PEDIDO ILÍQUIDO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS EM DOBRO
Sumário

(elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Se o autor não indicou (nem foi convidado a indicar) qualquer valor para o pedido genérico que deduziu ao abrigo do disposto no artigo 556º, nº 1, alínea b), CPC, não pode o tribunal condenar oficiosamente a ré em quantia líquida, sob pena de subtrair ao demandante a faculdade de indicar o que considera ser o real montante dos danos e à demandada a faculdade de exercício de contraditório nessa matéria, incorrendo a decisão na nulidade a que alude o artigo 615º, nº 1, alínea e), CPC.
II – O dano biológico, na vertente patrimonial, pondera o impacto da lesão na integridade física e saúde do lesado, bem como a sua repercussão na sua diminuição funcional e somática, e a maior penosidade inerente ao desempenho das tarefas a que se dedicava, devendo ser afirmado mesmo que não produza uma imediata repercussão na remuneração.
III – Revela-se adequado a ressarcir o dano biológico futuro, na vertente patrimonial, o montante de €201.500,00 relativamente a lesado que tinha 27 anos à data do evento lesivo, frequentava ensino universitário que ia cumulando com atividades remuneradas, auferindo uma remuneração próxima do salário mínimo nacional, e que ficou afetado por um défice funcional permanente de 41%, com impacto nas vertentes de conclusão do ensino universitário, obtenção e manutenção da sua ocupação profissional, progressão de carreira e melhoria da posição profissional e remuneratória.
IV – Relativamente a lesado que sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, fixadas no défice funcional permanente de 41% que o acompanharão pelo resto da sua vida, dores quantificáveis em grau 5 numa escala de 7 valores, danos estéticos de grau 2 também numa escala de 7 valores, que passou a padecer de, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração, considera-se equitativo o montante global peticionado de €60.000 por danos não patrimoniais.
V – Justifica-se a condenação do pagamento de juros em dobro com base na previsão do artigo 38º, nº 3, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, na situação em que a Seguradora desconsiderou a lesão na integridade cerebral e mental do autor, quantificável em pelo menos 21 pontos, por si conhecida, na data em que lhe apresentou proposta para resolução extrajudicial do litígio.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO

1.1– O autor, A, identificado nos autos, instaurou em 06-04-2017 no Juízo Central Cível de Lisboa a presente ação declarativa comum contra a ré Fidelidade Companhia de Seguros, SA, igualmente identificada nos autos, solicitando a sua condenação:
- no pagamento da quantia de €410.369.06 (quatrocentos e dez mil trezentos e sessenta e nove euros e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria, juros legais em dobro, vencidos e vincendos, e no pagamento de custas;
- no pagamento da quantia a apurar em liquidação referente a danos futuros, incapacidade permanente parcial, incapacidades, tratamentos, consultas, assistência médica, medicamentosa, ajuda de 3ª pessoa e perdas salariais, que venham a verificar-se necessárias como consequência do acidente.
Fundamentando tal pretensão, invocou o autor ter sido interveniente em acidente de viação, ocorrido no dia 16 de agosto de 2013, entre o motociclo por si conduzido e um veículo ligeiro cujos riscos de circulação estavam transferidos para a ré. Tal sinistro foi integralmente devido à conduta estradal da condutora do veículo seguro na ré que, na ocasião, efetuou uma manobra de mudança de direção à esquerda, que não sinalizou, dando origem ao embate ocorrido entre ambos os veículos, que seguiam no mesmo sentido.
Em consequência direta do acidente o autor sofreu várias lesões na sua integridade física e psíquica, para cuja indemnização demanda o pagamento da quantia peticionada.

1.2 - A ré Fidelidade Companhia de Seguros, SA, contestou a ação, confirmando a celebração e vigência do contrato de seguro invocado, aceitando a culpa exclusiva da sua segurada na produção do acidente, e apresentando defesa por impugnação relativamente à matéria dos danos alegados pelo autor.

1.3 – Foi citada a Segurança Social para deduzir pedido de reembolso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º, nº 2 do DL 59/89, de 22/02, não o tendo apresentado.

1.4 – Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, que afirmou a regularidade da instância e enunciou o objeto do litígio e os temas de prova (despacho proferido em 14-11-2017 – referência 370907781).
Deferindo a reclamação apresentada pela ré a tal despacho, foram aditados aos temas de prova factos por si alegados (despacho de 12-09-2018 – referência 379373157).

2 – Instruída a causa, foi realizada audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a ação procedente e sendo o seguinte o teor do seu dispositivo:
Face ao exposto, declara-se a ação procedente por provada e condena-se a ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento das seguintes quantias ao autor A:
a) €352.273,44 (trezentos e cinquenta e dois mil duzentos e setenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios computados no dobro da taxa legal para obrigações civis (i.e., à taxa de 8% ao ano), desde a data de propositura da ação e até integral pagamento, a título de compensação pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais da perda biológica que sofreu, incluindo dores sofridas, bem como pelas despesas médicas e medicamentosas que suportou;
b) €368.000 (trezentos e sessenta e oito mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal (4% ao ano), desde a presente data e até integral pagamento, correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas médicas e medicamentosas futuros.

3 – Não se conformando com tal decisão, a ré da mesma interpôs recurso, autuado neste Tribunal da Relação de Lisboa em 22-04-2024, pugnando pela sua parcial revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1 – Vem, antes de mais, o presente recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância, no que concerne à matéria de facto dada como provada sob os pontos 71, 77, 80, 81, 83 e 88 que no entender da R. deveriam ter sido, com os fundamentos supra alegados, objeto de decisão diversa.
2 – Entende a R. que, quanto ao ponto 71 da matéria de facto dada como provada, a redação daí constante deverá ser substituída por outra da qual conste apenas que “A patologia sequelar do Autor impõe supervisão clínica futura com necessidade de medicação e tratamentos de acordo com as prescrições de neurocirurgia e/ou psiquiatria”.
3 – Tal é o que resulta de forma clara e inequívoca da prova junta aos autos, designadamente do relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito civil, elaborado pelo INML.
4 – Ao ter decidido nos termos constantes da sentença, o Mmo. Juiz a quo não valorou devidamente a prova constante dos autos, limitando-se a reproduzir o teor do facto a tal título alegado pelo A., na p.i. que, manifestamente, e em face da prova produzida, não logrou demonstrar na íntegra.
5 – A redação do ponto 77 da matéria de facto dada como provada deverá ser substituída [por outra] da qual conste que “À data do acidente o A. encontrava-se desempregado, a receber subsídio de desemprego, situação essa em que estava desde abril de 2013 e em que se manteve, até dezembro de 2013”
 6 – Ao invés do decidido a tal título na sentença, da documentação junta aos autos resulta de forma clara e inequívoca, designadamente do ofício do Instituto da Segurança Social, junto aos autos a 11 de dezembro de 2017, que o A. se encontrava na situação de desemprego à data do acidente, ocorrido a 16 de agosto de 2013, situação essa que se mantinha desde abril desse ano e que perdurou até dezembro seguinte.
7 – Não existe nos autos documentação que permita afirmar, com um mínimo de certeza que o A. trabalhou de forma continuada para a mesma entidade patronal entre 2006 e a data do acidente, por um lado porque estava desempregado desde abril de 2013, e por outro, porque ao invés do que consta da decisão proferida e sob recurso, não há nos autos documentação que ateste tal situação, apenas estando juntos aos mesmos, com a p.i. (e requerimentos adicionais de junção de documentos na mesma referidos remetidos aos autos após a distribuição) um único recibo datado de 2011, emitido pela então entidade patronal do A..
8 – Não existe também nos autos, ao invés do que se lê na sentença para fundamentar a decisão quanto a este ponto e à situação profissional do A. antes do acidente, qualquer declaração da entidade patronal que ateste a suposta, mas não demonstrada, continuidade de tal relação profissional desde 2006 e até ao acidente.
9 – Deverá ser alterado o teor da redação dada ao ponto 80 da matéria de facto dada como provada para que em vez de daí constar que o A deixou de trabalhar no início do ano de 2015, conste que deixou de trabalhar no início de dezembro de 2015, como resulta, uma vez mais de forma clara e cristalina do ofício junto aos autos a 11 de dezembro de 2017, pelo Instituto de Segurança Social, demonstrativo do histórico contributivo do A..
10 – Deste modo, tal segmento da decisão da matéria de facto deverá ser alterado para que do mesmo, em respeito da verdade material e de acordo com a documentação constante dos autos passe a constar que “O autor deixou de trabalhar no início de dezembro do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho”.
11 – Por ser relevante para a determinação do quantum indemnizatório e assentar na documentação junta aos autos, nomeadamente no ofício junto pelo Instituto de Segurança Social a 5 de junho de 2022 e nas declarações de rendimentos referentes aos anos de 2018 a 2021, juntas aos autos pelo A. a 30 de junho de 2022, o valor dos proventos auferidos em tais anos pelo A. deverá constar do ponto 81 da matéria de facto dada como provada.
12 - Deste modo, a R. entende que a redação de tal ponto deve ser alterada para que do mesmo conste que “Entre os anos 2016 e 2021 o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos, sendo que no ano de 2018 o A. auferiu rendimento bruto de €13.417,44, em 2019 de €17.916,33 e em 2020 de €9.802,68, tendo ainda auferido em 2021 desde maio, a remuneração base de €933,00 (nos demais termos da informação enviada pela Segurança Social a 5/7/2022, aqui dada por integralmente reproduzida e das declarações de rendimentos juntas aos autos pelo A., a 30/6/2022)”.
13 – É que, o que de tal informação resulta colide com o que consta da fundamentação da sentença quanto à diferença de proventos que o A. vem auferindo por comparação com o valor de €1.000 considerado pelo Mmo. Juiz a quo, como montante razoável a ter em conta em termos de equidade…
14 – Diferença essa que, conforme por aí se constata é bem inferior aos €300 por mês considerados pelo decisor na fundamentação da decisão, sem embargo de nula nesse segmento, conforme alegado e, como mais adiante, também em sede de conclusões, se referirá.
15 – O ponto 83 da matéria de facto dada como provada deverá ser suprimido, uma vez que, por um lado, resulta do acervo probatório junto aos autos, e marcadamente do já por diversas vezes citado ofício junto aos autos pelo ISS a 11 de dezembro de 2017, que o A. estava desempregado à data do acidente.
16 – E, por outro, que em agosto não decorria qualquer ano letivo, não estando, por isso, à data do acidente o A. a frequentar o 2º ano do curso superior em que se achava inscrito, sendo, a tal título manifestamente suficiente a referência constante do ponto 84 da matéria de facto que deverá permanecer inalterado.
17 – Por fim, e no que respeita ao recurso versando a decisão sobre a matéria de facto, e dando por reproduzidos os trechos transcritos no decurso da alegação supra, entende que, por manifesta falta de evidências nesse sentido, se impunha ter dado como não provado que o A., “dava massagens, era treinador pessoal (PT – personal trainer), o que depois do acidente e por causa deste deixou de fazer”, devendo tal segmento ser eliminado dos factos dados como provados.
18 – Não há um único elemento documental de prova junto aos autos que ateste que o A. tinha habilitações para atuar como personal trainer, ou para dar massagens.
19 – As declarações prestadas a este respeito quer pelo A. quer essencialmente pela testemunha B, sua tia e madrinha, não são suscetíveis de, desacompanhadas de quaisquer outros elementos, demonstrar de forma fiável e irrefutável que o A. desempenhasse tais atividades.
20 – Tanto mais que, confrontada com a sua razão de ciência acerca destes assuntos a testemunha em questão demonstrou não saber que tipo de formação, para o desenvolvimento das atividades em questão, teria o A. tido, nem em que condições prestaria tais atividades, apenas se tendo referido a factos que lhe eram reportados pelo próprio e dos quais não tinha conhecimento direto.
21 – O presente recurso vem ainda interposto quanto ao segmento da decisão no qual o Mmo. Juiz a quo decidiu condenar a R. no pagamento de indemnização no valor global de €350.000, assim atribuída como compensação pelos danos de cariz patrimonial e não patrimonial decorrentes do défice funcional da integridade físico psíquica de que o A. ficou a padecer em consequência no acidente dos autos, por ser tal valor manifestamente excessivo, violando a sentença, nesta parte, e entre outros o disposto no artigo 496º, nº 1 do C.C..
22 – Da prova constante dos autos resulta que o A., em consequência do acidente dos autos, ficou impossibilitado de terminar o curso superior em que se inscrevera com 26 anos de idade.
23 – Tal configura uma situação de perda de chance, não tendo o A. ficado impossibilitado de trabalhar, como resulta claramente da documentação junta aos autos, designadamente dos ofícios do Instituto de Segurança Social e das declarações de rendimentos.
24 – Acresce que, quer antes, quer depois do acidente o A. apenas desenvolveu trabalho não especializado, indiferenciado, sendo que o valor dos seus proventos, contrariamente ao que resulta da decisão sob recurso, registou um acréscimo ao longo dos anos.
25 – Perante os elementos probatórios constantes dos autos, analisados na sua globalidade, em conjunto, de forma criteriosa e devidamente ponderada, não podia o Mmo. Juiz a quo, ter partido do pressuposto que era certo que, não tivesse sido o acidente o A. concluiria os seus estudos e que, em tal caso, lograria arranjar sem margem para dúvida, emprego na sua área de formação e que, consequentemente auferiria valores superiores ao que aufere atualmente…
26 – Tal é meramente especulativo. O A. poderia ou não ter concluído o curso. Poderia ou não ter arranjado emprego na área de formação em que se encontrava, tendo à data do acidente, já com 27 anos de idade, concluído apenas o primeiro ano dos estudos superiores…
27 – Repetindo o que se deixou dito… a situação assim resultante dos elementos probatórios constantes dos autos reconduz-se a uma perda de oportunidade, ou perda de chance, e é, nesses termos que, com recurso à equidade deveria ter sido compensada.
28 – O A. não logrou demonstrar não ter recebido qualquer quantia no período de 923 dias subsequentes ao acidente, durante os quais, na verdade, esteve desempregado a receber subsídio de desemprego, ou esteve a trabalhar, conforme resulta da documentação junta aos autos pelo Instituto de Segurança Social.
29 – Deste modo outra não pode ser a conclusão de que o valor peticionado pelo A. para o compensar por não ter recebido qualquer quantia durante tal período (o que não logrou provar), não foi tido em conta no valor de €350.000 que, a título de compensação global, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais o tribunal a quo decidiu atribuir-lhe.
30 – Convém frisar que, para além do mais que para a fixação do montante de €350.000,00 na decisão, não importa ao caso, o A. peticionou a condenação da R. em €321.546, a título de compensação pela incapacidade permanente, dano biológico e perda de capacidade de ganho e €60.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais.
31 - Tal pedido foi formulado tendo por base, na essência, a alegação de uma incapacidade ou défice funcional de 44 pontos, um quantum doloris de 5/7, um prejuízo de afirmação pessoal de 5/5, um dano estético de 2/7.
33 – Submetido a exame pericial médico para avaliação do dano corporal, veio o INML a considerar que o A. ficou a padecer, em consequência do acidente dos autos, de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 42 pontos – inferior ao alegado pelo A.-, sendo, no mais, a avaliação semelhante ao alegado pelo A..
34 – Do valor assim peticionado, para indemnizar os danos decorrentes das consequências resultantes para o A. do sinistro dos autos, que facilmente se compreende abarcam, pela própria forma como estão alegados e peticionados, todos os danos por este sofridos, patrimoniais e não patrimoniais, passados, presentes e futuros, exceção feita a danos emergentes e lucros cessantes (estes não provados) e a eventuais tratamentos futuros – cujo custo o A. não liquidou…– ficará o A. integral e devidamente indemnizado, com a atribuição de valor não superior a €200.000,00, que deverá ser considerado em substituição do montante de €350.000,00 atribuído em sede de sentença.
35 – Em suma, em face da prova produzida nos autos e da jurisprudência dos tribunais superiores citada no corpo das presentes alegações, referente a casos análogos ao dos autos, o valor arbitrado em tal segmento decisório, peca por excesso, devendo a decisão ser substituída por outra que condene a R. no pagamento de indemnização global, por todos os danos peticionados incluindo a compensação pela incapacidade permanente, dano biológico e perda de capacidade de ganho, e danos não patrimoniais, em valor não superior a €200.000,00.
36 – Vem também o presente recurso interposto do segmento decisório que condenou a R. no pagamento de indemnização fixada no valor de € 368.000, resultante de uma liquidação oficiosa feita pelo Mmo. Juiz a quo, em flagrante violação do disposto nos artigos 609º, nºs 1 e 2 do C.P.C., padecendo, para além do mais, a decisão, nesse segmento, de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea e).
37 – A condenação excede o peticionado, pois não só condena a R. em parcelas não peticionadas como ao fazê-lo excede manifestamente o valor do pedido formulado nos autos, em violação do no artigo 609º do C.P.C.. Na verdade, dispõe tal normativo legal que: 1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. 2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
38 – O Mmo. Juiz a quo condena a R. no montante total de €720.273,44, muito superior ao valor da ação de €410.369,06, pelo que a condenação no montante de €309.904,38 sempre, e por si só, teria de improceder.
39 – A condenação da R. no valor de €368.000, resultante de liquidação oficiosa feita pelo Tribunal é manifestamente nula e, por isso, terá a sentença de ser, nesta parte, revogada.
40 – Os danos futuros reclamados pelo A. nos artigos 77º a 79º da petição inicial respeitam a um agravamento de sequelas e despesas de tratamento futuro, que o A. relegou para liquidação em função, por um lado, do resultado da perícia médico legal a que viria (como veio) a ser submetido, e por outro, em função das despesas médicas e medicamentosas em que futuramente, desde logo, após a entrada em juízo da ação, viesse a incorrer.
41 – Seis anos mediaram entre a data da propositura da ação e a prolação da sentença nestes autos sem que o A. tivesse liquidado tal pedido genérico, ilíquido que deduziu na p.i.
42 – O A., notificado do relatório pericial elaborado pelo INML com o qual, ao invés da R., desde logo se conformou, e do qual resulta um défice funcional inferior ao que alegara na petição inicial, por não existir qualquer agravamento do quadro sequelar em que se baseara para quantificar o seu pedido, não promoveu, entretanto, qualquer liquidação adicional…
43 – O dano futuro relacionado com a incapacidade que, à cautela o A. alegou na petição inicial para fundar eventual mas não necessária liquidação futura do pedido assim então formulado, estava, como não poderia deixar de ser, condicionado à verificação de agravamento, do seu estado sequelar por comparação com aquele que alegou no seu articulado inicial e serviu de base à formulação dos seus pedidos líquidos.
44 – Não tendo o A. procedido à liquidação de tal pedido e tendo em conta a prova produzida nos autos, nada mais restaria ao Tribunal a quo do que agir consequentemente, isto é, nada atribuir ao A. a tal título, ou quando muito, e no limite, remeter para liquidação, em cumprimento do disposto no artigo 609º, nº 2 do C.P.C. o apuramento de qualquer quantia de que, eventualmente, o A. viesse a considerar ser credor.
45 - Em lugar disso, o Mmo. Juiz a quo resolveu substituir-se ao A. e condenou a R. recorrendo a juízos de equidade para “integrar” e liquidar o pedido que o A. não sentiu necessidade de liquidar, sendo a sentença nula nesse segmento.
46 – Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por dever de patrocínio se configura, sem conceder, sempre seria certo que, da prova documental junta aos autos, designadamente das declarações de rendimentos do A. resulta à saciedade que a perda mensal – face ao valor mensal de €1.000 considerado pelo Tribunal para calcular o montante de indemnização atribuído neste segmento decisório – é irrisória e longe dos €300/mês, durante 40 anos, no total de €168.000, considerados na liquidação ilegal e oficiosa levada a cabo pelo Mmo. Juiz a quo.
47 – O mesmo se diga quanto ao demais valor considerado em tal iníqua liquidação, no valor de €1.000/ano durante dez anos, no valor total de €140.000, para compensar futuras situações de desemprego que o Mmo. Juiz a quo presume, e que, em momento algum foram sequer afloradas pelo A.…
46 – É ainda manifestamente ilegal a fixação de indemnização no âmbito desta sui generis liquidação oficiosa feita pelo Mmo. Juiz a quo, para compensar o A., no montante de €20.000, pelos danos de cariz não patrimonial que os padecimentos originados pela dificuldade em arranjar trabalho – situação amplamente desmentida pela prova documental junta aos autos – lhe trariam no futuro… situação, uma vez mais não alegada pelo A.!!!
47 – Atribuir ao A., nos termos constantes da sentença qualquer outra quantia para o indemnizar pela repercussão futura na capacidade de ganho, ou pelos danos de cariz não patrimonial que tal situação para si encerre, para lá daquela que foi peticionada e liquidada por este, encerra não só um exercício de liquidação oficiosa que viola frontalmente o disposto no artigo 609º, nºs 1 e 2 do C.P.C. do qual resulta a nulidade deste segmento decisório por força da aplicação do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea e) do mesmo diploma, como, na essência, constitui uma inegável, e inaceitável, duplicação de condenação da R. no pagamento de indemnização de mesmíssima natureza daquela já fixada na sentença.
48 – É ainda, e com os mesmos fundamentos vindos de citar, manifestamente nula a sentença no que à liquidação oficiosa efetuada pelo Mmo. Juiz a quo que conclui pela condenação da R. no valor de €40.000 a título de compensação pelas despesas médicas futuras.
49 – O A. deduziu quanto a tal um pedido genérico, ilíquido, que não liquidou no decurso da ação, não tendo sequer dado nota aos autos, ao longo de seis anos de um só documento que atestasse a sua submissão a tratamentos médicos e ao custeamento de quaisquer despesas a tal atinentes.
50 – Para lá disso, da prova produzida, e em especial considerando o relatório de avaliação de dano corporal em direito civil elaborado pelo INML, que o Mmo. Juiz a quo considera ser o principal elemento de prova no que à caracterização das consequências médicas do acidente diz respeito, resulta que, ao invés do que foi dado como provado sob o ponto 71 da matéria de facto - contra o qual a R. se insurgiu no início destas alegações requerendo a alteração da sua redação - apenas ficou assente a necessidade de medicação e tratamentos de acordo com as prescrições de neurocirurgia e/ou psiquiatria,
51 – A que acresce o facto de, ao invés do que pretende o Mmo. Juiz a quo na fundamentação da sentença assim proferida, os elementos constantes dos autos serem manifestamente insuficientes – ausentes, dir-se-ia mesmo - para determinar o montante indemnizatório a título de despesas médicas/medicamentosas futuras.
52 - Não tendo o A. procedido à liquidação do pedido genérico, ilíquido, por si deduzido, o tribunal apenas poderia, e quando muito, ter condenado em liquidação ulterior, não se podendo substituir ao A., com inexplicavelmente fez.
53 - Em suma, e no que concerne ao segmento decisório contido na alínea b) da sentença, andou mal o Tribunal a quo ao proceder oficiosamente à liquidação do valor genérico e ilíquido peticionado, mas não liquidado pelo A..
54 – Os pedidos genéricos deduzidos pelo A. teriam de ter sido previamente liquidados por este, caso nisso este mantivesse interesse, o que, em face da prova constante dos autos, manifestamente não sucedeu.
55 – A decisão proferida nos presentes autos, respeitante à condenação da R. no pagamento da quantia de €368.000,00 descriminada na alínea b) da parte dispositiva, viola clara e frontalmente o disposto no artigo 609º, nºs 1 e 2 do C.P.C. sendo, nessa parte, nula, atento o disposto no artigo 615º, nº 1 alínea e) do C.P.C.
56 - A decisão em causa deverá ser substituída por outra que relegue a indemnização referente à determinação do montante necessário para fazer face a tratamentos futuros para liquidação em incidente posterior, nos termos do disposto no artigo 358º, nº 2 do C.P.C..
57 – A condenação da R. no pagamento de juros em dobro, sobre o valor de €352.273,44 por alegada violação do disposto no artigo 38º, nº 3 do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto que, para além do mais, viola também o disposto no artigo 609º, nºs 1 e 2 do C.P.C., sendo, por isso, nula – ainda que parcialmente – nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea e), deverá ser revogada.
58 – A proposta de indemnização com data de 26 de janeiro de 2017, no valor de €75.000,00 (€49.000,00, a título de danos patrimoniais e €26.000,00 a título de danos não patrimoniais) foi já apresentada após a R. ter na sua posse relatório pericial de psiquiatria forense datado de 14/11/2016, pelo que o Tribunal não pode presumir que tal proposta assentou na avaliação realizada, a seu pedido, que concluiu por um prejuízo biológico do A. quantificável em 15 pontos.
59 – Considerando os critérios para valores da compensação do aí denominado dano biológico, nos termos constantes do Anexo IV à Portaria n.º 679/2009, onde são definidos os critérios aos quais as seguradoras têm de ater-se em fase pré-contenciosa, no âmbito da chamada “proposta razoável”, considerando os elementos que apontariam no sentido de uma maior incapacidade (que não cumulável, no entender da R. com as demais sequelas anteriormente admitidas) então ao seu dispor, partindo de uma défice de 30 pontos e da idade do A. à data do acidente (27 anos), e aplicando o disposto na Portaria, o valor a que a R. estaria adstrita oscilaria ente os €1.492,83 e €1.554,39 por ponto.
60 – Encontrando um valor médio apurado de cerca de €1.500,00 por ponto atribuído, multiplicado pelos 30 pontos de défice, chegar-se-ia ao valor de €45.000,00.
61 – Mesmo tendo em conta o valor máximo por ponto, o montante indemnizatório ascenderia a €46.631,70, montante abaixo do que veio a ser proposto a título de dano biológico (€49.000,00) em 26/01/2017.
62 – Por seu turno, considerando um défice de 15 pontos, o valor por ponto situar-se-ia no intervalo entre €1.282,50 e €1.338,93 por ponto, pelo que o montante do dano biológico ascenderia no máximo a €20.083,95 (€1.338,93 x 15).
63 – A R. não violou qualquer das disposições constantes do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de agosto, sendo que a proposta por si apresentada ao A., foi até por valor superior ao que resultaria da aplicação dos critérios constantes do Anexo IV à Portaria n.º 679/2009, pelo que deverá ser revogada a decisão proferida sob o segmento a) da sentença sob recurso que condenou a R. no pagamento de juros em dobro sobre a quantia de €352.273,44.
64 - Exceção feita ao valor das despesas apuradas de €2.273,44, já reduzido o valor de €1.000,00 avançado pela R. a título de compensação indemnizatória - a indemnização fixada na alínea a) do segmento decisório da sentença foi determinada com recurso à equidade, pelo que sobre tal valor, de €350.000,00, alterado que seja nos termos propugnados no presente recurso para montante global não superior a €200.000,00, deverão recair juros contados à taxa legal supletiva, apenas a partir da data da prolação da sentença.
65 – Mais devendo ser alterada a decisão aí proferida por forma a que a R., em lugar dos juros em dobro, nos termos daí constantes, seja condenada a pagar juros à taxa legal supletiva, sobre o montante de €2.273,44, contados a partir da citação.
66 - Mesmo que se entendesse serem devidos juros no dobro da taxa legal aplicável, o que não se concede, não poderia o Mmo. Juiz a quo ter condenado a R. a pagar tais juros sobre a quantia de €352.273,44.
67 - O A. reclamou a condenação da R. em juros contados no dobro da taxa de juro legal aplicável ao abrigo do disposto no artigo 38º, nº 3 da Lei nº 291/2007 de 21 de agosto.
68 – Nos termos de tal disposição legal se o montante proposto pela seguradora R. tivesse sido – e não foi - manifestamente insuficiente, seriam devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial.
69 – Tendo sido fixado, na alínea a) do segmento decisório da decisão judicial sob recurso, o valor de €352.273,44, (cuja revisão se requereu já no presente recurso, por manifestamente excessivo) e tendo a R proposto ao A. indemnização no valor de €75.000,00, a serem fixados juros em dobro, o que não se concede, só sobre a diferença entre tais montantes, isto é, sobre o valor de €277.273,44, poderiam, no limite, ter recaído juros no dobro da taxa legal.
 70 – A decisão de condenação da R. no pagamento de juros contabilizados no dobro da taxa legal supletiva não só violou frontalmente o disposto no citado artigo 38º, nº 3 da Lei nº 291/2007 de 21 de agosto, ao abrigo do qual o A. deduziu o seu pedido como, e uma vez mais, condenou em valor superior ao peticionado, violando também, por isso, e uma vez mais, o disposto no artigo 609º, nºs 1 e 2, por condenar a R. em valor superior ao peticionado pelo A., sendo, desde logo, e ainda que parcialmente nula a decisão a esse título tomada.
71 – Caso se mantenha a condenação da R. no pagamento de juros em dobro, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se deixa, à cautela, alegado, tais juros apenas serão devidos sobre o valor da diferença entre o valor no qual, a final, a R. venha a ser condenada por referência aos pedidos líquidos deduzidos pelo A., e o valor por si proposto, no montante de €75.000, sob pena de violação do disposto no citado artigo 38º, nº 3 do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto, na qual o A. funda essa sua pretensão.”


4. O autor apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, nos termos do disposto no artigo 633º, CPC, formulando neste as seguintes conclusões:
“I - Com o devido respeito entende o recorrente que andou mal o tribunal a quo na fixação do montante indemnizatório de 20.000,00€ a título de danos não patrimoniais futuros, respeitante às previsíveis tristezas, angústias e frustrações futuras decorrentes da inatividade profissional, violando o disposto nos artigos 8º n.º 3, 483º, 496º e 562º do Código Civil e 607º n.º 4 do CPC, o que, a não acontecer teria conduzido a uma solução conforme por si preconizada, a fixação da compensação em 200.000,00€ a título de dano futuro, na vertente de dano não patrimonial, na parte respeitante às previsíveis tristezas, angústias, e frustrações futuras decorrentes da inatividade profissional e ainda pelas previsíveis dificuldades que terá no seu quotidiano, dores, angústias e tristezas respeitante à sua vida pessoal e social
II - O Autor perdeu autoestima e alegria na sua vida quotidiana, e não tem perspetiva de melhorar no futuro.
III. Após o acidente o autor passou a sofrer disfunção eréctil, não tendo qualquer afetação física do sistema genital, sendo que tal disfunção traduz-se na incapacidade de, em situação vígil, manter uma ereção peniana completa, sendo que à data do acidente o Autor era um jovem de 27 anos.
IV - A disfunção eréctil de que o autor passou a padecer em virtude do acidente, causa ao autor um sentimento de vergonha e diminuição, pelo que tais sentimentos acompanharão o Autor para o resto da sua vida.
V. Os sentimentos de vergonha e diminuição são extremamente demolidores num jovem, como é sabido. O futuro do Autor já está irremediavelmente comprometido, pelo que nesta parte, existe um dano futuro assinalável, que carece ser indemnizado dignamente.
VI. Também o desempenho profissional do Autor foi sensivelmente prejudicado pela diminuição das suas faculdades mentais, apresentando muitas dificuldades e falhas na realização de tarefas que impliquem uso da memória ou de raciocínio. O Autor tem dificuldade em mobilizar o membro superior esquerdo quando carrega pesos de forma sustentada tendo dor e cansaço nesta situação, o Autor tem dificuldade em manter um diálogo completo e sequencial por esquecer-se do seu conteúdo com lapsos da memória e perda da sequência do raciocínio e das tarefas, frustração e revolta pelas limitações em não as conseguir desempenhar.
VII. Mantém diminuição da libido, com perturbação na ereção e ejaculação. Cefaleias que agravam com os ruídos e a agitação envolvente. Lacrimejo aumentado do lado esquerdo quando come ao mastigar. Tem alteração do paladar e do olfacto.
VIII. A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil), não pode– por definição – ser feita através da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do art.º 566.º do CC. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art.º 496.º, n.º 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art.º 494.º, do CC.
IX. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (art.º 496º, nº 1 do Código Civil).
X. O caso dos autos é de extrema gravidade, e por isso, a indemnização deve ser consentânea com a gravidade dos danos.
XI. O Autor, à data do acidente era um jovem de 27 anos, e ficou (com) o seu futuro irremediavelmente comprometido, e sente tristeza e vergonha da forma como o seu corpo ficou, e na interação com outras pessoas. Sente-se diminuído.
XII. Assim, deve fixar-se a compensação em 200.000,00€ a título de dano futuro, na vertente de dano não patrimonial, na parte respeitante às previsíveis tristezas, angústias, e frustrações futuras decorrentes da inatividade profissional e ainda pelas previsíveis dificuldades que terá no seu quotidiano, dores, angústias e tristezas respeitante à sua vida pessoal e social, ao invés dos 20.000,00€, totalizando o dano não patrimonial futuro no montante de 200.000,00€ (duzentos mil euros).
Nestes termos e nos demais de direito, não deve ser dado provimento recurso interposto pela Ré, julgando-o, o Tribunal ad quem, improcedente, por não provado,
Deve ter provimento o recurso subordinado interposto pelo Autor com consequente revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo no que tange ao montante fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais futuros sofridos pelo Autor, fixando o Tribunal ad quem um montante em valor inferior a €200.000,00, sob pena de violação do artigo 496.º do CC

5. Apresentou a ré contra-alegações ao recurso subordinado interposto pelo autor, não tendo autonomizado quaisquer conclusões, considerando, no essencial que ao mesmo não deveria ser dado provimento por corresponder à formulação de um pedido novo a título de dano futuro na vertente de dano não patrimonial.

6.  Foram admitidos ambos os recursos interpostos, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo sido considerado, em tal despacho, que por falta de pagamento de taxa de justiça não produziriam efeito as contra-alegações apresentadas pelo autor.
Foi ainda indeferida a nulidade arguida pela ré.

7.  Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir, são as seguintes:
- Nulidade da sentença por violação do princípio do pedido;
- Impugnação da matéria de facto (alteração dos factos provados sob os números 71, 77, 80, 81, 83 e 88);
- Análise da indemnização atribuída e sua redução para o valor global de €200.000, acrescido do valor de €3.273,44 (a título de despesas, e ao qual se deduzirá o valor já adiantado de €1.000,00), e ainda do valor cuja liquidação a ré/recorrente solicita que se relegue para momento posterior;
- Atribuição do montante de €200.000,00 a título de danos não patrimoniais futuros decorrentes da previsível inatividade profissional (ao invés do montante de €20.000,00 fixado na sentença);
- Condenação em juros em dobro.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A – Nulidade da sentença
Considerou a ré/recorrente, nas conclusões do seu recurso, que a sentença recorrida condenou em quantidade superior (ultrapassando o valor da ação de €410.369,06) e em objeto diverso do pedido (ao liquidar oficiosamente o pedido ilíquido formulado pelo autor).
A eventual violação do princípio do pedido plasmado no artigo 609, CPC, emanação do princípio do dispositivo (artigo 3º, nº 1, CPC,) integra, na verdade, a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, nº 1, alínea e), CPC.
O tribunal a quo apreciou e indeferiu a invocação da nulidade.
Não obstante, a nulidade invocada em sede de recurso integra o objeto deste, pelo que deve ser apreciada também neste Tribunal da Relação.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea e) CPC, a sentença é nula quando: “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], os casos de nulidade previstos nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo 615º, CPC “(…) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença e não de verdadeira nulidade” respeitando o fundamento previsto na alínea e) daquela norma, aos limites da sentença em hipóteses de pronúncia ultra petitum.
Ora, apreciando a referida invocação, cremos assistir razão à ré/recorrente.
Com efeito, na presente ação, o autor deduziu não apenas um pedido líquido (no valor total de €410.369,06), mas também um pedido ilíquido. E ao fazê-lo, baseando-se na alegação do artigo 79º da petição inicial, não indicou qualquer valor. Em consequência, a ré não pode exercer o devido contraditório quanto ao valor concreto desse pedido genérico, o que também lhe foi negado pela sentença, pois nesta liquidou-se oficiosamente esse pedido ilíquido sem permitir a defesa (prévia) da ré.
Mas também as faculdades processuais do autor ficaram restringidas pela liquidação oficiosa operada na sentença recorrida (embora o autor não tenha invocado essa questão).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa[2], “se o autor formular um pedido genérico no âmbito de uma ação de responsabilidade civil, pode perguntar-se se o tribunal da ação declarativa, fazendo uso do disposto no art.º 566.º, n.º 3, CC, pode vir a condenar o réu numa quantia líquida (ou, mais em concreto, na quantia que o tribunal apure segundo um critério de equidade). A resposta parecer ter de ser negativa pelas seguintes razões:
– O art.º 566.º, n.º 3, CC destina-se a resolver um non liquet sobre o montante da indemnização em dinheiro, não a permitir uma disparidade entre o pedido genérico do autor e a condenação líquida pelo tribunal; é, aliás, esta a diferença entre o art.º 566.º, n.º 3, CC e o art.º 609.º, n.º 2, CPC;
– Quando o autor formula um pedido genérico numa ação de responsabilidade civil, não tem o ónus de alegar os factos que permitam a quantificação dos danos e da correspondente indemnização: é o que resulta do disposto no art.º 569.º CC; logo, não é sequer possível que na ação pendente se verifique um non liquet sobre o montante da indemnização, pois que este montante não constitui objeto da causa e, por isso, não pode vir a tornar-se tema da prova;
– Por fim, a aplicação do disposto no art.º 566.º, n.º 3, CC e a determinação do montante da indemnização segundo um critério de equidade pelo tribunal da ação traduzir-se-iam numa penalização do autor, dado que esta parte ficaria impossibilitada de, numa liquidação posterior, demonstrar, com base em factos não alegados na ação, o real montante dos danos e a quantia exata da correspondente indemnização”.
No mesmo sentido, no Acórdão da Relação do Porto de 23-09-2019[3] decidiu-se que “se o Autor deduzir um pedido genérico, a coberto do preceituado artigo 556.º, n.º 1, al. b) do CPCivil, e não procedendo à sua liquidação no decurso da ação declarativa em momento prévio à sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o limite do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto. Terá, nesse caso, de remeter para posterior liquidação o valor de tal pedido, a efetuar nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CPCivil. Portanto, a condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir “ex officio”, mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil”. Ainda neste aresto, refere-se acertadamente que “não tendo os referidos danos sido objeto de liquidação, o tribunal não se podia substituir aos próprios Autores e fixar, sem qualquer base de referência líquida (pelos interessados), o valor das respetivos montantes” e “a defender-se o contrário, teríamos que, deduzido pedido genérico, sempre poderia o tribunal condenar em qualquer valor, o que não é admissível”.
Ainda neste sentido, veja-se os Acórdãos do S.T.J. de 19-12-2006[4] e da Relação de Lisboa de 20-01-2004[5].
E se bem se atentar no Acórdão do S.T.J. de 23-02-2021[6], invocado na sentença recorrida, aí se menciona que “o princípio do dispositivo não constitui obstáculo a que o juiz, confrontado com um pedido genericamente formulado, o concretize na decisão condenatória, estribado nos dados fornecidos pelo processo até ao momento do encerramento da discussão, incluindo os factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, mas condiciona essa atividade oficiosa ao acatamento dos “limites da condenação impostos pelo art.º 609º do CPC”. Ora, no caso em apreço, o autor não indicou (nem foi convidado para o fazer) qualquer valor para o seu pedido genérico, pelo que o tribunal recorrido não poderia garantir que o valor que fixou se compreenderia nos limites do princípio do pedido.
Além disso, e como já salientado, a liquidação oficiosa desse pedido ilíquido constitui, na prática, uma decisão surpresa, relativamente às quais as partes não se puderam pronunciar, e designadamente a ré não se pode defender.
Assim, importa concluir que a sentença recorrida, por violação do princípio do pedido, padece da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea e), CPC.
Em conformidade, conclui-se, nesta parte, pela procedência da nulidade da sentença arguida pela ré/recorrente.

Já a controvérsia relativamente ao regime da condenação dos juros em dobro, em rigor, não se reconduz a uma condenação ultra petitum (dado que foi expressamente solicitada pelo autor), mas sim a divergência quanto à sua base de cálculo. O autor peticionou a condenação da ré no pagamento de juros em dobro, e a sentença julgou procedente esse pedido. O facto de a ré não concordar com o modo de cálculo desses juros, ou quanto à respetiva incidência, traduz discordância relativamente ao decidido, não constituindo qualquer condenação além do pedido. Por esta via não foi cometida qualquer nulidade.
Não obstante a confirmação da invocada nulidade da sentença, importa prosseguir com a apreciação das demais questões suscitadas, conhecendo assim do mérito da apelação, como imposto no artigo 665º, nº 1, CPC.
Essa apreciação implicará, quanto à parte em que a sentença é nula, a substituição por outra decisão, que será de condenação em montante a liquidar ulteriormente, quanto aos danos futuros invocados no artigo 79º da petição, caso se venha a concluir pela sua verificação/previsibilidade.
*
B – Impugnação da matéria de facto
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” estabelece o nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Já do nº 2 daquela norma resulta que:
“2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Por outro lado, a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Incumbe, pois, ao recorrente, no essencial, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados  (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e qual a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC).
Compulsadas as respetivas alegações, verifica-se que na motivação do recurso a ré/recorrente indicou quais os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, bem como os meios de prova que impunham solução diversa e qual a redação que considera dever ser atribuída aos pontos impugnados. Nada obsta, pois, que se proceda à sua apreciação.
A este propósito sempre se dirá que, como referido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017[7]: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados (..).

A recorrente impugnou a matéria constante do artigo 71º dos factos provados, ao qual foi conferida a seguinte redação:
71. A patologia sequelar do autor impõe supervisão clínica em fisiatria, psicologia, medicina física de reabilitação e medicamentosa para o resto da vida”;
A redação proposta pela recorrente é a seguinte:
“A patologia sequelar do Autor impõe supervisão clínica futura com necessidade de medicação e tratamentos de acordo com as prescrições de neurocirurgia e/ou psiquiatria”.
Considerou o recorrente que a matéria em questão resulta do relatório pericial junto aos autos, inexistindo quaisquer outros elementos probatórios que comprovem o teor do facto provado nº 71, com a redação que lhe atribuiu o tribunal recorrido
Do relatório pericial elaborado pelo INML extraem-se as seguintes conclusões:
“- Dependências Permanentes de Ajudas:
. Ajudas medicamentosas que correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária. Neste caso de acordo com as prescrições de Neurocirurgia e/ou psiquiatria;
. Tratamentos médicos regulares que correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas. Neste caso de acordo com as prescrições de neurocirurgia e/ou Psiquiatria”.
Na motivação da decisão, relativamente à análise dos vários meios de prova com relevância para a análise das sequelas médicas do autor, refere-se:
Foi considerado também o doc. 34, (Relatório de avaliação de dano corporal entidade GADAC, solicitado pela seguradora aqui ré, datado de 23/3/16 (…)
A sua conclusão mais relevante é a não retirada de consequências significativas para o acidente ao nível da capacidade cerebral/cognitiva/neurológica/mental do autor.
No mais, a avaliação é coerente com as restantes. Assim, são conclusões desta avaliação:
- Incapacidade atribuída ao autor 15 pontos em 100;
- Quantum doloris - 4/7;
- Rebate profissional – esforços acrescidos;
- Dano estético – 2/7;
- Prejuízo de afirmação pessoal 3/7;
- Sem necessidade de Assistência médica e medicamentosa futura.
Certamente com intuito contraditar esta avaliação promovida pela seguradora, aqui ré, veio o autor apresentar também Relatório de Avaliação de Dano Corporal realizado particularmente, da autoria do médico G, junta como doc. n.º 35 e datada de 21/6/16. Esta avaliação apresenta resultados alinhados com as informações anteriores e com a avaliação do INMLCF, concluindo por uma incapacidade que quantifica em 44 pontos, declarando uma incapacidade mental moderada, que enquadra no código Na 0303, no máximo, i.e., 35 pontos. No mais, a avaliação é próxima da efetuada pela seguradora, marginalmente superior no quantum doloris (5/7) e na afirmação pessoal (5/5), mas até inferior no dano estético (1/7). Relevante é também a conclusão, oposta face à avaliação da entidade contratada pela seguradora, de o autor carecer de assistência médica e medicamentosa em psicologia (…)
Compaginando todos os elementos probatórios, como se estabeleceu a convicção decisória? Sabe-se que o cerne da discussão destes autos se situa na (in)capacidade mental a atribuir, algo menos objetivável que a incapacidade motora, sobretudo num contexto em que, manifestamente, as sequelas a este nível (físico-motor) são reduzidas. A avaliação médica foi, necessariamente, o elemento primeiro de avaliação e, pela sua independência técnica e inexistência de ligação contratual a qualquer das partes, o tribunal atribuiu maior valor à perícia realizada pelo INMLCF que às demais, que não deixou de considerar, como acima referido
A divergência radica, essencialmente, em saber se foi produzida prova que evidencie que o autor carecerá para o resto da vida de supervisão clínica em fisiatria, psicologia, medicina física de reabilitação e medicamentosa, ou se o autor carecerá de supervisão ao nível de medicação e tratamentos de acordo com as prescrições de neurocirurgia e/ou psiquiatria.
Ora, constituindo a perícia realizada pelo INML elemento de prova objetivo e seguro relativamente à matéria científica sobre a qual incidiu, tanto mais que foi realizada por organismo oficial, de reconhecida idoneidade, isenção e competência, não oferece dúvidas a afirmação ali efetuada quanto à necessidade, para o resto de vida do autor, de medicação regular, bem como a sua submissão a tratamentos regulares, nas áreas da psiquiatria e neurocirurgia.
Porém, também a necessidade de supervisão na área da psicologia deve ser afirmada. Desde logo, tal necessidade resulta do Relatório de avaliação do dano corporal, subscrito pelo médico G, junto pelo autor como documento nº 35. E o certo é que tal meio de prova, embora realizado a solicitação de uma das partes, sem intervenção da contraparte, nem submissão a contraditório, quanto à necessidade da supervisão na área da psicologia, não deixa de fundamentar-se nas regras de experiência comum. Na verdade, tendo o autor ficado a padecer de sequelas neurológicas e psiquiátricas que provocaram significativa alteração no seu desempenho académico, profissional e pessoal, e, consequentemente, na forma como passou a encarar a vida, nada obsta, e tudo aconselha, à afirmação da necessidade de tratamento na área da psicologia. Área esta que, como é do conhecimento comum, atua de forma articulada com a psiquiatria. Consequentemente, a inclusão da área de psicologia, nos termos expostos, não corresponde propriamente a uma divergência do juízo pericial contido no relatório do INML, mas sim à sua complementação, tendo por base o relatório de avaliação do dano corporal que o autor juntou e ainda as regras de experiência comum, evidenciadoras de que a vivência com as sequelas neurológicas e psiquiátricas do autor demandará apoio psicológico.
Tal realidade apresenta-se consonante, aliás, com o facto provado nº 70 (não impugnado), com a seguinte redação:
70. Necessitará de acompanhamento em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com periodicidade não apurada, para o resto da vida”;
Já a necessidade de supervisão em fisiatria e medicina física de reabilitação, por não se mostrar inequívoca e unanimemente afirmada no juízo científico contido nas avaliações do dano corporal juntas aos autos, não deverá ser afirmada.
Assim, deferindo parcialmente a impugnação, opta-se por reformular o artigo 71º dos factos provados nos seguintes termos:
71. A patologia sequelar do autor impõe supervisão clínica futura em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com necessidade de medicação e tratamentos para o resto da vida”;
*
A recorrente impugnou ainda o facto provado sob o artigo 77º, ao qual foi atribuída a seguinte a redação:
77. Anteriormente, o autor exercera funções no Centro Comercial Colombo, nessa mesma área de bowling, desde 14/7/2006 e até à data do acidente, sendo sua entidade patronal Martimope – Empreendimentos Turísticos, S.A.;”
Considera a recorrente que não ficou demonstrado que o autor trabalhasse à data do acidente considerando, para o efeito, que a documentação junta pelo Instituto da Segurança Social (ofícios de 11-12-2017 e de 5-07-2022) comprova que o autor desde abril de 2013 (quatro meses antes do acidente) encontrava-se desempregado.
Assim, na tese da recorrente, na ausência de qualquer declaração da entidade empregadora comprovativa do facto contrário, ao artigo 71 deve ser conferida a seguinte redação:
À data do acidente o A. encontrava-se desempregado, a receber subsídio de desemprego, situação essa em que estava desde abril de 2013 e em que se manteve, até dezembro de 2013
A este propósito, refere-se na motivação da sentença (pág. 18):
Os documentos 28, 29, 30 e 31 atestam a relação laboral que o autor teve com empresa exploradora de espaço de diversão no Centro Comercial Colombo, antes e depois do acidente, ainda que com diferente entidade patronal, ou diferente designação da mesma entidade. Assim, o doc. 28 é cópia do contrato de trabalho entre o autor e Bowling City Lda., atestando um vencimento de €500 mês, ilíquido, a que acrescem €6,40 de subsídio de refeição, estando descritas as suas funções como “operador de animação na qual se compreendem, entre outras, operador de caixa”; o doc. 29 é um recibo de vencimento de janeiro de 2011 (i.e., anterior ao acidente), em que a função do autor aparece descrita como “Operador de Animação”, é referida uma “data de admissão” em 14/7/2006, sendo a entidade patronal, à data, Martimope – Empreendimentos Turísticos, S.A., o local de prestação do trabalho o referido C.C. Colombo e o ordenado mensal de €485, a que acrescem €6,40 de alimentação, perfazendo um total líquido, nesse mês, de €566,26; o doc. 30, um recibo de vencimento passado pela entidade patronal Bowling City, Lda., referente a outubro 2014 (i.e., após o acidente, num total líquido de 616,85); o doc. 31, idêntico ao anterior, mas referente a janeiro de janeiro de 2015; e os documentos n.º 32 e 33, declarações da entidade patronal Bowling City (que o autor estaria de licença sem vencimento por motivo de intervenção médica entre 13/11/14 e 30/11/14 e a atestar que tal licença veio a terminar a 19/12/14)
E, mais adiante:
 “É claro que o autor trabalhava antes do acidente, e continuou a trabalhar depois do acidente, inclusivamente no mesmo local, ainda que a entidade patronal, ou a sua designação, tenha mudado – bowling do Centro Colombo. (…)
Registe-se, por fim, aqui com relevo direto e sem necessidade de inferências adicionais, que, de acordo com os recibos de vencimento e declarações posteriores da entidade patronal, o autor trabalhou no Centro Colombo desde 2006 e até ao acidente em agosto de 2013, sem interrupções”
Analisado o ofício da Segurança Social junto aos autos em 11-12-2017, do mesmo consta expressamente, relativamente aos meses de abril a dezembro de 2013, que ao autor foram pagos os montantes aí mencionados correspondentes a “equivalência por prestação de desemprego total”.
Ao invés, quanto ao período anterior, daquele mesmo ano (janeiro, fevereiro, março e abril), resulta que o autor era trabalhador da “Martimope-Empreendimentos Turísticos, SA” e que recebeu a competente remuneração.
Já a informação de tal organismo remetida em 05-07-2022 reporta-se a período diverso (janeiro de 2016 a dezembro de 2021).
Por outro lado, o contrato de trabalho junto como documento nº 28 mostra-se datado de 05-12-2013, foi celebrado pelo prazo de 10 meses, entre o autor e “Bowling City, Ldª”, com início nessa mesma data e termo a 04-12-2014 (cfr. cláusula terceira).
Corroborando tal elemento de prova, o ofício da Segurança Social remetido aos autos em 11-12-2017 evidencia que a partir de dezembro de 2013 o autor voltou a receber a sua remuneração mensal por conta da atividade laboral prestada a “Bowling City, Ldª”.
Já o documento junto com o nº 29, constitui um recibo de vencimento do autor, de janeiro de 2011, na categoria de “operador de animação”, como entidade empregadora “Martimope-Empreen. Tur. SA” e como data de admissão 14-07-2006.
Ora, ainda que a prova produzida, designadamente o recibo de vencimento (doc. nº 29) e os ofícios da Segurança Social já mencionados, evidencie que o autor trabalhou no Centro Comercial Colombo de forma intermitente, pelo menos desde 14-07-2006, o certo é que resulta destes últimos elementos documentais que na data do acidente (agosto de 2013), o autor encontrava-se desempregado, situação que perdurou até 05-12-2013, data em que reiniciou funções como operador de animação no Centro Colombo.
Assim, deferindo parcialmente a impugnação da matéria de facto, altera-se a redação do artigo 77º dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
77. Anteriormente, e desde 14-07-2006, o autor exercera funções no Centro Comercial Colombo, nessa mesma área de bowling, encontrando-se, porém, desempregado e a auferir subsídio de desemprego desde abril de 2013 até dezembro de 2013”.
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A recorrente também impugnou o facto provado sob o nº 80, ao qual o tribunal recorrido conferiu a seguinte redação:
80. O autor deixou de trabalhar no início do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho;”
Considera a recorrente que tal factualidade se mostra contrariada pelos ofícios remetidos pela Segurança Social, resultando daquele que foi junto a 11-12-2017 que o autor trabalhou ininterruptamente para a empresa Bowling City desde dezembro de 2013 até dezembro de 2015. Consequentemente, para aquele artigo propôs a recorrente a seguinte redação:
O autor deixou de trabalhar no início de dezembro do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho”.
Consultado o ofício remetido pela Segurança Social em 11-12-2017, verifica-se que o autor auferiu salário pago pela então sua entidade empregadora (Bowling City, Ldª) ali se mostrando discriminados os seus vários componentes (remuneração base, subsídio de refeição, trabalho suplementar, trabalho noturno) desde dezembro de 2013 até dezembro de 2015. Já relativamente ao mês de dezembro de 2015, a remuneração base ali mencionada (€55,00) apresenta-se em valor manifestamente inferior à dos meses anteriores (€550,00), evidenciando a cessação do contrato de trabalho, tanto mais que ali se refere que lhe foi atribuída prestação por desemprego total relativa àquele mês de dezembro de 2015.
Assim, assiste razão à recorrente, dado que o elemento de prova indicado (que não foi contrariado por qualquer outro) evidencia que o autor deixou de trabalhar para a sua entidade empregadora não no início do ano de 2015, mas sim em dezembro de 2015.
Em consonância, altera-se a redação do facto provado nº 80, atribuindo-lhe a proposta pela recorrente:
“80. O autor deixou de trabalhar no início de dezembro do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho”.
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Na perspetiva da recorrente, também o facto provado sob o nº 81 deve ser alterado.
A tal facto, o tribunal recorrido conferiu a seguinte redação:
81. Entre o ano 2016 e 2021 o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos (nos demais termos da informação enviada pela Segurança Social a 5/7/2022, aqui dada por integralmente reproduzida)”.
Considerou a recorrente que das declarações de rendimentos do autor e do seu histórico contributivo, por assumir relevo para a decisão a proferir, deveria resultar do facto ora em análise que no ano de 2018 o autor auferiu o rendimento bruto de € 13.417,44, em 2019 de €17.916,33, e em 2020 de €9.802,68, tendo ainda auferido em 2021, desde maio, a remuneração base de €933,00.
Assim, a redação que propôs para o facto provado nº 81 foi a seguinte:
Entre os anos 2016 e 2021 o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos, sendo que no ano de 2018 o A. auferiu rendimento bruto de €13.417,44, em 2019 de €17.916,33 e em 2020 de €9.802,68, tendo ainda auferido em 2021 desde maio, a remuneração base de €933,00 (nos demais termos da informação enviada pela Segurança Social a 5/7/2022, aqui dada por integralmente reproduzida e das declarações de rendimentos juntas aos autos pelo A., a 30/6/2022)”.
Analisado o teor da impugnação, conclui-se que a recorrente pretende a complementação da decisão de facto por forma a que sejam considerados os rendimentos que o autor auferiu nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021. Fundamentou tal pretensão na relevância de tal matéria para aferir da perda de capacidade de ganho do autor.
Ora, as declarações de rendimentos juntas pelo autor em 05-07-2022 evidenciam que:
- no ano de 2018, o autor declarou ter recebido rendimentos no valor de €13.417,44;
- no ano de 2019, o autor declarou ter auferido rendimentos no valor de €17.916,33;
- no ano de 2020, o autor declarou ter auferido rendimentos no valor de €9.802,68;
Já a informação enviada a 05-07-2022 pela Segurança Social evidencia que:
- no mês de maio de 2021, o autor auferiu uma remuneração base de €653,10 no que se reporta à entidade patronal “Peixoto & Peixoto, SA e de €266,00 no que se reporta à entidade patronal “Intelcia Portugal Inshore, SA” (páginas 2 e 7 da informação remetida pela Segurança Social em 05-07-2022);
- nos meses subsequentes de 2021 (junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro) o autor auferiu uma remuneração base de € 933,00.
Assim, admitindo-se que tal factualidade possa relevar para aferição da perda de capacidade de ganho do autor, deferindo parcialmente a impugnação de harmonia com a análise dos elementos de prova supra mencionados, atribui-se ao artigo 81º dos factos provados a seguinte redação:
Entre os anos 2016 e 2021, o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos, sendo que no ano de 2018 o autor declarou  auferir o rendimento bruto de €13.417,44, em 2019 declarou ter auferido o rendimento de €17.916,33 e em 2020 declarou que auferiu o rendimento de €9.802,68, tendo ainda auferido em maio de 2021 as remunerações base de €653,10 e €266,00, e nos meses de junho a dezembro de 2021 a remuneração base de €933,00”.
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Pretende ainda a recorrente obter a eliminação do facto provado sob o nº 83, considerando que estando o autor desempregado à data do acidente não era trabalhador estudante. Além de que tendo o acidente ocorrido em agosto de 2013, naquela data não podia frequentar o 2º ano do curso superior, sendo “facto público e notório que em agosto não se encontra a decorrer qualquer ano letivo”. Propõe, assim, a recorrente a supressão do referido artigo 83º, ao qual o tribunal recorrido conferiu a seguinte redação:
83. À data do acidente, o autor era trabalhador-estudante, frequentando o 2º ano do curso Superior I;”
Analisado o teor do documento nº 27 junto pelo autor, verifica-se corresponder a uma declaração emitida pelo “Instituto Superior I”, datada de 10-09-2023, onde se refere, além do mais:
Declara-se que A. (…)
X - Está matriculado no Curso de Educação Física Desporto no ano letivo 2013/2014, com o nº 20912, no 2º ano;
X - No ano letivo de 2012/2013, frequentou até final do ano letivo tendo obtido aproveitamento a 12 (doze…) disciplinas.
X - O ano letivo 2013/2014 inicia-se a 23/9/2013
Do depoimento da tia do autor B, a cuja audição integral se procedeu, resultou que o autor após o 9º ano de escolaridade cessou os estudos e começou a trabalhar, num contexto de algumas dificuldades económicas do agregado familiar (minutos 23.02 a 28.00). Posteriormente, retomou os estudos, aproveitando um regime especial para o acesso à faculdade de maiores de 23 anos, tendo frequentado no ano letivo anterior ao acidente (2012/2013) o 1º ano do ensino superior, com aproveitamento, tendo transitado de ano, custeando ele próprios as inerentes despesas. No momento do acidente, o sobrinho “ia para o segundo ano” (minuto 24.40). Tal realidade apresenta-se consonante com o facto provado nº 84 (“À data do acidente o autor havia concluído, no ano letivo 2012-2013, as doze disciplinas do 1.º ano, com aproveitamento.”), evidenciando que o autor retomou o seu percurso escolar e que perspetivava prossegui-lo.
Certo é que, nos termos já analisados, o teor do ofício da Segurança Social evidencia que na data do acidente (agosto de 2013) o autor encontrava-se desempregado. Não tendo sido infirmado por meio de prova objetiva e segura o teor de tal documento, forçosa é a conclusão de que no momento do acidente o autor estava desempregado. E assim é, embora a prova produzida tenha evidenciado que o autor, desde que retomou os estudos, após o 9º ano de escolaridade, sempre compatibilizou a sua atividade estudantil com a de trabalhador (embora na data do acidente se encontrasse desempregado, situação revertida, como já analisado, em dezembro de 2013 em que regressou à sua atividade laboral). Assim, o que importa concluir é que no momento do acidente, atenta a sua condição de desempregado, o autor não era trabalhador-estudante.
Por outro lado, a “declaração de matrícula” junta em 19-12-2022 pelo Instituto Superior I, a solicitação do tribunal, evidencia que a matrícula do autor, para o ano letivo 2013/2014, foi efetuada em 24 de agosto de 2013 (após o acidente que ocorreu em 17-08-2013).
Deverá, pois, concluir-se que o autor, no ano letivo 2012/2013, foi trabalhador estudante, tendo frequentado o curso mencionado no artigo 83º dos factos provados, e que em 24-08-2013 se matriculou para o ano letivo de 2013/ 2014, no mesmo curso e no mesmo estabelecimento de ensino.
Opta-se, pois, não por suprimir a factualidade constante do artigo 83º dos factos provados, que se revela pertinente para aferir do percurso académico do autor (e da sua interrupção), mas sim por proceder à sua reformulação, por forma a que reflita, com rigor, a informação a extrair dos meios de prova supra analisados.
Consequentemente, deferindo parcialmente a impugnação, àquele artigo atribui-se a seguinte redação:
83. No ano letivo de 2012/2013, o autor foi trabalhador-estudante, tendo frequentado o 1º ano do curso Superior de Educação Física I., e em 24 de agosto de 2024 foi matriculado no 2º ano daquele mesmo curso;”
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Reagiu ainda a recorrente à decisão da matéria de facto no que se reporta ao artigo 88º dos factos provados considerando inexistir qualquer prova documental que suporte que o autor tenha exercido atividades como personal trainer ou massagista, considerando insuficientes, para o efeito, as declarações de parte do autor  e da sua madrinha, a testemunha B.
Ao facto provado nº 88 foi conferida a seguinte redação:
88. Antes do acidente o autor frequentava o ginásio, dava massagens, era treinador pessoal (PT – personal trainer), o que depois do acidente e por causa deste deixou de fazer”.
Compulsados os autos, verifica-se não existir prova documental objetiva e segura que comprove tais atividades do autor.
Nas suas declarações, a cuja audição se procedeu na íntegra, o autor incorreu em inúmeras imprecisões e indecisões, referindo, designadamente, que na altura do acidente trabalhava no bowling (minuto 6.00), referindo, mais tarde, não se recordar do que fazia à data do acidente, mas que pensa que trabalhava no bowling (minuto 11.40 a 12.00), que fazia um part time de ginásio e era terapeuta numa clínica de terapia chinesa (minuto 14.00 ao minuto 18.00).
A tia do autor B, que o tem acompanhado desde o acidente, referiu que ele cuidava da sua imagem, fazia musculação e dava massagens num centro da Rua (…) recebendo, “por fora para não fazer descontos”. Mais afirmou que após o sinistro, o autor queixou-se que não tinha força quer para ir ao ginásio, quer para fazer massagens (minutos 42.00 a 45.00).
Tal atividade de massagista consta do relatório elaborado pelo INML, resultando, no entanto, do seu teor, que não se trata de realidade que o perito tenha constatado, designadamente por consulta de documentação, mas sim que constitui elemento comunicado pela tia do autor, B, dado “(…) o examinado não fornecer dados anamnésicos convincentes”.
Tais meios de prova, ainda que conjugados entre si, revelam-se insuficientes para demonstrar que o autor estivesse habilitado com formação para dar massagens e se dedicasse a tal atividade, assim como à de personal trainer. Na realidade, tratam-se de atividades que, pela sua natureza profissional ao serviço de outrem, teriam forçosamente de ter produzido elementos de prova objetivos, designadamente documentais, que pudessem corroborar as declarações (naturalmente interessadas) acima mencionadas. Elementos de prova esses que não constam dos autos. Consequentemente, forçosa é a conclusão de que o autor soçobrou na sua demonstração, cujo ónus lhe incumbia, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 1, CC, procedendo a impugnação deduzida e impondo-se a reformulação do artigo 88º dos factos provados, nos seguintes termos (aceites pela ré):
88. Antes do acidente o autor frequentava o ginásio e por causa deste deixou de fazer”.
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Terminada a apreciação da impugnação de facto deduzida pela ré, constata-se que existem contradições evidentes entre a factualidade provada e a factualidade não provada, que importa corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, CPC.
Resultou provado que o autor foi seguido em consultas de psicologia a seguir ao acidente, como decorre da factualidade dada como provada na sentença (pontos 42 e 48.). Assim sendo, deve ser eliminado do elenco de factos não provados que “O autor tenha passado a ser seguido em psicologia durante um ano”.
Por outro lado, decorre da factualidade provada que o autor foi novamente sujeito a intervenção cirúrgica no dia 13-11-2014, iniciando então um período de licença sem vencimento por essa razão, regressando à atividade profissional em 20-12-2014. Logo, este facto colide parcialmente com o seguinte facto considerado não provado na sentença recorrida: “Nos 923 dias subsequentes ao acidente, o autor não tenha auferido qualquer quantia”. Cremos ser manifesto que se provou que no período de 13-11-2014 a 20-12 2014, o autor esteve “sem vencimento”, pelo que se deverá alterar a redação do referido facto não provado nos seguintes termos: “Nos 923 dias subsequentes ao acidente, o autor não tenha auferido qualquer quantia, com exceção do período de 13-11-2014 a 20-12 2014, em que esteve na situação de licença sem vencimento”.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Ponderando a decisão recorrida e a decisão que antecede, são os seguintes os FACTOS PROVADOS:
Acidente de viação e urgência hospitalar:
1. No dia 16 de agosto de 2013, pelas 17 horas e 10 minutos, na Avenida (…), em Benfica, Lisboa, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com matrícula ..-NT-.. e ..-..-LC;
2. O NT, um automóvel ligeiro de passageiros, era conduzido por C;
3. O LC, um motociclo, era conduzido pelo autor;
4. A artéria é constituída por uma faixa de rodagem com 6 vias de trânsito, três em cada sentido, com separador central;
5. A velocidade máxima permitida no local é de 50km/h;
6. O ligeiro NT circulava no sentido Este-Oeste, na via central;
7. O motociclo LC circulava no mesmo sentido, mas na via da esquerda;
8. No cruzamento com o acesso proveniente do IP7, a condutora do NT pretendia mudar de direção à esquerda;
9. Já o autor pretendia seguir em frente;
10. Sem sinalização prévia, ao chegar àquele cruzamento, o NT que circulava ligeiramente à frente do LC, mudou repentina e bruscamente de direção à esquerda e invadiu a via de trânsito em que este circulava;
11. Desta manobra resultou a colisão entre a frente do LC e o motociclo NT;
12. Ato contínuo, o motociclo LC tombou e o autor foi projetado ao solo, alguns metros à frente e para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, ficando imobilizado junto à 3ª via do lado direito do sentido oposto;
13. No local onde o autor caiu ficou no solo uma mancha de sangue;
14. O autor foi assistido, imobilizado e sedado, sendo transportado por viatura médica de emergência e reanimação (VMER) ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa;
15. Deu entrada no Hospital D, em Lisboa pelo serviço de urgência, com indicação de politraumatismo craniofacial, afetação dentária e visual, traumatismo torácico e traumatismo dos membros;
16. No hospital, sofrendo hemorragia na face sem identificação do ponto sangrante, com persistência da epistaxis (hemorragia das fossas nasais), o sangue foi aspirado, bem como retirados coágulos de ambas as fossas nasais;
17. No hospital foi efetuado o tamponamento de ambas as fossas nasais com tampão designado como tipo merocel, com indicação para o manter durante 3 a 5 dias e cobertura antibiótica;
18. Em consequência do embate, o autor teve perda de conhecimento, sendo sedado e ventilado;
19. Em bloco do Serviço de Urgência Central, foi colocado em plano duro, com colar cervical e apoios laterais;
20. Examinado, designadamente com recurso a Tomografia Axial Computorizada (TAC) e Raio X, foi revelado foco de contusão frontal, fratura da escama do occipital, com extensão do côndilo occipital, sendo seguido em neurocirurgia;
21. Observado em ortopedia apresentava também fratura do terço médio do úmero esquerdo, que foi imobilizado;
22. Apresentava ainda otorragia esquerda (hemorragia no ouvido), com lesão cutânea;
23. A nível torácico apresentava lesão torácica e pneumotórax;
24. Ao nível dentário apresentava fratura dos dentes 24 e 36;
25. O autor repetiu TAC doze 12 horas depois, que revelou aumento do hematoma, tendo sido indicado aos familiares do autor que este poderia perder a vida, tendo ficado em vigilância;
26. O autor apresentava ainda extenso hematoma da zona inguinal, com hematúria;
27. O autor durante o internamento apresentou infeção nosocomial pulmonar (infeção manifestada após internamento em unidade hospitalar);
28. No período de internamento hospitalar verificou-se que sofria as seguintes lesões:
- Politraumatismo;
- Hematoma extra-axial occipital supra e infra territorial;
– Fratura de escama occipital com extensão ao rochedo e côndilo occipital esquerdo;
- Foco de contusão cerebral frontal paramediano esquerdo milimétrico;
- Fratura da parede inferior, interna e externa, da órbita direita e da parede inferior da órbita esquerda;
- Fratura do terço médio do úmero esquerdo;
- Fratura do terço médio da clavícula direita;
- Fratura do 1.º arco costal direito;
- Contusão pulmonar – segmento apical e anterior do lobo superior direito e lobo médio;
- Pneumotorax discreto bilateral;
- Fratura coaptada de ramo ascendente direito da mandíbula;
- Fratura coaptada da arcada zigomática direita;
- Múltiplos traços de fratura das paredes dos seios maxilares bilaterais com hemosinus;
- Fraturas descoaptadas dos ossos próprios do nariz e septo nasal;
- Fratura bilateral das apófices pterigoideias;
- Ferida incisa sangrante do terço externo da pálpebra inferior;
- Hemorragia subconjuntival do olho direito;
- Laceração do Canal Auditivo Externo esquerdo;
- Infeção respiratória.
29. O autor recuperou lentamente, após extubação e 10 dias em coma/sedação;
30. Em 31 de agosto de 2013, foi transferido para o Hospital E, na Amadora, unidade da área de residência, onde apenas veio a ser aceite no seguinte;
31. O autor foi submetido a intervenção cirúrgica ao membro superior, por diáfise do úmero, com encavilhamento, tendo sido recomendada aplicação de gelo local, imobilização de Gerdy e marcação de consulta para retirar agrafos e toma de medicamentos, designadamente paracetamol para as dores;
Partes; contrato de seguro e comunicações com a ré antes do presente litígio:
32. O autor nasceu em 16/1/1986;
33. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 860004976, a ré declarou assumir a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro NT, acima referido (cópia junta aos autos e aqui dada por integralmente reproduzida);
34. Participado o sinistro à ré, esta assumiu a responsabilidade pelo mesmo;
35. Na sequência, foi prestando assistência clínica ao autor e pagando despesas médicas por este suportadas;
36. Em 26/1/2017, a ré enviou escrito ao autor, que o recebeu, declarando propor-se indemnizá-lo pelos danos sofridos em €75.000,00, sendo €49.000 de danos patrimoniais e €26.000 de danos não patrimoniais;
37. O autor recusou tal proposta;
38. A ré adiantou ao autor, por conta da indemnização final, a quantia de €1.000,00 (mil).
A reabilitação do autor; sequelas físicas do acidente:
39. O autor teve alta hospitalar do E a 13 de setembro de 2013, com indicação para reabilitação e acompanhamento em consultas;
40. Após tal alta, o autor continuou a ser seguido em consultas de Ortopedia, Urologia, Cirurgia Maxilo-Facial e Neurocirurgia no Hospital D, em Lisboa;
41. Iniciou tratamentos de reabilitação e passou a ser seguido também no Hospital da Luz, em Lisboa;
42. E foi seguido em Psicologia, designadamente por apresentar, após o acidente e devido a este, um quadro sintomatológico depressivo e ansioso;
43. Continuando em consultas no hospital da Luz, em 13/11/2014 foi novamente operado para retirada do material da cavilha no úmero;
44. Após esta cirurgia, foi efetuada a mobilização do membro superior esquerdo, aplicação de gelo na zona da ferida e toma de analgésicos;
45. E foi realizada avaliação em Neurocirurgia, sendo indicada necessidade de realização de programa de reabilitação de duração não inferior a 1 ano, cujo custo anual foi estimado em 2.640,00€;
46. O autor manteve tratamentos de recuperação consistentes em fortalecimento muscular, laserterapia, mobilização articular e ultrassons;
47. Em março de 2016, foi consultado pelos serviços clínicos da ré, aí tendo sido indicada que a consolidação médico-legal das suas lesões ocorreu em 7/3/2016 (correspondente à data em que o processo de reabilitação médica deixaria de ser apto a produzir uma evolução positiva);
48. Em consulta com a psicóloga F, sob indicação da ré, foi concluído pela presença de défice nas capacidades de atenção sustentada e dividida, de iniciativa verbal, de aprendizagem e na evocação espontânea de informação recente, quadro compatível com um Síndrome Frontal de etiologia pós-traumática;
49. O autor realizou, por período não apurado, terapêutica de estimulação cognitiva;
50. O autor foi avaliado pelos serviços clínicos indicados pela ré (entidade identificada como GADAC), em 23/3/2016, sendo-lhe aí atribuída Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 15 pontos, um Quantum Doloris de grau 4 (em 7), um Dano Estético de grau 2 (em 7) e um Prejuízo de Afirmação Pessoal de grau 3 (em 5);
51. Na avaliação antes referida não lhe foi atribuída nenhuma incapacidade mental-cognitiva, com correspondência na TNI;
52. Posteriormente, em 21/6/2016, o autor foi submetido a avaliação de dano corporal, a seu pedido, pelo médico G;
53. Nessa avaliação foi-lhe sido atribuída uma incapacidade, só a nível mental, de 35 pontos (código na 0303 da TNI), além de um quantum doloris de 5 (em 7), um prejuízo de afirmação pessoal de 5 (em 5) e um dano estético de 1 (em 7);
54. Subsequentemente, a 9/11/2016, foi realizada, a solicitação da ré, avaliação do autor em Psiquiatria, junto de entidade também indicada pela ré - Legismente – Psiquiatria e Psicologia Forense, avaliação conduzida pela especialista H;
55. Nessa avaliação psiquiátrica foi concluído que o autor padecia de perturbação mental devido a lesão e disfunção cerebral, previsto na Tabela Nacional de Incapacidades como Perturbação Cognitiva - Síndrome Frontal, descrita nessa Tabela sob o código 0303, correspondente a uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP), só a nível psiquiátrico, de 21 a 35 pontos (relatório junto aos autos e aqui dado por integralmente reproduzido);
56. Nessa consulta obteve aconselhamento no sentido de dever iniciar programa para tratamento com medicamento estabilizador do humor e tomar medicação;
57. Após o acidente, o autor passou a sofrer disfunção eréctil, não tendo qualquer afetação física do sistema genital;
58. Tal disfunção traduz-se na incapacidade de, em situação vígil, manter uma ereção peniana completa;
59. A disfunção eréctil de que passou a padecer em virtude do acidente causa ao autor um sentimento de vergonha e diminuição;
60. Durante a alimentação, o autor apresenta lacrimejo recorrente;
61. Em consequência de ter perdido dois dentes no acidente, o autor substituiu-os por próteses, cujo valor ascendeu a 2.795,00€;
62. Em consequência dos impactos sofridos no crânio devido ao acidente, o autor passou a sofrer de limitação marcada da sua capacidade mental, com dificuldades de memória, lentidão de raciocínio, limitação geral das capacidades intelectuais e afetação de funções motoras, designadamente ao nível sexual;
63. Tal limitação cognitiva, associando uma perturbação permanente da atenção e da memória, perda relativa da iniciativa e da autocrítica, incapacidade de gestão das situações complexas e défices sensitivo-motores evidentes, corresponde à tipologia de incapacidade referida sob o código Na 0404 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI);
64. Tal diminuição deve ser quantificada em 41 pontos nos termos da TNI, correspondendo a uma diminuição da capacidade orgânica geral do autor quantificável em 41%;
65. Em consequência do acidente, o autor ficou com as seguintes afetações na estética corporal:
- Desvio aparente do septo nasal;
- Cicatriz arroxeada de 2x1 cm no terço distal da face posterior do braço esquerdo;
- Cicatriz arroxeada de 6x1 cm na face posterior do terço distal do braço e cotovelo;
- 3 (três) cicatrizes normocrómicas lineares, mais proximal 1 cm, intermédia 3cm e mais distal com 4cm na face anterior do antebraço;
66. Estas afetações estéticas devem ser quantificadas em grau 2, numa escala de 2 a 7, de acordo com a TNI;
67. O autor sofreu fortes dores no período até à data de consolidação das lesões na face, tórax e membros, quantificável em grau 5, numa escala até 7;
68. Após tal data de alta definitiva, o autor continua a sentir dor à palpação da mandibula esquerda; dor à palpação na face interna do terço médio do braço esquerdo; dor à extensão forçada do cotovelo esquerdo e dor à palpação do terço distal da face posterior calcanhar da perna direita;
69. Em consequência do acidente, o autor apresenta alterações de humor frequentes, comportamento ansioso e depressivo;
70. Necessitará de acompanhamento em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com periodicidade não apurada, para o resto da vida;
71. A patologia sequelar do autor impõe supervisão clínica futura em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com necessidade de medicação e tratamentos para o resto da vida”;
72. Em consequência das lesões sofridas no acidente e da alteração na sua vida que esta implicou, o autor perdeu autoestima e alegria na sua vida quotidiana;
73. Antes do acidente, o autor era uma pessoa de trato fácil, compreensiva e de humor alegre;
A situação profissional do autor:
74. Em 5 de dezembro de 2013, o autor assinou um contrato de trabalho a termo certo, com a sociedade Bowling City, Lda., com duração de um ano;
75. No âmbito de tal contrato, o autor exerceu funções no espaço de bowling no Centro Comercial Colombo com a categoria profissional de operador de animação, auferindo uma retribuição mensal ilíquida de 500,00€, acrescida de subsídio de alimentação diário no valor de 6,40€;
76. Em tal trabalho, o autor desempenhava tarefas de venda e entrega de bilhetes aos utilizadores do espaço de bowling;
77. Anteriormente, e desde 14-07-2006, o autor exercera funções no Centro Comercial Colombo, nessa mesma área de bowling, encontrando-se, porém, desempregado e a auferir subsídio de desemprego desde abril de 2013 até dezembro de 2013”.
78. A retribuição mensal auferida pelo autor nesse período correspondia ao salário mínimo nacional;
79. Em 13/11/2014, o autor iniciou um período de licença sem vencimento em razão de intervenção médica a que foi submetido nessa altura, regressando à atividade laboral em 20/12/2014;
“80. O autor deixou de trabalhar no início de dezembro do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho”.
81.Entre os anos 2016 e 2021, o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos, sendo que no ano de 2018 o autor declarou  auferir o rendimento bruto de €13.417,44, em 2019 declarou ter auferido o rendimento de €17.916,33 e em 2020 declarou que auferiu o rendimento de €9.802,68, tendo ainda auferido em maio de 2021 as remunerações base de €653,10 e €266,00, e nos meses de junho a dezembro de 2021 a remuneração base de €933,00”.
82. Em consequência do acidente, o seu desempenho profissional foi sensivelmente prejudicado pela diminuição das suas faculdades mentais, apresentando muitas dificuldades e falhas na realização de tarefas que impliquem uso da memória ou de raciocínio;
O curso superior de educação física e desporto e outras limitações pessoais:
83. No ano letivo de 2012/2013, o autor foi trabalhador-estudante, tendo frequentado o 1º ano do curso Superior de Educação Física - Desporto no I.; e em 24 de agosto de 2024 foi matriculado no 2º ano daquele mesmo curso;”
84. À data do acidente, o autor havia concluído, no ano letivo 2012-2013, as doze disciplinas do 1.º ano, com aproveitamento;
85. Após o acidente, o autor inscreveu-se nos anos letivos 2013-2014; 2014-2015 e 2015-2016, tendo concluído nesses três anos um total de cinco disciplinas, de um total não apurado e não inferior a trinta, tendo reprovado ou anulado as demais;
86. Após o ano de 2016, o autor abandonou definitivamente o curso superior;
87. A diminuição sensível da sua capacidade de memória e de raciocínio impediu o autor de assimilar as matérias mais exigentes em termos cognitivos;
88. Antes do acidente o autor frequentava o ginásio e por causa deste deixou de o fazer”.
89. O autor sente tristeza e frustração por não ter conseguido terminar o seu curso superior e poder prosseguir um percurso profissional na área da educação física e do desporto;
Despesas médicas apuradas:
90. O autor suportou, além de outras não apuradas, despesas de consultas e exames realizados no Hospital J, sendo €80 de consulta de ortopedia; €65 de consulta de psicologia; €45 de exame realizado; €72 e €94,50 de consultas de urologia;
91. E suportou, entre outras não apuradas, €12,79 de farmácia; €7,75 consulta no Centro Hospitalar L €70 de consulta particular de neuropsicologia realizada em 23/9/14 e €60 consulta particular de psicologia realizada em 15/9/14.
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E são os seguintes os FACTOS NÃO PROVADOS:
- O autor tenha iniciado tratamento psiquiátrico, com toma de medicamentos e consultas, junto de médico da especialidade;
- Seja possível uma redução do grau de incapacidade psiquiátrica do autor;
- A incapacidade do autor se irá agravar ao longo dos anos;
- Nos 923 dias subsequentes ao acidente, o autor não tenha auferido qualquer quantia, com exceção do período de 13-11-2014 a 20-12 2014, em que esteve na situação de licença sem vencimento;
- Nesses 923 dias, o autor se tenha confrontado, todos os dias, com dores;
- Em consequência do acidente, o autor tenha a sua vida afetiva prejudicada;
- O autor tenha pesadelos onde revive de forma persistente e muito real o acidente;
- O autor tenha sido, antes do acidente, um aluno com notas médias de 14/15 valores numa escala de 0 a 20;
- Antes do acidente o autor dava massagens, era treinador pessoal (PT – personal trainer), o que depois do acidente e por causa deste deixou de fazer.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Compulsada a petição inicial, verificam-se que foram os seguintes os pedidos formulados:
- Montante líquido de €2.640,00, relativo a despesas médicas suportadas pelo autor (artigo 50º da petição inicial);
- Montante líquido de €2.795,00, relativo também a despesas médicas (próteses dentárias – artigo 67º da petição inicial);
- Montante líquido de €23.388,06, relativo aos 923 dias de incapacidade para o trabalho que sofreu em consequência das lesões decorrentes do acidente (artigo 73º da petição inicial);
- Montantes líquidos de €291.546,00 e de €30.000,00, relativos à perda de capacidade de ganho (incapacidade permanente parcial) e à incapacidade para o trabalho habitual – reconvertível, de que ficou a padecer (artigos 75º e 76º da petição inicial);
- Indemnização em montante ilíquido por “(…) danos futuros provenientes da IPP a definir, relativamente aos atos da vida diária, assim como todos os montantes que se remeter para liquidação, relativos a tratamentos, consultas, exames, deslocações e incapacidades despoletados pelo acidente dos autos e que venham a ocorrer, e tendo em consideração a necessidade de assistência médica e medicamentosa, bem como de acompanhamento em Psicologia, art.º 569º C. Civil” (artigo 79º da petição inicial);
- Montante líquido de €60.000,00 como compensação dos danos não patrimoniais emergentes do evento danoso (artigo 112º da petição inicial).
O autor reclamou ainda o pagamento dos juros em dobro da taxa legal (artigo 38º, nº 3, do Dl 291/2007, de 21 de agosto) – artigo 113º da petição inicial, e alegou que por conta da indemnização final a ré lhe adiantou a quantia de €1.000,00, a qual deduziu ao pedido.
O pedido líquido do autor, relativo a danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do sinistro para o autor, cifra-se, pois, em €410.369,06, montante ao qual haverá que deduzir a quantia €1.000,00 já adiantada pela ré.
A sentença recorrida atribuiu ao autor os seguintes valores/parcelas indemnizatórios:
- €350.000,00 (dano biológico patrimonial e não patrimonial já verificado);
- €168.000 (danos patrimoniais futuros traduzidos em perda salarial);
- €160.000 (€140.000 de danos patrimoniais futuros correspondentes a 10 anos de trabalho sem rendimentos, e €20.000 de danos não patrimoniais decorrentes dessa situação de inatividade não remunerada ou compensada);
- €40.000 (danos futuros traduzidos em despesas de saúde que previsivelmente terá de suportar);
- €2.273,44 (despesas de saúde verificadas, já deduzido o montante adiantado pela ré de €1.000).
Como acima referido, a sentença recorrida, na parte em que liquidou oficiosamente o pedido ilíquido (genérico), é nula, impondo-se a sua substituição por outra decisão. Decisão essa que será de condenação em montante a liquidar ulteriormente, quanto aos danos futuros invocados no artigo 79º da petição, caso se venha a concluir pela sua verificação/previsibilidade.
Todavia, na sentença recorrida integrou-se os danos futuros invocados no artigo 79º da petição em diversas parcelas (acima mencionadas), pelo que este Tribunal da Relação terá de apreciar cada uma das pretensões indemnizatórias liquidadas do autor, destrinçando e expurgando o que deverá ser objeto de condenação ilíquida, estando limitado – ao nível dos montantes líquidos - pelo valor global do pedido líquido formulado (€410.369,06).

2. Na presente ação, o autor faz valer o seu direito a indemnização, que fundamenta no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos, prevista nos artigos 483º e ss, do Código Civil.
A causa de pedir nas ações que visam efetivar a responsabilidade civil por factos ilícitos é complexa. No artigo 483º, nº 1, do CC, estão consagrados os pressupostos de que depende o direito de indemnização assente nesta modalidade de responsabilidade civil, que são: o facto; a ilicitude; a imputação subjetiva do facto ao lesante (culpa); o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Só a reunião destes elementos poderá, pois, constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado.
Ora, como resulta claramente dos factos assentes, e não foi sequer impugnado pela ré, que declarou aceitar a responsabilidade civil da sua segurada pela produção dos danos sofridos pelo autor, todos os elencados pressupostos se verificam no caso em apreço.
O autor tem, portanto, direito a ser indemnizado, residindo a controvérsia na grandeza desse direito de crédito à indemnização. Indemnização essa que será suportada pela ré, por funcionamento do contrato de seguro que havia celebrado com a responsável civil pelo acidente, estando assim a responsabilidade civil para si transferida – Cfr. artigos 4º, 6º, 11º nº1, alínea a), 32º e 67º da Lei do seguro Obrigatório (Dl 291/2007, de 21 de agosto).

3. Haverá, assim, que determinar, nos termos expostos, quais os danos indemnizáveis, tendo presente a disciplina do artigo 566º CC, segundo a qual sempre que a reconstituição natural não seja possível (o que sucede in casu), o dano deve ser fixado em dinheiro, ponderando a diferença que existe entre a situação real do lesado e a que existiria se não tivesse ocorrido a lesão.
Este expediente indemnizatório apresenta como medida a diferença entre a situação real em que se encontra o património do lesado e a situação hipotética atual em que o mesmo se encontraria caso tal evento lesivo não tivesse ocorrido (teoria da diferença, consagrada legalmente no artigo 566º, nº 2,CC). E tal aferição deve reportar-se ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.
           
4. Iniciando a análise dos pedidos do autor pela vertente patrimonial, salienta-se que os mesmos se caraterizam pela sua suscetibilidade de avaliação pecuniária. E como tal devem considerar-se quer os prejuízos causados nos direitos ou bens do lesado à data da lesão - danos emergentes -, quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão - lucros cessantes, em consonância com o disposto no artigo 564º, nº1 CC.
A obrigação de indemnização que impende sobre o lesado tem como fim essencial, nos termos do artigo 562º, nº1 CC, a reconstituição da situação que existiria se o dano não se tivesse verificado.
Assim, o primeiro pedido formulado pelo autor relativo a danos patrimoniais, referentes às despesas médicas que suportou, revelou-se parcialmente procedente, conferindo-lhe o direito ao montante global de €3.273,44 (a que se deverá deduzir o montante adiantado pela ré de €1.000), que foi fixado na sentença recorrida e aceite pelas partes (o autor não recorreu com esse objeto, e a ré declarou aceitar tal valor).

5. Subsequentemente, o autor peticionou o pagamento do valor líquido de €23.388,06, para indemnização do dano decorrente da incapacidade temporária para o trabalho durante 923 dias.
A este propósito, na sentença recorrida, pelo que se consegue interpretar, integrou-se esta parcela indemnizatória (que, no fundo, se reconduz à modalidade de lucro cessante – aquele que o autor teria deixado de auferir nos 923 dias em que esteve afetado por incapacidade temporária para o trabalho, ou défice funcional temporário) na indemnização por dano biológico, ou seja, na parcela indemnizatória de €350.000.
Da factualidade provada e não provada decorre que:
- O autor esteve hospitalizado entre 16-08-2013 (acidente) e 13-09-2013 (alta hospitalar), período em que recebeu subsídio de desemprego;
- Continuando em tratamento, o autor foi novamente sujeito a intervenção cirúrgica no dia 13-11-2014, iniciando então um período de licença sem vencimento por essa razão, regressando à atividade profissional em 20-12-2014;
- A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor ocorreu apenas no dia 07-03-2016;
- Entre a data do acidente e a data da consolidação médico-legal das suas lesões decorreram 934 dias (e não 923 dias, como se refere na sentença);
- Nesse período de 934 dias, o autor esteve desempregado e empregado, recebendo subsídio de desemprego e retribuições, respetivamente, de valores que variam entre o salário mínimo nacional e o montante de €933;
- Não se provou que nos 923 dias subsequentes ao acidente, o autor não tenha auferido qualquer quantia, com exceção do referido período em que esteve na situação de licença sem vencimento;
- O autor padece de diminuição da capacidade orgânica geral quantificável em 41%.
 Desta forma, importa concluir que no período de 37 dias em que esteve na situação de licença sem vencimento (de 13-11-2014 a 20-12-2014), o autor sofreu um lucro cessante. Nessa altura, o autor cumpria o contrato de trabalho descrito nos pontos 74. e 75. da factualidade provada, pelo que auferia a remuneração diária ilíquida de € 16,67. Por conseguinte, por esses 37 dias em que ficou privado de remuneração, o autor tem direito a receber a indemnização de € 616,79.
Mas não será essa a única indemnização a que o autor terá direito por esse período decorrido entre a data do acidente e a data da consolidação médico-legal das suas lesões.
É que, como se refere na sentença recorrida, tem vindo a considerar-se que a compensação a atribuir pelo dano biológico, quando interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem que ter uma relação direta com a sua atividade profissional, antes se configurando como um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, podendo relevar por via dos danos patrimoniais ou não patrimoniais – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 06-02-2024[8]
A propósito do dano biológico, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2023[9]: “Com um enquadramento ou com outro, que seja classificado como dano patrimonial, que seja visto como dano não patrimonial, o dano biológico é em si ressarcível, como dano autónomo, mesmo quando não sejam verificadas consequências em termos de perda de capacidade aquisitiva”.
Muito embora o autor tenha efetivamente trabalhado nesse período, é indiscutível que o fez sujeito a esforços e exigências físicas e mentais suplementares, dado o défice funcional que o afetava.
Consequentemente, ainda que não se tenha apurado que o seu défice funcional temporário se tenha traduzido numa perda de capacidade de ganho, ou de ganho efetivo, com exceção do período de licença sem vencimento, pelo impacto que gera na sua condição física, exigindo-lhe um maior esforço nas suas atividades em geral, e profissionais em particular, constitui dano biológico com cariz patrimonial. Está, pois, em causa uma diminuição funcional e somática, com repercussão pessoal, dada a maior penosidade inerente ao desempenho das tarefas a que a autor se dedicava, o que, ainda que não gere uma imediata repercussão na remuneração, lhe determina limitações decorrentes da lesão “(…) in se e per se considerada da integridade física e da saúde, distinta tanto da perda económica àquela seguida (…)” – cfr. Ac STJ de 16/1/2024[10], AC STJ de 4/6/2015[11], Ac RC de 19/5/2015[12].
Recorrendo às palavras de Maria Graça Trigo, “o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que, diversamente do que sucedia no passado, se indemnizem as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afetará ao longo do resto da vida”. No mesmo sentido, defende-se no Acórdão do S.T.J. de 29-10-2019[13] que a “vertente patrimonial do dano biológico (…) tem a virtualidade de ressarcir não só (i) as perdas de rendimentos profissionais correspondentes à impossibilidade de exercício laboral e/ou económico-empresarial e as frustrações de proveitos existentes à data da lesão (ponderadas até um certo momento de vida ativa), mas também (ii) a privação de futuras oportunidades profissionais e o esforço acrescido de reconversão (enquanto determinado pela incapacidade resultante da lesão) para o exercício profissional (…) – num caso e noutro, danos patrimoniais futuros previsíveis, na variante de “lucros cessantes” (arts. 562º, 564º, 1 e 2, CCiv.)”.
Nesta hipótese, justifica-se a fixação de uma indemnização por danos patrimoniais. Indemnização esta que deve ser fixada com recurso à equidade, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, CC, sendo, de facto esta a vertente fundamental para a atribuição da parcela indemnizatória ora em análise - fr. Ac STJ de 10/4/2024[14].
Por conseguinte, ponderando quer a idade do autor, quer os danos físicos que sofreu, e de que padecia, e a dimensão do período de défice funcional temporário, julga-se equitativa a quantia de €7.500 a título do dano biológico que o atingiu, na vertente patrimonial.
Para o cálculo desta indemnização considerou-se um salário mensal de € 500 (o valor acima ponderado), devido 14 vezes ao ano (incluindo subsídios de férias e 13º mês), o período de 934 dias, e a diminuição da capacidade orgânica geral de 41% (ponto 64. dos factos provados): (€500x14=€7.000)x41%=€2.870 (valor anual);
(€2870:12=€239,17):30=€7,97 (valor diário)
€7,97x934 dias=€7.443,98, que se arredonda para €7.500.
Desta forma, o pedido do autor de indemnização do dano decorrente da incapacidade temporária para o trabalho revela-se parcialmente procedente.

6. Importa aqui deixar expressamente consignado que é nosso entendimento que na definição ou cálculo do quantum indemnizatório, o tribunal deve recorrer a juízos de equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, podendo ponderar o disposto na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho), mas sem qualquer força vinculativa, até porque esta é de aplicação extrajudicial. Neste sentido, observe-se o decidido no Acórdão do S.T.J. de 04-06-2015[15], segundo o qual “o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, (…) destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele”. Ainda neste sentido, cfr. o Acórdão do S.T.J. de 28-03-2023[16].

7. Ainda na vertente patrimonial, peticionou o autor o pagamento dos montantes líquidos de €291.546,00 e de €30.000,00, relativos à perda de capacidade de ganho (incapacidade permanente parcial) e à incapacidade para o trabalho habitual – reconvertível, de que ficou a padecer.
Na sentença recorrida, pelo que se consegue interpretar, integrou-se estas parcelas indemnizatórias, quer na indemnização por dano biológico, ou seja, na parcela indemnizatória de €350.000, quer na parcela de €368.000, referente a danos futuros.
Tratando-se de dano decorrente da perda de capacidade de ganho, cremos que estamos perante um pedido de indemnização de danos patrimoniais futuros. Estes apenas serão devidos se forem previsíveis, isto é, o dano patrimonial futuro encontra-se limitado pela regra da previsibilidade.
O dano futuro traduz-se no prejuízo que o lesado ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, ou seja, existindo já um ofendido, essa lesão ainda não se verifica.
Os danos futuros podem ser previsíveis ou imprevisíveis: o dano futuro é previsível quando se pode prognosticar ou prever a sua ocorrência; ao invés, quando o homem medianamente prudente e avisado não o prognostica, o dano será imprevisível, desconsiderando-se o juízo do timorato, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 22-11-2022[17].
O dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, o que significa que o eventual lesado apenas terá direito à indemnização após a ocorrência do dano.
O dano futuro previsível pode ser determinável ou indeterminável: será determinável quando puder ser fixado com precisão no seu montante. E será indeterminável quando não for possível a sua quantificação antes da sua verificação. Esta distinção respeita apenas à extensão do prejuízo e à sua expressão monetária, não se confundindo com a (im)previsibilidade.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro previsível é sempre indemnizável: na decisão, deve fixar-se a indemnização do dano futuro previsível determinável e, se esse dano for indeterminável (na sua extensão), deverá remeter-se para momento ulterior a liquidação da indemnização (artigos 564º, nº 2, CC, e 609º, nº 2, CPC).
A este propósito, consideram-se os seguintes factos provados:
- Em consequência dos impactos sofridos no crânio devido ao acidente, o autor passou a sofrer de limitação marcada da sua capacidade mental, com dificuldades de memória, lentidão de raciocínio, limitação geral das capacidades intelectuais e afetação de funções motoras, designadamente ao nível sexual;
- O autor padece de diminuição da capacidade orgânica geral quantificável em 41%;
- A sua apurada situação profissional, já acima mencionada, da qual se pode concluir que tem vindo a estar empregado e desempregado, alterando entre as duas situações, recebendo subsídio de desemprego e retribuições, respetivamente, de valores que variam entre o salário mínimo nacional e o montante de €933;
- Em consequência do acidente, o seu desempenho profissional foi sensivelmente prejudicado pela diminuição das suas faculdades mentais, apresentando muitas dificuldades e falhas na realização de tarefas que impliquem uso da memória ou de raciocínio;
- O acidente afetou o percurso escolar do autor, inviabilizando a obtenção de maior grau de formação profissional.
Da conjugação de todos estes dados factuais, cremos ser de afirmar a previsibilidade do dano futuro traduzido em perda de capacidade de ganho, nas modalidades de obtenção de ocupação profissional, manutenção de ocupação profissional, progressão de carreira, obtenção de melhor posição profissional e melhoria salarial ou remuneratória. Tudo isto se integrando no já acima caracterizado dano biológico.
Estamos, pois, perante um dano futuro previsível, embora indeterminável em momento anterior à sua (futura e previsível) ocorrência. Daí que se revele forçoso lançar mão de juízos de equidade, como aliás efetuado na sentença recorrida – artigo 566º, nº 3, CC.
Deste modo, para determinar o quantum indemnizatório com recurso à equidade, serão considerados os seguintes fatores:
- Atualmente, a idade legal de reforma é de 66 anos e quatro meses, por aplicação da Portaria nº 292/2022, de 9 de dezembro;
- Revela-se, por isso, previsível que o autor pretenda trabalhar até essa idade (e tenha do o fazer para se sustentar), durante 39 anos de vida ativa;
- Trabalhando, o autor auferiria pelo menos o salário mínimo nacional, que atualmente corresponde a €820 (Decreto-Lei nº 107/2023, de 17 de novembro), mas que certamente irá aumentar nos próximos anos, razão pela qual se elege o montante remuneratório mensal de €1.000 como dado de cálculo.
Para além disso, não se deverá esquecer que o montante a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelo lesado em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que a redução relacionada com tal benefício de antecipação de capital, visando evitar “(…) o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente” (neste sentido, cfr. os Acórdão do STJ de 06-03-2024[18], e do S.T.J. de 10-04-2024[19]). In casu, de forma a erradicar-se tal benefício (que seria ilegítimo), julgamos adequado reduzir o valor a obter em 10%, considerando a duração da antecipação do capital, e a possibilidade de o lesado rentabilizar o capital que agora receberá no enquadramento económico atual. Redução essa que não será superior dada a incapacidade do autor em progredir profissionalmente, em consequência dos danos sofridos no acidente.
Assim, conjugando todos os referidos fatores, realiza-se o seguinte cálculo:
 (€1.000x14=€14.000)x41%=€5.740 (valor anual);
€5.740x39 anos=€223.860;
€ 223.860x0,90=€ 201.474, que se arredonda para €201.500.
 Por conseguinte, o pedido do autor relativo à perda de capacidade de ganho (incapacidade permanente parcial) e à incapacidade para o trabalho habitual – reconvertível revela-se parcialmente procedente.

8. Deixando para final o pedido ilíquido formulado na petição, e passando agora ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, haverá que atender à disciplina contida no artigo 496º, nº 1, CC, segundo o qual:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”.
 Ora, analisandos os danos sofridos pelo autor, descritos na factualidade provada e longamente analisados na sentença recorrida, julgamos que assumem gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica.
De facto, e evidenciando tal gravidade, apurou-se que o autor sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, que o acompanharão pelo resto da sua vida, tendo sido submetido a diversos tratamentos médicos, a que terá de continuar sujeito, causando-lhe dores (quantum doloris quantificável em grau 5, numa escala até 7) e danos estéticos (quantificadas em grau 2, numa escala de 2 a 7), vergonha e diminuição, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração.
Tudo ponderado, seguindo os fatores acima indicados (novamente a equidade - cfr. artigos 496º, n.º 3, 1ª parte, e 494º, CC), e os padrões da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 21-06-2022[20], de 29-10-2020[21], de 29-04-2021[22]), julgamos razoável e equitativo atribuir o montante global de €60.000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Este pedido também se revela parcialmente procedente.

9. Regressando agora ao pedido genérico ou ilíquido, relativo aos danos futuros invocados no artigo 79º da petição, e constatando a sua previsibilidade e até verificação, como decorre da factualidade provada e é aceite pela ré/recorrente, importa condenar esta em montante a liquidar ulteriormente, nos termos previstos no artigo 609º, nº 2, CPC.
Em face desta conclusão, fica prejudicada a apreciação do recurso interposto pelo autor, que terá oportunidade de liquidar o seu pedido ilíquido ou genérico, aí incluindo o valor de danos não patrimoniais que solicitou no artigo 79º da petição.

10. Para terminar, resta apreciar os pedidos de juros.
Como é sabido, aos montantes indemnizatórios, com exceção do ilíquido, acrescerá o montante devido pelos juros moratórios, face ao pedido do autor nesse sentido.
Nos termos do artigo 805º, nº3, 2ª parte, CC, nos casos de responsabilidade baseada em facto ilícito (ou no risco), o devedor constitui-se em mora desde a citação, posto que ainda não esteja constituído em mora até esse momento. Assim sendo, visto não deixar de radicar em facto ilícito o pedido indemnizatório apresentado, natural é a constatação de que, in casu, são devidos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, aplicável por força da Portaria n.º 263/99, de 8/4.
Porém, não deverá esquecer-se que parte da indemnização supra fixada se reporta a danos não patrimoniais, bem como a danos patrimoniais computados equitativamente (logo, por cálculo atualizado). Assim, quanto a tais parcelas indemnizatórias, os juros serão contabilizados desde a presente decisão, com base em cálculo atualizado, e não desde a citação como peticionado – cfr artigos citados e Ac. STJ nº 4/2002, de 5/6 que fixou jurisprudência obrigatória – DR I-A, de 27/6/2002.

11. No entanto, o autor solicitou o pagamento de juros em dobro, alicerçando-se na previsão legal do artigo 38º, nº 3, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto. Segundo esta norma legal, “se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial”. No nº 4 postula-se que se entende “por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.
Na sentença recorrida condenou-se a ré no pagamento de juros em dobro, considerando-se que a proposta de €75.000 apresentada pela ré ao autor (ponto 36. da factualidade provada), por desconsideração da lesão na integridade cerebral e mental do autor, que necessariamente conhecia à data (cfr. ponto 55. da factualidade provada), se revelou irrazoável. E, de facto, a ponderação, na realização dessa proposta pela ré, apenas da taxa de 15 pontos, quando já estava medicamente estabelecida a referida lesão na integridade cerebral e mental do autor, quantificável em pelo menos 21 pontos (totalizando o défice de pelo menos 36 pontos – 15+21), traduz uma evidente violação das regras da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio.
E mesmo que assim se não entendesse, concordamos com a posição do Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2021[23], segundo o qual as seguradoras passaram tomar “à letra” os critérios da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, que são meramente orientadores e não vinculativos, apresentando “propostas miserabilistas em nada contribuindo para o desiderato da almejada proposta razoável de indemnização.
A pretendida resolução extrajudicial do litígio fica comprometida e proliferam as ações instauradas em tribunal onde não é discutida a dinâmica do acidente (pois a seguradora assume a responsabilidade pela obrigação de indemnizar o lesado) mas apenas os danos e essencialmente o quantum indemnizatório.
É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invocá-los.
É neste quadro que temos de avaliar o que é uma proposta manifestamente insuficiente”.
Ora, não atingindo a proposta apresentada sequer 30% do valor indemnizatório agora fixado, deve ser aplicada a mencionada sanção.
E assim sendo, concorda-se com a sentença recorrida neste segmento, devendo a ré ser condenada no pagamento de juros de mora no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso (logo, 8%), sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
Porém, analisando o dispositivo da sentença, constata-se que esta norma sancionatória não foi adequadamente aplicada, pelo que se procederá à sua correção/substituição.

Por terem ficado vencidos o autor/recorrido e a ré/recorrente, são ambos responsáveis pelo pagamento das custas processuais, provisoriamente em igual medida, devendo o decaimento definitivo ser determinado ulteriormente, em sede de liquidação – cfr. artigo 527º, CPC.

*

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível:

Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré e, em consequência:     
A) Declarar a nulidade da sentença recorrida na parte em que liquidou oficiosamente o pedido genérico/ilíquido formulado pelo autor, a qual se substitui pela condenação da ré no pagamento da indemnização a liquidar em momento ulterior, referente aos danos invocados no artigo 79º da petição;
B) Alterando parcialmente o decidido, condena-se a ré no pagamento ao autor dos seguintes montantes:
- €2.890,23 (dois mil e oitocentos e noventa euros e vinte e três cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a presente data e até integral e efetivo pagamento;
- €209.000 (duzentos e nove mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais de cálculo equitativo, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento;
- €60.000 (sessenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento;
- Juros de mora contados à taxa sancionatória de 8% ao ano, incidentes sobre o montante de €196.890,23, devidos desde o dia 26-01-2017 e até à data da presente decisão.

Custas do recurso pela autora e réu, provisoriamente em partes iguais, devendo o decaimento definitivo ser determinado ulteriormente, em sede de liquidação – cfr. artigo 527º, CPC.

           
D.N.

Lisboa, 20 de junho de 2024
Rute Sobral
Carlos Castelo Branco
Higina Castelo
_______________________________________________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição,Vol. 2º, pág. 735.
[2] No blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), disponível online em https://blogippc.blogspot.com/2015/03/pedido-generico-condenacao-generica-e.html
[3] Proferido no processo nº 68/17.0T8AVR.P1.
[4] Proferido no processo nº 06A4115.
[5] Proferido no processo nº 7544/2004-6.
[6] Proferido no processo nº 4335/16.2T8BRG.G1.S1.
[7] disponível em www.dgsi.pt
[8] Proferido no processo nº 2012/19.1T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[9] Proferido no processo nº 1969/19.7T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[10] Proferido no processo 3527/18.4T8PBNF.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt
[11] Proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[12] Proferido no processo nº 87/09.0BCBR, C1, disponível em www.dgsi.pt
[13] Proferido no processo nº 683/11.6TBPDL.L1.S2
[14] Proferido no processo nº 987/21.0T8GRD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[15] Proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1.
[16] Proferido no processo nº 3410/20.3T8VNG.P1.S1.
[17] Proferido no processo nº 10905/19.0T8SNT.L1-7.
[18] Proferido no processo nº 13390/18.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[19] Proferido no processo nº 551/19.3T8AVPR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[20] Proferido no processo nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Proferido no processo nº 2631/17.0T8T8LRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[22] Proferido no processo nº 2648/18.8T8FNC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Proferido no processo nº 1222/17.0T8PVZ.P1.