JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ARRENDAMENTO
Sumário

(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I – Da articulação lógica entre os artigos 651º, nº 1 e 425º do Código de Processo Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: a) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; b) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional;
II - Quanto à segunda hipótese, a da necessidade da consideração do documento em face do julgamento proferido em primeira instância, a mesma pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum;

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
F e R, intentaram a presente ação declarativa de processo comum contra A, pedindo:
a) que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a Ré com efeitos a partir de 31/12/2022;
b) que seja decretado o despejo imediato do local arrendado, por forma a que o mesmo seja entregue aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens;
c) que seja a Ré condenada a pagar aos Autores as rendas vencidas no montante de 4.550,00€;
d) que seja a Ré condenada a pagar aos Autores uma indemnização no valor de 650,00€ por cada mês em que ocupe o locado até à sua efetiva entrega, o que à data de 15.02.2023 já perfaz o montante de 1.300,00€;
e) tudo acrescido de juros vincendos à taxa anual de 4%, calculados desde a citação até integral pagamento.
Alegam, em síntese, o seguinte:
- O Autor marido é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra “A”, composta de rés-do-chão, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…);
Em 3 de janeiro de 2022, por escrito particular, os Autores deram de arrendamento à Ré a referida fração autónoma, para sua habitação, pese embora não para habitação própria e permanente, uma vez que a Ré sempre disse ter a sua habitação na (…), morada que consta do contrato, e que o contrato seria transitório;
- O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de doze meses, não sujeito a renovação, teve o seu início em 01/01/2022 e terminus em 31/12/2022;
- A renda mensal acordada foi de € 650,00 por mês, a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária, no 1º dia do mês correspondente;
- A Ré não entregou o imóvel com as respetivas chaves no final do contrato, em 31/12/2022, como era seu dever;
- A Ré apenas pagou cinco rendas, correspondentes, respetivamente, a janeiro a maio de 2022, encontrando-se atualmente em dívida as rendas correspondentes aos meses de junho a dezembro de 2022 inclusive, num total em dívida de 4.550,00€;
- Deve ainda a Ré, uma vez que não entregou o locado, a título de rendas vencidas ou a título de indemnização, o valor de 650,00€ por cada mês em que ocupe o locado, até à sua efetiva entrega aos Autores, o que à data de 15.02.2023 perfazia o montante de 1.300,00€;
- Os Autores já interpelaram a Ré para entrega do locado e pagamento dos valores em dívida;
- A Ré nada pagou aos Autores, nem entregou o local arrendado.
- Estando a Ré em mora superior a três meses, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
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A Ré foi regularmente citada e não apresentou contestação.
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Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil, tendo o Autor apresentado alegações.
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Foi proferida sentença cujo segmento decisório aqui se reproduz:
V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente ação procedente, por provada e, em consequência:
a) Declara-se a caducidade do contrato de arrendamento celebrado em 3 de janeiro de 2022 entre F (…) e R (…), na qualidade de senhorios, e A (…), na qualidade de arrendatária, com efeitos a partir de 31/12/2022, referente à fração designada pela letra “A”, do prédio urbano sito (…), o qual está inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), ordenando-se o despejo da R. A (…) do local arrendado, e condenando-se a R. a entregar o local arrendado aos AA. livre e devoluto de pessoas e bens.
b) Condena-se a R. A (…) a pagar aos AA. o montante de €4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros), referente às rendas devidas por força do contrato de arrendamento referido na alínea a), dos meses de junho de 2022 a dezembro de 2022, bem como a pagar os valores das rendas vencidas e vincendas desde janeiro de 2023 até à efetiva entrega do local arrendado, montantes acrescidos dos respetivos juros, à taxa legal de 4% ao ano, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
c) Custas a cargo da R..
Notifique e registe.
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Inconformada com a sentença, a Ré dela veio interpor recurso, pugnando pela sua revogação.
Formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões que se transcrevem:
CONCLUSÕES:
I - Foi proferida sentença que julga a acção interposta pelos AA. procedente por provada e, em consequência:
a) declara a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e cujo objecto é a fracção autónoma, melhor identificada nos autos ora recorridos. E,
b) condena a Ré, ora recorrente, a pagar aos AA., a quantia de €4.550,00 (quatro mil, quinhentos e cinquenta euros), referente às rendas devidas por força do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, dos meses de Junho de 2022 a dezembro de 2022, bem como a pagar os valores das rendas vencidas e vincendas desde janeiro de 2023 até à efectiva entrega do local arrendado, montantes acrescidos dos respectivos juros, à taxa legal de 4.º ano, vencidos e vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
II - A Ré foi citada para os autos, mas não apresentou contestação, contudo, ao ler a sentença não se conforma com a mesma, por considerar que, o Tribunal a quo, interpretou de forma errónea o contrato celebrado e, por isso, deu por provado que a fracção não era a sua habitação própria e permanente, quando ali vive desde 31.10.2019, data da celebração do primeiro contrato de arrendamento entre as partes.
III – Ao ser citada para os presentes autos, a Ré ainda tentou negociar a forma de pagamento das rendas em dívida e a manutenção do contrato de arrendamento, e, por isso, não contestou os autos, sabe agora que com duras consequências para si.
IV – Como é do conhecimento dos AA., a Ré passa por uma altura conturbada da sua vida e convive, nomeadamente, com receios e pânicos que, por vezes, a impedem de sair de casa, o que a impede nomeadamente de procurar ajuda profissional como reconhece deveria ter feito quando foi citada.
V - Só após ler a sentença, percebeu que foi junto um único contrato à p.i., como se a relação contratual existente fosse apenas a do tempo indicado naquele contrato, mas a verdade é bem diversa e é conhecida dos AA, que a omitem para atingir o seu objecto de a retirar do locado.
VI - Em abono da verdade aqui se menciona que a necessidade do arrendamento da fracção autónoma pela Ré, surge, inicialmente, por um movo concreto: o ano escolar da sua filha menor.
VII – Naquele ano, porque a escola frequentada pela menor, no concelho de (…), fechou de forma inesperada, a Ré teve de arranjar uma solução e inscreveu a menor em (…).
VIII - Iniciado o ano escolar, a Ré fazia o percurso (…)/(…) com a menor e, porque havia obras na estrada nacional, aquilo que era uma viagem de 20/30 minutos, passou a ser feita quase no dobro do tempo, pelo que, a Ré pensou em arranjar casa em (…).
IX – É neste contexto que surge o contacto com os AA. e a celebração do primeiro contrato de arrendamento, em 31.10.2019 e na altura, a Ré pagou uma caução de 1400,00€ (mil e quatrocentos euros), bem como o valor correspondente a um ano de rendas.
X - Assim, como pagou o correspondente a 6 meses de renda, aquando a celebração de um segundo contrato de arrendamento datado de 04 de Dezembro de 2020 cujo prazo de vigência se reportava ao período de tempo compreendido entre 31 de Outubro de 2020 e o terminus a 30 de Abril de 2021.
XI – E, a 14 de Maio de 2021, é celebrado um outro contrato de arrendamento por um período de dois meses, que compreende o período de tempo entre 01 de Maio de 2021 e 30 de Junho de 2021.
XII - E, mais tarde, em 02 de Setembro de 2021 é assinado um contrato por seis meses que se reporta ao período de 01 de julho de 2021 a 31 de Dezembro de 2021, tendo, por fim, sido assinado o contrato de arrendamento junto aos anos, desta feita por um período de 12 meses e que cobria o período de tempo de Janeiro de 2022 a Dezembro de 2022.
XIII - Ora, se num primeiro momento, até possa ter sido referido que o arrendamento da fracção seria transitório e a vigorar no período de aulas da menor, certo é que, aquela depois passou a ser a casa da Ré e da sua filha, que não tinham nem têm qualquer outro sítio onde habitar.
XIV - Facto que era do conhecimento dos AA., que sabiam e sabem que a Ré passou a ser impedida de entrar na quinta onde tinha a sua morada e que a fracção arrendada era a sua morada.
XV – A Ré, vivia em casa de sua mãe e após o óbito desta, a última dos seus progenitores a falecer, foi confrontada com a venda do quinhão hereditário de sua irmã a uma pessoa conhecida da família.
XVI – Que, algum tempo após a aquisição, passou a fazer da vivência diária da Ré, no imóvel, um autêntico inferno: cortou água e luz, tirou janelas do imóvel, o que forçou a Ré, a deixar o imóvel e ali está impedida de voltar, há pelo menos dois anos e meio, senão mesmo três anos, o que é do conhecimento dos AA.
XVII - Tendo a Ré assinado, ao longo deste tempo, tudo aquilo que lhe foi solicitado pelos AA e, ainda que saiba que tudo o acima exposto, deveria ter sido alegado em sede de contestação, não pode deixar de trazer a verdade aos presentes autos e pedir a V. Exas., se dignem aceitar a junção aos autos da cópia dos vários contratos assinados, nos termos do disposto no argo 651.º n.º 1 do CPC.
XVIII - Tal junção entende ser essencial para o esclarecimento da verdade, sendo que, no modesto entender da ora recorrente, a sentença seria diversa e não teria sido declarada a caducidade do contrato de arrendamento.
XIX – E a verdade é que, desde Outubro de 2019 que a Ré ali vive com a sua filha menor de forma ininterrupta, sendo a única casa que possuem.
XX – A Ré atravessa uma situação pessoal, profissional e financeira que a têm impedido de cumprir com o pagamento pontual das rendas e trava uma luta judicial que lhe permita vender o património que tem em comum com quem adquiriu o quinhão hereditário de sua irmã na herança deixada por óbito de seus falecidos pais.
XXI – Desse facto têm os AA conhecimento e a Ré, que anteriormente teve a capacidade de antecipar o pagamento de rendas por vários meses, comunicou que assim que conseguisse resolver a situação de impasse patrimonial que acertaria valores com aqueles.
XXII – Ao ser citada para os presentes autos, o incómodo de saber estar em dívida e a incerteza do que poderia fazer para manter-se no locado, impediu-a de agir da forma devida, nomeadamente, contestando os presentes autos, e apresentando a documentação cuja junção ora se requer.
XXIII – Salvo o devido respeito por melhor opinião, não estávamos perante um contrato para habitação não permanente ou para fins transitórios, mas sim um verdadeiro contrato de arrendamento, que não poderia ter sido celebrado por prazo inferior a um ano e, ainda, sujeito a renovação.
XXIV – A relação contratual existente entre as partes, atestada pela sucessão de contratos que foram sucessivos e ininterruptos, deve, salvo o devido respeito, ser interpretada como tradutora da existência de um contrato de arrendamento para habitação própria e permanente e, como tal renovável.
XXV – Não podendo os contratos, para habitação própria e permanente, a ser realizados por prazo inferior a um ano e logo renováveis, os AA. teriam de se opor a sua renovação o que não fizeram, mantendo-se aquele em vigor e não tendo ocorrido a sua caducidade.
XXVI - Face a todo o supra exposto, subsumindo-se os factos à prova realizada e crendo na aceitação e valoração da prova, cuja junção ora se requer, mui respeitosamente, crê-se que o tribunal a quo faz uma incorrecta interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 1095.º do Código Civil;
XXVII – Do contrato junto à p.i., (e de todos os outros cuja junção ora se requer) consta que a fracção se destina a habitação, mencionando a clausula sexta que se destina a habitação da Ré, sendo que, caso o mesmo fosse para habitação não permanente tal teria sido expressamente referido.
XXVIII – Salvo o devido respeito por melhor opinião, não crê, a ora recorrente, que a menção em todos os contratos, de forma indistinta e sem qualquer especificidade da expressão “atentas as necessidades da segunda contraente e a pedido expresso desta”, possa ser considerado como movo justificativo, nos termos legalmente exigidos, para que o prazo do contrato seja inferior ao legalmente exigido e, assim, não se considerar que é renovável.
XXVIX - Aquela é a habitação própria e permanente da Ré e da sua filha de 6 anos, desde Outubro de 2019, tendo o contrato se renovado e não tendo os AA., conforme deveriam ter feito se oposto à sua renovação.
XXX – Sendo o contrato de arrendamento para fins habitacionais, para habitação própria e permanente da Ré e da sua filha menor de 6 anos, deve ao presente recurso ser atribuído efeito suspensivo.
XXXI - Pelo que se requer, seja a sentença substituída por outra que não decrete a caducidade do contrato de arrendamento e declare o contrato de arrendamento renovado, sendo concedido prazo à Ré para proceder ao pagamento das rendas em dívida.
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Os Autores apresentaram contra-alegações, cujas conclusões aqui se transcrevem:
Conclusões
A. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, pois resultou da correcta interpretação da lei aplicável, tendo a causa sido julgada conforme o Direito.
B. A Recorrente pretende utilizar este meio processual, o Recurso, para contestar a acção, o que não fez em tempo. C. A Recorrente foi citada nos termos legais, e com as legais advertências, em 22.02.2023- - v. citação e viso de recepção juntos aos autos na plataforma Citius com as referências 155863143 e 13444260.
D. Aliás, confessa a citação nas suas alegações e conclusões.
E. A sua revelia produziu os efeitos previstos no art.º 567º do CPC. IT 8
F. Pelo que, nos termos do nº. 1 da citada disposição legal, “consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
G. Foi cumprido o disposto no art.º 567º nº.2 do CPC.
H. Todos os factos alegados pelos AA., ora Recorridos, foram dados como provados, dentre os quais se destaca a celebração de um contrato de arrendamento com prazo certo de um ano, não renovável, cujo locado se destinou a habitação da Recorrida, mas não própria e permanente, tendo o contrato caducado em 31.12.2022.
I. Que a ora Recorrida não entregou o locado arrendado aos Recorridos, nem pagou rendas desde Junho de 2022 inclusive.
J. Encontrando-se em dívida, à data da entrada da acção em Fevereiro de 2023: as rendas correspondentes aos meses de Junho a Dezembro de 2022 inclusive, ou seja, 7 rendas em dívida, o que, à razão de €650,00 por mês, perfaz o total em dívida de  €4.550,00; e uma vez que o contrato cessou por caducidade em 31.12.2022, mas a Recorrente continuou no locado e não o entregou aos AA., deve-lhes também, o valor de €650,00 por cada mês em que ocupe o locado, até à sua efectiva entrega aos AA., o que até 15.02.2023, perfazia o montante de €1.300,00.
K. Os AA. interpelaram a Ré para a entrega do locado, e pagamento dos valores, por carta registada com aviso de recepção enviada pela sua Mandatária em 09.01.2023, que a Ré recebeu efectivamente no dia 10.01.2023, mas nada pagou aos AA., nem entregou o local arrendado.
L. Dando estes factos como provados, foi proferida Sentença, que condenou a Recorrente no pedido, como já se referiu supra.
M. O arrazoado da Recorrente, depois de ter sido condenada de preceito, é uma manobra dilatória.
N. A junção de documentos com as suas Alegações, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento - v. art.º 651º nº.1 do CPC.
O. Uma vez que tais documentos sempre estiveram na posse da Recorrente, e esta junção não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
P. Quanto ao pedido de efeito suspensivo do recurso, resulta dos factos provados que o contrato de arrendamento destinava-se a habitação da IT 9 Recorrente, mas não própria e permanente, pelo que o presente recurso deve ter efeito meramente devolutivo, pois não lhe é aplicável o vertido no art.º 629º nº.3 al. a) do CPC.
Q. Ao contrário do que pretendem a Recorrente não merece a Sentença recorrida qualquer censura.
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O recurso foi corretamente admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
A) Questão Prévia:
- Da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso apresentadas pela Ré.
B) Mérito do Recurso:
- Do destino dado pela Ré à fração autónoma objeto do contrato de arrendamento.
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III. Questão Prévia:
- Da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso apresentadas pela Ré.
Com as suas alegações de recurso a Apelante juntou três contratos de arrendamento, pretendendo com isso demonstrar que a fração autónoma objeto do contrato de arrendamento a que se alude na petição inicial é desde 2019 a sua habitação própria e permanente, pelo que a relação contratual existente entre as partes deve ser interpretada como tradutora de um contrato de arrendamento para habitação própria e permanente e, como tal, renovável.  
Para fundamentar a necessidade da junção desses documentos, a Apelante refere ser seu entendimento que na posse dos mesmos o Tribunal a quo não teria proferido a sentença de que recorre, nomeadamente, não teria declarado a caducidade do contrato de arrendamento.
Sobre a admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso estabelece o artigo 651º, n.º 1, do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Por seu lado, o citado artigo 425º do CPC determina que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, disponível em www.dgsi.pt, “Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância”.
Relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objetiva e de superveniência subjetiva: aqueles devem-se à produção do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. Constituem exemplos de superveniência subjetiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro que, apesar de notificado nos termos do artigo 429º ou 432º do CPC, só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida, e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.
Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objetiva ou subjetiva.
Quanto à segunda hipótese, a da necessidade da consideração do documento em face do julgamento proferido em primeira instância, a mesma pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes, “(podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”.
Na situação dos autos a Apelante não apela a nenhuma dessas duas hipóteses para justificar a junção de documentos em sede de alegações. E a verdade é que nenhuma delas se verifica. Os três contratos de arrendamento que a Apelante agora pretende juntar não só são todos eles anteriores ao encerramento da discussão em 1ª instância, como a Ré deles sempre teve pleno conhecimento, pois como a própria afirma, neles interveio na qualidade de arrendatária. Acresce que sentença nada de novo trouxe, pois já na petição inicial os Autores alegavam que “A Ré destinou o local arrendado à sua habitação, pese embora não para habitação própria e permanente, uma vez que a Ré sempre disse ter a sua habitação na Quinta do ..., em Olhalvo, morada que consta do contrato, e que o presente contrato seria transitório.
Neste enquadramento, não se vislumbra fundamento para a junção, neste momento, dos documentos em causa, motivo pelo qual não se admite a mesma, não se atendendo ao seu teor.
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IV. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram considerados como confessados os factos articulados pelos Autores.
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V. Mérito do Recurso:
- Do destino dado pela Ré à fração autónoma objeto do contrato de arrendamento.
Defende a Ré, em sede de recurso, que a fração autónoma objeto do contrato de arrendamento se destinava à habitação própria e permanente, sua e da sua filha menor, motivo pelo qual estava sujeito a renovação. Como tal, os Autores teriam que se ter oposto à sua renovação, o que não fizeram, mantendo-se por isso o mesmo em vigor e não tendo ocorrido a sua caducidade.
Ora, conforme foi alegado pelos Autores na petição, “A Ré destinou o local arrendado à sua habitação, pese embora não para habitação própria e permanente, uma vez que a Ré sempre disse ter a sua habitação na (…), em (…), morada que consta do contrato, e que o presente contrato seria transitório.
Esse facto, atenta a falta de contestação por parte da Ré, considera-se por ela confessado, encontrando-se como tal provado.
Por outro lado, consta expressamente do texto do contrato de arrendamento em causa nos autos, concretamente da sua cláusula quinta, que “Atentas as necessidades da Segunda Outorgante, e a pedido expresso desta, os Contraentes convencionam celebrar o presente contrato de arrendamento pelo prazo de 12 meses, tendo o seu início em 1 de janeiro corrente e o seu terminus em 31 de dezembro de 20202, não sendo renovado” – sublinhado nosso.
Saliente-se ainda que nesse contrato de arrendamento, agora na sua cláusula oitava, apenas é dito que “A fração autónoma ora arrendada destina-se exclusivamente à habitação da Segunda Contraente (…)”, já não que se destina à sua habitação própria e permanente.
Assim, não assiste razão à Apelante quando em sede de recurso afirma que “o Tribunal a quo, interpretou de forma errónea o contrato celebrado e, por isso, deu por provado que a fracção não era a sua habitação própria e permanente.”. São as próprias partes, Autores e Ré, que estão de acordo que não o é.
Quanto às demais questões suscitadas pela Apelante, como a própria o reconhece, as mesmas deveriam ter sido por ela invocadas em sede de contestação. Não o tendo sido, não pode este Tribunal delas conhecer em sede de recurso.
Aqui chegados, resta-nos concluir pela total improcedência do presente recurso.
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VI. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar totalmente improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Ré/Apelante, sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficia.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 20.06.2024,
Susana Mesquita Gonçalves
Paulo Fernandes da Silva
Inês Moura