EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
CASA DE HABITAÇÃO
EXECUTADO
Sumário

I.–A remissão do n.º 1 do art.º 861/6 para os n.ºs 3 a 5 do art.º 863 (e não para o incidente de diferimento de desocupação nos termos dos art.ºs 864 e 865 como seria até razoável considerar) faz depender da actuação do senhor agente de execução a suspensão das diligências de entrega do que deve lavrar certidão (n.º 4 do art.º 863), após o que no prazo de 5 dias o juiz de execução, ouvindo o exequente decide manter ou não manter a execução suspensa, por um prazo razoável, que não pode ser muito dilatado.

II.–O mecanismo de protecção do n.º 6 do art.º 861, salvo melhor opinião, não se basta com a mera comunicação às entidades aí referidas, ela deve ser feita com uma antecedência razoável para que, pelo menos, possa ocorrer uma resposta que, no mínimo será de 20 dias úteis, o que se deve também consignar na comunicação.

Sumário da responsabilidade do Relator

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



I–RELATÓRIO



APELANTE /EXECUTADA: A …
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APELADA/EXEQUENTE: B … S.A.
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Com os sinais dos autos. Valor da execução: 88.358,95 € (Oitenta e Oito Mil Trezentos e Cinquenta e Oito Euros e Noventa e Cinco Cêntimos), indicado no requerimento executivo.
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I.1–Inconformada com a decisão de 2/4/2024 que se pronunciara sobre o requerimento de 1/4/2024 da executada, no sentido de a entidade assistencial notificada pelo senhor agente de execução ser notificada para vir aos autos informar do estado do pedido de realojamento da executada, devendo os autos aguardar o efectivo realojamento despacho com o seguinte teor no essencial “ O agente de execução já deu cumprimento ao disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, inexistindo fundamento legal para suspender a execução, como a executada pretende “, dela apelou a executada, em cujas alegações conclui:
a)-A ora recorrente, após ter sido notificada da data designada para a concretização da reentrega do imóvel penhorado e vendido nos autos, veio pedir que seja a execução suspensa até que seja encontrada uma solução para o seu realojamento, para tanto alegando que não dispõe de outro lugar para morar nem tem onde guardar os bens que se encontram no interior do imóvel, competindo ao agente de execução comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.
b)-As razões de discordância da ora recorrente prendem-se pelo facto de o Tribunal a quo ter considerado que o agente de execução já deu cumprimento ao disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, inexistindo fundamento legal para suspender a execução, indeferindo o requerido.
c)-Compulsados os autos, verifica-se que a comunicação do Senhor Agente de Execução para os efeitos do art.º 861.º n.º 6 do CPC, foi efetuada somente no dia 19/03/2024, tendo decorrido apenas 12 dias (!) entre o envio dessa comunicação e a última data designada para a entrega do imóvel (03/04/2024).
d)-Para que o disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil possa ser considerado cumprido, não basta que o Agente de Execução envie as comunicações para Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes, dado que é necessário que essas comunicações sejam feitas atempadamente
e)-O art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, dispõe “…o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” (destacado nosso).
f)-O envio das comunicações com apenas 12 dias de antecedência jamais poderá ser considerado que a comunicação foi efetuada com antecedência.
g)-Para que a comunicação possa ser considerada como tendo sido feita com antecedência, seria necessário que tivesse sido respeitado um prazo razoável para que a Câmara Municipal ou as entidades assistenciais competentes pudessem providenciar uma alternativa habitacional para a executada, o que não foi respeitado, dado que essas entidades nunca conseguiriam agir num prazo tão curto.
h)-O douto Tribunal não deveria ter considerado que o Agente de Execução deu cumprimento ao disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil pelo simples facto de este ter remetido as aludidas comunicações.
i)-O douto Despacho recorrido violou o disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, na medida em que é omisso quanto ao cumprimento do requisito da antecedência do envio das comunicações.
j)-A aplicação do Direito implica necessariamente uma decisão diversa daquela que foi proferida.
k)-O douto Despacho recorrido é omisso no que concerne à apreciação da tempestividade das comunicações para os efeitos do disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil; e
l)-Pelo que antecede, considera-se violada, entre outras, as seguintes normas legais, disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
Termina pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que conceda a antecedência conveniente para a entidade assistencial se pronunciar.

I.2.–Não houve contra-alegações.

I.3.–Os Exmos. Juízes adjuntos que tiveram vistos nos autos nada sugeriram e nada obsta ao conhecimento do recurso.

I.5.Questão a resolver: saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto no n.º 6 do art.º 861 do C.P.C. por, tendo sido comunicado à entidade assistencial ao abrigo do disposto no art.º 861/6, do CPC, não se ter aguardado um prazo razoável por uma eventual resposta de realojamento dos executados antes da entrega coerciva da habitação da executada à exequente adquirente da mesma.

IIFUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.1.–É do seguinte teor o despacho recorrido:

“Notificada da data designada para a concretização da entrega do imóvel penhorado e vendido nos autos, vem a executada pedir seja a execução suspensa até que seja encontrada uma solução para o seu realojamento, para tanto alegando que não dispõe de outro lugar para morar nem tem onde guardar os bens que se encontram no interior do imóvel, competindo ao agente de execução comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.
Compulsados os autos, verifica-se que a executada deixou de pagar as prestações dos empréstimos já em 2008 e que o imóvel foi vendido em 19.12.2018.
Bem sabe por isso a executada, pelo menos desde 2018, que teria de encontrar outro local para residir, só não tendo sido forçada a deixar mais cedo o imóvel por ter beneficiado das normas transitórias decorrentes da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, todas entretanto revogadas.
Pretende a executada que a execução seja suspensa até que seja encontrada uma solução para o seu realojamento, mas aparentemente nada terá feito durante todo o tempo que decorreu desde a venda judicial do imóvel para encontrar uma solução para o seu problema.
O agente de execução já deu cumprimento ao disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, inexistindo fundamento legal para suspender a execução, como a executada pretende.
Termos em que, face ao exposto, se indefere o requerido.
Notifique.”

II.2.–Está comprovado documentalmente nos autos com interesse o seguinte:

  • Em 2010 o então exequente B … SA apresentou execução para pagamento de quantia certa contra C …- entretanto falecido -, A …, que foi habilitada como sucessora daquele na execução, D … e mulher, enquanto fiadores, pedindo o pagamento de 88.358,95 € indicando à penhora a Fracção autónoma, designada pelas letras “AH”, correspondente à primeira cave, piso quatro, destinada a habitação, com arrecadação na quarta cave com o número cinco, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na … das …, lote …, freguesia de A... – MM..., concelho de S____, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de S____ sob o nº …, da dita freguesia e inscrito na matriz respectiva sob o artigo … em suma alegando que no dia 26/08/1999, se realizou no Quarto Cartório Notarial de Lisboa, perante o notário E …, duas escrituras públicas, uma de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança, e outra de Mútuo com Hipoteca e Fiança, nas quais intervieram, como mutuante, o B …, S.A., como mutuários, o C … e mulher, A …, e como fiadores, D … e mulher, F …, escrituras públicas que se juntam e dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais (Docs. 1 e 2 através das quais, o mutuante emprestou, aos mutuários, as quantias €72.949,19 (14.625.000$00) e de €21.822,41(4.375.000$00) de capital, sendo que o primeiro empréstimo foi concedido ao abrigo das normas para o Regime Geral do Crédito à Habitação e o segundo empréstimo foi concedido para que os mutuários pudessem fazer face a compromissos financeiros assumidos e aquisição de equipamento para a sua residência (vide Docs. 1 e 2). Os mutuários confessaram-se, desde logo, devedores daquelas importâncias, constituindo como garantia daqueles empréstimos, dos juros à taxa de 4,7%, acrescida de uma sobretaxa de 2%, e das despesas judiciais e extrajudiciais fixadas em 731.250$00 e 218.750$00, respectivamente, DUAS HIPOTECAS VOLUNTÁRIAS, sobre o imóvel adquirido através da primeira escritura acima identificado como bem à penhora Mutuante e mutuários convencionaram que o reembolso daqueles empréstimos seria efectuado no prazo de 29 anos, correspondente a 348 meses, em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros (vide Doc. 1 os mutuários deixaram de ter aquela conta provisionada, para suportar o débito das prestações, desde 26/07/2008, para ao primeiro empréstimo, e 26/04/2008, para o segundo empréstimo, datas em que foram pagas as últimas prestações pelos Executados, tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora ou alienação do bem dado em hipoteca, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações deles decorrentes (vide cláusula 9ª e 8ª dos Documentos Complementares dos Docs. 1 e 2, respectivamente). Em garantia do bom pagamento de ambos os mútuos, nos valores de €72.949,19 e de €21.822,41, de capital, no primeiro e segundo empréstimos, respectivamente, bem como dos respectivos juros e demais encargos, foram, ainda, prestadas FIANÇAS pelos executados D … e mulher, F … . Os empréstimos, originariamente, nos valores de €72.949,19 e €21.822,41, de capital, em virtude dos pagamentos efectuados pelos executados, encontram-se incobrados por €60.969,86 e €18.346,91, desde 26/07/2008 e 26/04/2008, respectivamente. Para além do capital, no valor global de €79.316,77 (€60.969,86 + €18.346,91), devem, também, os Executados, C … e A …, e os fiadores, D … e F …, ao Exequente, B …, S.A., os juros vencidos e vincendos, à taxa de 6,7% (4,7% + 2%), prevista nas referidas escrituras de hipoteca, importando os vencidos, contados desde 26/07/2008 e 26/04/2008, respectivamente, até 18/03/2010 em €9.042,18 (€6.715,04 + €2.327,14).
  • O senhor agente de execução, aos 6/10/2010, procedeu à penhora do referido imóvel dado em garantia e objecto dos contratos, imóvel inscrito em nome dos executados C … e A …, tendo a penhora sido registada em 8/9/2010 como dos autos resulta.
  • Aos 19/12/2018 o senhor agente de execução, nessa qualidade e com poderes para o acto, e procuradora da exequente B … SA outorgaram escritura de compra e venda do imóvel penhorado, mediante a qual o imóvel foi vendido ao exequente por 57,788, 75 euros, com dispensa do pagamento do preço por parte do adquirente, que é o credor hipotecário, como decorre da escritura junta aos autos e cujo teor aqui na íntegra se reproduz
  • Aos 14-07-2021 o senhor agente de execução dirige ao tribunal recorrido o seguinte requerimento: “Na sequência da venda do bem imóvel penhorado nos autos à exequente, veio esta requerer a entrega do bem nos termos e para os efeitos do art. 828º do CPC. 2.Os executados (proprietários do imóvel) foram notificados para procederem à entrega do bem devoluto de pessoas e bens à exequente, o que não fizeram. 3. Não se tem mostrado possível contactar com os executados, face ao exposto, encontrando-se o imóvel fechado e trancado e existindo forte receio de resistência à entrega do bem imóvel ao adquirente/exequente, e para conferir a posse do imóvel ao seu actual proprietário, requer a V. Exa se digne autorizar o auxílio da força pública para a diligência de entrega do bem com possibilidade de arrombamento e mudança de fechadura.”
  • Aos 29/10/2023 foi proferido o seguinte despacho: “Proceda-se à entrega ao adquirente do bem imóvel que lhe foi adjudicado, autorizando-se para o efeito o auxílio da força pública, e, após, notifique os executados e os eventuais detentores para que respeitem e reconheçam o seu direito (art. 828.º do Código de Processo Civil). Na entrega, deverá o agente de execução respeitar o disposto no art. 861.º, n.º 6, do mesmo código, sendo caso disso. Mais deverá o agente de execução notificar os executados da data designada para a realização da diligência, com antecedência não inferior a 10 dias, para que estes, caso assim o pretendam, entreguem voluntariamente o imóvel ou requeiram o que tenham por conveniente. Deverá ainda elaborar e juntar aos autos o auto de diligência. Notifique.
  • Aos 6/3/2024 o senhor agente de execução notifica a executada solicitando que proceda à entrega voluntária do imóvel que foi vendido, a fim de evitar a diligência de entrega coerciva do mesmo, com a presença da força publica, que se encontra agendada para o próximo dia 22/03/2024, pelas 15:00 horas.
  • Com a mesma data o senhor agente de execução comunica à Segurança Social de S____o seguinte: “Serve o presente para informar V. Exas. que na sequência da venda do bem imóvel sito na Rua … … …, nº …, … Cv A – piso 4 – T___M____, ao adquirente B …, S.A.,e sabendo que o imóvel se encontra ocupado por um agregado familiar, requer-se a V. Exa. nos termos do art. 861º, nº 6 do C.P.C., que providencie o realojamento da família, bem como a averiguação das condições em que vivem, tão breve quanto possível, afim de se proceder à entrega do imóvel ao seu actual proprietário, no próximo dia 22/03/2024, pelas 15:00 horas.”- Executado e ocupante do imóvel – A … – NIF …
  • No dia 19/3/2024 o senhor agente de execução volta a enviar à mesma entidade nova comunicação com o seguinte teor: “Serve o presente para informar V. Exas. que na sequência da venda do bem imóvel sito na Rua … …. …, nº …, …ª Cv A – piso 4 – T____ M____, ao adquirente B …, S.A., e sabendo que o imóvel se encontra ocupado por um agregado familiar, requer-se a V. Exa. nos termos do art. 861º, nº 6 do C.P.C., que providencie o realojamento da família, bem como a averiguação das condições em que vivem, tão breve quanto possível, afim de se proceder à entrega do imóvel ao seu actual proprietário, no próximo dia 03/04/2024, pelas 15:00 horas. - Executado e ocupante do imóvel – A … – NIF …
  • Aos 25/3/2024 G …, agente de execução na sequência do requerimento da executada informa “que a tomada de posse do imóvel está agendada para o dia 03/04/2024 e não para dia 05/04/2024 como a mesma refere. Mais se informam aos autos que, a venda do imóvel foi realizada em 19/12/2018, e desde essa data tem sido solicitada a entrega voluntária do mesmo ao adquirente, vide notificações enviadas à executada e ao seu mandatário”, anexando cópia de carta enviada aos 19/3/2024 para “acção social misericórdia de sintra.pt” onde informa que na sequência de venda do imóvel dos autos ao adquirente B … SA e “sabendo que o imóvel se encontra ocupado por um agregado familiar, requer-se a V. Ex.ª, nos termo do art.º 861/6 do C.P.C.. que providencie o realojamento da família, bem como a averiguação das condições em que vivem, tão breve quanto possível a fim de se proceder à entrega do imóvel ao seu proprietário no próximo dia 3/4/2024 pelas 15.00h tendo sido alterada. Executada e ocupante do imóvel_ A …...”
  • Aos 1/4/2024 A …, executada apresentou requerimento na sequência da notificação que lhe foi feita pelo senhor agente de execução aos 25/3/2024 na qual informa que a tomada de posse do imóvel está agendada para o dia 03/04/2024, vem reiterar o exposto no seu requerimento antecedente, sendo certo que a comunicação do Senhor Agente de Execução para os efeitos do art.º 861.º n.º 6 do CPC, foi efetuada somente no dia 19/03/2024, tendo decorrido apenas 12 dias (!), pelo que conforme exposto no requerimento antecedente, a executada ainda não dispõe de qualquer alternativa para habitar, pedindo a notificação da entidade assistencial para informar do estado do pedido de realojamento da executada, devendo os autos aguardar o efectivo realojamento.

    IIIFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

    III.1.–Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4, 639, n.º 3, do CPC(1) são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
    III.2.–Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
    III.3.–Saber se ocorre na decisão recorria erro de interpretação e de aplicação do disposto no n.º 6 do art.º 861 do C.P.C. por, tendo sido comunicado à entidade assistencial ao abrigo do disposto no art.º 861/6, do CPC, não se ter aguardado um prazo razoável por uma eventual resposta de realojamento dos executados antes da entrega coerciva da habitação da executada à exequente adquirente da mesma.
    III.3.1.- Em suma alega a recorrente que:
  • A executada foi notificada para proceder à entrega voluntária do imóvel, a fim de evitar a diligência de entrega coerciva do mesmo, com a presença da força pública, que se encontrava já designada para o dia 22/03/2024, pelas 15:00 horas – notificação de 19/03/2024 com a referência Citius n.º …61
  • Entretanto, a executada foi informada telefonicamente de que a referida diligência teria sido reagendada para o próximo dia 05/04/2024; e
  • Posteriormente, por notificação remetida pelo Senhor Agente de Execução datada de 25-03-2024, tomou conhecimento que a tomada de posse do imóvel está agendada para o dia 03/04/2024 – referência Citius n.º …72;
  • Não obstante a pendência da decisão sobre o requerido pela executada, devidamente notificado ao Senhor Agente de Execução, este tentou realizar o despejo coercivo no indicado dia 25-03-2024.
  • O agente de execução enviou as comunicações prevista no disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, no dia 19/03/2024 – mesma comunicação do Agente de Execução de 25-03-2024, com a referência Citius n.º …72
  • a comunicação do Senhor Agente de Execução para os efeitos do art.º 861.º n.º 6 do CPC, foi efetuada somente no dia 19/03/2024, tendo decorrido apenas 12 dias (!) entre o envio dessa comunicação e a última data designada para a entrega do imóvel (03/04/2024).
  • Para que a comunicação possa ser considerada como tendo sido feita com antecedência, seria necessário que tivesse sido respeitado um prazo razoável para que a Camara Municipal ou as entidades assistenciais competentes pudessem providenciar uma alternativa habitacional para a executada, o que não foi respeitado, dado que essas entidades nunca conseguiriam agir num prazo tão curto.

    III.3.2.-Face ao n.º1, do art.º 6 ,da Lei 41/2013, e à data do despacho recorrido, aplica-se pois a nova redacção do Código do Processo Civil no que toca à efectivação da entrega do imóvel que a exequente adquiriu em venda judicial em 2018. O art.º 930-A/1 dispunha antes da redacção do DL 38/03 e da Lei 6/06 que se “a execução se destinar à entrega da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto no art.º 61 do Regime de Arrendamento Urbano.” E o n.º 2 “Quando a entrega do imóvel suscite sérias dificuldades no realojamento do executado, o juiz comunicará antecipadamente o facto às entidades assistenciais competentes.” O art.º 61, do RAU, decretava que se sobrestasse o despejo quando, tratando-se de arrendamento para a habitação, se mostrasse, por atestado médico que a diligência põe em risco de vida, por razões de doença aguda, a pessoa que se encontra no local. Havia, já então duas situações distintas, uma a da doença da pessoa do executado que estivesse a residir no imóvel a título principal e a outra a referente às sérias dificuldades de realojamento do executado, sendo que em relação a esta última situação não havia remissão para o procedimento relativo à situação de doença, apenas a comunicação às entidades assistenciais. Porém, já o art.º 840/4, em sede de penhora e entrega efectiva do imóvel penhorado estatuía um limite temporal para a sustação da execução que era muito justamente a venda do imóvel penhorado. A equiparação da entrega da casa de habitação principal do executado ao despejo do arrendatário habitacional foi feita pelo DL 329-A/95 que introduziu este artigo e o n.º 2 relativo às sérias dificuldades de realojamento do executado aplica-se quer na situação em que exista a doença prevista no n.º 1 quer em qualquer outra em que sendo o executado pessoa de escassos recursos, a entrega da casa onde reside suscite dificuldades sérias de realojamento, sendo que a partir do DL 38/03 que, se não aplica aos autos atendendo à data da entrada em juízo da execução, o papel que cabia ao juiz passou a caber ao agente de execução.(2)

    III.3.3.-Ainda no âmbito da redacção que lhe conferia o DL 38/03 entendia Amâncio Ferreira(3) que se deveria esperar um prazo razoável, após a comunicação às entidades assistenciais nos termos do n.º 2 do art.º 930-A para que estas providenciassem pelo realojamento do executado ou executada, após o que se deveria proceder à entrega do imóvel, mesmo que o realojamento do executado se não tenha efectivado, por não competir ao exequente mas ao Estado assegurar habitação condigna a todos, sob reserva do possível, nos termos do art.º 65 da Constituição - o que também foi sufragado entre outros pelo Ac TC 60/99 de 2/2 in DR II Série, de 30.03.99-, prazo esse que nas legislações francesa e alemã em que se inspirou o preceito varia entre 1 mês prorrogável por outro mês e um ano.

    III.3.4.-A Lei 6/2006 de 28/2 que introduziu o novo regime de arrendamento urbano aditou um n.º 6, ao art.º 930-A, (actual 861/6) que estatuía que “tratando-se da casa da habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 6 do art.º 930-B e caso se suscitem sérias dificuldades de realojamento do executado, o agente comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” art.ºs 930-B a 930-E ao Código de Processo Civil. O art.º 930_B (actual 863) referia-se à suspensão da execução nos casos em que tivesse ocorrido oposição à execução (alínea a) do n.º 1), requerimento de diferimento de desocupação por parte do arrendatário (alínea b) do n.º 1) e à suspensão das diligências de entrega pelo agente de execução quando o detentor não tenha sido ouvido e convencido na acção declarativa (n.º 2), quando a entrega ponha em risco de vida o arrendatário (n.º 3). O art.º 930-C (actual 864) referia-se ao modus operandi de oposição por parte do executado arrendatário quando estivesse em causa o diferimento por razões imperiosas, com oferta imediata das provas e indicação das testemunhas, o art.º 930-D (actual 865) referia-se ao processo ou processado do incidente de diferimento, ou seja as circunstâncias em que poderia ser indeferido liminarmente (n.º 1) à contestação que deveria ser decidida em 10 dias e à decisão do juiz no prazo máximo de 30 dias após essa contestação com comunicação ao Fundo de Socorro Social do Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, não podendo o diferimento exceder o prazo de 10 meses. O art.º 930-E (actual 866), referia-se à responsabilidade do exequente no caso de procedência da oposição à execução.

    III.3.5.-A oposição à execução foi julgada improcedente e o que está em causa é a interpretação e aplicação do disposto no n.º 6, do art.º 861, que reza assim: “Tratando-se de casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do art.º 863 e, caso se suscitem sérias dificuldades de realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”

    III.3.6.-Ora, a comunicação à segurança social- e não também à câmara municipal como prevenido no art.º 861/6- foi efectuada primeiro no dia 6/3/2024 com uma data de entrega coerciva para o dia 22/3/2024 que não se efectivou e depois no dia 19/3/2023 estando a diligência marcada para o dia 3/4/2024, esta última com 15 dias de antecedência sendo certo que que dia 29 foi sexta feira santa, seguiu-se o fim de semana de 30 e 31(domingo de páscoa), no fundo 8 dias úteis.

    III.3.7.-A remissão do n.º 1, do art.º 861/6, para os n.ºs 3 a 5, do art.º 863 (e não para o incidente de diferimento de desocupação nos termos dos art.ºs 864 e 865 como seria até razoável considerar) faz depender da actuação do senhor agente de execução a suspensão das diligências de entrega do que deve lavrar certidão (n.º 4 do art.º 863), após o que no prazo de 5 dias o juiz de execução, ouvindo o exequente decide manter ou não manter a execução suspensa.

    III.3.8.-Malgrado a remissão do n.º 1 do art.º 861/a para os n.ºs 3 a 5 do art.º 863, tal não significa que se deva considerar cumulativos os requisitos substantivos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 863, podendo ocorrer esse diferimento desde que ocorra a situação prevista no n.º 6 do art.º 861 ou seja as sérias dificuldades de realojamento do executado, o que aliás era já o pensamento legislativo pregresso do DL 329ª/95. A remissão deve ser entendida apenas (não obstante a má técnica legislativa), para o processado desse incidente.

    III.3.9.-As dificuldades têm de ser sérias, o senhor agente de execução fez a comunicação com a mencionada antecedência, o que dá a entender que o mesmo se convenceu de que as dificuldades eram sérias, pois se assim não fosse não teria comunicado e verdadeiramente o despacho recorrido, não questiona tal. O Tribunal recorrido entendeu, em suma, que a executada deixou de pagar as prestações dos empréstimos já em 2008 e que o imóvel foi vendido em 19.12.2018, a executada, sabe pelo, menos desde 2018, que teria de encontrar outro local para residir, só não tendo sido forçada a deixar mais cedo o imóvel por ter beneficiado das normas transitórias decorrentes da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e da doença COVID-19, todas entretanto revogadas. Pretende a executada que a execução seja suspensa até que seja encontrada uma solução para o seu realojamento, mas aparentemente nada terá feito durante todo o tempo que decorreu desde a venda judicial do imóvel para encontrar uma solução para o seu problema. O agente de execução já deu cumprimento ao disposto no art. 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, inexistindo fundamento legal para suspender a execução, como a executada pretende. Impressiona efectivamente o tempo decorrido entre a data da venda judicial e a presente diligência de entrega coerciva, seja mais de 5 anos a que não é alheia a pandemia, entretanto ocorrida, desde 2020 e os mecanismos legais de suspensão de entrega que o legislado criou. As comunicações foram feitas para as entidades assistenciais e não também para a Câmara Municipal, pelo menos não há evidência de tal. Não obstante o tempo decorrido desde a venda judicial com as vicissitudes referidas, a entrega coerciva só se colocou agora e o mecanismo de protecção do n.º 6, do art.º 861, salvo melhor opinião, não se basta com a mera comunicação às entidades assistenciais devendo também sê-lo à Câmara Municipal, por outro lado ela deve ser feita com uma antecedência razoável para que, pelo menos, possa ocorrer uma resposta que, no mínimo será de 20 dias úteis, o que se deve também consignar na comunicação. Não se justifica nova comunicação às entidades assistenciais que nada disseram.

    IVDECISÃO

    Tudo visto acordam os juízes em julgar procedente a apelação, em conformidade com III, revogam a decisão recorrida que se substitui por estoutra que determina que seja efectivada nova comunicação à câmara municipal, nos termos do n.º 6, do art.º 861, com a antecedência de 20 dias úteis relativamente à data que vier a ser fixada para entrega do imóvel, consequentemente suspendendo-se as diligências de entrega do imóvel.
    Regime da Responsabilidade por Custas: as custas são da responsabilidade da exequente que decai e porque decai (art.º 527)



    Lxa., d.s.


    Assinam digitalmente no canto superior esquerdo da primeira página, o Juiz Desembargador Relator Vaz Gomes, a Juíza Desembargadora 1.ª adjunta - Laurinda Gemas sendo que o Juiz Desembargador 2.º adjunto Orlando Nascimento, assina fisicamente

    Orlando Nascimento



    (1)Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013, atento o disposto no art.º 6/1 da referida Lei, que se não aplica, todavia, ao título executivo dos autos, à forma do processo executivo, ao requerimento executivo dos autos e tramitação da fase introdutória destes autos por a execução ter tido o seu início em 2011, e atento o disposto no art.º 6/3, aplicando-se, nessa parte o disposto no DL 329-A/95 de 12/09, com as alterações do DL 180/96 de 25/09, em vigor à data da prática dos respectivos actos processuais, nãos e aplicando o DL 38/03 de 8/3(por força do art.º 4 do diploma, com as excepções aí previstas), nem as alterações introduzidas pelo DL 226/08 de 20/11 (por força do disposto no art.º 22 salvas as excepções que não foi revogado com as alterações do DL 226/08 de 20/11 entrado em vigor em 31/3/09 e aplicável aos autos; ao Código referido, na redacção dada pela referida Lei, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem
    (2)Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003, vol. 3.º pág. 653
    (3)Curso de Processo de Execução, Almedina 6.ª edição, págs. 376/377.