COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
PRINCÍPIO DA COINCIDÊNCIA
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
REGULAMENTO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - A competência internacional dos tribunais portugueses é exclusivamente aferida de acordo com os critérios ou princípios de atribuição plasmados no art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, nomeadamente, o princípio da coincidência (alínea a)), o princípio da causalidade (alínea b)) e o princípio da necessidade (alínea c)), bastando a verificação de um deles para que a competência seja reconhecida;
II - no que concerne ao critério ou princípio da causalidade, é reconhecida competência internacional aos tribunais portugueses sempre que o fundamento ou facto que serve de causa de pedir na acção tenha ocorrido em território nacional ou, estando-se perante causa de pedir complexa (constituída por uma pluralidade de actos ou factos jurídicos), algum dos factos integrantes da mesma tenha ocorrido em Portugal;
III - nas acções de responsabilidade civil extracontratual indemnizatórias por facto ilícito, a causa de pedir tem natureza complexa, sendo integrada ou composta pela acção voluntária de violação do direito de outrem, pela ilicitude, pela culpa, pelo nexo causal e pelos danos, sendo bastante para garantir a competência internacional dos tribunais portugueses que pelo menos um desses elementos ocorra em Portugal;
IV - in casu, está-se perante acção em que o Autor pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Ré, por violação, mediante a prática de acto ilícito, dos direitos de personalidade do Autor, nomeadamente o direito à imagem e ao nome;
V - a competência internacional dos tribunais portugueses deve ser aferida em função do pedido e causa de pedir afirmados pelo Autor demandante, importando apreciar o por este concretamente alegado;
VI - na presente situação não é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial pois, por um lado, a Ré não tem o seu domicílio ou sede em nenhum dos Estados-membros da União Europeia (mas antes nos Estados Unidos da América) – cf., o art.º 5º - e, por outro, não ocorre preenchimento de quaisquer das excepções à regra do art.º 6º, do mesmo Regulamento;
VII - em acções semelhantes à presente, é entendimento consolidado e uniforme do STJ que deve entender-se preenchido o critério da causalidade, previsto na alínea b), do art.º 62º, do CPC, sempre que o denominado centro de interesses do lesado se deva considerar sedeado ou radicado em Portugal durante o período em que se produzem os alegados danos provocados pela violação;
VIII - configurando-se a factualidade alegada em sede de petição inicial como suficiente e bastante para se lograr considerar que o centro de interesses do Autor encontrava-se sedeado em Portugal durante o período de produção dos alegados danos imputados à Ré, tal implica o necessário reconhecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, por preenchimento do critério da causalidade;
IX – urgindo, assim, reconhecer decorrer daquela factualidade a existência de uma conexão suficientemente sólida entre o caso alegado pelo Autor e o Estado Português, de forma a reconhecer competência internacional aos tribunais portugueses, sem que se possa aludir, pertinentemente, à consumação de uma qualquer competência exorbitante;
X - o conceito de centro de interesses do lesado tem raiz fundante no direito comunitário e na jurisprudência do TJUE;
XI - todavia, a sua utilização não implica a aplicabilidade, directa e imediata ou em termos vinculísticos, daquele direito ou entendimento jurisprudencial comunitário, mas antes a sua utilização, como elemento adjuvante, na interpretação e compreensão do factor de conexão enunciado na alínea b), do art.º 62º, do CPC;
XII - efectivamente, para a aplicação da jurisdição, o critério seguido pelo TJUE é o do centro da vida do lesado, ou seja, o espaço onde tem o seu centro de interesses, aí se radicando o seu meio social, onde interage com os semelhantes e onde, naturalmente, se fazem repercutir, com maior amplitude, os danos causados aos seus direitos de personalidade;
XIII - não tendo sido utilizadas quaisquer presunções judiciais, conducentes à ponderação de factos que extravasem os alegados em sede de petição inicial, não se tendo operado qualquer aplicação, directa ou indirecta, de direito comunitário ou de directrizes emanadas do TJUE, mas apenas determinado a competência dos tribunais portugueses em resultado da aplicação do critério da causalidade inscrito na citada alínea b), do nº. 1, do art.º 62º, do CPC, um eventual juízo de inconstitucionalidade nunca se repercutiria na decisão recorrida, de modo a alterá-la ou modificá-la, total ou parcialmente, o que determina reconhecimento total na inutilidade de tal apreciação;
XIV - assim, não há que conhecer acerca das alegadas questões de inconstitucionalidade aduzidas pela ora Recorrente, nas alegações recursórias, pois aquelas interpretações normativas, arguidas como inconstitucionais, não se verificaram, pois não integraram o despacho apelado, nem integram a presente decisão colegial.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1 – L..., de nacionalidade portuguesa, residente na Rua Cidade de Évora, nº. 30, Fernão Ferro, Portugal, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra E... INC., com sede em …, Califórnia, Estados Unidos da América, alegando, em súmula, o seguinte:
§ É jogador de futebol, conhecido por M..., tendo estado vinculado a vários clubes desde a época de 2005/2006 até 2019/2020;
§ A Ré desenvolve e fornece jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, sendo a empresa líder global em entretenimento digital interativo;
§ Teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA, propriedade da Ré;
§Sendo que o Autor jamais concedeu autorização expressa ou tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído nos identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos;
§ Tais jogos comercializados pela Ré tornaram-se mundialmente conhecidos, pelo que a repercussão da imagem do Autor não se insere apenas no âmbito nacional, mas é utilizada pela Ré a nível global;
§ Estando a Ré a utilizar indevidamente a imagem e nome do Autor, pelo menos, desde Setembro de 2007 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2008);
§ Agindo, assim, de forma ilegal, ao explorar a imagem e nome do Autor, atleta famoso;
§ Comercializando os jogos para consolas (aparelho de jogos de vídeo), ou aplicativos, actualizações, em todo o mundo, o que lhe permite obter lucros astronómicos com a venda dos mesmos;
§ Assim causando dano ao Autor, pela violação do seu direito à imagem e nome;
§ Para o apuramento do valor indemnizatório, decorrente do dano causado, deve considerar-se os resultados obtidos pela Ré e a importância da imagem dos atletas em questão, perante os jogos por aquela comercializados.
Conclui, no sentido da procedência da acção, deduzindo o seguinte petitório:
Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente por provada, condenando-se a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €198.000,00 (cento e noventa e oito mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de €50.517,04 (cinquenta mil quinhentos e dezassete euros e quatro cêntimos), tudo no total de €248.517,04 (duzentos e quarenta e oito mil quinhentos e dezassete euros e quatro cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.
Mais deve a Ré ainda ser condenada a pagar ao Autor montante nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de €2.567,67 (dois mil, quinhentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), tudo no total de €7.567,67 (sete mil, quinhentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei”.
A petição inicial foi apresentada em 16/12/2020.
2 – Citada a Ré, veio apresentar contestação, enunciando, em súmula, o seguinte:
· É uma sociedade norte-americana, que se dedica à exploração, distribuição e venda de jogos electrónicos, conteúdos e serviços online para consolas de jogos, telemóveis e computadores, exclusivamente nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão;
· Não actuando na Europa;
· Relativamente à utilização da imagem de jogadores de futebol nos jogos FIFA, celebrou com a FIFPRO – Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol – um contrato de licença;
· Sendo esta a única organização representativa a nível mundial para jogadores profissionais de futebol, da qual, desde 1985, faz parte o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol;
· A qual conferiu à Ré o direito de utilização da imagem dos jogadores de futebol no plano colectivo representado por essa entidade;
· Sendo o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), integrado na estrutura supranacional da FIFPRO, a entidade representativa dos jogadores profissionais de futebol portugueses, que conferiu os necessários poderes à FIFPRO para celebrar aquele contrato com a Ré m;
· Pelo que sempre actuou dentro dos limites da lei e boa-fé, desempenhando a sua actividade dentro do escopo dos direitos que lhe são legalmente ou contratualmente concedidos;
· Em termos de excepção dilatória, os tribunais nacionais não são internacionalmente competentes para o presente pleito, por inexistência de factores de atribuição de competência internacional, não se preenchendo quaisquer dos critérios de atribuição de competência internacional, enunciados no art.º 62º, do Cód. de Processo Civil;
· Nomeadamente, o critério da coincidência, o critério da causalidade e o critério da necessidade;
· Não se apuram quaisquer factos que preencham os requisitos de que depende a competência internacional deste tribunal;
· O que determina a sua incompetência absoluta, e consequente absolvição da Ré da instância;
· O direito á indemnização invocado pelo Autor encontrava-se já prescrito aquando da propositura desta acção, em 16/12/2020, por força do regime previsto no art.º 498º, nº. 1, do Cód. Civil;
· A utilização pela Ré dos direitos de imagem do Autor no plano colectivo foi integralmente legitimada, do ponto de vista legal, contratual e material, nunca tendo a Ré ultrapassado os limites do que foi definido na lei e licenciado por quem estava habilitado para tal;
· A FIFPRO tem vindo a negociar e celebrar, com a Ré e outras entidades, a concessão de licenças que permitem à segunda utilizar o direito de imagem dos jogadores de futebol no plano colectivo onde se inclui o Autor;
· Pelo que o direito indemnizatório reclamado pelo Autor encontra-se impedido pela existência de uma cadeia de licenciamento de génese legal e execução contratual, relativa aos direitos de imagem de todos os jogadores profissionais de futebol em Portugal, no plano colectivo, devendo a Ré ser absolvida do pedido;
· Por outro lado, o Autor age em abuso de direito e em contradição com a sua antecedente conduta, perpetuada ao longo de mais de uma década, com o intuito de obter tutela jurídica de pretensão que não está de acordo com os ditames da boa fé, bons costumes e fim social e económico dessa pretensão;
· Acresce que a Ré adopta um conjunto de regras e princípios que assentam no respeito dos direitos de terceiros e no cumprimento da Lei vigente;
· Sempre tendo empreendido um grau máximo de zelo e diligência no desenvolvimento dos seus jogos, nunca actuando sem a devida licença nos termos da Lei, pelo que nenhum outro comportamento lhe poderia ser exigido;
· Não tendo apenas agido com a prudência legalmente exigida, mas sim com prudência particularmente reforçada, tendo-se munido de cuidados especiais ao exigir a comprovação dos poderes da FIFPRO, que derivam do SJPF de Portugal;
· Tendo a Ré remunerado a FIFPRO e reflexamente os sindicatos pela licença de exploração comercial da imagem dos jogadores;
· Relativamente ao pressuposto dano, o Autor afirma apenas que sofreu danos, não alegando qualquer lesão, patrimonial ou não patrimonial, nomeadamente uma qualquer lesão concreta na sua imagem;
· A fixação de uma indemnização, com recurso a princípios de equidade, não dispensa a alegação e prova de danos;
· Pelo que, não havendo danos, não poderá sequer haver lugar a uma indemnização que o tribunal fixe ao abrigo da equidade.
Conclui, referenciando que deverá o Tribunal, “em relação de sucessiva subsidiariedade, conhecer e decidir o seguinte:
a) Declarar procedente a exceção dilatória de incompetência internacional deste tribunal, por não se verificarem quaisquer dos fatores de atribuição consagrados nos art.º 59.º, 62 e 63.º CPC, determinando a absolvição da ré da instância;
b) Declarar procedente a exceção perentória de prescrição, pelo decurso do prazo de três anos estabelecido no art.º 498.º, n.º 1 do CC, determinando a absolvição da ré do pedido;
c) Declarar procedente a exceção perentória inominada relativa ao licenciamento dos direitos de imagem de jogadores de futebol, incluindo o autor, a favor da ré, nos termos detalhados na contestação, determinando a absolvição da ré do pedido;
d) Declarar procedente a exceção perentória de abuso de direito, determinando a absolvição da ré do pedido;
e) Julgar improcedente a presente ação, seja porque (i) os factos alegados pelo autor se devem considerar não provados, seja porque, (ii) mesmo considerando provados, a ação está destituída de fundamento jurídico, face ao quadro legal vigente, determinando, em ambos, a absolvição da ré do pedido;
f) Em qualquer dos casos, ser o autor condenado nas custas e demais encargos com o processo”.
3 – Em 01/07/2022, a Ré apresentou nos autos o seguinte requerimento:
“1. O autor veio juntar ao presente processo e louvar-se em acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que perfilharam o entendimento de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar processos idênticos ao caso sub judice.
2. O autor pretende convencer esse Digmo. Tribunal a seguir a mesma orientação jurisprudencial.
3. Sucede que esses acórdãos são manifestamente nulos, tendo a ré já arguido a nulidade desses acórdãos junto do STJ. Juntam-se, como Documentos n.º 1, 2 e 3 cópias desses requerimentos, que se creem autoexplicativos e se dão aqui integralmente reproduzidos, designadamente em matéria de inconstitucionalidade.
4. Com efeito, ressalta à vista que os referidos acórdãos não aferiram os elementos de conexão com base nos factos alegados pelo autor na petição inicial, mas através da aplicação de sucessivas presunções judiciais manifestamente ilegais!
5. Foi exclusivamente com base em factos agora ex novo ilegalmente presumidos pelo STJ e que não integram a causa de pedir que aqueles acórdãos reverteram as decisões proferidas pelos diversos Tribunais da Relação. Sem a aplicação de tais presunções, não se teria dado como verificado qualquer elemento de conexão previsto na lei.
6. O art.º 351.º do Código Civil proíbe a aplicação de presunções judiciais em matéria de competência dos tribunais.
7. Acresce que os factos presumidos através da aplicação de presunções judiciais estão obviamente sujeitos ao contraditório: a ré não foi sequer ouvida sobre a série de factos (ilegalmente) presumidos nesses acórdãos, em frontal violação do disposto no art.º 3º, nº 3 do CPC.
8. Esses acórdãos do STJ consistem em inconcebíveis decisões-surpresa e são fundados em razões que as partes diligentemente nunca poderiam ter antevisto face à ficção de factos operada para suportar a competência internacional.
9. Em suma, esses acórdãos padecem de manifesta nulidade por excesso de pronúncia e violam, com gravidade, diversas normas constitucionais.
10. Tais acórdãos contrariam também frontalmente as 25 decisões judiciais de 1.ª e 2.ª instâncias que, ao longo dos últimos dois anos e meio, têm vindo a considerar que os tribunais portugueses são materialmente incompetentes para processos semelhantes ao caso em análise. Junta-se como Documento nº 4 uma listagem dessas decisões.
11. Ora, é manifestamente inconstitucional a interpretação e aplicação da norma contida no art.º 351.º do Código Civil, no sentido de permitir o recurso a presunções judiciais em recurso de revista para decidir sobre a competência internacional dos tribunais portugueses fora dos casos em que é admitida a prova testemunhal, por violação dos princípios constitucionais do direito a processo equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP), princípio do Estado de Direito (art.º 2.º da CRP) e princípio do dever de obediência dos tribunais à lei (art.º 203.º da CRP e art.º 22.º da LOSJ).
12. Por outro lado, a interpretação e aplicação dos art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 608.º, n.º 2 do CPC e 38.º, n.º 1 LOSJ, no sentido de se considerar lícito o recurso a factos que (a) não foram expressamente alegados na petição inicial e (b) não integram a causa de pedir, para se concluir pela verificação de competência internacional, é inconstitucional por violação do (i) princípio do processo equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP), (ii) princípio do Estado de Direito (art.º 2.º da CRP), princípio de separação de poderes, princípio da soberania e princípio do dever de obediência dos tribunais à lei (art.º 203.º da CRP e art.º 22.º da LOSJ) e (iii) princípio da igualdade (art.º 13.º, n.º 1 da CRP) – questões que se suscitam para apreciação expressa deste tribunal, nos termos e para os efeitos dos art.º 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82.
13. Finalmente, conforme se reconhece naqueles acórdãos, o Regulamento Europeu n.º 1215/2012 apenas é aplicável quando as entidades demandadas têm sede num Estado Membro da União Europeia – proémio do art.º 7.º –, o que não é o caso da ré, que tem a sua sede dos EUA.
14. Não obstante, ainda assim, aqueles acórdãos “importam” jurisprudência do TJUE que interpreta esse regulamento, aqui reconhecidamente não aplicável, quanto ao conceito de “centro de interesses” como critério para fundamentar a competência internacional dos tribunais.
15. Sucede que o conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e aqui indevidamente aplicada pelo STJ pois não existe qualquer lacuna na lei portuguesa que requeira integração através daquela figura.
16. Em qualquer caso, a existência ou não dum centro de interesses numa determinada jurisdição é uma conclusão jurídica que assenta em determinados factos.
17. Sendo que, na petição inicial, o autor também não alegou ter o seu centro de interesses em Portugal, nem alegou factos que permitissem concluir que o seu centro de interesses se materializa em Portugal: não alegou ter sofrido qualquer dano durante o período em que jogou futebol em Portugal, não indicou quando é que alegadamente sofreu esses danos, nem sequer indica quando é que teve conhecimento dos factos que alegadamente são causadores desses danos”.
Conclui, no sentido da pretensão do Autor ser desatendida, “determinando-se que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar e julgar o caso sub judice”.
4 – Tendo em 17/10/2022 apresentado novo requerimento, no qual conclui “que seja declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para este litígio, pela não verificação dos fatores de conexão consagrados no art.º 62.º do CPC, mais se requerendo a pronúncia expressa deste tribunal sobre as inconstitucionalidades aqui invocadas a propósito da interpretação e aplicação dos art.º 9.º, 351.º do CC, art.º 62.º, alínea b) do CPC e art.º 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos art.º 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”.
5 – Em 07/11/2022, a mesma Ré apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor:
“E... Inc., ré nos autos acima identificados, tendo sido notificada do requerimento do autor de 24.10.2022, vem, ao abrigo do princípio do contraditório, previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, expor e requer o seguinte:
1. Por requerimento de 24.10.2022, o autor, ao mesmo tempo que afirma que a questão da incompetência internacional se mostra já suficientemente discutida nestes autos – ignorando que o entendimento do STJ foi afastado em decisões judiciais posteriores noutras ações –, não só repisa a sua perspetiva, como junta vários documentos e defende que a ré não podia suscitar a inconstitucionalidade neste âmbito.
2. À ré compete, de pronto, pronunciar-se sobre tais documentos e sobre a alegada impossibilidade de ser suscitada a inconstitucionalidade, nos termos configurados no seu requerimento de 17.10.2022.
3. A suscitação de inconstitucionalidade, em sede de processo judicial, pode ocorrer nos articulados das partes e, em particular, quando se abre a discussão de determinada solução jurídica.
4. Com efeito, até à prolação de decisão judicial, a inconstitucionalidade de determinada interpretação e aplicação da lei pode ser efetuada, para garantir que o tribunal se pronuncie sobre a mesma e, ainda, em cumprimento do ónus de suscitação prévia em termos processualmente adequados:
– “Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a observância, pelo recorrente, do ónus de suscitação, o que essencialmente se traduz no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
5. O direito de ver apreciada a inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa é, de resto, o corolário do princípio do acesso ao direito e à justiça, sendo não só dever oficioso do tribunal efetuar tal apreciação, como a sua omissão é legalmente cominada como nulidade:
A) “Verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia se o STJ não equacionou nem decidiu uma questão suscitada pela recorrente nas suas conclusões do recurso de revista, no caso a arguição da inconstitucionalidade do art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C.” (acórdão do STJ de 14.10.2020, Proc. n.º 283/08.8TTBGC-B.G1.S1);
B) “É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, de conhecimento oficioso, suscitada pela impugnante nas suas alegações finais.” (acórdão do STA de 14.05.2014, Proc. n.º 0195/13).
6. Deverá, por isso, improceder a tese de inadmissibilidade legal da suscitação da inconstitucionalidade nesta sede, perante este tribunal.
7. Quanto aos documentos juntos pelo autor em 24.10.2022, nenhuma das referidas decisões judiciais transitou em julgado:
a) Proc. n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o STJ não admitiu, tendo sido apresentada reclamação para o tribunal superior, a qual já foi entretanto remetida para o Tribunal Constitucional – Documento n.º 1;
b) Proc. n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o STJ não admitiu, estando a decorrer o prazo para submissão de reclamação para o tribunal superior, direito que a ré exercerá – Documento n.º 2;
c) Proc. n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o STJ não admitiu, tendo sido apresentada reclamação para o tribunal superior, aguardando-se a respetiva subida – Documento n.º 3;
d) Proc. n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o STJ não admitiu, estando a decorrer o prazo para submissão de reclamação para o tribunal superior, direito que a ré exercerá – Documento n.º 4;
e) Proc. n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foram arguidas nulidade por excesso e omissão de pronúncia, aguardando-se a respetiva decisão – Documento n.º 5;
f) Proc. n.º 2160/20.5T8PNF.P1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foram arguidas nulidade por excesso e omissão de pronúncia, aguardando-se a respetiva decisão – Documento n.º 6;
g) Proc. n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1: contra a decisão do STJ declarando a competência internacional, foram arguidas nulidade por excesso e omissão de pronúncia, aguardando-se a respetiva decisão – Documento n.º 7;
h) Proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1: contra o acórdão do TRL foi interposto recurso de revista, aguardando-se a decisão do STJ – Documento n.º 8;
i) Proc. n.º 3731/21.8T8BRG.G1: contra o acórdão do TRG foi interposto recurso de revista, aguardando-se a decisão do STJ – Documento n.º 9;
j) Proc. n.º 2161/20.3T8CSC.L1: contra o acórdão do TRL foi interposto recurso de revista, aguardando-se a decisão do STJ – Documento n.º 10;
k) Proc. n.º 3803/20.6T8BRG.G1: contra o acórdão do TRG será interposto recurso de revista, direito que a ré exercerá no respetivo prazo legal.
8. Como decorre do acima exposto, o alegado pelo autor sobre a rejeição dos recursos para o Tribunal Constitucional nas ações n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1 e 24974/19.9T8LSB.L1.S1 não corresponde à verdade porque foi apresentada reclamação para o tribunal superior em ambos os processos.
9. A reclamação para o tribunal superior é o meio legal próprio, nos termos do art.º 76.º, n.º 4 da Lei do Tribunal Constitucional, para reagir às decisões do STJ que, sem surpresa, não reconhecem ter efetuado interpretação e aplicação inconstitucionais das normas em causa.
10. Tendo no caso da ação sob o n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1 já sido proferido despacho a ordenar a subida da reclamação para o Tribunal Constitucional, aguardando-se a respetiva decisão – Documento n.º 1.
11. Daí que não corresponda à verdade que a ré omitiu que os recursos para o Tribunal Constitucional não foram admitidos, já que, ao contrário do que o autor procura perpassar nestes autos, não só se aguarda decisão sobre a admissão do recurso, como a ré vem informando estes autos de todas as vicissitudes relevantes nas outras ações idênticas a esta”.
Conclui “(i) pela rejeição das razões de facto e de direito inscritas no requerimento do autor de 24.10.2022 e, em conformidade com o que a ré já propugnara anteriormente, (ii) pela declaração de competência internacional, reiterando o pedido de pronúncia expressa deste tribunal sobre as inconstitucionalidades explicitadas no requerimento da ré de 17.10.2022”.
6 – Em 16/01/2023, voltou a Ré a apresentar novo requerimento, que concluiu nos seguintes termos:
Termos em que se requer, como acima explicitado e já pugnado pela ré, que (i) seja declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para este litígio, pela não verificação dos fatores de conexão consagrados no art.º 62.º do CPC, (ii) mais se requerendo a pronúncia expressa deste tribunal sobre as inconstitucionalidades aqui invocadas a propósito da interpretação e aplicação dos art.º 9.º, 351.º do CC, art.º 62.º, alínea b) do CPC e art.º 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos art.º 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro e (iii) ainda subsidiariamente seja aplicada o entendimento plasmado nos acórdãos do TJUE de 19.09.1995, Processo n.º C-364/93, de 10.06.2004, Proc. n.º C-168/02 e 16.06.2016, Proc. n.º C-12/15, acima identificados”.
7 – A mesma Ré, em 27/01/2023, apresentou novo requerimento, onde referenciava o seguinte (ignoram-se as notas de rodapé):
“E... Inc., ré nos autos acima identificados, notificada para o efeito em sede de audiência prévia realizada no passado dia 24.01.2023, vem requerer a junção dos seguintes documentos:

I. Acórdão n.º 1042/22 do Tribunal Constitucional, de 21.12.2022, prolatado nos autos de reclamação n.º 1042/22, provenientes dos autos do proc. n.º 3853/20.5T8BRG.G1.S1 – documento 1.

1. Nesta decisão do Tribunal Constitucional, os Juízes Conselheiros do TC declaram, a respeito da importação do conceito jurisprudencial europeu de centro de interesses, que:
– “Do que vem exposto não decorre que aquela seja a única interpretação possível ou, sequer, a melhor” (pág. 30, últimas duas linhas).
2. O recurso de constitucionalidade naqueles autos não foi formalmente aceite (sob os fundamentos de falta de suscitação prévia e inconstitucionalidades invocadas não constituírem a ratio decidendi da decisão proferida pelo STJ); no entanto, nos presentes autos, as constitucionalidades foram já invocadas (cfr. requerimento da ré de 17.10.2022, ref. Citius 33875892), pelo que se impõe a pronúncia expressa do Douto Tribunal a este respeito, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia.

II. Parecer do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, de 19.12.2022, prolatado nos autos de reclamação n.º 1171/22, provenientes dos autos do proc n.º 3239/20.9T8CBR.C1.S1 – documento 2.

3. No âmbito do processo 3239/20.9T8CBR.C1.S1, ainda não foi proferida decisão quanto à admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
4. Contudo, no parecer que ora se junta, o Ministério Público entendeu que a matéria relativa à utilização do critério do centro de interesses constituiu a ratio decidendi da decisão proferida pelo STJ:
– “Já no acórdão proferido em 23 de junho de 2022, admite-se que a sua fundamentação tenha incidido, efetivamente, sobre essa questão, tendo sido seguido pelo STJ o critério da localização do centro de interesses do lesado para determinar qual o tribunal competente para decidir a ação indemnizatória, por violação do direito à imagem através de meios de exposição globais.” (pág. 4, parágrafo identificado com o número 14).
5. Ainda que não diga respeito a este processo 3239/20.9T8CBR.C1.S1, o Ministério Público não deixou de afirmar, quanto ao proc n.º 3853/20.5T8BRG.G1.S1, que a decisão de 24 de Maio de 2022 constituiu uma “decisão surpresa, pelo que não lhe era exigível que ela o tivesse antecipado, de modo a cumprir o requisito da suscitação prévia” (pág. 7, parágrafo identificado com o número 28; sublinhado nosso).

III. Sentença do Juízo Central Cível de Braga, J3, de 13.10.2022, proferida nos autos do processo 3729/21.6T8BRG – documento 3.
6. Nesta sentença, fazendo menção expressa ao conhecimento do teor do acórdão de 24.05.2022 do STJ, o Tribunal proferiu decisão de incompetência internacional, afirmando que:
– “O acórdão do SRJ de 24.05.2022, no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1, foi a primeira decisão judicial de um tribunal superior a expressar entendimento diverso que, salvo o devido respeito, não subscrevemos” (pág. 7).
7. Nesses autos, o Tribunal de 1ª instância, por consideração exclusiva dos factos carreados para os autos, pelo autor, na petição inicial e por aplicação somente dos critérios de conexão previstos no art.º 62.º do CPC, entendeu não existir conexão com o território nacional que fundamente a competência internacional dos tribunais portugueses.

IV. Sentença do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, J3, de 30.11.2022, proferida nos autos do processo 7962/21.2T8VNG – documento 4.
8. Também nesta sentença, fazendo menção expressa ao conhecimento do teor de 3 acórdãos do STJ em sentido contrário, o Tribunal proferiu decisão de incompetência internacional, afirmando que:
– “Não se desconhece a jurisprudência em sentido contrário do Supremo Tribunal de Justiça, junta aos autos pelo Autor, constante dos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos nº 3853/20.2T8BRG.G1.S1, 24974/19.9T8LSB.L1.S1. e 4157/20.6T8STB.E1.S1, de 24.05.2022 e 07.06.2022 que julga internacionalmente competentes os tribunais portugueses para conhecer de ação fundada em responsabilidade civil por factos ilícitos decorrente da violação de direitos de personalidade através de difusão global e não autorizada do nome, imagem e características pessoais e profissionais em videojogos e jogos para computador, por neste país ter tido lugar difusão desses jogos e o lesado se encontrar domiciliado e ter o seu centro de interesses pessoais e profissionais neste país, aderindo ao conceito de “centro de interesses pessoais e profissionais” que fez jurisprudência em algumas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Analisada, no entanto, toda a jurisprudência proferida aderimos integralmente à decisão proferida pelo
TRG, no acórdão proferido no Proc. nº 3853/20.2T8BRG.G1” (págs. 7 e 8).
9. Novamente, o Tribunal de 1ª instância, por consideração exclusiva dos factos alegados pelo autor, na petição inicial e por aplicação dos critérios de conexão previstos no art.º 62.º do CPC, entendeu que os tribunais portugueses carecem de competência internacional para a lide.

V. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13.10.2022, proferida nos autos do processo 3803/20.6T8BRG.G1 – documento 5.
10. Neste acórdão do TRG que declarou a competência internacional dos tribunais portugueses, é possível ler o voto de vencido da Juiz Desembargadora Raquel Batista Tavares, que afirma o seguinte:
– “Voto vencida o acórdão porque, sem prejuízo do devido respeito por opinião discordante, entendo que no caso concreto os Tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes para dirimirem o litígio, por, quer o facto ilícito quer o dano, não terem sido praticados em território nacional, não sendo relevantes, para o efeito de atribuição de competência neste caso, os locais da posterior divulgação, visualização ou aquisição pelo consumidor final.
Neste sentido foi o decidido no acórdão por mim relatado no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1 (disponível para consulta em www.dgsi.pt) para cujos argumentos remetemos e que aqui damos por reproduzidos.
Teria, por isso, julgado a apelação improcedente e confirmado a decisão recorrida.”
11. O acórdão mencionado pela Juiz Desembargadora vencida nestes autos é aquele que o Juiz de Direito do Juízo Central Cível de Braga refere na sentença proferida, e que se junta como documento 6.
12. Na decisão proferida nos autos do proc. 3853/20.2T8BRG.G1, o TRG considerou (i) inexistirem factos invocados nos autos que permitam afirmar a competência dos tribunais portugueses, (ii) não relevar, como fator de conexão, o centro de interesses do autor e (iii) não poder ser aplicada a jurisprudência do TJUE para interpretar o art.º 62.º do CPC”.
Conclui, no sentido de que:
(i) seja declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para este litígio, pela não verificação dos fatores de conexão consagrados no art.º 62.º do CPC,
(ii) renovando o requerimento de 17.10.2022, seja proferida pronúncia expressa deste tribunal sobre as inconstitucionalidades invocadas a propósito da interpretação e aplicação dos art.º 9.º, 351.º do CC, art.º 62.º, alínea b) do CPC e art.º 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos art.º 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”.
8 – E, em 10/02/2023, a mesma Ré apresentou nos autos o seguinte requerimento (ignoram-se as notas de rodapé):
“E... Inc., ré nos autos acima identificados, vem, ao abrigo do disposto no art.º 426.º do CPC, requerer a junção de parecer, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Em sede de audiência prévia, foi debatida a exceção dilatória de incompetência internacional, cumprindo referir que foi publicamente emitido, em 06.02.2023, parecer jurídico sobre esta matéria, pelo Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa, no reputado blog jurídico de acesso público: Blog do IPCC, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2023/02/futebolistas-videojogos-e-competencia.html – Documento n.º 01.
2. O parecer analisou a fundamentação dos acórdãos do STJ juntos a estes autos e rejeita a aplicação da tese do critério do centro de interesses, que o autor pretende fazer valer nesta ação e que justificou, naqueles acórdãos, a declaração de competência internacional, à luz do art.º 62.º, alínea b) do CPC (critério da causalidade).
3. A análise do Ilustre Professor – cujo blog é frequentemente citado para firmar as decisões das instâncias superiores – é perentória em afirmar que “não se pode aceitar a argumentação utilizada pelo STJ”.
4. Esta tese do STJ tem origem na jurisprudência do TJUE, desenvolvida sobre o art.º 7.º, n.º 2 do Reg. (UE) n.º 1215/2012:
– “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro (…) 2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso…”.
5. E o TJUE, em alguns acórdãos mais antigos, tem entendido a expressão “…lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso…” como correspondendo ao local do centro de interesses do lesado.
6. Os acórdãos do STJ, juntos pelo autor a estes autos, reconhecem que a competência nestas ações deve ser apreciada exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC, mas defendem – ainda que admitindo a inaplicabilidade do Reg. (UE) – que o critério da causalidade do art.º 62.º, alínea b) deve ser interpretado em termos idênticos ao art.º 7.º, n.º 2 do Reg. (EU).
7. Ou seja, a jurisprudência do STJ convoca o critério do centro de interesses, previsto num diploma europeu inaplicável, para interpretar o critério da causalidade do art.º 62.º do CPC.
8. O parecer recusa, com veemência, esta lógica interpretativa, exarando que:
– “…a jurisprudência do STJ que tem aceitado a competência dos tribunais portugueses para a apreciação da indemnização pedida pelos demandantes padece de um salto lógico na transposição da jurisprudência europeia para a ordem interna portuguesa e, em especial, para a aplicação do critério da causalidade estabelecido no art.º 62.º, al. b), CPC.”.
9. O salto lógico em causa reside, precisamente, na importação de um Reg. (EU) que tem como condição sine qua non de aplicação a sede do demandado na União Europeia, pressuposto que não se preenche nesta ação porque a ré tem sede nos EUA:
– “Estes preceitos aplicam-se (…) apenas a demandados domiciliados num Estado-Membro da UE (art.º 3.º, n.º 1, CBrux; art.º 3.º, n.º 1, Reg. 44/2001; art.º 5.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) (…) É, assim, mais do que discutível que a jurisprudência europeia possa ser transporta para um caso a solucionar pelo direito interno português, dado que este não comporta nenhumas regras semelhantes àquelas que se encontram estabelecidas nos referidos instrumentos europeus.”.
10. E continua o mesmo professor:
– “A este quadro jurídico acresce a circunstância de a demandada (um empresa norte-americana) não ter domicílio em Portugal e de, portanto, não se verificar um dos elementos essenciais para a aplicação do referido regime europeu e, por isso, para a definição do centro de interesses do lesado como sendo o lugar onde ocorreu o facto danoso.
Note-se que, segundo o regime europeu, é esta circunstância que permite que o lesante, em vez de ser demandado nos tribunais do seu domicílio, possa ser demandado nos tribunais daquele centro de interesses (que, normalmente, coincidirá com o do domicílio do lesado).
11. Rematando-se esta análise, de forma cristalina que:
– “Em conclusão: perante enquadramentos legais totalmente díspares e elementos de facto igualmente distintos não podem ser defendidas as mesmas soluções.
12. O parecer qualifica, assim, como contrário à lei e à boa aplicação dos critérios de interpretação das normas, a utilização do critério do centro de interesses, fundamento único das decisões do STJ invocadas pelo autor – cfr. primeiro acórdão do STJ (processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1) e que foi replicado como se de um “…template…” se tratasse (citação do parecer).
13. Esta posição de recusa frontal do critério do centro de interesses neste tipo de ações – alegada violação dos direitos de imagem dos jogadores de futebol pela sua utilização nos jogos da ré – havia sido já abordada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, onde se considerou que o recurso a tal critério não constitui “a única interpretação possível ou, sequer, a melhor” – acórdão n.º 1042/22 de 21.12.20224.
14. Em suma, como sustenta a mais autorizada doutrina em processo civil, suportada no quadro legal interno aplicável, em respeito pelos princípios e normas constitucionais, em linha com a posição do Tribunal Constitucional e outras decisões judiciais pós-acórdãos do STJ, tudo em sentido divergente, a decisão sobre a incompetência internacional não deve convocar o critério do centro de interesses e deverá atender, unicamente, aos critérios do art.º 62.º do CPC, conjugado com o art.º 38.º do LOSJ”.
Conclui, no sentido “em que se requer a junção e consideração do parecer de 06.02.2022, ao abrigo do disposto no art.º 426.º do CPC e, em conformidade com os requerimentos anteriores da ré, seja declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para este litígio, com apreciação das questões de inconstitucionalidade nos termos suscitados”.
9 – Em 22/06/2023, conhecendo acerca da excepção dilatória da (in)competência internacional dos Tribunais portugueses, foi proferido DESPACHO, que findou com o seguinte dispositivo:
5. Assim, e em conclusão, julgamos este Tribunal internacionalmente competente para apreciar o presente litígio”.
10 – Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, em 19/07/2023, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“a) O presente recurso de revista impugna o despacho de 22.06.2023, pelo qual se declarou a competência internacional do Juízo Central Cível de Almada para tramitar esta ação, recurso admissível nos termos do art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC já que está em causa a infração de regras de competência internacional.
b) A ré considera a decisão ilegal, com base na violação de lei substantiva, processual e da própria Constituição da República Portuguesa, destacando-se, entre outros, as seguintes normas e princípios jurídicos:
– princípio da causalidade, princípio da coincidência, princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros, princípio do Estado de Direito, princípio da proteção ou tutela da confiança, princípio da soberania, princípio da igualdade, princípio do processo equitativo e da igualdade das partes, princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do dispositivo, princípio do contraditório, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes e o princípio do primado do direito europeu;
– art.º 2.º, 8.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;
– art.º 62.º do CPC;
– art.º 22.º e 38.º, n.º 1 da LOSJ;
– art.º 351.º do CC.
c) A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1.
d) Sucede que os únicos factos que o despacho em crise utilizou para declarar a competência internacional são os relativos ao domicílio e carreira profissional, como futebolista, do autor em Portugal, ignorando-se o que o mesmo autor refere logo no art.º 2.º da sua petição inicial: a ré apenas tem atividade nos EUA, Japão e Canadá e, por isso, não pratica qualquer ato em nenhuma outra parte do mundo.
e) Acresce que o despacho revidendo, ao sustentar a decisão em citações jurisprudenciais, acaba por se basear na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal e em factos presumidos, factos não articulados na petição inicial e factos que não integram a causa de pedir.
f) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como sejam o seu domicílio ou o local onde, em determinado período, exerceu a sua atividade profissional.
g) Acresce que as vendas dos jogos FIFA não constituem conexão suficientemente relevante para se afirmar a competência internacional porque (i) não são imputadas à ré e (ii) não assumem nenhuma particularidade sobre todas as demais vendas noutros países.
h) A assumir-se a competência internacional com base na venda dos jogos FIFA em Portugal, estaremos perante um exemplo paradigmático de competência exorbitante, já que esse facto ocorre igualmente noutras partes do mundo e seria motivo de conflitos positivos de competência e ofensa às soberanias de jurisdições estrangeiras.
i) A par do erro de julgamento, a decisão revidenda está eivada do vício de nulidade por omissão de pronúncia sobre o pedido da ré de apreciação das questões de inconstitucionalidade na base do sentido decisório adotado pelo tribunal a quo, declarando a competência internacional, pretensão deduzida nos autos nos requerimentos de 01.07.2022 (ref.ª Citius n.º 33014841), 17.10.2022 (refª. Citius n.º 33875892), 07.11.2022 (refª. Citius n.º 34089602), 16.01.2023 (refª. Citius n.º 34747543), 27.01.2023 (refª. Citius n.º 34884107), 10.02.2023 (refª. Citius n.º 35038764) e reiterado na audiência prévia.
j) O despacho sob recurso adere aos fundamentos dos acórdãos do STJ aí citados, apesar de ser inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, incluindo o seu art.º 7.º, n.º 2 porque este só abrange casos em que a entidade demandada tem sede num Estado-Membro (quando a ré tem sede nos EUA).
k) Ao abrigo do princípio da interpretação autónoma do direito nacional dos Estados- Membros, não há que convocar a jurisprudência do TJUE sobre diplomas europeus, para interpretar a lei portuguesa.
l) Incluir no critério da causalidade do art.º 62.º, alínea b) do CPC, o centro do interesse do autor constitui violação manifesta das regras de interpretação jurídica e de normas e princípios constitucionais, como acima se detalhou e para onde se remete – reiterando- se o pedido de pronúncia expressa deste Tribunal a quibus também nesse conspecto.
m) No art.º 62.º do CPC, o legislador define quais os fatores de atribuição da competência internacional, o qual têm de ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, sendo inconstitucional e ilegal qualquer interpretação contra ou praeter legem.
n) A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber:
– alínea a): critério da coincidência;
– alínea b): critério da causalidade; e
– alínea c): critério da necessidade.
o) Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias.
p) Destes factos, constata-se que:
– a ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América
– nenhum facto territorialmente localizado em Portugal foi alegado pelo autor;
– não se imputa à ré a prática de atos ou a existência de atividade em Portugal (artigo n.º 2 da petição inicial);
– não há na petição inicial concretização de danos em Portugal;
– não há alegação do momento e lugar do sofrimento desses danos;
– não se invoca qualquer dificuldade na demanda da ré no local da sua sede.
q) De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação puder ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC, valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu.
r) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA.
s) Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º.
t) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha se ao autor alegar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país.
u) Sucede que não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido especificamente em Portugal e que não ocorra noutras jurisdições, exceto nos territórios onde a ré tem atividade: EUA, Canadá e Japão.
v) Sem a alegação do “quando” e “onde” do dano do autor, é impossível afirmar que este ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses.
w) Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise jurídica para indagar o local da verificação dos danos e pressupor que “se o autor vivia em Portugal, foi aqui que sofreu os danos” ou “se o autor exercia a sua atividade num clube de futebol português, foi em Portugal que sofreu os danos”.
x) O autor não alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal.
y) Não é lícito inferir que o autor terá sofrido danos em Portugal, porque isso traduz o emprego de presunção judicial de factos, o que é vedado na apreciação da competência – art.º 38.º, n.º 1 LOSJ e art.º 351.º do CC.
z) É igualmente proibido, à luz dos critérios de interpretação consagrados no direito português, utilizar conceitos jurisprudenciais do TJUE, sobre normas de regulamentos europeus inaplicáveis, nomeadamente o conceito de centro de interesses.
aa) Constituindo conclusão jurídica o estabelecimento da existência de um centro de interesses, numa determinada jurisdição, não se identificam na petição inicial quaisquer factos que permitam suportar factualmente a existência desse centro de interesses em território nacional, que não se confunde com os conceitos de domicílio ou residência.
bb) O conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e indevidamente aplicada pelo tribunal a quo pois não existe qualquer lacuna na lei portuguesa que requeira integração através daquela figura – vide Parecer do Ilustre doutrinário, Prof. Doutor Teixeira de Sousa.
cc) Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC e (iii) não alegação de danos em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade.
dd) Caso este Tribunal se pronuncie sobre o art.º 62.º, alínea c) do CPC – princípio da necessidade –, cumpre ressalvar que o autor não invocou que o direito que aqui peticiona não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro.
ee) Não bastando, seguramente, ao autor ter nacionalidade ou domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais.
ff) O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos.
gg) O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana.
hh) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e não possa ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação da alínea b) pelas razões acima detalhadas, o que deve determinar a revogação do despacho em crise e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses.
ii) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais, factos que não estejam referidos na petição inicial e factos que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:
– princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas);
– princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório);
– princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e
– princípio do primado do direito europeu.
jj) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC foi suscitada para conhecimento expresso do Tribunal a quo, que sobre ela não se pronunciou, sendo agora reiterada para conhecimento do Tribunal a quibus, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque na formulação de critérios interpretativos do princípio legal da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, com consequente revogação da decisão apelada.
11 – O Requerido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
“a) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos que julgou o tribunal a quo (português) internacionalmente competente e, consequência, determinou o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.
b) Ora, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento a pretensão da recorrente.
c) Na verdade, não há qualquer ligeireza de raciocínio por parte do Tribunal a quo, nem o Autor, aqui Recorrido, vislumbra qualquer vício na decisão proferida, muito antes pelo contrário.
d) Assim, é evidente que a douta decisão recorrida fez correcta e sapiente aplicação do direito, sem violação de quaisquer normas, designadamente, as constantes dos preceitos apontados pela Apelante.
e) A decisão sufragada pelo Tribunal a quo no que respeita à declarada competência internacional dos Tribunais Portugueses não padece de qualquer falta de substrato justificativo – com efeito, a referida decisão invoca factos concretos do caso sub judice, e baseia-se em elementos Jurisprudenciais e Doutrinários inabaláveis.
f) Com efeito, o próprio dano/facto danoso resultante a exploração indevida da imagem do Autor mostra-se, também, consumado em Portugal.
g) E tal está, efectivamente, alegado nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 201.º, todos da petição inicial.
h) A competência do Tribunal, como medida da sua jurisdição é aferida em função dos factos alegados na petição inicial, considerando o pedido do autor, não interessando quaisquer outros pressupostos processuais, ou os termos da contestação ou oposição deduzida.
i) Isto porque, no que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.
j) É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.
k) Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras.
l) E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.
m) Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.
n) O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.
o) É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.
p) Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos.
q) Por isso, a tese sufragada no recurso interposto, apenas faria sentido, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.
r) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.
s) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.
t) O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente.
u) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no recurso interposto - a sua divulgação não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano.
v) Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional.
w) Numa ação de responsabilidade civil por facto ilícito, cujo processo causal foi iniciado nos Estados Unidos, mas em que se produziram danos decorrentes da violação de direitos de personalidade do Autor, residente em Portugal, é evidente que a lesão se verifica no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente.
x) Para além disso, a obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.
y) O centro de interesses do Autor, cidadão português, é em Portugal, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.
z) É, também, em Portugal que o Autor exerce e exerceu maioritariamente a sua profissão de jogador, como se mostra alegado nos artigos 5.º, 7.º, 8.º e 9.º da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
aa) E, in casu, é à luz do disposto do aludido artigo 62.º, do Código de Processo Civil que deve ser aferida a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses se nada for estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, ou outro instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária.
bb) Sendo que é de atender à jurisprudência do TJUE sobre normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno, na aplicação e interpretação do direito interno, sobre competência internacional em prol da certeza uniformidade e seguranças jurídicas, só assim se evitando soluções desencontradas com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria.
cc) Por sua vez, se os danos invocados se prolongaram no tempo, localizando-se em diferentes Estados, mas também em Portugal, onde o Autor exerce e exerceu maioritariamente a sua profissão de jogador, existem elos suficientemente fortes entre os factos da causa e os tribunais portugueses, devendo dar-se como verificado, pelo menos, o critério da causalidade, constante da alínea b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.
dd) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.
ee) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.
ff) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação dos factores de conexão consagrados nas alíneas b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.
gg) Resultando à saciedade, face a todo o exposto que, andou bem, aliás, refira-se muito bem, a decisão Tribunal a quo!
hh) Quanto à questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 do CPC, 674.º, n.º 1 e 3 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, não há qualquer vício de interpretação em sentido desconforme com a Constituição, nem quaisquer outras interpretações inconstitucionais que importe conhecer, tal como os doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional, têm entendido de forma unânime.
ii) Finalmente, apenas cabe referir que os documentos juntos como recurso pela apelante, não têm o condão de sustentar a sua pretensão recursória, muito pelo contrário, conforme se mostra acima, cabalmente, demonstrado”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
12 – Nos termos do nº. 1, do art.º 641º, do Cód. de Processo Civil, a Sra. Juiz a quo, em 18/10/2023, proferiu o seguinte despacho:
Recurso da R. – Incompetência internacional:
Nas suas alegações de recurso, invoca a R. a nulidade da decisão sindicada, em virtude de não ter conhecido da questão de (in)constitucionalidade suscitada pela R..
Efetivamente, verifica-se a sobredita omissão, pelo que passamos de imediato a supri-la, subscrevendo por inteiro a argumentação aduzida no muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2023 (Processo n.º 4167/20.3T8LRA.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/), proferido sobre um dos muitos casos análogos ao nosso e que é aqui aplicável:
No entanto, sempre se diga que as ditas inconstitucionalidades - que assentam na pretensa circunstância de que as decisões do STJ (incluindo, por antecipação, a presente) se apoiam exclusivamente em factos que não foram articulados na petição inicial pelo Autor e que não integram a causa de pedir, mas que, ainda assim, foram supostamente utilizados pelo STJ por meio de sucessivas presunções judiciais ilegais e, ainda, no facto de aquelas decisões terem aplicado ilegalmente um denominado “critério normativo de centro de interesses”, suportado nessas presunções, critério inexistente na lei aplicável ao caso, não se verificando qualquer lacuna que implicasse o seu emprego – não têm qualquer razão de ser no âmbito deste processo.,
Com efeito, quer o acórdão recorrido quer a presente decisão apenas se socorrem de factos constantes da petição inicial (e não de factos não alegados através da utilização de presunções judiciais), além de que é lícita a utilização de um "critério normativo de centro de interesses" para analisar e fundamentar a declaração de competência internacional, à luz do artigo 62º alínea b), do CPC, apesar deste critério não ter qualquer consagração na lei portuguesa, uma vez que se está, ainda, no âmbito de interpretação da citada disposição legal.
Assim, não se se mostra violada qualquer norma constitucional.”.
13 – O recurso foi admitido por despacho datado de 18/10/2023, como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
14 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

**
II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Ré, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina conhecer:
§ Da nulidade do despacho apelado, decorrente de omissão de pronúncia – 1ª parte, da alín. d), do nº. 1, do art.º 615º, ex vi do nº. 3, do art.º 613º, ambos do Cód. de Processo Civil;
§ Do erro de julgamento na determinação da competência internacional do tribunal português para conhecer da presente acção.

Com a natureza de questão prévia, urge, ainda, apreciar acerca da (im)pertinência da junção de 3 documentos com as alegações recursórias.


Da questão prévia

Juntamente com as alegações recursórias, a Apelante Ré juntou aos autos três documentos, designadamente:
Cópia de Acórdão do Tribunal Constitucional (nº. 870/2022), datado de 21/12/2022, proferido nos Autos de Reclamação nº. 1042/22 – Doc. 1;
· Decisão proferida acerca da excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal, datada de 13/10/2022, no âmbito da acção nº. 3729/21.6T8BRG (Juiz 3), tramitada no Juízo Central Cível de Braga; decisão proferida em sede de audiência prévia, conhecendo acerca da mesma excepção dilatória, datada de 30/11/2022, no âmbito da acção nº. 7962/21.2T8VNG, tramitada no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia (Juiz 3) – Doc. 2;
·Artigo do Professor Miguel Teixeira de Sousa, datado de 06/02/2023, com o título Futebolistas, videojogos e competência internacional, publicado no Blog do IPPC – Doc. 3.  

Cumpre, nesta sede, aferir acerca da (im)pertinência legal de tal junção.

Prescreve o nº. 1 do art.º 651º, do Cód. de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
O art.º 425º dispõe, por seu lado, que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Relativamente à junção de documentos na presente fase recursória, aduz Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 312 e 313 – que os documentos enunciados no art.º 425º devem ser objectiva ou subjectivamente supervenientes, devendo “acompanhar as alegações ou contra-alegações do apresentante”.
Exigível é, todavia, que “a parte consiga demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva. De outro modo, está liminarmente excluída a apresentação de documento que a parte já tinha ou podia ter em sua posse e que, como tal, deveria ter junto nos termos (amplos) do artigo 423º”.
Ora, in casu, e prima facie, inexistem dúvidas quanto à superveniência objectiva dos documentos pretendidos juntar, em virtude de terem sido produzidos depois da decisão proferida relativamente à excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal.
Todavia, decorre dos transcritos normativos que a possibilidade de junção (excepcional) de documentos com as alegações, na presente fase recursória, é atinente à defesa dos fundamentos da acção ou da defesa que o recorrente pretenda efectuar.
Todavia, os documentos ora pretendidos juntar nada têm a ver com a apreciação do mérito da causa, antes se reportando, apenas, ao eventual corroborar da posição que a Recorrente vem defendendo no que se reporta à problemática processual em controvérsia, ou seja, pretende a Recorrente Ré, com tal junção, consolidar a sua argumentação relativamente à reivindicada incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Desta forma, e neste momento processual, inexiste fundado fundamento para a pretendida junção, pois, “o facto da decisão proferida contrariar a tese da recorrente não significa que esta possa enviar para os autos documentos que comprovam os seus argumentos”, sendo que “apenas em casos excepcionais a lei permite a apresentação de documentos com as alegações”, excepcionalidade que não se reconhece, de forma a legitimar a pretendida junção – cf-. o douto aresto desta Relação de 07/12/2023, Relatora: Maria Teresa Lopes Catrola, Processo nº. 4488/20.5T8ALM-A-L1-8, in www.dgsi.pt.
Donde, sem ulteriores delongas, decide-se pela inadmissibilidade de junção dos documentos apresentados pela Ré Recorrente e, consequentemente, determina-se o seu desentranhamento (físico), com consequente devolução à apresentante, bem como a sua eliminação do processo electrónico.
Custas do presente incidente anómalo a cargo da Ré Apelante, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC – cf., art.º 7º, nºs. 4 e 8 e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais.

**
III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar é apenas a aludida no precedente relatório.
**

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O despacho sob apelo tem o seguinte teor:
Competência internacional dos tribunais portugueses

1. Na sua contestação invocou a R. a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses.
A A. pugnou pela improcedência da exceção.
Realizou-se audiência prévia, na qual a questão foi debatida.

2. A questão suscitada nestes autos é igual a outras suscitadas em várias ações idênticas, instauradas neste e noutros tribunais, sendo em todas elas o A. um jogador de futebol profissional e a R. a empresa E...INC., uma sociedade sediada nos Estados Unidos da América, que produz videojogos de futebol para comercialização, utilizando, nos mesmos, imagens dos referidos jogadores.
Alegam, em tais ações, os jogadores, que não consentiram na utilização da sua imagem para fins comerciais, retorquindo, contra o argumento da R. de que obteve esse consentimento por parte de um sindicato de jogadores de futebol profissional, que não são representados por tal sindicato.
Peticionam, assim, a condenação da R. no pagamento de indemnização por violação do direito à imagem.

3. Semelhante questão obteve, num momento inicial, uma resposta negativa quase total por parte dos tribunais de 1ª instância e, em recurso, dos tribunais da Relação, como decorre das inúmeras sentenças e acórdãos juntos aos autos, bem como dos acórdãos que localizámos na base de dados da DGSI e que correspondem aos acórdãos juntos aos autos (Acórdãos do TRL de 26.10.2021, Proc. n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1; do TRP de 10.02.2022, Proc. n.º 637/20.1T8PRT.P1, e de 08.06.2022, Proc. n.º 1579/20.6T8PVZ.P1; do TRG de 13.01.2022, Proc. n.º 3853/20.2T8BRG.G1; e do TRE de 24.02.2022, Proc. n.º 4157/20.8T8STB.E1, e de 12.05.2022, Proc. n.º 4239/20.4T8STB.E1).
Quando, porém, estes processos chegaram, em recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça, deu-se uma reviravolta, pois a totalidade das decisões aqui produzidas inclina-se precisamente no sentido contrário (Acórdãos do STJ de 07.06.2022, Proc. n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1, de 23.06.2022, Proc. n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1, de 27.09.2022, Proc. n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1, de 13.10.2022, Proc. n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1, de 10.11.2022, Proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1, de 30.11.2022, Proc. n.º 2160/20.5T8PNF.P1.S1, de 15.12.2022, Proc. n.º 3731/21.8T8BRG.G1-A.S1, de 10.01.2023, Proc. n.º 996/21.9T8PVZ.P1.S1, de 14.02.2023, Proc. n.º 3803/20.6T8BRG.G1-A.S1, e de 15.02.2023, Proc. n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1).
O Acórdão do TRL de 27.09.2022 (Proc. n.º 2161/20.3T8CSC.L1-7) – já confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2023 -, dá nota expressiva desta alteração, inserindo-se na nova linha dominante da jurisprudência dos Tribunais da Relação, que julga os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer destas ações (neste sentido, os Acórdãos do TRL de 21.06.2022, Proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1-7, e de 13.01.2022, Proc. n.º 24974/19.9T8LSB; do TRP de 25.10.2022, Proc. n.º 996/21.9T8PVZ.P1; e do TRG de 13.10.2022, Proc. n.º 3803/20.6T8BRG.G1).
Nas decisões acima citadas expenderam-se inúmeros argumentos contra e a favor da competência internacional dos tribunais portugueses, podendo, numa muito apertada síntese, afirmar-se que se valorizou, ora o facto dos videojogos serem comercializados e produzidos a partir dos Estados Unidos da América, onde se situaria, portanto, o facto ilícito causador do dano, ora, ex adverso, que, apesar dessa circunstância, os videojogos estão disponíveis em Portugal, os AA. são portugueses e têm aqui domicílio.
Ou seja, neste último alinhamento estariam verificados os dois fatores de conexão com a ordem jurídica portuguesa previstos nas als. a) e b) do art.º 62.º do CPC, a saber, respetivamente, a coincidência e a causalidade, assim enunciados na lei:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

4. A evolução do debate conduziu ao questionamento do critério do “centro de interesses” adotado na jurisprudência, advogando a R. a sua inaplicabilidade ao caso, por pertencer tal critério ao direito comunitário e a causa situar-se fora deste âmbito, atenta a sua nacionalidade.
No último aresto do STJ publicado a este respeito, datado de 15.02.2023 (Proc. n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1), a questão foi enfrentada e decidiu-se que não se trata aqui de aplicar o direito comunitário ao caso, mas antes de o ter como referência interpretativa do direito nacional, considerando até o disposto no art.º 8.º, n.º 3 do CC.
Adianta-se ainda naquele aresto inexistir qualquer instrumento internacional que regule a competência internacional dos tribunais portugueses para este efeito.
Conclui-se, assim, no mesmo aresto:
I- Sobre o Tribunal impende a obrigação de julgar, na devida obediência à lei, não se podendo obliterar que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, numa tutela dos vetores da certeza e da segurança jurídica na aplicação da lei e na resolução dos conflitos, mas sem questionar o primado da lei sobre a jurisprudência.
II- A competência do tribunal, como medida da sua jurisdição é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, considerando o pedido do autor, isto é, o direito a que se arroga e que quer ver reconhecido ou declarado judicialmente, não estando dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida.
III- Estabelecida uma hierarquia entre as fontes da atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalece o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, sobre as normas internas da regulação da competência em termos internacionais, não existindo nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária, será à luz do disposto do aludido art.º 62.º, do CPC que deve ser aferida.
IV- O critério da causalidade, constante da alínea b) do art.º 62.º, diz-nos que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes desde que tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram, resultando de forma clara da parte final desta norma, a plena aplicação aos casos em que haja uma causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos relevantes com ligação a mais do que um ordenamento jurídico ou jurisdição nacional.
V- Enunciado na petição inicial que o A. pretende efetivar a responsabilidade da Ré por facto ilícito, decorrente da violação dos direitos à sua imagem e nome, enquanto jogador futebol, a nível nacional e mundial, por utilização daqueles em jogos de vídeo pertencentes à Ré, que os produz e desenvolve, sendo vendidos em Portugal e em todo o mundo, e os conteúdos utilizados em plataformas informáticas, configura-se a existência de uma causa de pedir complexa.
VI- Os danos decorrentes da apontada violação de direitos de personalidade correspondem ao aproveitamento económico da personalidade do Autor e assim a lesão verifica-se no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente, na vertente patrimonial, de forma plurilocalizada, em Portugal e no resto do Mundo, e os danos não patrimoniais, da afetação do mesmo pela utilização não autorizada da sua imagem e nome.
VII- Para a atribuição da competência internacional do Tribunal Português configura-se adequado o critério da causalidade, alínea b), do art.º 62, do CPC, tendo em conta a alegada concretização da violação do direito ao nome e imagem do Autor. Assim como a verificação, pelo menos em parte, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, e o desenvolvimento da sua profissão de jogador de futebol, invocada como seu sustento, em Portugal.
Não escamoteamos a dificuldade da questão, aliás, só semelhante dificuldade justifica o intenso e controverso debate jurisprudencial, mas acolhemos a argumentação expendida a favor da competência dos tribunais portugueses,
Sublinhamos ainda que o A. L........ indica, como seu domicílio, na petição inicial, o município do Seixal, e descreve no respetivo artigo 9.º os clubes de futebol onde jogou, daí decorrendo que jogou em Portugal 13 épocas das 15 que durou a sua carreira.

5. Assim, e em conclusão, julgamos este Tribunal internacionalmente competente para apreciar o presente litígio”.


I) Da nulidade do despacho apelado, decorrente de omissão de pronúncia – 1ª parte, da alín. d), do nº. 1, do art.º 615º, ex vi do nº. 3, do art.º 613º, ambos do Cód. de Processo Civil

Invoca a Recorrente Ré encontrar-se a decisão sob apelo “eivada do vício de nulidade por omissão de pronúncia sobre o pedido da ré de apreciação das questões de inconstitucionalidade na base do sentido decisório adotado pelo tribunal a quo, declarando a competência internacional, pretensão deduzida nos autos nos requerimentos de 01.07.2022 (ref.ª Citius n.º 33014841), 17.10.2022 (refª. Citius n.º 33875892), 07.11.2022 (refª. Citius n.º 34089602), 16.01.2023 (refª. Citius n.º 34747543), 27.01.2023 (refª. Citius n.º 34884107), 10.02.2023 (refª. Citius n.º 35038764) e reiterado na audiência prévia”.
Acrescenta serem inaplicáveis in casu os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais, factos que não estejam referidos na petição inicial e factos que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:
– princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas);
– princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório);
– princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e
– princípio do primado do direito europeu”.
Adita, ainda, que tal questão relativa à inconstitucionalidade “da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC foi suscitada para conhecimento expresso do Tribunal a quo, que sobre ela não se pronunciou, sendo agora reiterada para conhecimento do Tribunal a quibus, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque na formulação de critérios interpretativos do princípio legal da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir”.

Em sede contra-alegacional, referencia o Recorrido inexistir qualquer vício de interpretação em sentido desconforme com a Constituição, “nem quaisquer outras interpretações inconstitucionais que importe conhecer, tal como os doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional têm entendido de forma unânime”.

Apreciando:

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir um ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.

As causas de nulidade da sentença encontram-se inscritas no nº. 1 do art.º 615º, o qual dispõe, no que ora releva, ser “nula a sentença quando:
(….)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de
que não podia tomar conhecimento;
(….)”.

Relativamente à suscitada causa de nulidade, como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, reportando-se o primeiro, que figura no segmento parcial inicial, à omissão de pronúncia.
O nº. 2, do art.º 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Nesta tipologia de nulidade, em correspondência com este normativo, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.
Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” (sublinhado nosso) [6].
Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art.º 662º, nº. 2, al. c))”.

O Tribunal a quo, nos quadros do nº. 1, do art.º 641º, do Cód. de Processo Civil, pronunciou-se sobre a arguida nulidade, reconhecendo ocorrer tal omissão e suprindo-a, mediante recurso a citação jurisprudencial.
Desta forma, como o juízo acerca da aludida inconstitucionalidade é reiterado na presente sede recursória, para conhecimento expresso deste Tribunal, relegamos o conhecimento da aludida nulidade para o momento em que se conheça acerca da invocada inconstitucionalidade, o que se concretizará infra.


I) Da (in)competência internacional do tribunal português para conhecer da presente acção

O despacho apelado concluiu pela competência internacional do tribunal português, acolhendo a argumentação jurisprudencialmente consolidada, nomeadamente no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça, acerca daquela atribuição de competência.
Considerou, em súmula, que, apesar dos videojogos serem comercializados e produzidos a partir dos Estados Unidos da América, onde se situaria o facto ilícito causador do dano, tais videojogos estão disponíveis em Portugal, o Autor é português, tem aqui domicílio e desempenhou as funções de profissional de futebol em Portugal durante 13 anos, dos 15 que durou a sua carreira.
Pelo que, se bem o entendemos, considerou verificados os dois factores de conexão com a ordem jurídica portuguesa previstos nas alíneas a) e b), do art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, nomeadamente a coincidência e a causalidade.

No excurso recursório apresentado, a Ré questiona tal entendimento, aduzindo, em resumo, o seguinte:
- a apreciação da competência internacional é efectuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, não se procedendo a qualquer indagação probatória ou à utilização de presunções judiciais;
- o despacho sob apelo, “ao sustentar a decisão em citações jurisprudenciais, acaba por se basear na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal e em factos presumidos, factos não articulados na petição inicial e factos que não integram a causa de pedir”;
- com efeito, a causa de pedir nos presentes autos traduz-se na “alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como sejam o seu domicílio ou o local onde, em determinado período, exerceu a sua atividade profissional”;
- sendo que as vendas dos jogos FIFA em Portugal “não constituem conexão suficientemente relevante para se afirmar a competência internacional porque (i) não são imputadas à ré e (ii) não assumem nenhuma particularidade sobre todas as demais vendas noutros países”;
- pelo que, ao “assumir-se a competência internacional com base na venda dos jogos FIFA em Portugal, estaremos perante um exemplo paradigmático de competência exorbitante, já que esse facto ocorre igualmente noutras partes do mundo e seria motivo de conflitos positivos de competência e ofensa às soberanias de jurisdições estrangeiras”;
- inexiste qualquer motivo para convocar a jurisprudência do TJUE, sobre diplomas europeus, para interpretar a lei portuguesa, o que afecta o princípio da interpretação autónoma do direito nacional dos Estados-Membros;
- com efeito, incluir “no critério da causalidade do art.º 62.º, alínea b) do CPC, o centro do interesse do autor constitui violação manifesta das regras de interpretação jurídica e de normas e princípios constitucionais”;
- os critérios enunciados no art.º 62º, do CPC, devem ser apenas ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para tal efeito, como verdadeira;
- relativamente ao critério da coincidência, o “autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA”, pelo que os tribunais portugueses não são competentes ao abrigo da alínea a), do citado art.º 62º, do CPC;
- no que concerne ao factor de conexão enunciado na alínea b), do mesmo normativo – critério da causalidade -, inexiste na petição inicial “um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido especificamente em Portugal e que não ocorra noutras jurisdições, exceto nos territórios onde a ré tem atividade: EUA, Canadá e Japão”;
- pelo que, sem a “alegação do “quando” e “onde” do dano do autor, é impossível afirmar que este ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses”;
- ou seja, não “alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise jurídica para indagar o local da verificação dos danos e pressupor que “se o autor vivia em Portugal, foi aqui que sofreu os danos” ou “se o autor exercia a sua atividade num clube de futebol português, foi em Portugal que sofreu os danos””;
- com efeito, o Autor “não alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal”, pelo que não é lícito “inferir que o autor terá sofrido danos em Portugal, porque isso traduz o emprego de presunção judicial de factos, o que é vedado na apreciação da competência – art.º 38.º, n.º 1 LOSJ e art.º 351.º do CC”;
- assim, constituindo “conclusão jurídica o estabelecimento da existência de um centro de interesses, numa determinada jurisdição, não se identificam na petição inicial quaisquer factos que permitam suportar factualmente a existência desse centro de interesses em território nacional, que não se confunde com os conceitos de domicílio ou residência”;
- pelo que, “em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC e (iii) não alegação de danos em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade”;
- por fim, no que concerne ao factor de conexão enunciado na alínea c), do mesmo normativo – princípio da necessidade -, o Autor nem sequer invoca que o direito que peticiona na presente acção não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou que se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro.

Vejamos.

Estatuindo acerca da competência internacional, prescreve o art.º 59º, do Cód. de Processo Civil, que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º” (sublinhado nosso).
Enunciando os factores de atribuição da competência internacional, enuncia o art.º 62º, do mesmo diploma, que “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.
Por sua vez, dispondo a propósito da extensão e limites da competência, prescreve o nº. 2, do art.º 37º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei nº. 62/2013, de 26/08 – que “a lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, acrescentando o nº. 1, do normativo seguinte – 38º -, prevendo acerca da fixação da competência, que esta “fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”.
No campo legislativo, e segundo o enquadramento que efectuaremos, enuncie-se, ainda, o disposto no Regulamento Bruxelas I bis – Regulamento (EU) nº. 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial -, nomeadamente no 2) do art.º 7º, o qual estatui que “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.
Bem como o prescrito no nº. 1, do art.º 6º, do mesmo Regulamento, o qual prescreve que “se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro”.

Referencia Paulo Pimenta – Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 95 a 98 – que uma questão em litígio “pode, face a este ou àquele seu elemento subjectivo ou objectivo, estar em contacto com mais do que uma ordem jurídica, caso em que se torna necessário determinar os limites da competência internacional dos tribunais de cada um dos Estados”.
Desta forma, urge “definir os critérios atributivos da competência internacional dos tribunais portugueses, ou seja, apurar a chamada jurisdição do Estado português. Esta ocorre sempre que os tribunais portugueses se arrogam o direito de exercer a função jurisdicional e assumem mesmo o dever de assim actuarem”.
Pelo que, previamente à verificação de “qual é o tribunal português (internamente) competente para julgar uma causa, é necessário determinar se os próprios tribunais portugueses têm competência internacional em face dos estrangeiros”.
Conforme decorre do transcrito art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, “existem três critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional, sendo de entender que basta a verificação de um para que haja tal competência”.
O primeiro critério, enunciado na alínea a) daquele normativo, “radica no princípio da coincidência, isto é, a competência internacional dos tribunais portugueses resulta da circunstância de a acção dever ser proposta em Portugal segundo as regras da competência interna territorial estabelecidas pela lei portuguesa, as quais constam dos arts. 70º e seguintes. Neste caso, pode dizer-se que, por força da coincidência entre a competência territorial e a competência internacional, os tribunais portugueses podem julgar quaisquer acções que devam ser propostas em Portugal, segundo a aplicação das regras daquela competência interna”.
Relativamente ao segundo critério, enunciado na alínea b), do mesmo normativo, pode ser “designado por princípio da causalidade, querendo isto significar que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir (ou seja, de fundamento) na acção tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de uma causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal”.
Por fim, o terceiro critério, enunciado na alínea c) daquele art.º 62º, “atribui competência internacional aos tribunais portugueses com base no chamado princípio da necessidade, o que se traduz em os tribunais portugueses assumirem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor”, configurando-se, todavia, como “imprescindível que entre a acção a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real”.
Conforme resulta do regime daquele art.º 62º - atendendo até à diferenciação do prescrito no normativo seguinte -, nas hipóteses ali enunciadas “a acção pode ser proposta nos tribunais portugueses, embora não seja forçoso que tal aconteça, isto é, bem pode suceder que a acção dê entrada no tribunal de outro país, o mesmo é dizer que, no limite, a competência de que assim gozam os tribunais portugueses é concorrencial ou alternativa face à dos tribunais de outros países” (sublinhado nosso).

Nas palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, Volume 1º, Almedina, pág. 155 e 156 -, o critério da causalidade, enunciado na alínea b), do art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, “determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir”, sendo que a parte final daquela alínea, no segmento onde se referencia «ou algum dos factos que a integram», “tem aplicação nos casos de causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos” (sublinhado nosso).
Acrescentam, citando Anselmo de Castro – Direito processual civil, Vol. II, pág. 29 -, que “a finalidade da lei é impedir «a denegação da competência dos nossos tribunais sempre que um só dos factos, por mínimo que fosse, tivesse ocorrido em território estrangeiro»”.
Por sua vez, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa – Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, pág. 278 e 279 -, aduzem que por força do enunciado critério da causalidade, “a competência internacional dos tribunais portugueses resulta de ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que integram essa causa petendi”, esclarecendo que para que os tribunais portugueses sejam competentes segundo este critério, “é necessário que, pelo menos, um dos factos que integram a causa de pedir tenha sido praticado em Portugal”, ressalvando que “a prática em Portugal de um facto complementar ou concretizador não chega para atribuir competência aos tribunais portugueses”.
Acrescentam ser bastante discutível a justificação para a legal adopção deste critério, considerando ser difícil que o mesmo “não conduza a uma competência exorbitante desses tribunais” (sublinhado nosso).

Em termos ligeiramente diferenciados, nomeadamente no que concerne ao relevo dos factos complementares, aduz Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 202 a 204 – que a causa de pedir a que se refere a alínea b) do art.º 62º, do CPC, “abrange todos os factos que incorporam a causa de pedir, incluindo os factos complementares”, sendo que “a interpretação-padrão do preceito seguindo o seu teor literal distingue entre (1) causa de pedir simples e (2) causa de pedir complexa”.
Assim, “sendo a causa de pedir complexa há-de ter «sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção»” e, citando jurisprudência, adita que “a causa de pedir nas acções de indemnização por facto ilícito é constituída por um facto complexo, integrado pela violação do direito de outrem, pela ilicitude, pela culpa, e pelos danos, bastando que um deles ocorra em Portugal para se garantir a nossa competência internacional”.
Acrescenta o mesmo Autor que “no plano literal do preceito, atenta a sua indistinção e a sua origem histórica, a alínea em apreço abrange qualquer facto causal da procedência do pedido, o que não é, aliás, de estranhar: no dizer de ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório II, 1982, 28-29 o «propósito do legislador (…) foi o de alargar tanto quanto possível o âmbito da competência internacional dos tribunais portugueses», sendo suficiente qualquer conexão objectiva com o nosso País, integrante da causa petendi.
Na verdade, a facilidade da obtenção e produção de prova, mesmo de factos complementares, justifica a atribuição de jurisdição a uma relação plurilocalizada, por razões de proximidade” (sublinhado nosso), o que não é extensível aos factos instrumentais, pois estes “não integram a causa de pedir”, ou seja, “não são factos constitutivos do direito alegado”.
Por fim, defende o mesmo Autor dever apelar-se à ideia de inconveniência, isto é, “a aplicação do critério da causalidade não pode conduzir a resultados desrazoáveis”, pelo que, citando Remédio Marques – Acção declarativa à luz do Código revisto, 2009, pág. 286 -, referencia que este sugere “que a nossa lei passasse a afastar aquelas causas com factos irrelevantes «com base na ideia de fórum non conveniens»”.
Acrescenta que tal “regra do fórum non conveniens ou tribunal mais bem colocado traduz-se num poder discricionário do tribunal em recusar jurisdição a uma causa sempre que outro tribunal esteja melhor colocado para dela conhecer (…). Para o exercício desse poder o tribunal deverá considerar vários elementos da causa, nomeadamente, a residência das partes, localização das provas e das testemunhas, o direito substantivo aplicável ao caso, a efectividade de acesso à justiça nos sistemas judiciais alternativos, as regras imperativas de interesse público”.  

Efectuado o enquadramento doutrinário da competência internacional e dos factores de atribuição desta, vejamos como tem sido jurisprudencialmente tratada a questão em controvérsia no presente recurso, relativamente a processos com nítidas semelhantes ao presente.
Como já foi referenciada basta jurisprudência nos presentes autos, quer na decisão apelada, quer nos vários requerimentos e respostas apresentados, quer no teor das alegações e resposta consignados, apreciaremos, fundamentalmente, os desenvolvimentos jurisprudenciais mais recentes, com especial enfoque nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça (todos in www.dgsi.pt) .

O douto Acórdão do STJ de 08/02/2024 – Relator: Nuno Pinto Oliveira, Processo nº. 4425/20.7T8ALM-B.L1.S1 -, começou por afastar a aplicabilidade do enunciado Regulamento (EU).
Consignou que o “Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial não é aplicável ao caso sub judice — em primeiro lugar, porque não está preenchida a regra do artigo 5.º, atendendo a que a Ré não tem o seu domicílio em nenhum dos Estados-membros da União Europeia e, em segundo lugar, porque não está preenchida nenhuma das excepções à regra do artigo 6.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012”, pelo que, excluída a aplicabilidade de tal Regulamento, na determinação da competência internacional dos tribunais portugueses, deve “atender-se ao artigo 62.º do Código de Processo Civil”.
Na consideração deste normativo, e nos factores de atribuição de competência no mesmo inscritos, consignou-se que o “critério enunciado na alínea a) do artigo 62.º — critério da coincidência — convoca o artigo 71.º, n.º 2:
Se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”.
Todavia, ressalva, “o problema está em que a aplicação do artigo 71.º, n.º 2, causa dificuldades desde que a acção ou omissão do lesante se dê em lugar diferente do dano — sobretudo, desde que os danos sejam dispersos, dando-se em lugares distintos”, pelo que, “em complemento do critério da alínea a) do artigo 62.º — critério da coincidência —, deve convocar-se o critério da alínea b) — critério da causalidade —: os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.
Considerou, então, que em acções semelhantes à equacionada o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo “que o critério da causalidade se encontra preenchido sempre que o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados pela violação esteja em Portugal”, e que o critério com relevo para determinar “se o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados pela violação está ou não em Portugal encontra-se nos factos alegados na petição inicial”.
Citando variada jurisprudência, acrescenta que “em sede de aferição do pressuposto da competência do tribunal, […] cabe apenas ponderar os contornos factuais e jurídicos da pretensão deduzida na medida necessária para aferir do pressuposto da competência em causa”.
Assim, no caso concreto, apresentando o Autor “como domicílio o município do ... e alega que jogou em clubes portugueses em oito das onze épocas da sua carreira de futebolista — cf. artigo 9.º da petição inicial”, tais factos alegados “são suficientes para que se conclua que o Autor, agora Recorrido, AA exerceu predominantemente a sua actividade em clubes portugueses — logo, em Portugal — e que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciarem e decidirem a presente acção”.
Relativamente à alegação da Recorrente Ré de que a conclusão que o Autor terá tido danos em Portugal se traduz no emprego de presunção judicial de factos (tal como ocorre no caso em apreciação), na citação de jurisprudência do mesmo Tribunal, entende que tal conclusão “não implica o recurso a qualquer enquadramento factual senão aquele que foi alegado pelo autor e havia sido atendido pelas instâncias, nem recorreu a quaisquer juízos presuntivos para firmar os factos em que fundamenta a decisão”.
No que se reporta ao argumento de inconstitucionalidade na interpretação do citado art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, baseado, fundamentalmente, na alegação de que:
“I. — em primeiro lugar, por convocar conceitos relativos ao domicílio, ou de centro de interesses do Autor, agora Recorrido, irrelevantes para efeitos do artigo 62.º do Código de Processo Civil;
II. — em segundo lugar, por referir factos presumidos, não invocados na petição inicial”, refutou-o, considerando o seguinte:
“— em primeiro lugar, que nada na Constituição da República Portuguesa se opõe a que argumentos deduzidos do direito europeu sejam convocados para a interpretação de disposições de direito interno;
— em segundo lugar, que no acórdão recorrido não se referiu nenhum facto não invocado na petição inicial;
— em terceiro lugar, que no acórdão recorrido não se recorreu a nenhuma presunção para dar como provado algum facto invocado na petição inicial;
— em quarto lugar, que nada na Constituição da República Portuguesa se opõe a que a decisão sobre a competência internacional dos tribunais portugueses seja proferida atendendo aos factos invocados na petição inicial”.
E, citando o douto aresto do mesmo Tribunal de 16/11/2023 – Processo nº. 7962/21.2T8VNG.P1.S1 -, considerou que “[…] só haverá interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respetiva reponderação […]. a utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando o critério normativo sindicado não coincide com o que foi aplicado pelo tribunal recorrido. Ora, é precisamente o que sucede no presente caso. As pretensas interpretações normativas aqui impugnadas não foram aplicadas no acórdão recorrido, tal como, desde logo, decorre dos fundamentos da resposta à questão anterior, onde ficou exarado que o acórdão recorrido se fundou exclusivamente em factos alegados pelo autor na petição inicial e rigorosamente discriminados […]. A orientação seguida no acórdão recorrido não foi a invocada pelo autor, que permitiria sustentar a competência internacional em presunções de facto, mas aquela, segundo a qual, a apreciação da competência internacional do tribunal se afere pelos termos em que o autor configura a relação material controvertida. É importante notar que não se verificou no acórdão recorrido qualquer juízo probatório, acompanhado da consequente fixação de quaisquer factos provados, mas tão-só a enumeração dos factos alegados que integraram a causa de pedir tal como foi delineada pelo autor. Avaliar da suficiência desta alegação e da sua veracidade probatória não compete aos tribunais nesta fase, em que está em causa unicamente a definição do tribunal competente, mas não o mérito da questão. Quem confunde ambas as vertentes é a recorrente na sua alegação de recurso de revista, não o acórdão recorrido e a jurisprudência que se tem pronunciado no sentido de reconhecer a competência internacional aos tribunais portugueses”.
Nesse seguimento, sumariou-se, então, que os “tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome, imagem e características físicas e pessoais, nos videojogos FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo” (sublinhado nosso).

No douto Acórdão do mesmo STJ de 29/02/2024 – Relator: Ferreira Lopes, Processo nº. 17657/20.9TSLSB-A.L1.S1 -, apreciou-se situação com alguma diferenciação, traduzida no facto do ali Autor não residir sequer em Portugal.
Começou-se por afastar as normas do Regulamento, em virtude da Ré possuir sede nos Estados Unidos da América, antes se devendo ponderar acerca da aplicabilidade dos critérios plasmados no citado art.º 62º, do CPC.
Estando-se perante acção em que se pretendia efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Ré, por violação, mediante a prática de acto ilícito, dos direitos de personalidade do Autor, e devendo a competência internacional dos tribunais portugueses ser aferida em função do pedido e causa de pedir afirmados pelo demandante, importaria então apreciar o por este alegado.
Na situação apreciada, invocou o Autor que “a Ré, que tem sede nos Estados Unidos da América, utiliza sem a sua autorização, o seu nome e imagem nos jogos electrónicos que produz e comercializa, em todo o mundo, e assim também em Portugal, resultando dessa actuação a ofensa do direito ao nome e à imagem do Autor. O Autor tem nacionalidade portuguesa, é profissional de futebol, actualmente representa FC ... do ..., tendo jogado em Portugal, onde diz ter feito a sua formação, no CF União da ..., nos escalões jovens do Sport ... e representado a Selecção Nacional de Portugal, nos escalões sub-17 e sub-18”, pelo que, com base nesta factualidade, entendeu a Relação disporem os “Tribunais portugueses competência internacional em função do critério da causalidade, isto porque “a difusão em Portugal da imagem, nome e caraterísticas do A., cidadão português, nos videojogos da R., constitui factualidade relevante que integra a causa de pedir da presente ação, pelo que mostra-se preenchido o indicado critério da causalidade”, correspondendo este entendimento ao que vem sendo pacificamente sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Relativamente á circunstância factual de presentemente o Autor não possuir residência em Portugal, consignou-se não ser tal decisivo “para afastar a competência dos tribunais portugueses uma vez que no caso se verificam factos suficientes para se poder ter por verificada uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português: a nacionalidade portuguesa do Autor, ter sido em Portugal que o Autor fez o essencial da sua formação como profissional de futebol, tendo chegado à selecção nacional nas camadas jovens, o que lhe deu a notoriedade com influência na comercialização dos vídeo jogos, e embora neste momento exerça a sua profissão no ..., um facto sem especial importância dada a conhecida mobilidade dos jogadores profissionais de futebol, permite concluir que o seu centro de interesses localiza-se indiscutivelmente em Portugal”.
No que concerne à argumentação da Recorrente Ré de que “”não há em toda a petição inicial um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido em Portugal”, e ainda que “a venda de jogos FIFA não constitui conexão relevante para se afirmar a competência dos tribunais portugueses, porque não são imputadas à Ré” cita antecedente aresto do mesmo Tribunal de 24/05/2022, no qual se defendeu que “Relativamente ao lugar onde ocorreu a acção causal do dano, há que ter em consideração que a acção violadora do direito ao nome e à imagem, através de um conteúdo divulgado por todo o mundo, compreende não só a produção dos vídeos jogos, processo em que se inclui o nome se representa a imagem num determinado suporte físico ou digital, mas também a sua exposição pública através da comercialização mundial generalizada desses suportes. Apesar de na petição inicial se dizer que essa comercialização era efectuada por empresas subsidiárias da ré, designadamente (…) que assumia a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não deixa o Autor de imputar a divulgação pública apenas à Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses actos.
(…)
Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se a jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nessas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos satisfaz o objectivo da boa administração da justiça.””.
Por fim, relativamente à alegação de inconstitucionalidade (reproduzida in casu), de que
são inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 8.º, 9.º e 351.º do CC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, por violação do princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu”, citou segmento do Acórdão do mesmo STJ de 16/11/2023 – Relatora: Maria Clara Sottomayor, Processo nº. 7962/21.2T8VNG.P1.S1 -, já invocado pelo antecedente aresto.
Do exposto, resultou o juízo sumariado, no sentido de constituir “entendimento constante do STJ que os tribunais portugueses dispõem de competência internacional, nos termos do art. 62.º, al. b), do CPC, para decidirem acções em que um profissional de futebol que exerceu predominantemente a sua actividade em Portugal, pede indemnização por danos causados pela utilização não consentida do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos EUA e divulgados por todo o mundo.
II - Este critério é de manter ainda que o autor não resida em Portugal, por estar colocado num clube estrangeiro onde actua como profissional de futebol, se concomitantemente tiver alegado factos que denotam uma conexão relevante com o ordenamento jurídico português, como seja, a nacionalidade, ter feito sua formação em Portugal, jogado em clubes portugueses e representado a Selecção Nacional nos escalões jovens” (sublinhado nosso).

No douto aresto do mesmo STJ de 14/03/2024 – Relator: João Cura Mariano, Processo nº. 4488/20.5T8ALM-A.L1.S1 -, referenciou-se ser o dano invocado pelo Autor unicamente a exposição do seu nome e da sua imagem sem a sua autorização, e, conforme o teor do por si alegado, a causa de pedir invocada é plurilocalizada, pois tem contactos ou atinência com diferentes ordenamentos jurídicos.
Acrescentou-se que “os danos causados pela ofensa aos direitos de personalidade ao nome e à imagem são realidades distintas do ato lesivo, claramente diferenciados na parte que se traduz na atividade criadora do suporte que contém o conteúdo lesivo, mas coincidente com a atividade de divulgação púbica generalizada do nome e da imagem do Autor sem o seu consentimento.
Neste processo, o Autor limita-se a alegar como prejuízo a divulgação da sua imagem e nome para fins lucrativos pela Ré sem o seu consentimento, o que coincide com essa dimensão do ato lesivo, ou seja, a divulgação do seu nome e imagem com finalidades lucrativas, sem o consentimento do Autor.
Apesar deste localizar o prejuízo invocado em todo mundo, uma vez que que a divulgação do seu nome e imagem é relativa à sua vida profissional de futebolista, ele ganha maior expressão no local onde o Autor, no momento, exerce essa profissão.
Tem-se entendido que, nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização pela lesão do direito à imagem e nome do lesado poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta exigência, os inconvenientes do denominado “forum shopping.””.
Assim, entende não merecer acolhimento “a tese de que deveria ser proposta uma ação em cada um dos Estados por onde o Autor exerceu a sua profissão, relativamente aos danos que este sofreu em cada um dos países por onde passou (neste caso, Portugal, ..., ..., ... e ...), como aparenta sugerir a respeitável opinião de Miguel Teixeira de Sousa, numa página do Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), num artigo datado de 6 de fevereiro de 2023, com o título “Futebolistas, videojogos e competência internacional”, e que a Recorrente apresenta como “parecer”, por tal sugestão não atender ao princípio da economia processual, segundo o qual se deve procurar obter o máximo resultado processual, através do mínimo de atividade possível, e se revelar insuportavelmente onerosa para o lesado, ignorando as exigências constitucionais de um processo equitativo”.
Deste modo, no que se reporta à escolha do foro português pelo Autor, “constata-se a alegação na petição inicial de diversos elementos que revelam a existência de um elo de ligação suficientemente forte entre a alegada violação dos direitos de personalidade do Autor e o Estado português que justificam essa escolha:
- o Autor tem domicílio em Portugal (identificação do Autor no cabeçalho da petição inicial);
- o Autor é português (identificação do Autor no cabeçalho da petição inicial);
- o país onde maioritariamente o Autor exerceu a sua profissão foi em Portugal - cerca de metade do tempo da sua actividade futebolística foi desenvolvida em clubes portugueses (artigo 9.º da petição inicial);
-os videojogos são difundidos e vendidos em Portugal (artigo 26.º da petição inicial);
- os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal (artigos 29.º e 30.º da petição inicial)”.
Pelo que, conclui, “perante a alegação destes elementos fácticos, a competência dos tribunais portugueses não constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competência exorbitante, uma vez que releva uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado Português, justificativa da intervenção dos seus tribunais, assim como não fere qualquer interesse legítimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercialização global dos videojogos por si produzidos, é expetável que possam ocorrer litígios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os órgãos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensão, sempre lhe permitirá, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessárias em Portugal”.
Em segmento final, no que se reporta à alegada interpretação inconstitucional aduzida, aduz que “não se tendo recorrido à utilização da qualquer raciocínio presuntivo factual para relevar factos não alegados pelo Autor e tendo a determinação da competência dos tribunais portugueses resultado unicamente da aplicação do critério da causalidade adotado no artigo 62.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil, pelo que não há que conhecer das questões de constitucionalidade colocadas pela Recorrente nas alegações de recurso, uma vez que as interpretações normativas por ela arguidas de inconstitucionais, quanto à utilização de raciocínios presuntivos, aplicação de regras de direito europeu e consideração de factos não alegados na petição inicial não se verificam, pretendendo-se apreciações de constitucionalidade de interpretações ficcionadas pelo Recorrente que não integram a ratio decidendi do acórdão recorrido e que também não são aqui perfilhadas” (sublinhado nosso).

No douto Acórdão do STJ de 28/05/2024 – Relatora: Fátima Gomes, Processo nº. 96/21.1T8ALM-A.L1.S1 -, começou por afastar-se o recurso ao Regulamento (UE) nº. 1215/2012, mencionando-se que “tratando-se de uma acção de responsabilidade civil por facto ilícito, a sua inserção no espaço da União Europeia e, tendo em conta a matéria a que respeita, a consequente aplicação do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, exigiria que a demandada tivesse o seu domicílio num Estado Membro (artigos 24.º, 25.º, 1.º, 5.º, 7.º, n.º 2, 63.º do Regulamento), o que não sucede”, dependendo, assim, a aferição da competência internacional da eventual verificação de algum dos critérios ou princípios inscritos no art.º 62º, do CPC.
Acrescentou-se que “no âmbito de processos em que a ré é a mesma, sendo semelhantes as causas de pedir invocadas, em particular no que relevam para o efeito de determinar a competência dos tribunais portugueses, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, “em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e da sua imagem em videojogos da FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, inclusivamente em Portugal (acórdão de 10 de Novembro de 2022, proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1).
Tem ainda entendido que essa competência se funda no princípio da causalidade, por se tratar de acções com causas de pedir complexas, nas quais os danos invocados pelos autores se prolongam no tempo e, de acordo com o que é alegado, ocorrem significativamente em Portugal, uma vez que os factos alegados situam em Portugal o centro de interesses do autor.
Assim decidiu-se no mesmo sentido, nomeadamente (e utiliza-se este termo porque se decidiu da mesma forma em outros acórdãos, nas quais a ré era a mesma, mas que ainda não se encontram publicados) nos seguintes acórdãos, todos já publicados em www.dgsi.pt,:
- Ac. do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1
- Ac. do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1
- Ac. do STJ de 23-06-2022, Revista n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1
- Ac. do STJ de 27-09-2022, Revista n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1
- Ac. do STJ de 13-10-2022, Revista n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1
- Ac. do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 1579/20.6T8PVZ.P1.S1
- Ac. do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1
- Ac. do STJ de 15-12-2022, Revista n.º 3731/21.8T8BRG.G1-A.S1
- Ac. do STJ de 10-01-2023, Revista n.º 996/21.9T8PVZP1.S1
- Ac. do STJ de 14-02-2023; Revista n.º 3803/20.6T8BRG.G1-A.S1
- Ac. do STJ de 15-02-2023, Revista n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1
- Ac. do STJ de 25-05-2023, Revista n.º 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1
- Ac. do STJ de 30-05-2023, Revista n.º 4167/20.3T8LRA.C1.S1
- Ac. do STJ de 16-11-2023, Revista n.º 7962/21.2T8VNG.P1.S1
- Ac. do STJ de 08-02-2024, Revista n.º 4425/20.7T8ALM-B.L1.S1”.
Acrescentou-se, assim, ter o Autor alegado “factos relativos a elementos de conexão suficientes que permitam integrar o caso dos autos nas alíneas do art.º 62.º do CPC, e ainda no conceito de “centro de interesses”, pelo que, nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a acção em que se reclama o pagamento de uma indemnização por tais danos poderá ser intentada em qualquer uma das respectivas jurisdições, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais”, situação que está verificada no presente processo”.
Sendo que, naquela situação, a factualidade alegada pelo Autor em sede de petição inicial traduziu-se no seguinte:
“de que o autor é domiciliado em Portugal (início da petição inicial);
- o A. é português (início da petição inicial);
– de que, à data da propositura da acção, representava um clube português;
– de que exerceu a sua profissão de futebolista em diversos clubes e com duração significativa em clubes portugueses”, nomeadamente, nos que indica no artigo 8.º da petição inicial;
– de que os jogos são difundidos e vendidos em Portugal;
– de que os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal”.
Relativamente às objecções aduzidas pela Ré, quer no que respeita à alegada inconstitucionalidade, quer no que se reporta à indevida utilização de jurisprudência do TJUE, consignou-se que “na presente decisão o tribunal não recorre, nem a presunções para ter como provado nenhum facto que releve para estabelecer a competência dos tribunais portugueses, nem a factos não alegados na petição, nem se atribui relevo autónomo ao domicílio do autor.
Também da referência que se possa ter feito à jurisprudência do TJUE, não decorre que se está a utilizá-la para interpretar a lei portuguesa, muito menos a tomá-la como vinculativa.
Entende-se que dos factos alegados – de que a carreira profissional do autor decorreu em várias épocas em Portugal, com duração significativa, e em representação de clubes portugueses, de que o seu domicílio se situa em Portugal (sem que isto signifique dar relevo autónomo ao domicílio do autor, repete-se), de que os jogos são difundidos em Portugal (o que aliás integra o facto ilícito, tal como é descrito pelo autor, que não se esgota com a elaboração e a produção dos jogos) – resulta que parte significativa da causa de pedir é situada pelo autor em Portugal.
Não se retirando dos preceitos indicados pelo recorrido nenhuma norma com o sentido que se retira da alegação de inconstitucionalidade, não há que conhecer da invocada inconstitucionalidade de normas que se não aplicaram” (sublinhado nosso).

No âmbito deste Tribunal da Relação, mencionemos, apenas, os seguintes doutos arestos (todos in www.dgsi.pt):
- de 07/12/2023 – já supra identificado -, no qual, seguindo-se a jurisprudência pacífica e unânime do STJ, sumariou-se que “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62-b) do CPC para decidirem uma ação em que o autor, um jogador de futebol que reside em Portugal, e onde jogou durante várias épocas, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, da sua imagem e nome, nos jogos eletrónicos da FIFA, produzidos pela ré nos EUA e divulgados por todo o mundo”;
- de 21/06/2022 – Relatora: Isabel Salgado, Processo nº. 17046/20.5T8LSB.L1-7 -, no qual, no perfilhar de idêntica jurisprudência, sumariou-se que “a determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado, sendo que a causa de pedir assenta nos fundamentos constituídos por pontos de facto com função instrumentada (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que consubstancia aquela causa de pedir (facto jurídico).
2.– Não estando, é certo, em equação in casu a aplicação do direito comunitário, justifica-se o auxílio dos ensinamentos provindos do TJUE, em contextos litigiosos análogos; e , na jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o conceito de «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», contido no artigo 7º, nº 2 do Regulamento nº 1215/2012, refere-se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, reforçado pela jurisprudência do mesmo tribunal ao sugerir a aplicação do critério segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses.
3.– Nos autos, os jogos de vídeo produzidos pela Ré sociedade comercial sediada nos EUA, encontram-se disponíveis em Portugal, através de venda directa ou indirecta, o Autor é português e domiciliado em Lisboa e, reclama da Ré a obrigação de reparar os danos materiais e não patrimoniais causados na sua imagem pessoal e profissional, pelo que é de concluir que o tribunal detém competência internacional para julgar o pleito , concorrendo os factores de atribuição de competência tipificados nas al) a) e b) do artigo 62º do CPC” (sublinhado nosso);
- de 02/03/2023 – Relator: Paulo Fernandes da Silva (que figura nos presentes autos como 2º Adjunto), Processo nº. 17657/20.9T8LSB-A.L1.2 -, no qual, perfilhando-se a orientação pacífica emanada pelo STJ, sumariou-se que a “competência internacional do tribunal deve ser apreciada e decidida em função do pedido e da causa de pedir deduzida na petição inicial”, pelo que, “estando em causa a imagem, nome e características próprias do A., cidadão português, aspetos esses que são difundidos por todo o mundo, designadamente em Portugal, através de videojogos produzidos pela R., com sede nos EUA, importa conferir aos Tribunais portugueses competência internacional em função do apontado critério da causalidade”;
- de 14/12/2023 – Relatora: Teresa Soares, Processo nº. 96.21.1T8Alm-A.L1-6 -, no qual se consignou que “o apontado conceito – ser em Portugal o centro de interesses do lesado – não cai sobre a alçada das normas a que se vêm aludindo, ou seja, não vemos forma de enquadrar tal conceito em qualquer um dos preceitos dos art.º 62.º e 63.º do CPC, por não ter o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, o que, a entender-se de modo diverso, constituiria violação do disposto no art.º 9.º do CC”.
Assim, ressalvou-se, “não pode o critério relativo ao centro de interesses ser subsumido na previsão do art.º 62.º, alínea b) do CPC: “o centro de interesses” não é um facto que integre a causa de pedir”, pelo que se concluiu no sentido de considerar o Tribunal Português internacionalmente incompetente para conhecer de acção totalmente semelhante àquelas que vimos equacionando.
Nesta Relação, foi o único aresto recente dissonante do entendimento do STJ que descortinámos, tendo sido o mesmo posteriormente revogado pelo recente Acórdão do STJ de 28/05/2024, já supra apreciado.

Fixado o entendimento jurisprudencial, é tempo de enunciar os princípios ou critérios ponderáveis, bem como articulá-los com o caso concreto.
Assim, podemos referenciar o seguinte:
- a competência internacional dos tribunais portugueses é exclusivamente aferida de acordo com os critérios ou princípios de atribuição plasmados no art.º 62º, do Cód. de Processo Civil, nomeadamente, o princípio da coincidência (alínea a)), o princípio da causalidade (alínea b)) e o princípio da necessidade (alínea c)), bastando a verificação de um deles para que a competência seja reconhecida;
- no que concerne ao critério ou princípio da causalidade, é reconhecida competência internacional aos tribunais portugueses sempre que o fundamento ou facto que serve de causa de pedir na acção tenha ocorrido em território nacional ou, estando-se perante causa de pedir complexa (constituída por uma pluralidade de actos ou factos jurídicos), algum dos factos integrantes da mesma tenha ocorrido em Portugal;
- nas acções de responsabilidade civil extracontratual indemnizatórias por facto ilícito, a causa de pedir tem natureza complexa, sendo integrada ou composta pela acção voluntária de violação do direito de outrem, pela ilicitude, pela culpa, pelo nexo causal e pelos danos, sendo bastante para garantir a competência internacional dos tribunais portugueses que pelo menos um desses elementos ocorra em Portugal;
- in casu, está-se perante acção em que o Autor pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Ré, por violação, mediante a prática de acto ilícito, dos direitos de personalidade do Autor, nomeadamente o direito à imagem e ao nome;
- devendo, assim, a competência internacional dos tribunais portugueses ser aferida em função do pedido e causa de pedir afirmados pelo Autor demandante, importando apreciar o por este concretamente alegado;
- na presente situação não é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial pois, por um lado, a Ré não tem o seu domicílio ou sede em nenhum dos Estados-membros da União Europeia (mas antes nos Estados Unidos da América) – cf., o art.º 5º - e, por outro, não ocorre preenchimento de quaisquer das excepções à regra do art.º 6º, do mesmo Regulamento;
- em acções semelhantes à presente, é entendimento consolidado e uniforme do STJ que deve entender-se preenchido o critério da causalidade, previsto na alínea b), do art.º 62º, do CPC, sempre que o denominado centro de interesses do lesado se deva considerar sedeado ou radicado em Portugal durante o período em que se produzem os alegados danos provocados pela violação;
- aferindo-se acerca de tal sedear ou radicar mediante a concreta análise da matéria factual alegada em sede de petição inicial;
-  in casu, o Autor alegou que:
- Reside em Portugal, conforme aposição da morada na sua identificação inicial;
- É de nacionalidade portuguesa – cf., art.º 3º;
- Exercia, à data da instauração da acção, as funções de futebolista em Portugal – cf., art.º 4º;
- Exerceu maioritariamente a sua profissão em clubes portugueses – cf., art.º 5º;
- Nas quinze épocas entre 2005/06 e 2019/20, jogou treze delas em Portugal – cf., art.º 9º;
- Atingiu notoriedade representando a seleção nacional de futebol Sub-19, Sub-20 e Sub-21, tendo realizado 20 partidas e participando no apuramento para o Campeonato Europeu Sub-21 – cf., art.º 8º;
- O seu nome, imagem e características pessoais foram utilizados pela Ré nos vários jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos que produz e comercializa a nível global, o que inclui Portugal – cf., art.º 15º;
- Os jogos são utilizados em torneios realizados em Portugal – cf., artºs. 28º e 29º;
- Apesar de não os comercializar na Europa (o que é efectuado pela subsidiária EA Swiss Sàrl), é a Ré quem produz, desenvolve e fornece os jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à internet, dispositivos móveis e computadores – cf., artigos 1º e 2º;
- tal factualidade configura-se como suficiente e bastante para se lograr considerar que o centro de interesses do Autor encontrava-se sedeado em Portugal durante o período de produção dos alegados danos imputados à Ré, o que implica o necessário reconhecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, por preenchimento do critério da causalidade;
- ou seja, urge reconhecer decorrer daquela factualidade a existência de uma conexão suficientemente sólida entre o caso alegado pelo Autor e o Estado Português, de forma a reconhecer competência internacional aos tribunais portugueses, sem que se possa aludir, pertinentemente, à consumação de uma qualquer competência exorbitante;
- o conceito de centro de interesses do lesado tem raiz fundante no direito comunitário e na jurisprudência do TJUE;
- todavia, a sua utilização não implica a aplicabilidade, directa e imediata ou em termos vinculísticos, daquele direito ou entendimento jurisprudencial comunitário, mas antes a sua utilização, como elemento adjuvante, na interpretação e compreensão do factor de conexão enunciado na alínea b), do art.º 62º, do CPC;
- efectivamente, para a aplicação da jurisdição, o critério seguido pelo TJUE é o do centro da vida do lesado, ou seja, o espaço onde tem o seu centro de interesses, aí se radicando o seu meio social, onde interage com os semelhantes e onde, naturalmente, se fazem repercutir, com maior amplitude, os danos causados aos seus direitos de personalidade;
- assim, a lesão do direito à imagem e ao nome do Autor, apesar da alegação de que a venda na Europa é efectuada por uma sua subsidiária, é por este imputada à Ré, em termos globais e de pública divulgação, nomeadamente através dos actos desta de produção, desenvolvimento e fornecimento dos jogos, conteúdos e serviços online, pelo que, tendo o Autor alegado tal ilícita utilização, por parte da Ré, com uma amplitude global, também em Portugal se consuma a lesão do bem jurídico (o dano), isto é, a afectação ou violação dos direitos de personalidade do Autor, fazendo incidir sobre a mesma Ré a responsabilidade pelos danos resultantes de tais actos;
- no que concerne à alegada inconstitucionalidade invocada pela Recorrente Ré, no que se reporta à aplicação dos artigos 62º, do CPC, 38º, nº. 1, da LOSJ e 351º, do Cód. Civil, dir-se-á, na senda do exposto entendimento jurisprudencial, inexistir qualquer regra constitucional que proíba o recurso a argumentação utilizada na interpretação do direito europeu para a interpretação ou análise de disposições legais do direito interno;
- por outro lado, resulta evidente que no despacho apelado – bem como na presente decisão colegial - não se referenciou ou ponderou qualquer facto que não constasse da própria petição inicial apresentada pelo demandante;
- nem se recorreu a qualquer juízo presuntivo, de forma a lograr considerar-se como provada factualidade invocada na mesma petição inicial;
- nem se atribuiu, igualmente, qualquer particular ou autónomo relevo ao domicílio do Autor;
- acresce inexistir qualquer impedimento constitucional em que a decisão sobre a competência internacional dos tribunais portugueses seja aferida com base no teor alegacional exposto na petição inicial;
- donde, as alegadas interpretações normativas expostas pela Recorrente Ré não foram aplicadas nem no despacho recorrido, nem no juízo que vimos efectuando, o que retira qualquer utilidade na apreciação da alegada inconstitucionalidade;
- ou seja, não tendo sido utilizadas quaisquer presunções judiciais, conducentes à ponderação de factos que extravasem os alegados em sede de petição inicial, não se tendo operado qualquer aplicação, directa ou indirecta, de direito comunitário ou de directrizes emanadas do TJUE, mas apenas determinado a competência dos tribunais portugueses em resultado da aplicação do critério da causalidade inscrito na citada alínea b), do nº. 1, do art.º 62º, do CPC, um eventual juízo de inconstitucionalidade nunca se repercutiria na decisão recorrida, de modo a alterá-la ou modificá-la, total ou parcialmente, o que determina reconhecimento total na inutilidade de tal apreciação;
- assim, não há que conhecer acerca das alegadas questões de inconstitucionalidade aduzidas pela ora Recorrente, nas alegações recursórias, pois aquelas interpretações normativas, arguidas como inconstitucionais, não se verificaram, pois não integraram o despacho apelado, nem integram a presente decisão colegial;
- o que determina, igualmente, não ter o despacho apelado incorrido na imputada nulidade por omissão de pronúncia, ao não conhecer das ali enunciadas inconstitucionalidades.

Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores acréscimos, num juízo de improcedência da presente apelação, mais não resta do que confirmar a decisão/despacho recorrido(a)/apelado(a).
*
Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Ré/Recorrente na apelação, é responsável pelo pagamento das custas do presente recurso.

***
IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Decidir pela inadmissibilidade de junção dos documentos apresentados pela Ré Recorrente e, consequentemente, determina-se o seu desentranhamento (físico), com consequente devolução à apresentante, bem como a sua eliminação do processo electrónico;
b) Condenar a Ré Apelante nas custas do presente incidente anómalo, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC – cf., art.º 7º, nºs. 4 e 8 e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais;
c) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante E...INC., em que figura como Autor/Apelado L...;
d) Em consequência, confirma-se a decisão/despacho recorrido(a)/apelado(a);
e) Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas do presente recurso são suportadas pela Ré/Apelante/Recorrente.

--------
Lisboa, 20 de Junho de 2024
Arlindo Crua
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva
_______________________________________________________
[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370.
[7] Ob. cit., pág. 606 e 607.