EMBARGOS DE TERCEIRO
NATUREZA JURÍDICA
AGENTE DE EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

(do relator):
1. Como decorre da previsão do n.º 1, do art.º 342.º, do C. P. Civil, da própria inserção sistemática do meio processual embargos de terceiro e do confronto desta mesma inserção sistemática com os meios processuais regulados no TÍTULO IV Dos procedimentos cautelares, do Livro II, do C. P. Civil, os embargos de terceiro constituem um incidente declarativo com decisão definitiva da lide, não tendo a natureza jurídico processual de composição provisória do litígio própria dos procedimentos cautelares.
2. Atenta essa natureza jurídica do instituto impõe-se a conclusão de que a instância dos embargos de terceiro, uma vez iniciada pelo ato de entrega da petição de embargos, vai até ao fim, à prolação da decisão definitiva prevista no art.º 349.º, do C. P. Civil, não sendo sustida por hipotética definitividade da ofensa do direito que se propõe acautelar, como aconteceria se o mesmo instituto tivesse a natureza de mero procedimento cautelar, e impõe-se também a conclusão no sentido de que após a entrada da petição de embargos de terceiro dirigida ao ato de penhora, nenhuma ação do AE que não corresponda à realização do direito a acautelar, é suscetível de paralisar a tramitação deste meio processual.
3. O facto de o AE, por omissão por parte do tribunal da execução na prolação do despacho previsto no art.º 347.º, do C. P. Civil, ter declarado extinta a execução, não determina a impossibilidade superveniente da lide dos embargos de terceiro, que devem prosseguir até decisão final.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
Nos autos de embargos de terceiro em que é embargante ACSP foi proferido despacho declarando extinta a instância dos embargos com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, por o agente de execução (AE), na pendência dos embargos, a ter declarado extinta.
Inconformada com essa decisão, a embargante dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, a qual foi decidida por este Tribunal da Relação, que anulou a decisão recorrida para que o tribunal de 1ª instância fixasse a matéria de facto pertinente.
Baixados os autos o tribunal a quo elencou a matéria de facto pertinente e decidiu como anteriormente, declarando extinta a instância dos embargos de terceiro, com fundamento em que o agente de execução declarou extinta a instância executiva na pendência dos embargos e a embargante não reclamou deste ato para o tribunal, limitando-se a requerer ao agente de execução que desse “o dito por não dito”. 
Inconformada com esta segunda decisão, a embargante dela interpôs nova apelação, formulando as seguintes conclusões:
II – Conclusões:
I - O presente recurso vem interposto da sentença que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil, com o fundamento de se encontrar já extinta a execução a que os presentes autos se encontram apensos.
II – São as seguintes as questões, que, por via da presente Apelação, a Recorrente pretende sujeitar à Douta apreciação dos Venerandos Desembargadores:
a) incorrecta aplicação das normas constantes dos artigos 24º, nºs 1 e 2, 25º, nºs 1, 2 e 4, e 29º, nº 2 da Lei 34/2004, de 29 de julho, que regula o acesso ao direito e aos tribunais, na parte que regula a concessão de apoio judiciário;
b) incorrecta aplicação da norma constante no artigo 552º nºs 7 e 9 do CPC; c) incorrecta aplicação da norma constante no artigo 347 do CPC;
d) violação do disposto nos artigos 719º e 723º do CPC.
III - No entendimento da Embargante ora Recorrente, a decisão de extinção da execução por parte da Agente de Execução nomeada no processo é nula e de nenhum efeito, nulidade que é do conhecimento oficioso do Tribunal.
IV - A Recorrente, na qualidade de Embargante, apresentou petição de embargos de terceiro, por apenso ao processo de execução nº 23319/19.2T8LSB, na data de 21/10/2022,com benefício de apoio judiciário requerido, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, atenta a sua situação de insuficiência económica, para o que juntou aos autos, conjuntamente com a petição inicial, o requerimento de apoio judiciário entregue nos serviços da Segurança Social, ao abrigo do disposto no artigo 552º, nº 9 do Código de Processo Civil e artigo 29º da Lei 34/2004, de 29 de Julho.
V – Invocou, para tal, ser arrendatária habitacional do imóvel cuja entrega foi realizada nos autos na data de 22/09/2023, o qual constituía a sua residência própria e permanente, tendo sido confrontada, nessa data, com a substituição da fechadura do imóvel e a impossibilidade de acesso ao mesmo e, consequentemente, aos seus bens que se encontravam no imóvel, incluindo bens pessoais.
VI - Salvo melhor e douta opinião, após a junção aos autos do requerimento de apoio judiciário nos termos prescritos pelo artigo 552º, nº 9 do CPC, o Tribunal recorrido deveria ter considerado tacitamente deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo após o decurso do prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artigo 25º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, proferindo, após o decurso de tal prazo, o despacho liminar de recebimento ou rejeição dos embargos, e suspendendo, em caso de recebimento, os termos da execução.
VII - A não colher esta interpretação da legislação aplicável ao apoio judiciário, o que só por mera cautela se admite, mostra-se totalmente subvertido o direito de acesso ao direito e aos tribunais por parte de pessoas com carência económica para tal, como é o caso da aqui Recorrente.
VIII - Ao aguardar até à notificação do deferimento do apoio judiciário, durante mais de 5 meses, o tribunal violou as disposições legais acima invocadas, violando, ainda, o direito da Recorrente de ter acesso ao Direito e aos Tribunais em tempo útil, bem como o princípio da igualdade, para além do direito à habitação da Recorrente, direito garantido constitucionalmente.
IX – A sentença recorrida faz, assim, uma incorrecta aplicação das normas constantes dos artigos 24º, nºs 1 e 2, 25º, nºs 1, 2 e 4, e 29º, nº 2 da Lei 34/2004, de 29 de julho, que regula o acesso ao direito e aos tribunais, na parte que regula a concessão de apoio judiciário, do artigo 552º nºs 7 e 9 do CPC, bem como do artigo 347 do CPC.
X – Fazendo, ainda, uma incorrecta apreciação e aplicação da lei processual no que respeita à tramitação do processo executivo, nomeadamente, as regras constantes dos artigos 719º e 723º do CPC.
XI – Se é verdade que, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11.10.2018, no processo 3376/05.0TBVCT-A.G1, em que foi relatora Margarida Fernandes, disponível em www.dgsi.pt: “ I – Dos artigos 719º e 723º do CPC resulta que, uma vez que inexiste atribuição de competências para o efeito, quer ao Juiz do processo, quer à secretaria, incumbe em termos de competência residual do agente de execução a competência para declarar extinta a execução, a menos que o Juiz deva julgar as reclamações de actos e impugnação de decisões do Agente de execução ou decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes nos termos das alíneas c) e d) do artigo 723º do CPC. “;
XII – É igualmente verdade que, para além dos meios específicos de defesa contra a actuação do agente de execução, previstos no artigo 723º do CPC, a saber, a reclamação de actos e a impugnação de decisões, existem outros meios de defesa contra a actuação do AE, como a oposição à penhora, os embargos de terceiro ou a arguição de nulidades.
XIII – Sendo certo que, quando se esteja no contexto destes últimos, não há lugar à reclamação de actos do Agente de Execução, uma vez que a lei prevê um meio processual mais adequado e específico, como os embargos de terceiro.
XIV – Nos presentes autos, resulta claro que a ora Recorrente deduziu, na data de 21.10.2022, embargos de terceiro, na qualidade de arrendatária habitacional do imóvel objecto da execução para entrega de coisa certa, dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do acto judicial que ofendeu a sua posse, tendo requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
XV - A dedução de embargos de terceiro, meio específico de impugnação de actos praticados pelos Agente de Execução bem como o respectivo termo de apensação, foram notificados à Agente de Execução na data de 24.10.2022.
XVI – Consequentemente, não poderia a Agente de Execução extinguir a execução enquanto não fosse proferida decisão nos embargos, uma vez que, não obstante não ter sido proferido  despacho a receber os embargos à data da decisão de extinção, a A E tinha perfeito conhecimento da existência do apenso de embargos de executado, da data de entrada em Juízo dos mesmos, bem como do facto destes se encontrarem a aguardar a decisão a proferir pela Segurança Social sobre o apoio judiciário requerido.
XVII – Não podendo merecer acolhimento o entendimento, plasmado na sentença recorrida, de que o Agente de Execução não violou qualquer decisão judicial por não ter sido ainda proferido o despacho a que aludem os artigos 346º e 347º do CPC.
XVIII – Tal como não pode merecer acolhimento o entendimento de que o AE não podia, depois de extinguir a execução por “investir o exequente na posse do imóvel” reabrir a mesma execução com fundamento que estavam pendentes embargos de terceiro, quando sabia da sua existência desde 24/10/2022.
XIX – A sentença recorrida incorre em manifesto erro uma vez que o AE tinha conhecimento dos embargos desde 24/10/2022, embargos esses deduzidos em 21/10/2022 contra a diligência de entrega do imóvel realizada em 22/09/2022, ou seja dentro do prazo de 30 dias previsto judicialmente para esse efeito, pelo que a execução nunca poderia estar extinta na data em que tomou conhecimento da dedução de embargos de terceiro, tendo apenas sido extinta por decisão de 01/03/2023.
XX - Por outro lado, acresce que, desde a data de entrada em Juízo dos embargos de terceiro, a Embargante apresentou no processo executivo vários requerimentos ao abrigo do disposto no artigo 723º, nº 1 alínea d) do CPC, conforme consta aliás da sentença recorrida quanto ao último destes requerimentos, datado de 6.03.2023 (facto 5), bem como diversas comunicações a A E, não tendo recebido qualquer resposta aos mesmos, seja por despacho judicial seja por resposta da Agente de Execução.
XXI – Requerimentos que deveriam constar igualmente da matéria de facto dada como provada, os quais se anexam ao presente recurso ao abrigo do disposto no artigo 651º do CPC.
XXII – Ora, também por este motivo, ou seja, por falta de pronúncia sobre questões que devessem ter sido apreciadas, não poderia ser tomada a decisão de extinção da execução, encontrando-se esta ferida de nulidade decisória, por aplicação do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC, aplicável ao caso em apreço.
XXIII - Neste âmbito, importa ainda esclarecer que a Recorrente não é parte na execução, tendo apenas tomado conhecimento da decisão de extinção por consulta eletrónica dos autos e, posteriormente, no âmbito dos embargos de terceiro, por despacho judicial datado de 15.04.2023, o que necessariamente afecta, quanto a si, o carácter definitivo da decisão.
XXIV- Não tendo, consequentemente, legitimidade para, antes de terem sido recebidos, ainda que liminarmente, os embargos de terceiro, apresentar reclamação formal no processo executivo nem impugnação das decisões do AE, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 723º do CPC, por não ser parte na execução.
XXV – Podendo apenas, na qualidade de terceiro interveniente, suscitar a questão perante o Juiz, o que fez na data de 06.03.2023, conforme consta da certidão que ora se anexa, questão que não mereceu do tribunal qualquer resposta.
XXVI – A Doutrina e Jurisprudência dominantes são claras no entendimento de que existindo ilegalidades e actos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa para além da reclamação e impugnação de actos previstos no artigo 723º, nº 1 alínea C) do CPC, não é legítimo pressupor que o legislador pretendeu deixar ao interessado a livre escolha entre a reclamação e os outros meios, devendo aceitar-se que a reclamação não pode ser deduzida quando a lei prevê um meio processual mais adequado como seja um meio processual de âmbito especial como os embargos de terceiro.
XXVII - Por todos os motivos acima expostos, nunca poderia a Agente de Execução tomar a decisão de extinção da execução, decisão essa que se encontra ferida de nulidade, não sendo susceptível de produzir quaisquer efeitos, nulidade que é do conhecimento oficioso.
XXVIII – Acresce que o Agente de Execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar, devendo ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres estatutários, legais, regulamentares e que os usos, costumes e tradições profissionais lhe imponham, estando obrigado a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão (cfr. artigos 121.º, 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro), encontrando-se, consequentemente, obrigado a cumprir a Lei.
XXIX - Por todo o supra exposto, se requer a V. Exas, Venerandos Desembargadores, que, seja alterada a decisão proferida no sentido acima indicado, recebendo-se os presentes embargos e ordenando-se o prosseguimento dos autos, declarando-se, igualmente nula e de nenhum efeito a decisão de extinção da execução.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1 – A petição de embargos de terceiro deu entrada em juízo no dia 21/10/2022;
2 – O Sr. AE tomou conhecimento do facto referido em 1 (um) pela comunicação que no dia 24/10/2022 lhe foi dirigida pela Ilustre mandatária da embargante;
3 – No dia 1/3/2023 o Sr. AE extinguiu a execução, em virtude do exequente ter sido investido na posse do imóvel objecto dos autos;
4 – Não consta nos autos que a embargante tivesse sido notificada daquela decisão de extinção da execução;
5 – No entanto dela teve conhecimento pela consulta aos autos, conforme reconhece na comunicação que no dia 6/3/2023 remeteu ao Sr. AE, pedindo-lhe, além do mais, que desse sem efeito a decisão de extinção da execução.
6 – A primeira conclusão aberta neste apenso data de 15/04/2023.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal da Relação pela apelante consiste em saber, se estando pendentes os embargos de terceiro, a execução de que são dependentes podia ser declarada extinta e, consequentemente, se a própria instância dos embargos de terceiro podia ser declarada extinta por impossibilidade superveniente da lide, atenta a anterior decisão do AE na execução.
Conhecendo.
Os embargos de terceiro constituem um incidente processual, de natureza declarativa, previsto e regulado nos art.ºs 342.º a 350.º, do C. P. Civil, ao qual é aplicável o regime processual dos incidentes da instância estabelecido pelos art.ºs 292.º a 295.º, do C. P. Civil.
Como decorre da previsão do n.º 1, do art.º 342.º, do C. P. Civil, que delimita o campo de aplicação deste incidente aos casos em que “…a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, da própria inserção sistemática deste meio processual na SUBSECÇÃO III Oposição mediante embargos de terceiro, do CAPÍTULO III Intervenção de terceiros, do TÍTULO III Dos incidentes da instância, do LIVRO II Do processo em geral, do C. P. Civil e do confronto desta mesma inserção sistemática com os meios processuais regulados no TÍTULO IV Dos procedimentos cautelares, do mesmo Livro II, os embargos de terceiro constituem um incidente declarativo com decisão definitiva da lide, não tendo a natureza jurídico processual de composição provisória do litígio própria dos procedimentos cautelares.
Esta mesma natureza jurídica de composição definitiva do litígio é ainda confirmada pelo disposto no art.º 350.º, do C. P. Civil, que prevê a utilização deste meio processual dos embargos de terceiro com função preventiva, e pelo disposto na segunda parte do art.º 347.º, do C. P. Civil, que prevê uma composição provisória do litígio, essa sim, cautelar, como efeito possível do despacho de recebimento dos embargos de terceiro.
Atenta a natureza jurídica do instituto que, em traços gerais, deixamos exposta, uma primeira conclusão se impõe, a saber, a instância dos embargos de terceiro, uma vez iniciada pelo ato de entrega da petição de embargos vai até ao fim, à prolação da decisão definitiva prevista no art.º 349.º, do C. P. Civil, não sendo sustida por hipotética definitividade da ofensa do direito que se propõe acautelar, como aconteceria se o mesmo instituto tivesse a natureza de mero procedimento cautelar.
Esta conclusão genérica de natureza processual impõe que na sua recondução ao caso sub judice se extraia, primeiramente uma outra, também de natureza geral, a saber, que, após a entrada da petição de embargos de terceiro dirigida ao ato de penhora, nenhuma ação do AE que não corresponda à realização do direito a acautelar, é suscetível de paralisar a tramitação deste meio processual e em segundo lugar, ainda uma outra, esta já especificamente dirigia ao âmago da decisão recorrida, e esta é que o facto do AE ter declarado extinta a execução, com o efeito prático de ofensa do direito que os embargos se propõem acautelar, não determina a impossibilidade superveniente da lide.  
A declaração do direito da embargante continua a ser possível, acontecendo apenas que a realização coativa do direito que venha a ser declarado pode vir a sofrer as vicissitudes próprias do agravamento da ofensa do direito entre a data de entrada dos embargos e a data da sentença que os decide.
Com efeito, como consta sob os n.ºs 1 e 2 da matéria de facto agora fixada pela 1ª instância, a petição de embargos deu entrada a 21/10/2022 e o AE dela tomou conhecimento a 24/10/2022 pelo que, nos termos legais do disposto no art.º 347.º do C. P. Civilk, a execução não poderia ter sido declarada extinta a 1/3/2023, como consta sob o n.º 3 da mesma matéria de facto.
Dispõe a primeira parte do art.º 347.º, do C. P. Civil que “O despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem…”.
Nos termos da matéria de facto agora fixada pelo Juízo de execução a quo, tendo a petição de embargos dado entrada a 21/10/2022 e o AE dela tomado conhecimento a 24/10/2022, o juizo a quo nada terá feito até 15/04/2023. 
Atento o disposto no art.º 347.º, do C. P. Civil e esta factualidade poder-se-á ser levado a concluir que, uma vez que o juizo a quo não praticou os atos processuais que lhe estão cometidos e a execução prosseguiu e foi declarada extinta, quando o juízo recorrido se propôs desempenhar a função processual que lhe está cometida podia limitar-se a declarar a impossibilidade da sua ação como, aliás, fez.
Uma tal asserção não é legalmente admissível pela simples constatação de que, atenta a abrangência da ordem jurídica e do direito, não há “intervalos sem direito”, espécie de limbo ou couto em que o direito ainda não entra, como aconteceria no período de tempo entre 21/10/2022 e 15/04/2023, mas também, essencialmente, porque uma tal asserção violaria os princípios constitucionais já referenciados no anterior acórdão anulatório, a saber, o direito a um processo equitativo, consagrado na parte final do n.º 4, do art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa,  o direito a um juiz,  consagrado no n.º 1 do art.º 20.º e no n.º 1, do art.º 202.º, da mesma Constituição e violaria também importantes princípios processuais que se propõem assegurar a realização desses direitos fundamentais, como sejam o principio da cooperação previsto no art.º 7.º do C. P. Civil e o princípio geral de boa-fé processual que se extrai do disposto nos art.ºs 6.º, 8.º 542.º e 670.º, estes a contrario, também do C. P. Civil.
Conhecedor da entrada dos embargos de terceiro em tribunal deve o AE ter esse ato em consideração, pautando a prática dos atos subsequentes no exercício das suas funções, de natureza pública, pelo respeito pelos princípios gerais aplicáveis, entre eles, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da justiça e razoabilidade, da boa-fé e da colaboração, previstos nos art.ºs 4.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º,  do C. P. Administrativo (CPA), aprovado Dec.Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, aplicáveis ex vi do disposto no n.º 1, do art.º 162.º, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, e pelos princípios da cooperação e da boa-fé processual previstos nos art.ºs 7.º e nos art.ºs 6.º, 8.º 542.º e 670.º, a contrario, do C. P. Civil.
Todavia, não está demonstrado nos autos que o não tenha feito, com o simples ato de extinção da execução.
O tribunal a quo invoca na sua decisão de extinção da instância de embargos o disposto na al. c), do n.º 1, do art.º 723.º, do C. P. Civil, que atribui ao Juiz de execução a competência para “Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias”, para em face dos factos que fixou extrair duas conclusões, a primeira a título instrumental, a saber, que a apelante deveria ter impugado a decisão que declarou extinta a execução e a segunda, em jeito de conclusão final, no sentido de que, não o tendo feito, essa decisão de extinção se tornou definitiva.
A esta fundamentação da decisão recorrida contrapõe a apelante que não sendo parte na execução não tinha legitimidade para impugnar as decisões do AE e que, além disso, tendo apresentado requerimentos ao AE, este se limitou a responder ao primeiro, alegando desconhecimento, nada decidindo nem dizendo em relação aos restatantes, concluindo, todavia, que “…nunca poderia a Agente de Execução tomar a decisão de extinção da execução…” (conclusão XVII) e que deve declarar-se “…igualmente nula e de nenhum efeito a decisão de extinção da execução” (conclusão XXIX).
Ora, como resulta da linha de conhecimento que vem sendo seguida, da factualidade fixada pelo tribunal a quo e dos próprios termos da apelação, ao AE é imputada, tão só, a extinção da execução e não a prática de qualquer ato processual que viole qualquer preceito legal ou que constitua violação do direito que a apelante se propõe exercer com a dedução dos embargos, não se vislumbrando, pois, o fundamento da invocada nulidade da decisão de extinção da execução.
O mesmo se não poderá dizer da decisão judicial que declarou extinta a instância dos embargos de terceiro.
A pedra de toque desta apelação situa-se em saber se a decisão de extinção da execução pelo AE impossibilita a instãncia dos embargos e como acima ficou demonstrado tal não acontece, pelo que, apesar dessa extinção, independentemente da questão de saber se a apelante podia reclamar da decisão do AE, os embargos deverão prosseguir a sua tramitação até decisão final.
Procede, pois, parcialmente a apelação, devendo revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se a sua substituíção por outra que prossiga com a instância dos embargos de terceiro.


C) SUMÁRIO
1. Como decorre da previsão do n.º 1, do art.º 342.º, do C. P. Civil, da própria inserção sistemática do meio processual embargos de terceiro e do confronto desta mesma inserção sistemática com os meios processuais regulados no TÍTULO IV Dos procedimentos cautelares, do Livro II, do C. P. Civil, os embargos de terceiro constituem um incidente declarativo com decisão definitiva da lide, não tendo a natureza jurídico processual de composição provisória do litígio própria dos procedimentos cautelares.
2. Atenta essa natureza jurídica do instituto impõe-se a conclusão de que a instância dos embargos de terceiro, uma vez iniciada pelo ato de entrega da petição de embargos, vai até ao fim, à prolação da decisão definitiva prevista no art.º 349.º, do C. P. Civil, não sendo sustida por hipotética definitividade da ofensa do direito que se propõe acautelar, como aconteceria se o mesmo instituto tivesse a natureza de mero procedimento cautelar, e impõe-se também a conclusão no sentido de que após a entrada da petição de embargos de terceiro dirigida ao ato de penhora, nenhuma ação do AE que não corresponda à realização do direito a acautelar, é suscetível de paralisar a tramitação deste meio processual.
3. O facto de o AE, por omissão por parte do tribunal da execução na prolação do despacho previsto no art.º 347.º, do C. P. Civil, ter declarado extinta a execução, não determina a impossibilidade superveniente da lide dos embargos de terceiro, que devem prosseguir até decisão final.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que prossiga com a instância dos embargos de terceiro.
Custas pela apelante, que desta decisão retirou proveito (art.º 527.º, n.º 1, 2ª parte, do C. P. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 20-06-2024
Orlando Santos Nascimento
Paulo Fernandes da Silva
Carlos Gabriel Castelo Branco