363876, e
8.° Proferida sentença, Ref.a 434363898, em 05/04/2024.
9.° A 8/04, é registado o pagamento de taxa de justiça pelo R., Ref.a 434458831,
10.° Concluso o processo, Ref.a 434458859, nessa mesma data,
11.° Proferido o segundo despacho, Ref.a 434459142.
12.° Ambos notificados ao ora apelante através da Ref.a 434468436.
d) Com o cumprimento do ponto 6.°, verifica-se a “judicialização” do processo.
e) Quanto à Ref.a 434363898,
Subdivide-se em duas partes distintas.
f) Quanto à primeira:
g) Verifica-se, no caso, a prolação de uma “decisão surpresa”.
h) Perante facto tão gravoso, seria crucial o Meritíssimo juiz a quo ter dado cumprimento ao disposto no artigo 3.°/CPC:
i) Tendo tido essa oportunidade, de imediato, o ora apelante teria esclarecido, conforme melhor consta da Ref.a 38967539, no formulário de Oposição a “ Ref.a de autoliquidação 702580090711297”.
j) Tendo proferido uma “Decisão Surpresa”, por violação do artigo 3.°/CPC, foi cometida nulidade, que expressamente invoca, nos termos dos artigos 195.° n.°s 1 e 2 e 199.° n.° 1/CPC.
k) A fundamentação, “... o requerido não juntou qualquer comprovativo de
pagamento...”, não se adequa à realidade dos autos: foi, comprovado o pagamento da taxa de justiça, nos termos do RCP, comprovativo esse para o qual a Lei exige formalidade especial, a indicação no formulário da referência da autoliquidação, ficando, assim, abrangido pela 2.a parte do n.° 5 do artigo 607.° /CPC. (vd., ainda, artigo 570.°, n.°s 1 e 2/CPC).
l) Exigindo a Lei formalidade especial, não estava na disponibilidade do Mm. Juiz a quo o previsto nos números 3., 4. e 5 (1.a parte) do artigo 607.°/CPC.
m) Tal equivale à nulidade da sentença prevista no artigo 615.° n.° 1 alínea b), a qual expressamente, alega nos termos da 2.a parte do n.° 4 do mesmo artigo (vd. ainda artigo 616.° n.° 2 a contrario)
n) Procedendo o acima alegado, será de julgar a oposição como atempadamente deduzida.
o) Quanto à segunda,
Procedendo o acima alegado fica prejudicada a decisão recorrida de não considerar a oposição como não deduzida e, em consequência, prejudicada fica, também, o ordenado quanto à posse do imóvel, devendo esta referencia ser substituída por outra que julgue a oposição atempadamente deduzida e ordene a baixa do processo para cumprimento dos ulteriores trâmites legais.
p) " De acordo com alínea b) do n°1 do art. 15°-EA, os autos devem ser conclusos ao Juiz para efeitos de prolação de decisão judicial para entrada imediata no domicílio nos casos em que a oposição se tiver por não deduzida. Verificando-se a previsão da referida norma legal, e mostrando-se observados os formalismos legais na tramitação desenvolvida pelo BAS, ao abrigo do citado art. 15°-EA, n.° 1, al. b) e dos artigos 15°-J n.°s 3 e 4 do NRAU e 757°, n°s 3 e 4 do Código de Processo Civil,..."
q) Resulta da c) (5.°), os autos não foram remetidos a juízo nos termos do artigo 15.° EA, mas sim nos do artigo 9.° do DL n.° 1/2013, de 07/01 (vd. artigo 15.° H n.° 1/NRAU).
r) Nunca tal apresentação a juízo poderia ter sido feita ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 15.° EA/NRAU, uma vez que o R. deu oportuno cumprimento ao previsto no n.° 5 (1.a parte) do artigo 15.° F/NRAU, nos termos dos artigos 5.° , 6.°, 11.° e 14.° RCP.
s) O R., ora apelante, não está incurso na previsão do n.° 6 do mesmo artigo.
t) Proferida a sentença, verifica-se a previsão do artigo 613.° n.° 1/CPC, sem prejuízo dos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo.
u) Só que, confrontado com o referido em 9.° e 10.° de c), foi proferido novo despacho (ponto 11. de c).
v) Que levanta dúvidas ao apelante, quer quanto à sua génese, oportunidade ou, base legal.
y) Quanto à génese, os autos não nos fornecem pistas escritas; pensa ser lícito que a conclusão referida em c) sob o n.° 10.° se terá devido à flagrante contradição entre as Ref.as 434363898, cronologia 8.° e Ref. 43445883, cronologia 9.°.
x) Existindo flagrante contradição entre a cronologia 8.° e a cronologia 11.° qual a oportunidade , face ao disposto no artigo 613.° n.° 1/CPC?
w) Qual a base legal para a sua prolação, nem expressa, nem implicitamente invocada?
z) Os autos não fornecem qualquer elemento, pelo que, também neste caso, foi cometida nulidade. (artigo 615.° n.°s 1 alínea b) e 4/CPC).
A1) O artigo 9.° do DL n.° 1/2023, alterado pela Lei n.° 56/2023 e 23, de 06/10, refere, no seu n.° 1, que " As formas de apresentação de oposição, ... são definidas por portaria...”
A2) Esse diploma é, atualmente, a Portaria n.° 49/2024, de 15/02, entrada em vigor no dia seguinte (artigo 37.°), 16/02/2024.
A3) Relevam os artigos 1.° n.° 1 alínea e) e 11.° n.° 1 que nenhuma norma excecional contêm quanto ao montante e liquidação de taxas de justiça, remetendo, consequentemente, para o RCP:
A4) O DL referido, estatui, quanto a taxas de justiça, nos seus artigos 21.°, 22.° n.° 2, 24.° e 26.°, os quais, também não contêm nenhuma norma excecional quanto a taxas de justiça, remetendo, para o R.C.P. e, no caso específico dos autos, para a tabela II (artigo 22.° n.° 2), 3 UC, €306,00.
A5) Tendo o apelante emitido dois DUC’S , o primeiro de €153,00, do qual fez a junção aos autos, nos termos do artigo 14.°/RCP, devendo o segundo ser entregue a tribunal aquando do momento referido no n.° 2 do mesmo artigo.
A6) Ora recorrente atuou correta e legalmente e, muito pelo contrário, não incorreu no sancionatório pleno que é o facto de ser despejado da sua casa de família desde pequeno, à beira dos 65 anos e doente.
A7) " O regime do procedimento especial de despejo, dada a sua natureza urgente, não contempla a possibilidade do pagamento de taxa de justiça em duas prestações. "
A8) O despacho recorrido não aponta a sede legal do invocado e o recorrente não o descortinou.
A9) A natureza urgente do processo, atendendo à existência de audiência final, é compaginável com o disposto no artigo 14.° n.° 2/RCP.
A10) O apelante pagou o valor devido a título de taxa de justiça.
A11) Mesmo admitindo erro, a sanção não seria a prevista no artigo 145.° n.° 2/CPC, como referido no despacho recorrido
A12) O n.° 3, o mesmo artigo refere que a falta de comprovação do pagamento referido no n.° 1 (ou a sua equivalência prevista no n.° 2) não implica a recusa da peça processual.”
A13) O recorrente deveria ter sido notificado nos termos dos artigos 145.°, n.° 3; 552.° n°s 3,4 e 570.°/CPC.
A14) Não o tendo sido, anulado o despacho recorrido e ordenadas as devidas notificações, baixando o processo à primeira instância, V. Exas. estarão, como sempre a fazer JUSTIÇA.
A15) Mmo Juiz a quo despachou no sentido de desconsiderar a oposição ao pedido de despejo do locado sito na Rua C 30 r/c Esq., em Lisboa.
A16) Os motivos do despacho referido foram (/) não ter o oponente, arrendatário, pago integralmente a taxa de justiça prévia e (//) não haver lugar ao pagamento em duas prestações dado tratar-se do procedimento urgente; (iii) logo, caber ao caso o disposto no art° 15°F/6 NRAU.
A17) Nenhum destes 2 argumentos convence ou pode convencer, precisamente porque a lei prevê esta oposição como vicissitude subsequente, sem excluir qualquer motivo ou confiná-lo a um certo catálogo.
A18) Aos tribunais é proibido, segundo o disposto no art° 204° CRP aplicar normas inconstitucionais.
A19) O n° 6 do art° 15 F NRAU, na interpretação/ aplicação do Mmo Juiz a quo lhe deu infringe, o disposto no art 65° CRP, garantia fundamental de aplicação imediata sem mediação normativa, apud at° 18/1.3 CRP
A20) Não é proporcional a uma urgência constitucional, a despachada urgência civilística de interesse particular, interesse particularíssimo como o é o do despejo do locado em favor do senhorio e dono.
A21) Entre uma e outra, interpõe-se o direito fundamental à habitação, direito que, concretizado e na modalidade do arrendamento, já se delimita nas garantias cidadãs, depreciando, sim, o mero plano de programa constitucional.
A22) Em síntese: o mesmo juiz a quo, tomou para o despacho (ref: 434633898) a (/) hegemonia da urgência do procedimento de despejo BNA, para negar ao requerido e oponente, aqui, corrigir a liquidação fiscal que fez da taxa de justiça devida pela oposição ao despejo; (se fosse esse o caso) (//) mas os atos tributários têm sítio no art° 103°/1 CRP e, por isso, têm de obedecer à proporcionalidade entre receitas necessárias de Estado e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza; (///) nunca haveria equidade, na perspetiva do art° 20/1 CRP, na proibição legal da corrigenda da taxa de justiça, num caso, como este, de perda da morada, correspondente ao concreto direito fundamental em jogo - art° 65° CRP - e onde o direito à habitação constitui um direito humano2( ... para além de a decisão se tornar numa diminuição das receita fiscal em causa - a taxa de justiça é de arrecadação tributária)
A23) A interpretação/aplicação feita pelo Mmo Juiz a quo fez do art° 15F/6 NRAU conferiu-lhe um significado e sentido contrários e infratores dos arts ° 20°/1,65°, 103° e 266/2 CRP
A24) Incorreu por isso, na proibição do art° 204 CRP / nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
A25) Logo, deverá ser de imediato suspensa emissão do título, julgado procedente o recurso e deferida a oposição.
*
A requerente contra-alegou concluindo o seguinte:
A. O Recorrente apresentou oposição à pretensão de despejo, sem, no entanto, proceder à junção do comprovativo do pagamento da taxa justiça, conforme determina o n° 5 do artigo 15°-F da NRAU, o n.° 1, do artigo 11.° da Portaria 49/2024 de 15 de fevereiro que regula o Balcão do Arrendatário e Senhorio e o n.° 4 do artigo 9.° da Portaria n.° 280/2013, de 26 de agosto;
B. No procedimento especial de despejo, o pagamento da taxa de justiça e a respetiva junção do comprovativo são requisitos da admissibilidade da oposição ao despejo, revestindo a natureza de pressupostos processuais, cuja falta determina que a oposição se tenha por não deduzida;
C. A averiguação da admissibilidade da oposição deduzida pelo arrendatário é necessariamente prévia ao conhecimento dos respetivos fundamentos, estando o tribunal impedido de conhecer dos fundamentos da oposição e de proferir decisão de mérito se, na análise da sua admissibilidade, concluir pela inexistência do referido pressuposto processual;
D. Com a sua oposição, o Recorrente procede à junção de vários documentos, no entanto, não procede à junção do comprovativo de pagamento de taxa de justiça, nem tampouco, faz qualquer referência ou indicação no referido articulado a essa mesma junção, a qual é condição sine qua non para que, a referida oposição, pudesse ser considerada como deduzida;
E. O Tribunal a quo, a quem compete exclusivamente a análise dos requisitos da oposição, ao verificar que o Recorrente deixou de cumprir o referido comando legal supra, proferiu a correta decisão, nos moldes do disposto no n° 6 do artigo 15°-F do NRAU, o qual determina que a oposição se tem como não deduzida;
F. In casu, da simples leitura da decisão recorrida verifica-se que não ocorre a nulidade da sentença prevista 615°, n.° 1, alínea b) do CPC;
G. Da análise da sentença resulta claro que o tribunal a quo assentou a fundamentação de direito no facto nela considerado da não demonstração do pagamento da taxa de justiça devida por aquele impulso processual;
H. Conclui-se que a decisão ora recorrida se encontra suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de direito, pelo que não se verifica a invocada nulidade; 
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Por despacho do relator, de 17/6/2024, foi alterado esse efeito, para suspensivo da decisão recorrida.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Valor da taxa de justiça devida pela dedução de oposição no procedimento especial de despejo.
Aplicação do regime previsto no art. 570º do Código de Processo Civil à situação de incumprimento do pagamento da taxa de justiça.
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III. Os factos
Encontra-se provada a factualidade constante do relatório antecedente.
*
IV. O Direito
A comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de oposição.
Prescreve o artigo 15.º - F do NRAU (aprovado pela Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro) que:
1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2. A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
3. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
 4. Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
5. A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.
*
O Regulamento das Custas Processuais aplica-se também ao procedimento especial de despejo, não apenas quando esteja a correr no tribunal, mas também quando esteja a correr no Balcão Nacional do Arrendamento (artigos 21.º a 26.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 07-01 e Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro).
Dispõe o art. 22º, nºs 1 e 2 deste Decreto-Lei:
Taxas de justiça devidas
1 - A taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de despejo corresponde à taxa de justiça prevista na tabela II do Regulamento das Custas Processuais para as execuções em que as diligências de execução não sejam realizadas por oficial de justiça.
2 - A taxa de justiça devida pela apresentação da oposição ao requerimento de despejo, bem como pela resposta a este, corresponde à taxa de justiça prevista na tabela II do Regulamento das Custas Processuais para a oposição à execução ou à penhora.
Acrescentando o art. 24º:
Pagamento da taxa de justiça noutras situações
1 - Nos casos não previstos no artigo anterior, o pagamento da taxa de justiça devida é efetuada através da emissão de documento único de cobrança (DUC) e do respetivo pagamento, nos termos do Regulamento das Custas Processuais e da respetiva regulamentação.
2 - O pagamento efetuado nos termos do número anterior é comprovado pela junção do respetivo documento comprovativo à peça processual a que respeita.
E o art. 26º:
Valor do procedimento
O valor do procedimento especial de despejo corresponde ao valor da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida.
*
Assim sendo, correspondendo ao presente procedimento especial de despejo o valor de € 13.500,00 (sendo a renda mensal de € 450,00), o valor da taxa de justiça devida pela apresentação de oposição é de 2 UC’s (€ 306,00), nos termos da referida Tabela II do Regulamento das Custas Processuais (corresponde à taxa de justiça prevista na tabela II do Regulamento das Custas Processuais para a oposição à execução ou à penhora).
Sendo que a referida taxa de justiça deve ser paga numa única prestação, com a apresentação da oposição, não sendo caso previsto no artigo 13.º, n.º 2 do referido Regulamento (norma que apenas remete para a tabela I-A e C, na parte relativa ao n.º 3 do artigo 13.º, quanto ao pagamento dessa taxa em duas prestações).
Assim, a taxa de justiça paga pelo recorrente(€ 153,00) corresponde a valor inferior ao devido, o que equivale à falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, nos termos do disposto no art. 145º, nº2 do Código de Processo Civil.
Esta conclusão consequencia a improcedência da nulidade invocada à decisão de desentranhamento, na medida em que, mesmo sendo previamente ouvido, o recorrente não demonstraria o pagamento tempestivo da taxa de justiça devida, pois esse pagamento não foi efectuado, como vimos – ouvi-lo, a esse respeito, seria um acto inútil.
Cumpre, agora, apreciar as consequências desse não pagamento, nomeadamente se a imediata será o desentranhamento e não consideração da oposição, como decidiu o Exmo. Juíz a quo ou se, antes, haverá que aplicar o disposto no art. 570º do Código de Processo Civil.
*
A aplicação do art. 570º do Código de Processo Civil à obrigação de pagamento da taxa de justiça prevista no nº 3 do art. 15º-F do NRAU.
Cumpre, pois, apreciar se, desrespeitada que foi a obrigação emergente do nº 3 do art. 15º-F do NRAU, no que à taxa de justiça tange (3. Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.), cumpria ao juiz aplicar de imediato a cominação prevista no nº 4 do mesmo preceito (4. Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.) ou, ainda, conceder prazo suplementar para o pagamento da taxa em falta, acompanhado da multa prevista no art. 570º do Código de Processo Civil (3. Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. 4 - Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o réu tenha comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça, a secretaria notifica-o para os efeitos previstos no número anterior. 5 - Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 590.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.).
Em sentido negativo, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 12/9/2017 (António Pires Robalo), disponível em www.dgsi.pt, com a seguinte fundamentação:
Ou seja, o termo “deve” utilizado no art.15º-F, n.º 3, da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) só pode significar que o demando (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução, aqui consoante a posição defendida a respeito da concessão de apoio judiciário.
Assim, o n.º 3 e 4 do art.º 15-F do NRAU é incompatível com o art.º 570 do C.P.C., tanto mais que o PED não é uma acção de despejo, mas sim um procedimento especial de despejo como o próprio nome indica.
No sentido de que o art.º 570 do C.P.C. é incompatível com o art.º 15 –F do NRAU - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 1 de Abril de 2014 – 2095/13.8YLPRT.L1.1, relatado por Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques onde se escreve “ (…) Ora o PED não é uma acção de despejo. É, como o nome indica , um procedimento especial que seguia, na ocasião, a forma de processo sumaríssimo (cfr. art.º 222º do CPC revogado, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08). O NRAU distingue entre acção de despejo e procedimento especial de despejo. (cfr. art.14º e 15º).
A notificação efectuada ao abrigo do art.570º,n.º3 e 4,do CPC colide com o disposto no n.º4 do art.15º-F do NRAU.
Verificada a falta de pagamento da taxa de justiça impunha-se considerar a oposição como “não deduzida”.
E o mesmo se diz quanto à falta de pagamento da caução.
É o que resulta do supra referido art.15º-F.
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Com todo o respeito por opinião contrária, parece-nos que a resposta há-de ser encontrada na jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, na apreciação das cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual.
E, por todos, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 760/2013, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130760.html:
Pelos fundamentos expostos, decide-se declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que o “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil”, por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
Da fundamentação deste Acórdão, retiramos os seguintes trechos:
8. No Acórdão n.º 434/2011, o Tribunal confrontou a dimensão normativa com o direito a um processo equitativo, enquanto corolário do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, tendo-o feito nos termos seguintes:
«(…) Consubstanciando um direito fundamental, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva corresponde, concomitantemente, a uma garantia de proteção dos restantes direitos fundamentais, pela via judiciária, constituindo, por isso, um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático.
Representa a consagração da possibilidade de defesa jurisdicional de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, conferindo-lhes assim condições de efetividade prática.
No presente caso, é a vertente da garantia dum processo equitativo que assume crucial importância como alvo de análise, por corresponder, de entre as várias dimensões em que a tutela jurisdicional efetiva irradia, àquela que surge como potencialmente beliscada pela interpretação normativa posta em crise.
O princípio da equitatividade é expressamente referido no n.º 4 do artigo 20.º da Lei Fundamental, que dispõe o seguinte:
“Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
É densificado por vários subprincípios, entre os quais se conta o direito de defesa e direito ao contraditório, traduzido na possibilidade de cada uma das partes apresentar a sua versão e os seus argumentos, de facto e de direito, oferecer provas e pronunciar-se sobre os argumentos e material probatório carreado pela parte contrária, antes da prolação da decisão sobre o litígio. Corresponde, pois, tal direito a uma garantia de equilíbrio e de igualdade de armas entre os litigantes, que veem constitucionalmente assegurada a possibilidade de exercerem influência efetiva no desenvolvimento do processo, que se pretende que conduza a uma decisão materialmente justa do litígio.
(…) Não obstante a ampla liberdade reconhecida ao legislador, no âmbito da definição da tramitação processual, é inegável que a garantia do contraditório, de que decorre a proibição da indefesa, constitui um limite vinculativo incontornável.
Desde logo, e no segmento que aqui nos interessa, as cominações e preclusões, associadas ao incumprimento de determinado ónus processual, não podem revelar-se funcionalmente desajustadas.
O princípio do contraditório, como componente do direito a um processo equitativo, terá de manter a sua função operante num conteúdo mínimo, seja qual for a estrutura processual em que se desenhe o acesso à tutela judiciária.
Apesar de se reconhecer a importância de uma estrutura processual deliberadamente simplificada e célere, vocacionada para os objetivos de política legislativa que presidiram ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, é imperioso garantir que o bem jurídico celeridade não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efetiva.
A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transponíveis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego:
“As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de “mecanismos que desencorajem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada” (in “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855).
Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência – não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.
Transpondo as considerações expendidas para a interpretação normativa em apreciação, teremos de concluir que associar ao incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas, a consequência, imediata e irreversível, de desentranhamento da contestação – impossibilitando a consideração das razões de facto e de direito, excetuando as de conhecimento oficioso, aduzidas em tal peça processual – é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos. Existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efetividade da tutela jurisdicional
É de notar que tal solução interpretativa era expressamente afastada na anterior redação do preceito relativo a custas, no âmbito do mesmo diploma legislativo.
Na verdade, dispunha o artigo 19.º que, se o procedimento de injunção seguisse como ação, seriam devidas custas, calculadas e liquidadas nos termos do Código das Custas Judiciais, devendo as partes efetuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de dez dias a contar da data da distribuição, sendo que, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Civil, relativamente à contestação, na falta de junção, pelo autor, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial no prazo referido de dez dias, seria desentranhada a respetiva peça processual.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se, no Acórdão n.º 625/03 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt) sobre a diferenciação de consequências, para autor e réu, do não pagamento da taxa de justiça inicial, no âmbito da ação em que se converteu o procedimento de injunção.
Em tal aresto, refere-se o seguinte:
“Ponto é saber se esse diverso tratamento afronta normas ou princípios constitucionalmente consagrados.
(…) Num primeiro passo, mister é que se não passe em claro que o desentranhamento do requerimento de injunção não consequência irremissivelmente que o seu autor deixe de ter acesso aos tribunais. Tal desentranhamento, na verdade, configura uma figura de extinção da instância, desta forma não precludindo a possibilidade de aquele autor vir, novamente, quer através de novo procedimento de injunção, quer através de nova ação, fazer valer o direito que se propôs com o anterior procedimento. (…)
Depois, há que atentar que o não pagamento pelo réu da taxa inicial quando contesta a ação resultante da frustração do procedimento injuntivo, também não é desprovido de consequências, visto que um dos requisitos de atendimento da contestação é justamente o do pagamento de uma taxa equivalente ao dobro da em falta.
Trata-se, assim, de sancionamentos diversos que não deixam de atender ao diferente posicionamento do autor e do réu da ação em que se «converteu» o procedimento de injunção. E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a ação fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cfr. art. 2.º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efetiva o seu direito de defesa.
Esta diferenciação de situações aponta, pois, para que se possa dizer que a estatuição de diversos regimes quanto às consequências do não pagamento da taxa de justiça por parte do autor e por parte do réu na ação a que se reportam os artigos 16º e 1º e seguintes do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, tem um fundamento material e, assim, se não apresenta como arbitrária (…).”
Os argumentos aduzidos no aludido acórdão, no tocante à posição do réu, corroboram o juízo já formulado, quanto à gravidade das consequências da interpretação normativa que apreciamos.
Tal interpretação, recusada pelo tribunal a quo, conduz, de facto, a um desproporcionado comprometimento do núcleo essencial do princípio do contraditório, como dimensão constitutiva crucial de um due process of law.
Concluímos, desta forma, que é inconstitucional a interpretação normativa do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 34/2008 de 26 de fevereiro – articulado com o disposto no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais – segundo a qual a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça, devida pelo réu, nos dez dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal ação, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.»
9. O entendimento seguido no Acórdão n.º 434/2011, de que o artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que “a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos dez dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa, que valeria como contestação no âmbito de tal ação”, é inconstitucional por violação do “princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP”, foi reiterado, ainda que por referência ao “não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu”, pelos Acórdãos n.os 587/2011 e 527/2012, bem como a Decisão Sumária n.º 605/2012, invocados pelo Ministério Público, que para a fundamentação daquele Acórdão expressamente remeteram.
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Aplicando estas considerações à questão ora em apreciação, será de concluir que associar ao incumprimento do ónus de pagamento da taxa de justiça devida a consequência imediata e irreversível de consideração da oposição como não deduzida, mostra-se manifestamente desproporcional, por acarretar o resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou resolução definitiva dos direitos ou interesses controvertidos.
Consistiria essa imediatez e automaticidade numa restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efetividade da tutela jurisdicional.
Desse modo, será de recorrer à figura da interpretação conforme à Constituição e, adequando o regime legal à configuração do direito de contraditório, de forma a assegurar o tratamento equitativo das partes e a efetividade da tutela jurisdicional, facultar ao requerido, em caso de incumprimento do dever expresso no art. 15º-F, nº3 do NRAU, no que concerne ao depósito da taxa de jsutiça aí prevista, a possibilidade de sanar essa falta, mediante realização ulterior desse mesmo depósito, acrescido de multa, nos termos previstos no art. 570º do Código de Processo Civil.
Como refere Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pg. 1294, O princípio da interpretação conforme a constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei.
Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de conservação de normas.
Interpretando-se as normas em causa neste sentido, resulta inequívoca a procedência da apelação.
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V. A decisão                                           
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra, no sentido de notificar o requerido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 570º do Código de Processo Civil, para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido da taxa de justiça em falta, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, de forma a obviar à cominação prevista no nº 4 do art. 15º-F do NRAU.
Custas pela recorrida.
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Lisboa, 20 de Junho de 2024
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
Eduardo Petersen Silva