RECLAMAÇÃO DA CONTA
CASO JULGADO
Sumário

(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I. Alegando a Autora que a conta de custas a prejudica e a razão pela qual entende que a prejudica, assiste-lhe o direito de dela reclamar, nos termos do artigo 31º, n.º 1, do RCP.
II. O caso julgado formal traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, que pode ser um despacho, uma sentença ou acórdão, decorrente do seu trânsito em julgado. O caso julgado formado através do trânsito em julgado da decisão proferida significa que essa decisão passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser revertida ou modificada (pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro), nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer ato que seja contraditório com o seu conteúdo decisório.
III. O disposto no artigo 13º, n.º 3, do RCP, deve ser interpretado no sentido de apenas ser aplicável quando o responsável passivo pelo pagamento da taxa de justiça nele previsto assuma a posição de demandante.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
“NC, S.A.” veio intentar a presente ação declarativa de processo comum contra “M – SCM, S.A.”.
Citada, a Ré contestou.
Após a realização de audiência prévia foi proferido saneador-sentença, no qual:
- foi fixado à ação o valor de 4.999.499,81€.
- foi a ação foi julgada improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido contra ela formulado, com custas a cargo da Autora.
Dessa sentença a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
A Ré contra-alegou e requereu a ampliação do recurso.
Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o recurso apresentado pela Autora foi julgado procedente, enquanto a ampliação do recurso requerida pela Ré foi julgada improcedente, condenando-se a Ré no pagamento das custas do recurso e da ação.
Desse acórdão a Ré interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Requereu ainda a sua reforma quanto a custas, por forma a que no mesmo seja incluída decisão quanto ao remanescente da taxa de justiça, dispensando-se a Ré do seu pagamento.
A Autora contra-alegou e peticionou a ampliação do objeto do recurso de revista.
Requereu igualmente a reforma do acórdão recorrido quanto a custas, no sentido de se determinar que não deve o remanescente da taxa de justiça.
Na sequência da reclamação para a conferência foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu:
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a reforma do acórdão quanto a custas requerida por ambas as partes, nos seguintes termos:
- quanto à N, determina-se a dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação;
- relativamente à M, determina-se a dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação.
A presente decisão faz parte integrante do acórdão proferido.
Notifique (…).
Notificada desse acórdão a Ré requereu a ampliação do objeto do recurso de revista, por forma a abranger no mesmo a decisão quanto a custas proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede de reclamação para a conferência.
Também a Autora requereu que essa questão integrasse o recurso de revista.
Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi decidido negar provimento ao recurso interposto pela Ré, confirmando-se o acórdão recorrido e julgando-se prejudicada a ampliação do recurso requerida pela Autora.
Mais se condenou a Ré nas custas da revista, dispensando-se o remanescente da taxa de justiça em 40%.
Do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a Ré interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Pelo Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária no sentido de não conhecer do objeto do litígio, com custas a cargo da Ré, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC.
Dessa decisão a Ré reclamou para a conferência, na sequência do que foi proferido acórdão no sentido de manter a decisão reclamada, com custas a cargo da Ré, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
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Pela Autora foi junta aos autos nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
A Autora apresentou resposta à reclamação.
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Os autos foram remetidos à conta, da qual resultou um total de 60.725,16€ a pagar pela Ré, tendo sido emitida a respetiva guia que a Ré pagou.
Por correio expedido em 05.07.2022 foi a conta notificada à Autora.
Por correio expedido em 16.11.2022 foi a conta notificada à Ré.
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Em 26.11.2022 veio a Autora reclamar da conta de custas, referindo que:
- os valores relativos ao remanescente que seria devido pela Autora não fosse o disposto no artigo 14.º, n.º 9 do RCP estão errados, pois não tiveram em consideração que à mesma se aplica não a Tabela IB mas a Tabela IC (dado ser grande litigante), o que implica que “para além dos €275.000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção (…) 4,5UC no caso da coluna C.
- no que concerne aos valores devidos em Primeira Instância, é necessário ter em consideração o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 15.04.2021, que julgou procedente a reforma do acórdão quanto a custas requerida por ambas as partes, nos seguintes termos: quanto à Autora “N”, dispensa o pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação; quanto à Ré “M”, dispensa o pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação.
- daqui resulta que os valores de taxa de justiça remanescente em Primeira Instância que não estão contemplados na conta notificada são os seguintes:
i) quanto à Autora “N”, o valor de 26.025,30€ (30% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€/25.000,00€ = 189 *459€ = 86.751,00€ * 30%;
ii) quanto à Ré “M”, o valor de 34.700,40€ (60% de 57.834,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 306€ = 57.834,00€ * 60%.
- Assim, o valor total devido pela Ré “M” na Primeira Instância ascende a 60.725,30€.
- Relativamente aos valores devidos no âmbito do recurso de apelação, tendo em consideração o acórdão de 15.04.2021 e, bem assim, o acréscimo de 4,5 UC no caso da Autora “N”, resulta que os valores de taxa de justiça remanescente são os seguintes:
i) Autora “N”: a quantia de 26.025,30€ (30% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 459€ = 86.751,00€ * 30%.
ii) Ré” M”: a quantia de 17.350,20€ (60% de 28.917€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 153€ = 28.917,00€ * 60%.
- Assim, o valor total devido pela Ré “M” na Relação ascende a 43.375,50€.
- Quanto aos valores devidos no âmbito do recurso de revista, é necessário ter em consideração o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14.07.2021, que decidiu o seguinte quanto a custas: “Custas da revista pela Ré M, dispensando-se o remanescente da taxa de justiça em 40%” e, bem assim, o acréscimo de 4,5 UC no caso da Autora “N”.
- Daqui resulta que os valores de taxa de justiça remanescente no Supremo Tribunal de Justiça são os seguintes:
i) Autora “N”: a quantia de 52.050,60€ (60% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 459€ = 86.751,00€ * 60%.
ii) Ré “M”: a quantia de 17.350,20€ (60% de 28.917€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ - 275.000,00€ = 4.724.499,81€/25.000,00€ = 189 * 153€ = 28.917,00€ * 60%.
- Assim, o valor total devido pela Ré “M” no Supremo Tribunal de Justiça ascende a 69.400,80.
- O valor total de remanescente devido pela Ré “M” ascende a 173.501,60€ (60.725,30€ + 43.375,50€ + 69.400,80€).
Em face do exposto, requer a retificação da conta de custas, por forma a que o valor em dívida pela Ré “M” passe a ser 173.501,60€.
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A Ré respondeu, pugnando pela sua improcedência.
Invoca para o efeito a ilegitimidade da Autora, face ao disposto no artigo 31º, n.º 3, do RCP, para reclamar da conta de custas.
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Notificada, a Autora pronunciou-se, defendendo que a sua legitimidade para reclamar da conta de custas resulta do disposto no artigo 30º, n.ºs 1 e 2, do RCP.
Entende que é interessada na correção da conta de custas, na medida em que o montante por si reclamado em sede de custas de parte depende do valor das custas devidas pela Ré no processo.
Mesmo que assim não de entenda, refere que a reforma da conta de custas pode ser oficiosamente determinada pelo Tribunal, o que, caso se conclua pela sua ilegitimidade para dela reclamar, requer.
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A Sra. Contadora pronunciou-se nos seguintes termos: “(…) após leitura de todas as decisões e acórdãos doutamente proferidos e examinada a conta de custas é do nosso modesto entender que a mesma se encontra elaborada com os cálculos corretos de acordo com as percentagens ordenadas e sendo levado em conta as taxas pagas pela responsável pelo seu pagamento; de salientar apenas que não foi incluída no corpo da conta a responsabilidade referente à acção que de acordo com os art.ºs 14-A al. D) e 6 nº8 do R.C.P nada existe em dívida pelo que o valor total da conta (que já se encontra pago) não sofre alterações, sendo que na nossa modesta opinião não necessita a mesma de ser reformulada.
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Ouvido o Ministério Público, pelo mesmo foi dito:
Analisadas as decisões proferidas na ação e a respetiva conta, concorda-se inteiramente com a Informação da Sr.ª Contadora, cujo teor se subscreve, afigurando-se-nos nada haver a reformular.
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De seguida, em 15.05.2023, foi proferido o seguinte despacho:
A fls. 1532 veio a A. apresentar reclamação da conta de custas que apenas lhe foi notificada a 16/11/2022.
A Ré veio invocar a ilegitimidade da A. para tal reclamação alegando que nos termos do n.º 3 do art.º 31º do RCP a A. não tem legitimidade para reclamar.
Entende-se, porém, que tendo a conta sido notificada à a. apenas e, 16/11/2022, assiste-lhe o direito de apresentar reclamação nos termos do n.º 1 do art.º 31º do RCP.
A Sr.ª escrivã prestou a informação constante de fls. 1544, afirmando que a conta se mostra elaborada em conformidade com o ordenado, , levando em consideração as taxas pagas pelo responsável pelo pagamento, “de salientar apenas que não foi incluída no corpo da conta a responsabilidade referente à acção que de acordo com os art.º 14º-A, al. d) e 6º, n.º 8 do RCP nada existe em dívida pelo que o valor total da conta ( que já se encontra pago) não sofre alterações”.
A Digna Magistrada do Ministério Público consignou que “analisadas as decisões proferidas e a respectiva conta, concorda-se inteiramente com a informação da Sr.ª contadora, cujo teor se subscreve, afigurando-se-nos nada haver a reformular”.
Cumpre decidir (art.º 31º, n.º 4 in fine do RCP):
Quanto à invocada não consideração dos valores referentes à primeira instância. Estes não foram, correctamente, considerados, face ao disposto nos art.º 14º-A al. d) e 6º, n.º 8 do RCP já que o processo terminou no despacho saneador, não tendo havido instrução, pelo que não há lugar ao pagamento de remanescente.
Quanto ao facto de se ter considerado a tabela I-B e não a tabela I-C, também não assite razão à reclamante já que, a tabela I-C não é de aplicação automática, não tendo sido determinada a aplicação da mesma nos termos do art.º 6º, n.º 5 do RCP.
Pelo exposto, indefiro a reclamação apresentada, considerando correctamente efectuada a conta junta aos autos.
Custas pela reclamantes fixando a taxa de justiça em 1UC.
Notifique.
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Notificada dessa decisão, a Autora dela veio recorrer, pugnando pela procedência da reclamação da conta de custas por si apresentada.
Formulou as seguintes conclusões que se transcrevem:
1.ª — No douto despacho recorrido, indeferiu-se a reclamação quanto a ambos os seus fundamentos, o primeiro por se entender que não era devido remanescente da taxa de justiça em Primeira Instância dado não ter havido tido lugar instrução da causa e o segundo por se entender que a aplicação na Tabela I-C não seria automática mas dependente de determinação judicial que não ocorreu.
2.ª — No entender da Autora, ora Apelante, a decisão recorrida errou quanto a ambos os apontados fundamentos.
3.ª — Quanto ao facto de se ter considerado não ser devido o pagamento do remanescente em Primeira Instância, afigura-se que no douto despacho recorrido não se tomou em consideração que a questão da eventual dispensa do remanescente da taxa de justiça foi objecto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2021, proferido em decisão de pedido de reforma do acórdão de 14 de Janeiro de 2021, deduzido por ambas as partes.
4.ª — Ora, nesse acórdão de 15 de Abril de 2021 decidiu-se, julgando parcialmente procedente a reforma do acórdão, conceder, quanto à Autora, uma dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso de apelação e, quanto à Ré, uma dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso de apelação.
5.ª — A decisão referida foi proferida quer quanto ao recurso quer quanto à Primeira Instância e foi apenas parcial, pelo que, na parte restante (30% quanto à N; 60% quanto à M), não houve lugar a dispensa do pagamento do remanescente, seja em Primeira Instância seja no recurso.
6.ª — O acórdão transitou em julgado, pelo que o despacho recorrido, ao decidir diferentemente, conheceu de questão sobre a qual já não podia conhecer e incorreu em ofensa do caso julgado formado sobre o decidido naquele mesmo acórdão.
7.ª — Quanto à questão da aplicação da Tabela I-C, o Tribunal a quo entendeu que ela estaria afastada porque “a tabela I-C não é de aplicação automática, não tendo sido determinada a aplicação da mesma nos termos do art.º 6º, n.º 5 do RCP”.
8.ª — Sucede que a referida norma do art.º 6.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) tem somente a ver com situações em que “o juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade”, pelo que a margem de apreciação que é dada ao Juiz nesta norma refere-se unicamente à existência de especial complexidade que pode justificar a aplicação da tabela I-C.
9.ª — Já no caso dos grandes litigantes que sejam autores, a sujeição à tabela I-C é efectivamente automática, e decorre antes do disposto no art.º 13.º, n.º 3, do RCP.
10.ª — Ainda que assim não fosse, o acórdão de 15 de Abril de 2021, transitado em julgado, decidiu sobre a especial complexidade da acção e do recurso (decisão também confirmada no acórdão do STJ de 14.07.2021), no sentido de que “É, pois, fora de dúvida a complexidade do litígio, nas suas múltiplas vertentes e particularidades.”.
11.ª — Perante o exposto, verifica-se que os valores de taxa de justiça remanescente em Primeira Instância que não estão contemplados na conta objecto da reclamação indeferida no douto despacho recorrido são os seguintes:
Autora N: 26.025,30€ (30% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 459€ = 86.751,00€ * 30%;
Ré M: €34.700,40 (60% de 57.834,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 306€ = 57.834,00€ * 60%.
12.ª — Assim sendo, o valor total devido pela Ré M na Primeira Instância e que não está contemplado na conta notificada ascende a 60.725,30€ (sessenta mil, setecentos e vinte e cinco euros e trinta cêntimos).
13.ª — Relativamente aos valores devidos no âmbito do recurso de apelação, e, uma vez mais, tendo em consideração o Acórdão de 15 de Abril de 2021 e, bem assim, o acréscimo de 4,5UC no caso da Autora N, resulta que os valores de taxa de justiça remanescente são os seguintes:
Autora N: 26.025,30€ (30% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 459€ = 86.751,00€ * 30%,
Ré M: 17.350,20€ (60% de 28.917€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 153€ = 28.917,00€ * 60%.
14.ª — Assim sendo, o valor total devido pela Ré M na Relação e que está, no entender da Apelante, erradamente calculado na conta objecto de reclamação ascende a 43.375,50€ (quarenta e três mil, trezentos e setenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), e não a 26.025,12€ (17.350,02€ + 8.675,10€).
15.ª — Quanto aos valores devidos no âmbito do recurso de revista, é necessário ter em consideração o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 14 de Julho de 2021, que decidiu o seguinte quanto a custas “Custas da revista pela Ré M, dispensando-se o remanescente da taxa de justiça em 40%.”, e, bem assim, o acréscimo de 4,5UC no caso da Autora N, atenta a sua qualificação como grande litigante.
16.ª — Daqui resulta que os valores de taxa de justiça remanescente no Supremo Tribunal de Justiça são os seguintes:
Autora N: 52.050,60 (60% de 86.751,00€) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 459€ = 86.751,00€ * 60%,
Ré M: 17.350,20€ (60% de € 28.917) que resulta do seguinte cálculo: 4.999.499,81€ – 275.000,00€ = 4.724.499,81€ / 25.000,00€ = 189 * 153€ = 28.917,00€ * 60%
17.ª — Assim sendo, o valor total devido pela Ré M no Supremo Tribunal de Justiça e que está, no entender da N, erradamente calculado na conta objecto de reclamação, ascende a 69.400,80€ (sessenta e nove mil, quatrocentos euros e oitenta cêntimos), e não a 34.700,04€ (17.350,02€ + 17.350,02€).
18.ª — Em conclusão, sempre no entender da N, a conta objecto de reclamação padece de erro, porquanto o valor total de remanescente devido pela Ré M ascende a 173.501,60€ (cento e setenta e três mil, quinhentos e um euros e sessenta cêntimos), correspondentes à soma dos parciais antes referidos: 60.725,30€ + 43.375,50€ + 69.400,80€.
19.ª — Ao decidir pelo indeferimento da reclamação da conta de custas, o douto despacho recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas do art.º 6.º, n.ºs 5 e 8, e do art.º 14.º-A, al. d), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), bem como a norma do art.º 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e devia ter aplicado a norma do art.º 13.º, n.º 3, do RCP.
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A Ré apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do objeto do recurso.
Formulou as seguintes conclusões que se transcrevem:
A. Não tendo a Apelante legitimidade para reclamar da conta de custas e não tendo esta sido objeto de reclamação por quem para tal tinha legitimidade, a reclamação deveria ter sido liminarmente indeferida, atendendo a que a conta de custas transitou em julgado.
B. Ao ter decidido de modo diverso, a decisão recorrida violou o artigo 31.º, n.º 3, do RCP, devendo esta ser revogada e substituída por outra que liminarmente indefira a reclamação da conta de custas.
Subsidiariamente
C. Deve improceder o recurso quanto às quantias de remanescente na Primeira Instância por inexistir caso julgado quanto ao concreto valor devido e, da aplicação das regras do RCP, que se impõe à Primeira Instância aquando da elaboração da conta de custas, tal valor ter de ser € 0 (artigos 6.º, n.º 8, e 29.º, n.º 1, do RCP).
D. Deve igualmente improceder o recurso quanto às quantias de remanescente pelo recurso de revista – que não devem ser recalculadas nos termos da Tabela I-C, antes devendo permanecer calculadas nos termos da Tabela I-B – por tal recurso ter sido interposto pela (aqui) Apelada e não ter sido esta a iniciar a presente ação, motivo pelo qual o valor que decorre da Tabela I-C não lhe é automaticamente aplicável. O valor da Tabela I-C também não é automaticamente aplicável à (aqui) Apelante, que se limitou a responder a um recurso de revista (artigos 6.º, n.º 5, e 13.º, n.º 3, do RCP).
E. Deve igualmente improceder o recurso quanto às quantias de remanescente pelo recurso de apelação – que não devem ser recalculadas nos termos da Tabela I-C, antes devendo permanecer calculadas nos termos da Tabela I-B – por nenhum interveniente processual com legitimidade ter reclamado em tempo desta específica questão (artigos 6.º, n.º 5, e 13.º, n.º 3, do RCP).
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A Autora pronunciou-se quanto ao pedido de ampliação do objeto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª — Conforme bem se decidiu no douto despacho recorrido, assistia à Apelante o direito de reclamar da conta de custas nos termos do art.º 31.º, n.º 1, do R.C.P., que prevê que a contas seja notificada às partes para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.
2.ª — A parte não responsável pelo pagamento pode ter um interesse atendível na reclamação da conta (como sucede no presente caso), e a lei reconhece isso mesmo naquele n.º 1, prevendo que todas as partes sejam notificadas para, querendo, reclamarem ou requererem a reforma oficiosa da conta.
3.ª — Os n.ºs 2 e 3 do art.º 31.º do R.C.P., se correctamente interpretados, revelam que a reclamação da conta de custas, como também o requerimento de reforma oficiosa, podem ser deduzidos por qualquer interessado.
4.ª — É esse o critério decisivo, que se torna patente na extensão da legitimidade para reclamar a “qualquer interveniente processual” que tenha direito ao recebimento de quaisquer quantias, bem como na atribuição do direito de requerer a correcção oficiosa da conta a qualquer interessado.
5.ª — A N é interessada na correcção da conta de custas porque o montante que tem a haver da M a título de custas de parte, por si reclamado em sede de nota discriminativa e justificativa das custas de parte oportunamente apresentada, está na directa dependência do valor das custas devidas pela M ao processo — conforme, aliás, a N  alegou nos pontos 6 a 9 e nas conclusões 2.ª a 5.ª das suas alegações de resposta ao recurso interposto pela M do douto despacho que indeferiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
6.ª — É manifesto e resulta directamente das normas legais pertinentes, por isso, o interesse da N na correcção da conta de custas e, por conseguinte, a sua legitimidade para dela deduzir reclamação.
7.ª — Na eventualidade de se entender proceder a objecção da M à legitimidade da N para reclamar, sempre se deverá conhecer do pedido de reforma oficiosa da conta oportunamente deduzido pela N e, consequentemente, mandar reformar a conta em conformidade com as disposições legais pertinentes, tal como defendido pela N.”
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O recurso foi admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Do direito da Autora a reclamar da conta de custas;
- Da revogação da decisão recorrida que decidiu pelo indeferimento da reclamação da conta de custas apresentada pela Autora.
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III. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os constantes do antecedente relatório.
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IV. Mérito do Recurso:
- Do direito da Autora a reclamar da conta de custas.
Defende a Apelada, em sede de ampliação do objeto do recurso, que a Autora, à luz do disposto no artigo 31º, n.º 3, do RCP, carece de legitimidade para reclamar da conta de custas, motivo pelo qual a reclamação que apresentou deveria ter sido liminarmente indeferida.
A Apelante discorda, defendendo que tem interesse na reclamação da conta de custas, na medida em que o montante que tem a haver da Ré a título de custas de parte, por si reclamado em sede de nota discriminativa e justificativa das custas de parte oportunamente apresentada, está na direta dependência do valor das custas devidas pela Ré ao processo.
Cumpre analisar.
É o seguinte o teor do artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais (doravante apenas RCP), na parte que aqui nos interessa:
1 - A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efetuem o pagamento.
2 - Oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais.
3 - A reclamação da conta pode ser apresentada:
a) Pelo responsável pelas custas, no prazo de pagamento voluntário, enquanto não o realizar;
b) Por qualquer interveniente processual, até 10 dias após o recebimento de quaisquer quantias;
c) Pelo Ministério Público, no prazo de 10 dias a contar da notificação do n.º 1.
(…).
Analisada a conta de custas elaborada nos autos, vemos que da mesma não resulta qualquer valor a pagar ou a receber pela Autora, o que por si só nos permite concluir que a reclamação por si apresentada à referida conta não tem enquadramento no disposto no artigo 31º, n.º 3, do RCP.
Pese embora assim seja, tal não significa que à Autora deva ser negado o direito a reclamar da mesma ao abrigo do disposto no n.º 1 do citado artigo 31º do RCP. É que a Autora considera que essa conta de custas, tal como se encontra elaborada, a prejudica, na medida em que a impede de ver considerados os valores por si reclamados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte que apresentou nos autos.
De facto, entendemos que a questão não se resume a aferir da legitimidade da Autora, face ao disposto no artigo 31º, n.º 3, do RCP, para reclamar da conta de custas. A questão deve antes ser equacionada no plano do direito da Autora a reclamar dessa conta de custas, ao abrigo do n.º 1 desse mesmo normativo, na medida em que entende que a mesma a prejudica.
Ora, a Autora efetivamente apresentou nos autos uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte, na qual incluiu valores que não se encontram contemplados na conta de custas. E através da reclamação por si apresentada à referida conta de custas, a Autora pretende, precisamente, ver nela incluídos esses valores. Tal como a mesma refere, se esses valores não forem considerados na conta de custas, também não o poderão ser em sede de custas de parte (independentemente da posição que se adote quanto à consideração desses valores, atenta a sua origem, em sede de custas de parte).
Atento o exposto, conclui-se que à Autora assiste o direito de reclamar da conta de custas, nessa medida se confirmando a decisão recorrida.   
*
Da revogação da decisão recorrida que decidiu pelo indeferimento da reclamação da conta de custas.
Na decisão recorrida entendeu-se não ser devido, em primeira instância, o remanescente da taxa de justiça.
Fundamentou-se essa decisão nos seguintes termos:
Quanto à invocada não consideração dos valores referentes à primeira instância. Estes não foram, correctamente, considerados, face ao disposto nos art.º 14º-A al. d) e 6º, n.º 8 do RCP já que o processo terminou no despacho saneador, não tendo havido instrução, pelo que não há lugar ao pagamento de remanescente.
A Apelante discorda do entendimento vertido nesse segmento da decisão recorrida.
Considera para o efeito que a decisão recorrida não tomou em consideração que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça foi objeto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.04.2021, proferido em decisão de pedido de reforma do acórdão de 14.01.2021, no qual foi decidido julgar parcialmente procedente a reforma do acórdão e conceder, quanto à Autora, uma dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação e, quanto à Ré, uma dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação. Assim, na parte restante (30% quanto à Autora; 60% quanto à Ré), não houve lugar a dispensa do pagamento do remanescente nas duas instâncias. Mais refere que esse acórdão transitou em julgado, pelo que o despacho recorrido, ao decidir diferentemente, incorreu em ofensa do caso julgado formado sobre o decidido naquele mesmo acórdão.
Vejamos.
Na presente situação imputa-se à decisão recorrida a ofensa do caso julgado formado por uma decisão anterior proferida no processo e já transitada em julgado, concretamente, o acórdão da Relação de Lisboa de 15.04.2021.
Decidiu-se nesse acórdão:
- quanto à N, determina-se a dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação;
- relativamente à M, determina-se a dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação.”
Estamos perante o denominado “caso julgado formal” previsto no n.º 1, do artigo 620º, do CPC, segundo o qual “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
Traduz-se o caso julgado formal na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, que pode ser um despacho, uma sentença ou acórdão, decorrente do seu trânsito em julgado. O caso julgado formado através do trânsito em julgado da decisão proferida significa que essa decisão passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser revertida ou modificada (pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro), nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer ato que seja contraditório com o seu conteúdo decisório.
Ora, nos presentes autos, a questão da dispensa, total ou parcial, em Primeira Instância, do remanescente da taxa de justiça, independentemente do seu concreto montante, foi definitivamente decidida no acórdão acima citado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15.04.2021 e já transitado em julgado.
Assim sendo, dúvidas não temos de que, tal como defende a Apelante, a decisão recorrida ofende o caso julgado formal formado pelo decidido nesse acórdão, devendo, nessa parte, ser revogada.
Como tal, deve a conta de custas ser corrigida, por forma a contemplar os valores do remanescente da taxa de justiça devidos na Primeira Instância (30% no caso da Autora e 60% no caso da Ré).
Considerou-se ainda, na decisão recorrida, que a aplicação da Tabela I-C não é automática, dependendo de determinação judicial, em conformidade com o disposto no artigo 6º, n.º 5, do RCP que, no caso, não ocorreu.
Discorda igualmente a Apelante desse segmento da decisão recorrida.
Defende que a margem de apreciação dada ao Juiz pelo artigo 6º, n.º 5, do RCP, se refere unicamente à possibilidade de aplicar a tabela I-C quando a especial complexidade da causa o justifique. Já no caso dos grandes litigantes, a sujeição à tabela I-C é automática e decorre do disposto no artigo 13º, n.º 3, do RCP.
Entendemos que, de facto, assim é.
O artigo 6º do RCP, na parte que aqui nos interessa, determina o seguinte:
1. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
5. O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às ações e recursos que revelem especial complexidade.
Por seu lado, o artigo 13º, n.º 3, do mesmo RCP, prevê que “Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela i-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela ii-B.
Por fim, determina o artigo 530º do CPC, nos seus n.ºs 6 e 7:
“(…)
6. Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
A propósito do âmbito de aplicação dos artigos 13, n.º 3, do RCP e 530, n.º 6, do CPC, será oportuno proceder aqui a um esclarecimento. 
Como é sabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa. De acordo com esse normativo, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da atividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – (n.º 1), sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2). Para a correta fixação do sentido e alcance da norma, haverá ainda de presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).
No ensinamento de Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 16.ª Reimpressão, Almedina, 2007, pág. 189), o texto da norma “exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas»; por isso, “só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo”.
Visando a aplicação prática do direito, “a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, por isso que o jurista “há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela” - Francisco Ferrara, “Interpretação e Aplicação das Leis”, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o “Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, do último autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130).
No caso concreto do artigo 530º, n.º 6, do CPC, a referência a “ações propostas” parece querer significar que estão em causa ações em que a sociedade comercial figura como demandante. Assim, e desde logo o elemento literal que se retira dessa norma parece afastar a aplicação em causa aos casos em que a sociedade comercial figura como demandada.
Também o artigo 13º, n.º 3, do RCP, ao aludir ao “responsável passivo da taxa de justiça que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções”, parece ter em vista situações em que esse responsável é demandante.
Apelando agora ao pensamento legislativo, atente-se que no Preâmbulo do RCP se escreveu o seguinte: “Face aos elevados níveis de litigância que se verificam em Portugal, a reforma pretendeu dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003. Um dos factores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja actividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas acções de cobrança e respectivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva. Neste âmbito, propõe-se a adopção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais e a «litigância em massa». Mostra-se, assim, adequada a fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas colectivas comerciais que tenham um volume anual de entradas, em tribunal, no ano anterior, superior a 200 acções, procedimentos ou execuções (…).”
Em face do exposto é legítimo concluir que o disposto no artigo 13º, n.º 3, do RCP, apenas é aplicável quando o responsável passivo pelo pagamento da taxa de justiça nele previsto assuma a posição de demandante.
No caso dos autos, dúvidas não temos de que a Apelante assume nos mesmos a posição de demandante, independentemente de assumir ou não, nos recursos interpostos no âmbito da presente ação, a posição de recorrente ou de recorrida.   
Ora, assim sendo, a aqui Autora enquadra-se na previsão dos artigos 13º, n.º 3, do RCP e 530º, n.º 6, do CPC, o que significa que lhe é aplicável, automaticamente, a tabela I-C, inclusive nas instâncias de recurso.
O citado artigo 13º, n.º 3, do RCP, traduz uma “disposição especial”, para efeitos do disposto no artigo 6º, n.º 1, do referido Regulamento das Custas Processuais, afastando a aplicação da tabela I-A.
Já o artigo 6º, n.º 5, do RCP, prevê a possibilidade de o Juiz determinar a aplicação da tabela I-C a situações que entenda revelarem especial complexidade e que, naturalmente, não se enquadrem na previsão do artigo 13º, n.º 3, do referido RCP, pois nesse caso a tabela I-C seria automaticamente aplicável. E na densificação desse conceito de “especial complexidade” haverá que atender-se ao disposto no artigo 530º, n.º 7, do CPC.  
Atento o exposto, também quanto ao segmento em análise se revoga a decisão recorrida, devendo a conta de custas ser corrigida por forma a contemplar no cálculo das taxas de justiça a cargo da Autora devidas nas instâncias de recurso a tabela I-C. 
Conclui-se assim pela total procedência do recurso interposto pela Autora, revogando-se a decisão recorrida na parte em que indeferiu a reclamação à conta de custas apresentada pela Apelante e determinando-se a correção dessa conta de custas em conformidade com o que ficou exposto.
*
V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados, em julgar totalmente procedente o recurso interposto pela Autora e totalmente improcedente a sua ampliação requerida pela Ré, revogando-se a decisão recorrida na parte em que indeferiu a reclamação à conta de custas apresentada pela Autora e, consequentemente, determina-se a correção da conta de custas em conformidade com o que acima ficou exposto.
Custas pela Ré.
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Lisboa, 20/06/2024
Susana Gonçalves
Orlando Nascimento
Paulo Fernandes da Silva