ACÇÃO DE DESPEJO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
Sumário

(do relator):
Atento o disposto no art.º 57.º do NRAU relativo à transmissão por morte, o regime legal do arrendamento para habitação não confere ao filho maior, de idade igual ou superior a 26 anos e inferior a 65 anos, sem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prc ou com idade igual ou superior a 65 anos e sem RABC do agregado inferior a 5 RMNA, que vivendo no arrendado com o progenitor primitivo arrendatário e com a progenitora por morte deste, aí continuando a viver depois da morte desta, o direito a suceder na posição de arrendatário, extinguindo-se o contrato de arrendamento à morte da progenitora, por caducidade, nos termos do disposto nos art.º 1051.º, al. c), e 1079.º, do C. Civil e no corpo do n.º 1, do art.º 57, do NRAU, este a contrario.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
MAHSS, em nome pessoal e na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de seu falecido marido AMS, PJSM e mulher IAGSM, casados no regime de comunhão geral de bens, LASM, casado no regime de comunhão de adquiridos com CCMDSM propuseram contra RPLS esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que se declare que são proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, do 1° andar, letra D, do prédio em regime de propriedade vertical que identificam e se condene o R a reconhecer esse direito de propriedade e a restituir ao AA o andar livre e devoluto e a pagar-lhes, a titulo de indemnização pela sua ocupação ilegítima, a quantia mensal de €300,00 a contar da citação até à efetiva restituição.
Citado, contestou o R dizendo, em síntese, que o andar em causa esteve arrendado a seus pais e que tem pago as respetivas rendas, pedindo a improcedência da ação e deduzindo reconvenção na qual pede a condenação dos AA no pagamento de €3.500,00, a título de indemnização por benfeitorias necessárias realizadas no imóvel.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação procedente, declarando os AA proprietários do andar, em comunhão, sem determinação de parte ou direito, condenando o R a restitui-lo livre de pessoas e bens e no pagamento de indemnização de €300,00 mensais desde a citação até à restituição efetiva.
Inconformado com essa decisão, o R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, a improcedência da ação e a absolvição do pedido, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
a) O presente recurso tem como objeto a matéria de facto não provada de ponto a) e ainda, pela circunstância de não terem sido “considerados os factos conclusivos e os factos irrelevantes para a decisão da causa” que serviram de fundamentação à decisão de condenação do ora recorrente e, ainda toda a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos.
b) Por se tratar de contrato de arrendamento habitacional celebrado a 01.03.1974 antes da vigência do RAU, é lhe aplicável o regime dos arts. 57.º e 58.º do NRAU referente à transmissão por morte (arts. 27.º, 28.º e 26.º, n.º 2, todos da lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
c) Considerou, por isso, o douto Tribunal a quo não se verificar nenhuma das situações previstas na lei, o contrato de arrendamento no âmbito do qual o réu estava legitimado a ocupar o locado (art.º 1093.º do CC) caducou, pelo que o réu deixou de ter título legítimo para ali residir.
d) Como tal, decidiu o Tribunal a quo que o recorrente “não logrou demonstrar a existência de facto impeditivo da restituição do imóvel em causa.”.
e) Para tanto, deu por não provado que os recorridos não receberam as rendas correspondentes aos meses de abril e maio de 2022 (Ponto A), alegando que nenhuma prova foi produzida que permitisse considera-la de acordo com a realidade dos acontecimentos, o que, desde logo, é falso.
f) Nas declarações de parte do recorrido PM, este referiu o seguinte: “Patrona: Eu estava a perguntar se durante o tempo que lá esteve após a morte da mãe pagou o valor da renda que a mãe pagava? Autor: O valor da renda sim (…) os cinquenta euros.” (00:13:00).
Ainda que, venha a primeira parte do n.º 3 do artigo 466.º do Código Processo Civil referir que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes”, este estabelece uma exceção à regra “salvo se as mesmas constituírem confissão”.
h) Para atender a esta figura importa analisar o artigo 352.º do Código Civil “a confissão é o reconhecimento que uma parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, pelo que, este facto não deveria ter sido ignorado pelo julgador.
i) Assim sendo, deveria o douto Tribunal a quo ter dado por provado a aceitação do pagamento das rendas pelo ora recorrente aos recorridos após a morte da sua mãe em 22.01.2020.
j) Mas ainda que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, não podia o douto Tribunal recorrido não considerar este facto, atenta à prova produzida em sede de julgamento.
k) Neste âmbito veio igualmente a testemunha dos recorridos, JA, referir “Juiz: De onde e porquê? De onde as conhece? São amigos, são conhecidos? (…) (00:01:02) Testemunha: Passo quase sempre o dia com eles, mas não com todos. Juiz: Já há muitos anos é isso? Testemunha: Sim, sim. Juiz: O senhor tem alguma relação com as casas que estes senhores têm? Testemunha: A relação que eu tenho é que muitas vezes vou lá com o Senhor P para receber as rendas e entregar logo os recibos aos inquilinos (00:01:37) Juiz: Conhece o Senhor RS? É o Senhor que está sentado ali. Testemunha: Conheço de o ver lá.”
l) Para tanto, veio o recorrente em sede de alegações orais finais, alegar que tendo o mesmo continuado a residir no imóvel, pagando as rendas pontualmente, rendas essas que foram sempre recebidas pelos AA., se estabeleceu uma nova relação de arrendamento tacitamente.
m) A este propósito considerou o douto Tribunal a quo que por não terem sido alegados estes factos em sede de contestação, não pode, por isso, conhecer e discutir esta matéria, o que totalmente contrário à lei, se não vejamos:
n) Nos termos do n.º 2, alínea b) do artigo 5.º do Código de Processo Civil, deve o juiz relevar na decisão de facto os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, pelo que, este facto deveria sim ser considerado pelo julgador aquando da sua decisão, porquanto são factos que visam a descoberta da verdade e contribuem para a justa composição do litígio.
o) E assim sendo, deveria o douto Tribunal recorrido ter tido em consideração que o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, sendo que na falta de redução a escrito que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses, o que efetivamente foi tido como provado (Pontos 6. a 9.)
p) Isto porque, considerou por provado que o ora recorrente residia com os seus progenitores, que após o óbito do seu pai, ficou a residir com a mãe até à data da morte em 22.01.2020 e permanece no locado até à presente data, sendo que, só a 07.10.2021 lograram os recorridos interpela-lo para proceder à desocupação do imóvel, ultrapassando o prazo legalmente previsto dos seis meses.
q) Assim, sendo, não restam dúvidas que a única decisão admissível é considerar a existência de uma nova relação de arrendamento, ainda que, de forma tácita, a qual não foi tida em consideração pelo Tribunal recorrido.
r) Como tal, não se aceita que venha o Tribunal a quo referir que o recorrente não se encontra legitimado a ocupar o locado, uma vez que fica demonstrado que nos seis meses consequentes à morte da arrendatária originária os recorridos não se opuseram à utilização do locado e não recusaram o pagamento mensal da respetiva renda por parte do recorrente.
s) Pelo que, deverá o douto Tribunal ad quem decidir que por força do novo contrato de arrendamento estabelecido entre as partes não podem os recorridos reivindicar a restituição do referido imóvel, constituindo assim a verificação de um facto impeditivo.
t) Reitera-se, por isso, que à presente data se encontra a vigorar novo contrato de arrendamento a favor do ora recorrente, que nos termos das declarações de parte do ora recorrido PM este aceitou as condições do contrato, nomeadamente, o pagamento de renda no valor de €50,00 (cinquenta euros) mensais.
u) Não obstante, veio ainda o douto Tribunal a quo dar por provado que “atualmente, um T3 na referida zona é arrendado por valor não inferior a €300,00 mensais” e, por força do recorrente não se encontrar legitimado a ocupar o locado terá de indemnizar os recorridos ao pagamento da quantia de €300,00 (trezentos euros) por mês contabilizados desde a data de citação, o que, pelas razões acima referidas deverá o douto Tribunal ad quem improceder o pedido indemnizatório formulado pelos recorridos.
v) Além de que, este cálculo foi manifestamente grosseiro, considerando que o douto Tribunal a quo não considerou a renda anteriormente paga pelo ora recorrente na quantia de €50,00 (cinquenta euros) mensais, para efeitos de dedução do valor condenatório.
*
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. Pela AP. 20 de 1971/05/03 encontra-se registada a aquisição por compra, a favor de AMS casado no regime da comunhão geral de bens com MAHSS, do prédio urbano em regime de propriedade total, sito na Rua …, em Camarate, concelho de Loures, atualmente inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Camarate, Unhos e Apelação sob o art.º … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº ….
2. O referido prédio foi adquirido por AMS, falecido marido da 1ª A e pai do 2º A marido e do 3º A, por compra efetuada a APM e mulher ADC, DS e mulher GCSS, ORGD e marido JAD, através de escritura pública outorgada em 29.04.1971 no antigo 11º Cartório Notarial de Lisboa.
3. AMS faleceu em 06.10.2010 no estado de casado com a 1ª A, em comunhão geral de bens, e em primeiras e únicas núpcias de ambos, sem ter feito testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sobrevivido, para além da esposa, os seus dois filhos, PJSM e LASM.
4. Por contrato celebrado em 01 de Março de 1974, AMS deu de arrendamento o 1º andar, letra D, do mencionado prédio, a AS (pai do Réu, entretanto falecido), para habitação, pela renda mensal de 2.000$00 (escudos), e pelo prazo de 06 meses, com início em 01 de Março de 1974.
5. No imóvel residiam, para além de AS (pai do réu), a sua esposa MTLS e o seu filho, aqui réu.
6. Com a morte de AS (pai do réu) ficaram a residir no imóvel MTLS e o réu.
7. MTLS veio a falecer no dia 22 de Janeiro de 2020.
8. Depois do óbito de MTLS, o réu ficou a residir no imóvel.
9. A 1.ª A. interpelou-o para desocupar o imóvel por cartas expedidas pelos CTT, registadas com AR, datadas de 07.10.2021 e de 01.11.2021.
10. Nesta última, recebida pelo Réu em 12.11.2021, a 1ª A comunicou-lhe o seguinte:
Em consequência, e nos termos dos artigos 1051°al.d) e 1053° do Código Civil, considero que o contrato de arrendamento caducou, por morte da sua mãe, última arrendatária, no dia 22.01.2020, devendo o andar ser restituído, no prazo máximo legal de 6 meses, a contar dessa data.
Tal prazo - que esteve suspenso entre 13 de Março de 2020 até 30 de Junho de 2021, nos termos do artigo 89, alínea d), da Lei n° 1- A/2020 de 19/3, com a última alteração, introduzida pela Lei n° 13-B/2021 de 5/4 - terminará em 10 de Novembro de 2021.
Assim, não beneficiando V. Exa da transmissão do arrendamento, e tendo ainda em consideração o longo tempo já decorrido desde a morte da sua mãe, fica notificado de que deverá, sem falta, proceder à entrega do andar, livre e devoluto, no máximo, até ao final do mês de Novembro de 2021.
(...)
11. Apesar de interpelado, o réu não desocupou o imóvel.
12. Os AA. tencionam colocar o andar no mercado de arrendamento, havendo já interessados em ocupar o imóvel em causa que manifestaram esse interesse aos AA.
13. Trata-se de um andar, com 2 quartos e uma sala (tipologia T2), destinado a habitação, com uma área bruta privativa de 60 metros quadrados, com o valor patrimonial tributário de 37.189,60, situado em Camarate, em zona servida de transportes públicos.
14. Actualmente, um T3 na referida zona é arrendado por valor não inferior a €300,00 mensais. 15. No dia 09/05/2022, o réu procedeu ao depósito em conta pertencente à 1.ª A, MAHSS, do montante de €50,00 a título de “renda”.

A. 2. Não provados os seguintes factos:
A. Sendo que os AA. receberam as rendas correspondentes aos meses de Abril e Maio de 2022.
B. Entre 2017 e 2021 o R. procedeu às seguintes reparações e melhoramentos no imóvel dos AA.:
- Sanita e tampo: €150,00
- Lavatório e bidé: €260,00
- 2 torneiras do lavatório, 1 torneira do bidé e 1 torneira da banheira: €275,00
- 7 tomadas e 7 interruptores: €70,00
- 1 torneira do lava-loiça, 1 torneira de segurança do esquentador e 1 torneira de segurança da máquina de lavar roupa: €60,00.
- Reparação dos estores da cozinha e sala, com colocação de novas fitas e caixa: €350,00
- Tintas para pintura da casa: €200,00
- Dobradiças e puxadores das portas dos armários da cozinha: €35,00
- Dobradiças da janelas e portas: €50,00
- Material para reparação da canalização da cozinha e casa de banho: €150,00
C. As reparações e pinturas foram realizadas pelo R. e por um amigo a quem pagou, mas a quem não exigiu qualquer fatura atenta a relação de amizade que os unia.
D. O R. despendeu cerca de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) na totalidade pelas reparações.
E. O R. providenciou ainda pela reparação de estores, tendo contratado empresa para o efeito e despendido a quantia de €300,00.

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B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consistem em saber se a) a sentença deve ser alterada em relação ao facto não provado sob a al. A da respetiva espécie da sentença, declarando-se provado, b) se encontra a vigorar um novo contrato de arrendamento a favor do ora recorrente, c) na quantia arbitrada a título de indemnização devem ser deduzidos os €50,00 depositados pelo apelante nos termos do facto sob o n.º 15 da matéria de facto provada da sentença.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se a sentença deve ser alterada em relação ao facto não provado sob a al. A da respetiva espécie da sentença, declarando-se provado.
Sob a al. A da respetiva espécie a sentença declarou não provado “…que os AA. receberam as rendas correspondentes aos meses de Abril e Maio de 2022”.
O apelante discorda dessa decisão, declarando que a impugna e pretende que a mesma deve ser substituída por outra que declare provado esse facto.
A impugnação da sentença da primeira instância em matéria de facto tem um regime processual próprio, o qual se não basta com uma simples declaração de impugnação semelhante à prevista nos art.ºs 574.º e 587.º, do C. P. Civil que estabelecem o ónus de impugnação dos factos articulados pela contraparte, antes exigindo, em face dos elementos de prova produzidos em audiência, a demonstração do desacerto da sentença impugnada e o melhor acerto da decisão pretendida, como impõe a al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, em ordem a habilitar o Tribunal da Relação a exercer o poder/dever que lhe é conferido pelo n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
Em abono da sua pretensão invoca o apelante as suas próprias declarações, o depoimento da testemunha JA e uma hipotética confissão do “próprio recorrido”.
Para além das suas próprias declarações, correspondentes ao por si articulado na contestação, não se vislumbra que a testemunha tenha declarado a entrega e recebimento de quantias a título de rendas correspondentes aos meses de Abril e Maio de 2022.
Não obstante, reconduzindo-se o núcleo do facto agora em causa ao recebimento da quantia mensal de €50,00 a título de “renda”, tratando-se de um facto articulado na contestação (art.ºs 5 e 6), o certo é que o mesmo se não mostra impugnado pelos AA apelados, pelo que se encontra admitido por acordo, nos termos previstos no n.º 2, do art.º 574.º do C. P. Civil, aplicável ex vi do disposto no n.º 1, do art.º 587.º, do mesmo Código.
Relativamente ao facto articulado pelo R a que parcialmente se reporta al. A) dos factos não provados da sentença encontra-se, pois, provado que o R a entregou aos AA a quantia mensal de €50,00 a título de “renda” relativa aos meses de janeiro a junho de 2022, que estes receberam.
Procede, pois, nestes exatos termos esta primeira questão, devendo eliminar-se a al. A) dos factos não provados da sentença e aditar-se aos factos provados um facto sob o n.º 16 com o seguinte conteúdo:
16. O R a entregou aos AA a quantia mensal de €50,00 a título de “renda” relativa aos meses de janeiro a junho de 2022, que estes receberam.
 2) Quanto à segunda questão, a saber, se se encontra a vigorar um novo contrato de arrendamento a favor do ora recorrente.
Nos exatos termos em que formula esta segunda questão afigura-se-nos que o apelante aceita o expendido na sentença recorrida relativamente à não transmissão para a sua titularidade da posição de arrendatário que a seu tempo pertenceu aos seus progenitores, ao contrário do expendido na contestação em que essa transmissão é alegada como fundamento da improcedência da ação.
Atento o disposto, a contrario, nas als. d) a f), do n.º 1, do art.º 57.º do NRAU relativo à transmissão por morte, o regime legal do arrendamento para habitação não confere ao filho maior, de idade igual ou superior a 26 anos e inferior a 65 anos, sem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prc ou com idade igual ou superior a 65 ano e sem RABC do agregado inferior a 5 RMNA, que vivendo no arrendado com o progenitor primitivo arrendatário e com a progenitora por morte deste, aí continuando a viver depois da morte desta, o direito a suceder na posição de arrendatário, extinguindo-se o contrato de arrendamento à morte da progenitora, por caducidade, nos termos do disposto nos art.º 1051.º, al. c), e 1079.º, do C. Civil e no corpo do n.º 1, do art.º 57, do NRAU, este a contrario, não se vislumbrando, pois, fundamento para a invocada transmissão da posição de arrendatário.
Analisando-se a questão sob o prisma de um novo contrato de arrendamento a favor do ora recorrente, porventura estribado na pretensão de alteração da al. A dos factos não provados da sentença, que foi objecto de apreciação na questão anterior e julgada improcedente, o certo é que a mesma também não colhe qualquer apoio na matéria de facto pertinente para decisão da causa.
Com efeito, nenhum dos factos que integram a matéria de facto pertinente para decisão da causa nos permite sustentar que o apelante e os apelados tenham querido e se tenham proposto celebrar um novo contrato de arrendamento, o que sempre seria admissível nos termos do n.º 2, do art.º 1069.º, do C. Civil.
E admitindo o art.º 217.º do C. Civil a declaração negocial tácita também se não encontram reunidos os pressupostos estabelecidos no n.º 1 - se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam - para a relevância jurídica de tal forma de declaração negocial.
Improcede, pois, também esta segunda questão, uma vez que inexistem nos autos factos que permitam sustentar a celebração de um novo contrato de arrendamento.
3) Quanto à terceira questão, a saber, se na quantia arbitrada a título de indemnização devem ser deduzidos os €50,00 depositados pelo apelante, nos termos do facto sob o n.º 15 da matéria de facto provada da sentença.
O n.º 1, o art.º 841.º do C. Civil admite a consignação em depósito como uma das formas de extinção da obrigação com os fundamentos aí expressamente previstos.
No caso sub judice tais fundamentos não existem e nem sequer foram invocados pelo apelante.
Acontece, todavia, que analisado o facto 15 em causa na sua própria literalidade e em face do documento n.º 2 junto com a contestação, o depósito efectuado pelo apelante se configura como um depósito bancário simples em conta bancária da apelada MA e que nessa configuração se encontra na titularidade desta, sem possibilidades de reversão para o apelado, depositante sem causa para o efeito.
Dispondo o art.º 769.º, que “A prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante”, apesar da pluralidade de credores, atento o disposto no art.º 2089.º, do C. Civil, nada obsta a que essa quantia seja contabilizada, deduzindo-se, na indemnização em cujo pagamento o apelante foi condenado.
Procede, pois, parcialmente esta terceira questão da apelação, devendo a quantia de €50,00 já na titularidade da 1ª A apelada ser descontada na indemnização em que o apelado foi condenado, procedendo a apelação também nesta mesma medida, como já decorre do facto provado sob o n.º 16 da respetiva espécie.

C) SUMÁRIO
Atento o disposto no art.º 57.º do NRAU relativo à transmissão por morte, o regime legal do arrendamento para habitação não confere ao filho maior, de idade igual ou superior a 26 anos e inferior a 65 anos, sem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prc ou com idade igual ou superior a 65 anos e sem RABC do agregado inferior a 5 RMNA, que vivendo no arrendado com o progenitor primitivo arrendatário e com a progenitora por morte deste, aí continuando a viver depois da morte desta, o direito a suceder na posição de arrendatário, extinguindo-se o contrato de arrendamento à morte da progenitora, por caducidade, nos termos do disposto nos art.º 1051.º, al. c), e 1079.º, do C. Civil e no corpo do n.º 1, do art.º 57, do NRAU, este a contrario.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, devendo a quantia mensal de €50,00 entregue pelo R aos AA a título de “renda” relativa aos meses de janeiro a junho de 2022, que estes receberam, ser descontada na indemnização em que o apelante foi condenado, no mais se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 20-06-2024
Orlando Santos Nascimento
Arlindo José Colaço Crua
Pedro Martin Martins