CONTRADIÇÃO ENTRE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
SANAÇÃO DA NULIDADE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário

I. Para configurar uma situação de contradição entre o pedido e a causa de pedir, terá de existir uma contradição intrínseca ou substancial insanável entre uma e outra.
II. Quando a contradição ocorre no âmbito dos efeitos jurídicos pretendidos em relação ao mesmo negócio, em que, por um lado, se pede a nulidade do contrato, por outro a sua resolução, não estamos perante uma situação de causa de pedir contraditória com o pedido, mas sim a contradição de pedidos.
III. Face a uma contradição substancial dos pedidos, ou seja, a considerar-se a formulação de uma cumulação real de pedidos, tem sido entendido que tal vício é sanável, designadamente através de um convite ao A. para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), caso em que o vício se mantem, ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.).
IV. Logo, mesmo que se conclua configurar uma situação de pedidos incompatíveis, tal poderá ser sanado com o convite dirigido ao autor de forma a rectificar, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
C… intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra “P…, Lda.”, J… e mulher K…a, JR…, M… e JO…, pedindo que seja: a. Declarada a anulação do contrato de compra e venda (cfr. doc. n.º 8), bem como do contrato de empreitada (cfr. doc. n.º 13), incluindo toda a documentação pré-contratual outorgada (cfr. docs. n.ºs 1, 3 e 5), celebrados entre a Autora e os Réus, em face do erro vício na formação da vontade em que aquela incorreu, incluindo erro sobre o objecto negocial, erro sobre o motivo determinante da vontade e erro sobre as circunstâncias da base negocial, sem prejuízo da resolução contratual operada, conforme melhor se verteu no artigo 120.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido por razões de brevidade e economia, com a inerente devolução à Autora das quantias pagas, a título de impostos, pela outorga da dita escritura de compra e venda (cfr. artigo 39.º);
b. Determinada a condenação, solidária, dos Réus no pagamento, mediante restituição, à Autora da quantia de € 398.000,00 (€50.000,00 + € 20.000,00 + € 328.000,00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros anual em vigor, desde 10 de Novembro de 2022 (cfr. doc. n.º 30) até efectivo e integral pagamento daquele montante total, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, com a inerente restituição do PRÉDIO os 2.ºS Réus;
c. Determinada a condenação, solidária, dos Réus no pagamento, a título de danos patrimoniais, à Autora da quantia de € 3.640,00, a título de rendas mensais pagas, sem prejuízo da contabilização das vincendas, mormente em sede de alteração do pedido, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros anual em vigor, desde a data de entrada em Juízo da presente ação até efectivo e integral pagamento daquele montante, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC;
d. Determinada a condenação, solidária, dos Réus no pagamento, a título de danos não patrimoniais, à Autora da quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros anual em vigor, desde a data de entrada em Juízo da presente ação até efectivo e integral pagamento daquele montante, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC.
Alegou, em síntese, que mediante escritura de compra e venda, antecedida de “reserva”, em que os réus J… e mulher K… se apresentaram como donos do prédio identificado no artigo 6º da petição inicial, com área de 450m2, a autora adquiriu a tais réus o mencionado prédio, negócio esse mediado pela ré sociedade; a autora havia transmitido aos mencionados réus que, para si, era imprescindível a comprovação documental, a emitir pela Câmara Municipal da …, relativa à autorização de construção sobre o prédio de moradia de um piso, estilo minimalista, de tipologia T2, com área total de construção aproximada de 102m2; os mesmos réus exibiram, na data da escritura, reclamação cadastral para rectificação da área de 397 m2, constante da descrição registal e no Serviço de Finanças; até ao presente, o processo de reclamação cadastral não foi objecto de decisão porque os réus mencionados não juntaram ao mesmo declaração dos proprietários confinantes a atestar que não houve alteração na configuração do prédio e que este não sobrepõe aos limítrofes. Mais alegou que a autora e a ré sociedade celebraram posteriormente um contrato de empreitada para a construção da dita moradia, tendo ficado acordado que o projecto de arquitetura deveria dar entrada na Câmara Municipal da … no prazo máximo de 45 dias a contar da data da assinatura do contrato, que o prazo de conclusão dos trabalhos era de 10 meses a contar da aprovação de ambos os projectos, bem como que a falta de cumprimento das obrigações assumidas no contrato por qualquer das partes, constitui a outra no direito de o rescindir, podendo o contrato ser resolvido em caso de incumprimento culposo das obrigações que incumbem à outra parte. Refere que a ré sociedade não cumpriu o prazo de 45 dias, assim como não realizou as operações referentes aos pagamentos parciais que a autora realizou. Alude que os réus indicaram à autora que, afinal, o projecto da moradia ultrapassaria em cerca de 3m2 os 102 m2 determinados pela Câmara Municipal como área de construção viável; os réus apresentaram à autora outro projecto de arquitetura, por forma a contornar a incapacidade construtiva, que a autora acabou por aceitar, o qual deu entrada na Câmara Municipal; a autora tinha antes solicitado alterações a este segundo projecto que não foram introduzidas no mesmo; os réus não mais contactaram a autora, não obstante as várias tentativas por parte desta. Refere que por carta registada com aviso de recepção, a autora comunicou aos réus, por referência ao contrato de empreitada, a conversão da mora em incumprimento definitivo, em face da perda do interessa da autora na prestação, a qual foi pelos réus recebida; por carta registada com aviso de recepção a autora comunicou aos réus, por referência ao mesmo contrato, a resolução, por incumprimento contratual, indicando os respectivos fundamentos, comunicação que foi recebida pelos réus. Alude que caso a autora soubesse que sobre o prédio em causa não poderia ser construída a moradia objecto da empreitada nunca teria celebrado o contrato de empreitada e, em consequência, nunca teria adquirido o prédio; os réus conheciam ou não podiam ignorar que assim seria entendido pela autora.
Quanto aos danos refere que para concretizar o negócio com os réus, a autora vendeu um apartamento de que era proprietária e arrendou outra habitação, para o que se vinculou ao pagamento de uma renda mensal, tendo procedido ao pagamento de rendas num total de 3.500 euros, até à data da propositura desta acção. Acresce que alega que experimentou diversos sentimentos e sensações desagradáveis na sequência do sucedido, pedindo indemnização por danos morais.
Os réus, pessoas singulares, contestaram, no essencial, excepcionando a ilegitimidade passiva de alguns deles e impugnando alguns dos factos alegados pela autora.
Findo os articulados foi designada tentativa de conciliação das partes, a qual se revelou infrutífera.
De seguida foi proferido o seguinte despacho:” Considerando a resolução do contrato de empreitada alegada nos artigos 106º a 111º da petição inicial, o pedido de anulação de tal contrato, formulado sob a alínea b) do pedido deduzido no mesmo articulado, e o disposto nos artigos 186º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 277º, n.º 1, alínea b), 577º, n.º 1, alínea b) e 578º, todos do Código de Processo Civil, atento do disposto no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem.”
A Autora pronunciou-se, requerendo que: “nos termos do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 7.º, ambos do Código de Processo Civil, admitir a junção do presente requerimento aos autos para os efeitos tidos por mais oportunos, tomando a Requerente a liberdade de propugnar no seguinte sentido:
a) Caso se considere ter operado, de forma válida, a comunicada resolução do contrato de empreitada, então, a Requerente desistirá do pedido no que tange à declaração de anulação do contrato de empreitada pois, em bom rigor, não se pode anular o que foi resolvido ou, dito de outra forma, não haverá essa necessidade pois a anulação decorre da própria resolução contratual, mantendo-se o demais peticionado;
b) Caso se considere não ter operado, de forma válida, a comunicada resolução do contrato de empreitada, então, a Requerente pugnará pela manutenção do petitório formulado a respeito da declaração de anulação do contrato de empreitada, e o demais peticionado;
c) Para efeito de ponderação do vertido nas duas alíneas anteriores, haverá o Tribunal de ordenar a notificação, o que se requer, dos Réus para expressamente declararem nos autos se consideram ou não resolvido o contrato de empreitada.”.
O Tribunal entendeu que, por contradição entre a causa de pedir e o pedido, no que concerne à resolução ou anulação do contrato de empreitada, se verificava a ineptidão da petição inicial, decidindo em conformidade pela nulidade de todo o processado.
Inconformada, veio a Autora recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1.ªA Petição Inicial não apresenta qualquer deficiência que comprometa irremediavelmente a sua finalidade, contendo os factos pertinentes (cfr. artigos 6.º, 7.º, 20.º, 36.º, 47.º, 106.º, 114.º, 115.º, 117.º e 119.º) à causa de pedir (vícios na formação da vontade) e ao pedido (anulação de escritura de compra e venda), em ordem à apreciação do mérito da causa.
2.ª A resolução do contrato de empreitada foi operada por “falta de cumprimento das mais
elementares obrigações contratuais”, nomeadamente a reprovação do projecto de arquitetura, a não correção do segundo projecto e o incumprimento de prazos (cfr. doc. n.º 30 PI).
3.ª Essa fundamentação é distinta da que sustenta a anulação da escritura de compra e venda – vícios na formulação da vontade – que a Recorrente – reconhece, de forma irregular ou, pelo menos, deficiente – procurou estender ao contrato de empreitada, ainda que já o tivesse resolvido extrajudicialmente (cfr. a título exemplificativo, artigo 117.º PI).
4.ª E, isso, mesmo que os Réus tenham dado nota (cfr. artigos 1.º e 38.º da Contestação) de não se conformar com essa resolução, daí o teor do Requerimento 5506369, apresentado a convite do Tribunal a quo, quando cogitou a possibilidade de existir uma contradição entre a causa de pedir e o petitório da alínea a), e não já da alínea b) como aquele mencionou.
5.ª Ao decidir-se pela verificação da exceção dilatória de nulidade de todo o processado, o Tribunal a quo privilegiou uma solução formal sobre uma substancial ou, nos melhores
dizeres de Abrantes Geraldes, negou a “possibilidade de sanação [de vícios impeditivos do conhecimento de mérito] (…) para aquelas situações resultantes de falhas menores que
deixam intacta a estrutura fundamental da instância”.
6.ª Se a Recorrente não tivesse introduzido no pedido a expressão “bem como do contrato de empreitada”, não se colocaria a hipótese da apontada excepção, restando apurar, de momento, se a ação poderia subsistir com a existência (e persistência) dessa expressão ou
se, ao invés, seria possível ao Tribunal a quo resolver a questão de forma menos extremada que não fosse pela absolvição da instância dos Réus.
7.ª Contrariamente ao que a decisão recorrida deixa sugerir (“não é possível peticionar a
anulação de um contrato, invocando a sua resolução”), nunca pretendeu a Recorrente anular o contrato de empreitada com base na sua prévia resolução.
8.ª A Recorrente incorreu, ainda assim e por culpa própria, numa espécie de excesso de pedido pois, para além de peticionar a anulação da escritura de compra e venda, pretendeu
estender a influência desses vícios ao contrato de empreitada que já havia resolvido (cfr.
expressão “sem prejuízo da resolução contratual operada” inserta no pedido), com base em razões de natureza eminentemente obrigacional, que não aquelas outras de índole eminentemente intrínseca (vícios na formação da vontade).
9.ª Como notou o Tribunal a quo, “extinto o contrato mediante resolução (…) nada haverá a invalidar” ou, dito de forma mais gongórica, se tal veleidade for consentida à Recorrente, o pedido peca por excesso e não por defeito, sem que se cogite, a manter-se a sua nomenclatura original, como poderia o Tribunal a quo violar o n.º 1 do artigo 609.º do CPC.
10.ª A julgar-se procedente a anulação da escritura de compra e venda – que precede qualquer referência, ainda que errónea, à anulação da empreitada -, e estando umbilicalmente ligada à celebração desta, na mesma data, ficaria o Tribunal a quo desonerado de se pronunciar sobre a alegada anulação da empreitada (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC).
11.ª Há que destrinçar entre petição inepta daquela que se mostra apenas irregular ou deficiente, como é o caso sub judice, sendo que apenas uma falta ou ininteligibilidade absolutas do pedido e/ou da causa de pedir, como não é o caso, geram a nulidade de todo o processado.
12.ª A inclusão da expressão “bem como do contrato de empreitada” no pedido é tão desnecessária quão evitável mas, ainda assim, redunda em mera expressão deficiente do
pensamento da Recorrente, bem como num enquadramento jurídico inadequado de uma parte ínfima do pedido, de que resulta mera ineptidão parcial da Petição Inicial (cfr. Acórdão TRGuimarães, de 06-02-2020, Processo n.º 2087/16.5T8CHV-A.G1).
13.ª E assim será pois, com recurso aos fundamentos da ação, percebe-se que a sua pedra de toque reside na anulação da escritura de compra e venda por aqueles alegados vícios,
garantindo-se a idoneidade do objeto da ação para obtenção da respetiva tutela judicial.
14.ª Mesmo a manter-se até final da lide a dita expressão, não ficaria o Tribunal a quo
impossibilitado de julgar corretamente o mérito da causa, pois os factos e as razões de
Direito que a fundam são lógicos e antecedem os pedidos [cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 5.º e
alínea d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º CPC].
15.ª A ser julgada procedente a anulação da escritura de compra e venda, tendo havido prévia resolução do contrato de empreitada, aquela importará a restituição à Autora do preço pago pelo terreno adquirido, com a sua devolução aos Réus (cfr. n.º 1 do artigo 289.º CC), ficando aquele contrato desprovido de objeto (cfr. n.º 1 do artigo 795.º CC), havendo os Réus de devolver à Autora as quantias pagas no seu âmbito, cujo pagamento até precede a dita escritura (cfr. docs. n.ºs 1, 3, 8 e 13 PI), como se formulou no petitório da alínea b), petitório este que, em face da operada resolução contratual, baliza a pretensão de tutela (devolução das quantias pagas pela empreitada) caso não seja anulada aquela escritura.
16.ª Caso se considere que o prosseguimento dos autos não seria possível com a persistência da expressão “bem como do contrato de empreitada”, o seu expurgo seria possível, fosse por iniciativa da parte (cfr. n.º 2 do artigo 265.º CPC), como sugeriu em Requerimento autónomo, fosse a convite do Tribunal [cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 3 do artigo 278.º, artigo 547.º, alínea a) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 590.º CPC], sem com isso se violar o entendimento da decisão recorrida (“a atividade do Tribunal não se põe em movimento oficiosamente”).
17.ª À míngua de qualquer tímida tentativa nesse sentido formulado pela Recorrente no
Requerimento e ainda que, porventura, não tendo escolhido a melhor forma de o expressar, impunha-se ao Tribunal a quo a formulação daquele convite, de modo a garantir, dentro dos poderes que a Lei lhe confere, o prosseguimento dos autos ao invés de propugnar, drasticamente, pela verificação da exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, decisão essa que, no melhor dos rigores, não seria inevitável (cfr. Acórdão TR Lisboa, de 10-09-2020, Processo n.º 1599/20.0T8FNC.L1).
18.ª In casu, não há falta ou ininteligibilidade da causa de pedir – insuprível por via do artigo 260.º do CPC – mas “apenas” uma contradição, ainda que parcial, entre a causa de pedir e um dos pedidos, de resto e como já se disse, ultrapassável do simples cotejo com os factos alegados para a sustentar (tendente à anulação da escritura de compra e venda).
19.ª Não se está perante uma deficiência radical e absoluta da Petição Inicial em ordem a ser erigida em exceção dilatória insuprível, nomeadamente por ausência de alegação de factos essenciais à delimitação do fundamento factual da ação.
20.ª A decisão recorrida confundiu ininteligibilidade e inviabilidade do pedido, pelo que se este for compreensível – como o é -, ainda que o seu sentido esteja mal formulado, não se verificará a contradição da alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º CPC mas apenas uma desarmonia entre os elementos objetivos da instância que são a causa de pedir e o pedido.
21.ª Há, ao invés, uma falha menor que deixa intacta a estrutura fundamental da instância, falha essa da lavra, única e exclusiva, da Recorrente, é certo, mas que poderia ter sido obviada de forma distinta da preconizada pelo Tribunal a quo que, ao decidir como decidiu, violou o disposto no n.º 2 do artigo 6.º, no n.º 3 do artigo 278.º, no artigo 547.º, na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 590.º, decidindo não aplicar essas normas, quando se impunha que o fizesse, sem prejuízo de considerar que aquela falha sempre poderia ser suprida por via do n.º 2 do artigo 265.º ou, in limine, lançando-se mão ao n.º 1 do artigo 279.º, todos do CPC.
22.ª Podendo a alegada exceção dilatória ser ultrapassada mediante interposição de nova ação –desta feita, expurgada da expressão “bem como do contrato de empreitada” – dificilmente se compreenderia que essa possibilidade não fosse deferida à Recorrente nos presentes autos, desaproveitando os seus desenvolvimentos até à data, incluindo a citação dos Réus e a realização de tentativa de conciliação.
23.ª A decisão recorrida mostra-se impregnada de excesso de formalismo, o qual tem vindo – e bem - paulatinamente (em cada reforma adjectiva) a ser abolido pelo Legislador, sendo que este tem, concomitantemente, atribuído cada vez maiores poderes de gestão e adequação processual ao Juiz, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 6.º, no n.º 3 do artigo 278.º, no artigo 547.º, na alínea a) do n.º 2 e no n.º 3 do artigo 590.º (cfr. Proposta de Lei n.º 113/XII, que aprovou o atual CPC).
24 .ª A decisão recorrida deverá, pois, ser revogada e substituída por douto Acórdão que, julgando não se verificar a exceção dilatória de nulidade de todo o processado, por ineptidão da Petição Inicial, nos termos propugnados pelo Tribunal a quo, nem quaisquer outros, de resto, ordene o prosseguimento dos autos com os seus ulteriores termos, inclusive mediante convite à Autora, ora Recorrente, para corrigir o petitório da alínea a), expurgando-o da expressão “bem como do contrato de empreitada”, sem prejuízo da lide poder prosseguir com a manutenção dessa nomenclatura, atento o disposto no n.º 2 do artigo 608.º e o n.º 1 do artigo 609.º, ambos do CPC.».
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- Ocorre a contradição entre o pedido a causa de pedir invocada pela autora, consubstanciada na comunicação, recepcionada pelos destinatários, da resolução do contrato de empreitada, e o pedido de anulação do mesmo contrato de empreitada, já resolvido, com a subsequente nulidade por ineptidão.
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II. Fundamentação:
Os factos relevantes para a presente decisão são os actos processuais referidos no relatório que antecede, cujo teor se reproduz.
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III. O Direito:
No tribunal recorrido após o elenco doutrinário, jurisprundencial ou dogmático sobre a causa de pedir e o pedido, no que concerne à contradição entre ambos, expõe-se o seguinte: «A petição inicial, tal como a sentença, deve apresentar-se sob a forma de um silogismo, ao menos implicitamente enunciado, que estabeleça um nexo lógico entre as premissas e a conclusão.
Em tal silogismo a premissa maior é preenchida pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é preenchida pelas razões de facto, e o pedido corresponderá à conclusão. Por isso, a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido, o que não se confunde com a simples desarmonia entre um e outro dos elementos objectivos da instância.
Como refere ANTUNES VARELA (RLJ, ano 121º/122), a “contradição não pressupõe uma simples desarmonia mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu”.
São incompatíveis as causas de pedir ou os pedidos que mutuamente se excluam, que sejam inconciliáveis ou que impliquem uma contradição interna na ordem jurídica.».   Prosseguindo quanto à análise do caso concreto da seguinte forma: «Do que ficou dito resulta evidente que a alegação pela autora da resolução do contrato de empreitada pela mesma invocado e pedido de declaração anulação do mesmo contrato, redundam numa contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Com efeito, a autora, na petição inicial, em sede de fundamentação, alega ter, mediante carta registada com aviso de receção, comunicados aos réus, a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento contratual destes últimos, acabando, no entanto, por peticionar a anulação desse mesmo contrato, salientando ser tal pretensão “sem prejuízo da resolução contratual operada”.
Dispõe o artigo 801º, n.º 1 do Código Civil que, tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, este é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. Neste caso, a prestação, não tendo sido realizada, já não é realizável porque se tornou impossível. O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor pode resolver o contrato.
A resolução opera-se por meio de declaração unilateral recetícia do credor (artigo 436º do Código Civil), que se torna irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou é deste conhecida (artigos 224º, n.º 1 e 230º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, goza de eficácia retroativa (artigo 434º do Código Civil), sem embargo da ressalva de direitos de terceiros (artigo 435º do Código Civil) e das restrições impostas pelas partes ou pela finalidade da resolução.
Assim, a resolução tem carácter extrajudicial e pode ser feita por declaração à outra parte por qualquer meio, considerando-se o contrato rescindido a partir do momento em que a comunicação é recebida pelo destinatário, sendo que, em caso de litígio, o tribunal será chamado tão só para verificar se a resolução efectivamente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor romper o contrato por sua vontade unilateral e não para decretá-la.
Com efeito, do disposto no artigo 436º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, resulta que a resolução do contrato reveste carácter extrajudicial: não existe resolução ope judicis, mas ope voluntati, salvo nos casos em que, por força da lei, é necessário o concurso do tribunal para a resolução operar os seus efeitos, como sucede, em determinadas circunstâncias, na resolução da locação.
Tal significa que o credor, para obter a resolução do contrato não tem, em regra, que recorrer ao tribunal. É ele próprio que resolve o contrato, comunicando à outra parte a sua decisão de resolução, por qualquer meio, considerando-se o contrato resolvido a partir do momento em que a comunicação é recebida pelo destinatário (declaração unilateral recetícia – artigo 224º, n.º 1, 1º parte do Código Civil).
Em caso de litígio, o tribunal será chamado, não a decretar a resolução, mas a verificar se a resolução judicialmente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor romper o contrato por sua vontade unilateral. Não há, assim, que propor uma ação rescisória de natureza constitutiva (artigo 10º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Civil), mas a ação que venha a intentar-se será de simples apreciação ou, quando muito, de condenação (artigo 10º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil). E se o contraente não tinha o direito de resolver o contrato, o tribunal declará-lo-á incurso em responsabilidade contratual.
Por outras palavras, embora a resolução possa fazer-se mediante declaração à outra parte, na generalidade dos casos, terá, naturalmente, que recorrer-se às vias judiciais, se a contraparte não aceitar a resolução ou contestar os seus efeitos (cfr. VAZ SERRA, RLJ 102, pág. 167 e segs.).
Sendo a resolução efectuada por simples declaração à parte contrária, como nos termos prescritos no artigo 436º, nº 1 do Código Civil, não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial, ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário, ou seja, dele conhecida, como é característico das declarações negociais recetícias ou recipiendas (artigo 224º, nº 1 do Código Civil).
A expressão declaração recipienda tem o sentido de que não carece de aceitação pela parte do destinatário (declaratário) para a produção dos seus efeitos.
A resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, com fundamento na lei ou por convenção das partes (cfr. Ac. da RL de 18-12-2002, proc. n.º 0091117, n.º convencional JTRL00046075, www.dgsi.pt).
A declaração resolutória determina a cessação do vínculo se, não tendo sido impugnada pela contraparte num contrato sinalagmático, não tiver sido judicialmente reconhecida a inexistência de fundamento para tal resolução (cfr. Ac. STJ, de 15.01.2015, proc. n.º 2365/08.7 TBABF.E1.S1, www.dgsi.pt).
No presente caso, do alegado pela autora, mormente nos artigos 106º a 111º da petição inicial, resulta que a ré decidiu a resolução do contrato de empreitada em causa, tendo procedido à comunicação de tal decisão à outra parte.
Tal significa que estão alegados factos tendentes a demonstrar de que tal resolução foi pela autora operada, mediante comunicação à outra parte, nos termos previstos no Código Civil para o efeito.
Por outro lado, de entre os institutos que contendem com a validade ou manutenção dos negócios jurídicos, é possível encontrar, além de outros, a ineficácia, que se verifica (em sentido amplo) quando o negócio não produz, por impedimento decorrente do ordenamento jurídica, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações, e as invalidades, onde se inclui, para além da anulabilidade, a nulidade, que se verifica quando o negócio não produz (desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno (essencial ou formativo) os efeitos a que tendia.
Em face das enunciadas definições, impõe-se a conclusão de que existe contradição entre a causa de pedir invocada pela autora, consubstanciada na comunicação, recepcionada pelos destinatários, da resolução do contrato de empreitada, e o pedido de anulação do mesmo contrato de empreitada, já resolvido.
Peticionar a anulação de um negócio jurídico, alegando a sua anterior resolução evidencia uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, uma conclusão que pressupõe uma premissa oposta àquela de que se partiu. A invalidade funda-se num vício genético de um acto, que obsta a que o mesmo produza os efeitos a que tenderia. Extinto o contrato mediante resolução, nenhum efeito produz ou tende a produzir, pelo que nada haverá a invalidar. Daqui vem, em boa lógica, que não é possível peticionar a anulação de um contrato, invocando a resolução dele.
Ora, face à contradição detectada entre a causa de pedir e o pedido formulado, e uma vez que a actividade do tribunal não se põe em movimento oficiosamente, caso o tribunal siga com a presente ação com a petição inicial tal como consta nos autos, a final, não vai poder julgar procedente a causa, mesmo que todos os factos da petição inicial resultassem provados.
Constata-se, deste modo, uma situação de contradição entre o pedido e a causa de pedir, sendo que tal contradição não é sanável nos termos solicitados pela autora no requerimento com a ref. 47147974 (fls. 168), pois que, como se disse, a resolução alegada pela autora operou com a comunicação à outra parte da sua decisão de resolução, considerando-se o contrato resolvido a partir do momento em que a comunicação foi recebida pelo destinatário, isto independentemente da aceitação de tal resolução pelo mesmo, sendo certo que não resulta alegado, por qualquer das partes, que tenha sido judicialmente reconhecida a inexistência de fundamento para tal resolução.
Face ao alegado e ao peticionado pelas autoras, caso o tribunal siga com a presente ação com a petição inicial tal como consta nos autos, a final, não vai poder julgar procedente a causa, mesmo que todos os factos da petição inicial resultassem provados, isto por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Assim sendo, entende-se que a petição inicial é inepta, sendo que a ineptidão respeita à petição inicial e não a pedidos.
Tal como se disse supra, a ineptidão conduz à nulidade de todo o processo, e esta, à absolvição do réu da instância, nos termos do disposto nos artigos 278, nº.1, alínea a), 576º, nº. 2 e 577º, alínea b). Por outro lado, nos termos do artigo 196º do Código de Processo Civil, é de conhecimento oficioso a nulidade mencionada no artigo 186º do mesmo diploma legal.
Nestes termos, pelo que fica dito supra, decide-se anular todo o processado por ineptidão da petição inicial, e consequentemente absolver os réus da instância.».
Para a decisão importa ter presente o âmbito negocial subjacente à presente acção nos termos alegados pela Autora, pois no seu artº 7º alega a mesma que: “Os 2.ºs Réus e a Autora acordaram, pelo dito documento, celebrar a 28-02-2022, a escritura de compra e venda respeitante ao PRÉDIO, bem como um contrato de empreitada relativo à construção de uma moradia estilo minimalista, com as seguintes características (…)”, alegando a celebração do contrato definitivo quanto à compra e venda no seu artigo 36º, em 04/03/2022. Mais aludindo quanto ao contrato inicialmente celebrado, no seu artº 8º que: “Mais, acordaram que o “valor total da transacção de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros)” seria pago da seguinte forma:
“a) (…) € 122.000,00 (…) para a construção de uma moradia estilo minimalista, de tipologia T2, com área total de construção aproximada de 102m2, incluindo o Estudo e
Projeto de Arquitetura (…)”;
b) (…) € 328.000,00 (…) para a aquisição do prédio (…)” (cfr. doc. n.º 1).”
Alegou ainda que tal contrato de empreitada ficou plasmado no acordo celebrado a 3/02/2022, mas manifestamente dizia respeito a moradia a implantar no prédio adquirido e constante do acordo inicial. Alegou ainda, além do mais, no seu artº 55º que “Os Réus, previamente à outorga da escritura e da empreitada, garantiram à Autora que, sobre o PRÉDIO, poderia ser construída a MORADIA, com as exactas características melhor identificadas no anterior artigo 7.º, ou seja, uma construção de um piso, em estilo minimalista, de tipologia T2, com área total de construção aproximada de 102m2.” E ainda: “56º Os Réus sempre souberam que assim não poderia ser.
57.º Aquelas condições eram essenciais, conforme aqueles Réus sabiam pois tal sempre lhes foi transmitido pela Autora, para que esta outorgasse a escritura e, em consequência, viesse a adquirir o PRÉDIO como adquiriu, bem como se decidisse pela dita empreitada.
58.º Mais, os Réus sabiam que, sem a verificação dessas condições, a Autora não teria celebrado nem um nem outro e, em consequência, não teria, igualmente, outorgado a documentação prévia a eles associados (cfr. docs. n.ºs 1, 3 e 5).
59.º A 1.ª Ré não cumpriu o prazo de 45 dias, contados da outorga do contrato de empreitada, para apresentação do projecto de arquitetura da MORADIA.(…)
66.º Os Réus indicaram à Autora que, afinal e contrariamente ao que lhe haviam afiançado desde, pelo menos, 23-12-2021, o projecto da MORADIA ultrapassaria em cerca de 3 m2 os 102 m2 determinados pela edilidade como sendo a área de construção viável.
67.º Esse projecto teve, em consequência, de ser abandonado, afigurando-se impossível a
sua reconfiguração, mormente mediante o expurgo daqueles 3 m2, pois tal determinaria a disfuncionalidade prática da MORADIA, quer em termos de implantação exterior, quer em termos de distribuição interna da suas divisões e, isso, pelo menos, em termos das características e natureza de construção desejadas, desde início, pela Autora.
68.º Posteriormente, a Autora veio a saber que esse projecto fora desenvolvido para uma
parte do PRÉDIO para a qual a edilidade nem sequer admitira nem reconhecera capacidade construtiva, como os Réus sempre souberam.
69.º Esse erro é imputável, única e exclusivamente, aos Réus que não cuidaram, de forma
diligente e prévia, de verificar se o projecto apresentado à Autora tinha viabilidade construtiva na exacta localização escolhida pela Autora para a sua construção.”
Alegou igualmente no artº 95º que: “Por carta registada de 7 de Setembro de 2022, a Autora solicitou aos Réus informação sobre a correção das apontadas deficiências e irregularidades no projecto, bem como sobre a elaboração do referido estudo técnico-científico – Doc. n.º 26.
96.º Os Réus não responderam a essa solicitação.
97.º Por comunicação electrónica de 13 de Outubro de 2022, a Autora reiterou aquelas solicitações aos Réus, manifestando disponibilidade para a realização de um reunião conjunta com o fito de resolver as questões atinentes à aprovação do projecto- Doc. n.º 27.
98.º Os Réus não responderam a essa solicitação.
99.ºOs Réus não concederam qualquer resposta àquela edilidade nem se disponibilizaram
junto da Autora, enquanto responsável pela “realização do projecto de arquitectura e correspondentes especialidades”, a reformula-lo em conformidade com as indicações constantes daquela notificação.
100.º Essa reformulação, incluindo a inclusão dos elementos em falta e solicitados pela edilidade, sempre seriam imprescindíveis à (continuação de) apreciação do pedido de licenciamento formulado, sem prejuízo do prazo de caducidade do procedimento.
101.º Neste tipo de situações, e após aquela primeira notificação, a edilidade não volta a insistir junto dos interessados pela apresentação dos elementos solicitados, ficando a aguardar pela sua junção, sem prejuízo do decurso daquele prazo. Assim sendo,
102.º Por carta registada com aviso de receção, de 25 de Outubro de 2022, a Autora comunicou aos Réus, por referência ao Contrato de Empreitada, a conversão da mora em
incumprimento definitivo, mormente em face da perda do seu interesse na construção da
MORADIA – Doc. n.º 28.
103.º Essa comunicação foi rececionada, na sede da 1.ª Ré, 03 de Novembro de 2022 (cfr.
doc. n.º 28).(…)
102º Os Réus não concederam qualquer resposta a essas comunicações. Mais,
106.º Por carta registada com aviso de receção, de 10 de Novembro de 2022, a Autora comunicou aos Réus, por referência àquele contrato, a sua resolução, em face do incumprimento contratual, incluindo (i) a inexequibilidade do primeiro projecto de arquitectura apresentado, (ii) a não correção, em tempo devido e oportuno, do segundo projecto de arquitetura apresentado, (iii) a impossibilidade de construção da obra inicial desejada e contratualizada, e (iv) a ultrapassagem do prazo contratual fixado para apresentação do projecto de arquitetura e, em consequência, o incumprimento decorrente para o prazo de conclusão dos trabalhos de construção – Doc. n.º 30.(…)
114.º A Autora incorreu, relativamente ao acordado e contratualizado com os Réus, em
erro vício na formação da sua vontade, incidindo esse erro, inclusive sobre o objeto negocial, com relevância anulatória suficiente em ordem aos Réus serem solidariamente
responsabilizados, inclusive por meio do património pessoal e através da desconsideração da personalidade jurídica da 1.ª Ré, pela restituição à Autora das quantias de € 50.000,00, de € 20.000,00 e de € 328.000,00, com a consequente restituição do PRÉDIO aos 2.ºs Réus.
115º Sem o erro sobre o objecto negocial – ou seja, caso a Autora soubesse que, sobre o
PRÉDIO, não poderia vir a ser construída a MORADIA por si desejada e objecto da empreitada -, nunca teria celebrado o contrato de empreitada e, em consequência, nunca teria adquirido o PRÉDIO pela dita escritura de compra e venda, pois a aquisição deste sempre esteve subordinada à concretização daquela construção, com as exactas características desejadas pela Autora, essenciais para si.
116.º Os Réus conheciam ou, pelo menos, não podiam ignorar que assim seria entendido
pela Autora, inclusive na medida em que essa essencialidade foi reconhecida pelos próprios e pela Autora quando, na escritura de compra e venda, verteram o seguinte: “(…) há a edificabilidade de construir uma moradia unifamiliar com cento e dois metros quadrados de área bruta de construção naquele prédio (…)”.
Alega também factos relativos à desconsideração da personalidade da ré sociedade, concluindo, na parte que ora releva, pelo seguinte pedido:
“a. Declarada a anulação do contrato de compra e venda (cfr. doc.n.º 8), bem como do contrato de empreitada (cfr. doc. n.º 13), incluindo toda a documentação pré-contratual outorgada (cfr.docs. n.ºs 1, 3 e 5), celebrados entre a Autora e os Réus, em face do erro vício na formação da vontade em que aquela incorreu, incluindo erro sobre o objecto negocial, erro sobre o motivo determinante da vontade e erro sobre as circunstâncias da base negocial, sem prejuízo da resolução contratual operada, conforme melhor se verteu no artigo 120.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido por razões de brevidade e economia, com a inerente devolução à Autora das quantias pagas, a título de impostos, pela outorga da dita escritura de compra e venda (cfr.artigo 39.º);
b. Determinada a condenação, solidária, dos Réus no pagamento, mediante restituição, à Autora da quantia de € 398.000,00 (€50.000,00 + € 20.000,00 + € 328.000,00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos,(…).” ( destaque nosso).
Os réus na contestação apresentada vieram arguir a sua ilegitimidade passiva, nomeadamente por não terem tido intervenção em cada um dos contratos alegados (dado que apenas a 1ª ré é outorgante do contrato de empreitada), impugnando, quer os factos que alegadamente sustentam a nulidade por vício da vontade do contrato de compra e venda e empreitada, quer ainda o que poderá determinar a resolução do contrato de empreitada.
Considerando tais premissas alegatórias efectivamente, como é consabido, a causa de pedir corresponde aos factos jurídicos de que emerge o direito invocado pelo autor (cfr. artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Como escreve Mariana Gouveia (in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, págs. 493 e 509”), a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, mas segundo o critério misto não pode deixar de prescindir de uma perspectiva material dos limites das normas e dos seus nexos, por referência ao direito substantivo.
Convoca-se ainda, sobre a temática, o que, a esse propósito, se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/01/2017, proc. n.º 3844/15.5.T9PRT.S1, ( in www.dgsi.pt.): “(…) O conceito de causa de pedir tem sido intensamente debatido – na sugestiva expressão de Lebre de Freitas (in, “Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229 do Código Civil”, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, ROA 2006), “martirizado” – na doutrina portuguesa. Muito embora se entenda que a causa de pedir é representada por factos concretos, não se trata de factos “brutos”, independentes de qualquer previsão normativa.
Na esclarecedora lição de Teixeira de Sousa, “os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica”( in “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, Scientia Iuridica 2013, tomo LXII, n.º 332, pp. 395 e ss, pp. 401-402).
Em sentido próximo, observa Lebre de Freitas que “embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos”. E sublinha também que “fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo”), acrescentando o mesmo Autor que “o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais”( ob. cit., p. 402). Observa igualmente o mesmo ( ob. cit., p. 395), que: “A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico: é a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. Portanto, a causa de pedir é um conceito processual que é construído com base no direito substantivo”. Por outro lado, o conceito de causa de pedir não deve ser entendido de forma extensa já que uma visão mais restrita - “deflacionada” (A expressão é de Teixeira de Sousa,  ob. cit., pp.398-399) pois “a orientação actualmente consagrada no direito português impõe uma concepção “deflacionista” da causa de pedir (…) segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor”. “A função da causa de pedir é individualizar o pedido que o autor formula”) - é a que melhor se adequa tanto ao princípio dispositivo que apesar de temperado ou mitigado continua a imperar no nosso sistema processual civil, como à opção do legislador pelo sistema da substanciação da causa de pedir.
Os factos concretos que constituem a causa de pedir – e que nem sequer serão, porventura, para Miguel Teixeira de Sousa, todos os factos necessários para assegurar a procedência da acção – são pois “iluminados” e seleccionados por uma certa previsão legal.
O preenchimento da causa de pedir exige a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito, cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil.
A causa de pedir representa na lide o substrato material ou humano a que o juiz reconhecerá, ou não, força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas. Por isso, deverá ser descrita convenientemente com utilidade circunstancial capaz de mobilizar as virtudes jurídicas latentes em função da situação jurídica, não devendo traduzir-se numa amálgama de juízos conclusivos e/ou expressões de direito, ou expressões genéricas, ou documentos sem correspondência com os “factos”.
A causa de pedir é integrada somente pelos factos que preenchem a previsão normativa que concede a situação subjectiva alegada pelas partes (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, pág. 123).
Não significa isto que a causa de pedir seja constituída por puros e simples factos naturais. A causa de pedir é constituída por factos selecionados e qualificados de acordo com critérios jurídicos: os que se inscrevem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através dos dispositivos do processo civil.
Os factos “são simples recortes artificiais no tecido da realidade. São pedaços da realidade que foram dela artificialmente recortados com o molde da previsão da norma” (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 1999, pág. 152). Para que a actividade subsuntiva possa exercer-se correctamente, deve ser transmitida para o processo a realidade que deve servir de base a toda a tarefa que recai sobre as partes, sobre os seus mandatários ou sobre o tribunal.
Assim, podemos concluir que no direito processual civil vigora a teoria da substanciação – o autor deverá alegar os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada.
Quanto ao pedido como bem se alude no Acórdão desta Relação de 22/06/2023 ( proc. nº 440/22.4T8MTA.L1-2): O “pedido” é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que o autor quer obter com a ação. A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento. Secundariamente – na perspectiva das partes – o instituto permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.”.
A par da análise sobre o pedido e causa de pedir haverá ainda que considerar que  a filosofia subjacente ao nosso CPC – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente já se evidenciava no preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95 de 12/12, reafirmada no actual Código de Processo Civil, como bem denota a recorrente. Logo, subjacente à decisão deve estar a prevalência do fundo sobre a forma, perspectivando o processo civil apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como “um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo” ( cf. preâmbulo do Código de Processo Civil ).
Posto isto, assenta a decisão recorrida na contradição entre a causa de pedir e o pedido, porém, antecipando, entendemos que tal não se configura, pois é certo que a Autora alega a nulidade por vício da vontade quanto ao contrato de compra e venda, porém, tal como configura a acção o contrato de empreitada não pode ser dissociado daquele contrato, pois a moradia a construir, objecto do contrato de empreitada, seria implantada no prédio adquirido no âmbito do contrato de compra.
Donde, não existe apenas no âmbito da alegação da autora factos alegadamente consubstanciadores da resolução do contrato de empreitada, como parece resultar da decisão recorrida, mas sim igualmente a invalidade que se repercute nesse contrato, por força da união de ambos os contratos, nomeadamente quanto ao seu objecto – o prédio, e a moradia a ser construída nesse prédio. A par dessa união haverá ainda que considerar que a A. alega factos relativos à desconsideração da personalidade da ré sociedade, subscritora do contrato de empreitada, pretendendo que se considere os demais réus como sendo os titulares efectivos de ambos os contratos – o de compra e venda e o de empreitada.
Ora, claramente não está, face à alegação, configurada uma situação de contradição entre o pedido e a causa de pedir, pois esta para existir pressupõe uma contradição intrínseca ou substancial insanável entre uma e outra. Como bem aludia Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 381) «a causa de pedir deve estar para o pedido  na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-se estar com a decisão. O pedido tem, com a decisão, o valor e significado duma conclusão», e o pedido formulado tem com a causa de pedir invocada o necessário nexo lógico, logo, a contradição que ora se discute apenas ocorre quando não exista entre o pedido e a causa de pedir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão. Vale isto por dizer que “a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e um desdizer simultâneos” (Antunes Varela in RLJ Ano 121, pág. 122).
A contradição prende-se sim com os efeitos jurídicos pretendidos em relação ao mesmo negócio, pois aquela ocorre com o pedido de nulidade do contrato e a sua resolução, mas aqui não estamos perante uma situação de causa de pedir contraditória com o pedido, pois a Autora convoca ambas em termos factuais. A primeira, com base na decorrência lógica que advém da união ou dependência dos dois contratos celebrados, pois, declarando-se nulo o contrato de compra e venda, cairá igualmente o contrato de empreitada, onde se visava a construção no terreno adquirido. Porém, a alegação de vício da vontade como sendo motivo de nulidade ocorre em ambos, contra as mesmas partes, face à alegação da desconsideração da personalidade da 1ª ré, invocando a ausência de possibilidade de construção nos termos pretendidos. Porém, no que concerne ao contrato de empreitada convoca a Autora a resolução do mesmo, invocando, além do mais, a falta de cumprimento do prazo deste.
Logo, no raciocínio levado a cabo pelo tribunal, a existir contradição não é no âmbito da causa de pedir e o pedido, mas sim de pedido(s) no que diz respeito ao contrato de empreitada, ou seja, não pode a recorrente pedir a nulidade por um lado, e a resolução, por outro, pois esta última pressupõe um contrato válido. Outrossim, a ocorrer motivo de ineptidão tal seria subsumível à incompatibilidade substancial de pedidos, prevista na alínea c) do nº 2 do artº 186º do Código de Processo Civil.
Ora, quanto a estes pedidos haverá que considerar o pedido da Autora, bem como o requerimento posterior, o qual, ainda que com manifestas imprecisões, nos leva a considerar que o pedido de resolução pode não significar que se pretenda cumular o mesmo com o pedido de nulidade de ambos os negócios. Porém, já no pedido inicial surge a dúvida, pois que pedido deve ser atendido? É o de resolução no caso de improcedência do pedido de anulação, ou é o inverso? Pois este seria o sentido a dar quando a Autora formula tal pedido dizendo “sem prejuízo de “, ou afinal tal expressão significa efectivamente uma cumulação? A formulação de tais pedidos, para se aferir da sua possibilidade, só pode ocorrer no âmbito da formulação de pedidos subsidiários, ou mais concretamente, só no caso de ser desatendida a nulidade do contrato de empreitada é que deve ser apreciado o pedido de resolução, sendo tal permitido nos termos do artº 554º do Código de Processo Civil, mesmo no caso de oposição entre os pedidos, face ao nº 2 do mesmo preceito.
Acresce que a formulação de tais pedidos, ainda que necessariamente, para poderem ser admitidos apenas o seriam a título subsidiário, em nada colide com a posição assumida pelos RR., pois no âmbito da contestação impugnam, quer os factos atinentes ao vício dos contratos determinante da sua nulidade, bem como os factos relativos à resolução, neste caso apenas do contrato de empreitada.
Outrossim, ainda que se entenda que existe uma contradição substancial dos pedidos, ou seja, a considerar-se a formulação de uma cumulação real de pedidos, tem sido entendido que tal vício é sanável, designadamente através de um convite ao A. para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.).
Com efeito, a incompatibilidade substancial dos pedidos que implica a ineptidão da petição inicial (al. c) do nº 2 do art. 186 do C.P.C.) só releva no âmbito da cumulação real, pois tratando-se de pedidos subsidiários ou alternativos a cumulação é apenas aparente, na medida em que a apreciação de um excluirá o conhecimento do outro, não sendo considerados em conjunto (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol I, pág. 615).
Logo, a propósito de tal temática e tendo por base o princípio supra enunciado, também Lebre de Freitas (in A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., págs. 59 e 60.) defende que: “(…)  o disposto no art. 6-2 leva a que o tribunal deva convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que tenha deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende que seja apreciado na ação ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade. Fora destes casos, a ineptidão da petição inicial dificilmente deixará de constituir nulidade insanável(…).”.
Defendem, por sua vez, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre(in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª ed., 2018, pág. 382) que no caso da dedução de pedidos substancialmente incompatíveis, deve ser aplicada, por analogia, a mesma solução prevista no artº 38 do C.P.C. (escolha pelo autor, em caso de coligação ilegal, do pedido com o qual o processo deve prosseguir).
Em sentido idêntico, parece resultar do afirmado por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in ob. cit. pág. 615) : “(…) Com exceção dos casos em que os pedidos são materialmente incompatíveis, gerando a ineptidão da petição inicial (art. 186º, nº 2, al. c)), a cumulação ilegal, à semelhança da coligação ilegal, para onde é feita a remissão (arts. 36º e 577º, al. f)), corresponde a uma exceção dilatória sanável com posterior aproveitamento do pedido que se enquadre nos requisitos materiais e formais dos arts. 36º e 37º, não determinando de imediato uma decisão de absolvição total da instância. (…).”
Do exposto, mesmo que se conclua configurar uma situação de pedidos incompatíveis, e não como sustenta a decisão recorrida de contradição entre pedido e causa de pedir, tal poderá ser sanado com o convite dirigido ao autor de forma a rectificar, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
Neste sentido se decidiu nesta Relação, no Acórdão datado de 28/09/2012 ( proc. nº 4357/19.1T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt), com o seguinte sumário: “ I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível;
II- A incompatibilidade substancial dos pedidos que implica a ineptidão da petição inicial (al. c) do nº 2 do art. 186 do C.P.C.) só releva no âmbito da cumulação real, pois tratando-se de pedidos subsidiários ou alternativos a cumulação é apenas aparente, na medida em que a apreciação de um excluirá o conhecimento do outro, não sendo considerados em conjunto;
III- Afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.);
IV- Tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de retificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.”.
Volvendo ao caso em análise, a formulação inicial da Autora já compreendia a dúvida sobre a cumulação de pedidos incompatíveis, ou seja, a interpretação que a par do pedido de nulidade do contrato também se pedia a resolução, reportando ambas as formas de cessação do contrato ao de empreitada. A incertitude ocorria ainda, no caso de serem considerados os pedidos subsidiários, sobre o que se pretendia com a expressão “sem prejuízo”, pois tal poderia significar que afinal seria de atender primeiramente à resolução, quando claramente a nulidade antecede esta.
É certo que perante o cumprimento por iniciativa do Tribunal do princípio do contraditório prévio ao conhecimento da nulidade, por se antever a ineptidão da petição inicial, a Autora veio juntar requerimento onde a convocação de tal subsidiariedade é ainda menos evidente e os pedidos formulados são ainda menos claros. No entanto, não há que olvidar que tal pronuncia da parte advém da indicação feita pelo Tribunal que se antevia a ineptidão por contradição entre o pedido a causa de pedir, como aliás veio a decidir, convocando o previsto na alínea b) do nº 2 do artº 186º, e não o eventual aperfeiçoamento por incompatibilidade dos pedidos.
Com efeito, nesse requerimento a Autora acaba por nem sequer fazer alusão à escolha que pretende quanto aos pedidos de anulação ou de resolução, parecendo pretender, ao arrepio das mais elementares regras processuais, que a opção possa ser feita, ou após o julgamento que venha a ser feito quanto à resolução, ou por opção dos réus, dizendo que “caso se considere ter operado, de forma válida, a comunicada resolução do contrato de empreitada, então, a Requerente desistirá do pedido no que tange à declaração de anulação do contrato de empreitada pois, em bom rigor, não se pode anular o que foi resolvido ou, dito de outra forma, não haverá essa necessidade pois a anulação decorre da própria resolução contratual, mantendo-se o demais peticionado” ou ainda “Caso se considere não ter operado, de forma válida, a comunicada resolução do contrato de empreitada, então, a Requerente pugnará pela manutenção do petitório formulado a respeito da declaração de anulação do contrato de empreitada, e o demais peticionado”. Mais ainda, sem se olvidar que os RR. já impugnaram os factos determinantes da resolução, vem agora requerer que “Para efeito de ponderação do vertido nas duas alíneas anteriores, haverá o Tribunal de ordenar a notificação, o que se requer, dos Réus para expressamente declararem nos autos se consideram ou não resolvido o contrato de empreitada.”.
A necessidade de pedido é condição essencial da petição inicial e do recurso aos meios judiciais, e a existência de cumulação de pedidos implica a inexistência de incompatibilidade entre eles, ou seja, estes para serem válidos não podem ser incompatíveis. A possibilidade de oposição entre os pedidos apenas se encontra prevista no caso de pedidos subsidiários, tal como se estabelece no nº 2 artº 554.º, do Código de Processo Civil, sendo que neste preceito, no seu nº 1, se define tal subsidiariedade quando o pedido é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
Do que referimos, entendemos que, quer da formulação inicial dos pedidos formulados pela Autora na petição inicial, quer no requerimento posterior, não resulta a subsidiariedade dos pedidos quanto ao contrato de empreitada, sendo certo que o conhecimento da resolução de tal contrato apenas deve ser conhecida julgada que seja improcedente a nulidade do mesmo contrato, pois não se pode resolver um contrato que seja inválido.
Logo, ainda que na formulação inicial dos pedidos, ou na sua formulação posterior por requerimento, pudesse existir a dúvida sobre a cumulação ilegal de pedidos, por contraditórios, o que determinaria a nulidade por ineptidão não com base na alínea b) do nº 2 do art.º 186.º, decidida pelo Tribunal a quo, mas sim por aplicação da alínea c), haverá que considerar a jurisprudência e doutrina aludida e logo, a possibilidade de conceder à parte a possibilidade de aperfeiçoar tal petitório.
Face aos princípios da gestão processual e adequação formal e ao espírito que subjaz ao nível de preocupações de economia processual e do reforço dos poderes processuais do juiz no âmbito do Código de Processo Civil, não ocorre a ineptidão com fundamento na alínea c) do artº 186º nº 3, sem se ter dado à parte a possibilidade de reformular tal petitório, configurando-se a cumulação real em cumulação subsidiária.             Todavia, frise-se, não ocorre a ineptidão nos termos decididos pelo Tribunal a quo, nem a pronuncia da Autora e o seu requerimento por impulso do tribunal constitui o aperfeiçoamento a ser considerados nos termos sobreditos. Pois, é perante a dúvida sobre  a cumulação de pedidos incompatíveis, ou até pela dúvida sobre tal incompatibilidade até na sua subsidiariedade ( isto é, apenas se pode pedir a resolução, verificada que seja a validade do contrato e não o inverso) que se imporia  a nulidade por ineptidão.
Donde, impõe-se a revogação do despacho que determinou existir a nulidade do processado por ineptidão da petição inicial e a absolvição dos RR. da instância, com a convocação da alínea b) do nº 2 do artº 186º do Código de Processo Civil, ou seja, tendo por base a contradição dos pedidos e causa de pedir, devendo sim considerar-se a possibilidade de convidar a parte a aperfeiçoar os pedidos formulados, aferindo, após tal possibilidade, da existência ou não de alguns dos vícios que inquinem a petição inicial.
Procede assim, parcialmente a apelação.
As custas seriam devidas pelos apelados – cf. artº 527º nº 1 2ª parte do Código de Processo Civil – porém não tendo contra alegado e inexistindo encargos ou outros custos, não haverá lugar ás mesmas.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, consequentemente, determina-se a revogação da decisão recorrida que concluiu pela ineptidão da petição inicial e absolveu as RR. da instância com base na alínea b) do nº 2 do artº 186º do Código de Processo Civil, devendo a Autora ser convidada, em prazo, a aperfeiçoar o seu petitório nos termos sobreditos.
Custas conforme o supra aludido.
Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Junho de 2024
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Gonçalves
Vera Antunes