EXECUÇÃO
OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
RESPONSABILIDADE DO HERDEIRO DO DEVEDOR
HERANÇA ACEITE A BENEFÍCIO DE INVENTÁRIO
HERANÇA ACEITE PURA E SIMPLESMENTE
Sumário

1.  A habilitação de sucessores do réu/executado falecido vale tanto para os casos em que o óbito do réu ocorreu já depois de ter sido intentada a acção e antes da citação, como para os casos em que o óbito precedeu a propositura da acção como é o caso;
2. Sendo a herança aceite a benefício de inventário, em conformidade com o estabelecido no artigo 2071º do Código Civil, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores provarem a existência de outros bens (nº 1); sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos (nº 2).
3. Será no âmbito da acção executiva e não no âmbito destes embargos, que terá de ser apreciada a questão de apurar quais os bens que respondem em concreto pela dívida exequenda, de acordo com o estabelecido no citado artigo 2068º do Código Civil.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A, residente, citado na pessoa do seu pai B, vem, em nome próprio, por ter atingido a maioridade em 4 de Novembro de 2023, opor-se à execução acima referenciada, que lhe move, C, S.A.R.L que substituiu o Banco SA, nos termos do disposto nos arts. 729º als e) e g) do Código de Processo Civil alegando, pedindo, seja julgada procedente, por provada, a oposição atenta a inexigibilidade da obrigação exequenda relativamente ao ora embargante e para tanto alegando, em síntese:
- Nasceu em 4/11/2005 sendo filho de B e de E, executados nos autos;
- A mãe do embargante faleceu em 23/1/2017;
- Por óbito da sua mãe correu termos processo de inventário para partilha de bens tendo sido nomeada sua curadora, por à data ser menor, a sua avó materna;
- Em conferência de interessados realizada no dia 8/2/2018 foi deliberado por acordo de todos os presentes a adjudicação de todos os bens que compõem o activo no valor de 473.321,27€ a B, pai do ora embargante;
-Foi também deliberado que B, assumia a responsabilidade de todo o passivo no valor de 589.472,60€;
- Por fim, foi deliberado que, a final, não seriam devidas tornas ao único interessado ainda menor A, uma vez que o valor do passivo é superior ao activo;
- À data do preenchimento da livrança (7/12/2018) que constitui o título executivo nos presentes autos pelo exequente, o ora embargante era menor pelo que, à data, era inexigível a obrigação exequenda;
- Apesar de ser herdeiro da executada não passou por via dessa habilitação a responder pessoalmente pelos encargos da herança;
- Não tendo recebido quaisquer bens, não pode ser responsabilizado por quaisquer dividas ou obrigações assumidas pela sua falecida mãe.
- Pelo pagamento das dividas da sua falecida mãe, responderia apenas a herança.
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Os embargos foram liminarmente recebidos e ordenado o cumprimento do disposto no nº2, do art.732º do CPCivil, nenhuma contestação veio a ser apresentada.
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Em face da falta de contestação foi proferido despacho considerando confessados todos os factos articulados na petição de embargos que não estejam em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo nos termos do disposto nos arts. 732º, nº3, e 567º, nº 1, do CPCivil, e ordenado o cumprimento do disposto no nº 2 do citado art. 567º.                     
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Foram produzidas alegações.
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Veio, então, a ser proferida sentença que decidiu pela improcedência dos embargos.
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Não se conformando, vem o embargante apresentar o presente recurso alinhando as seguintes conclusões:
«Conclusões:
I – … Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva … - art 10º, 4 e 5 do CPC, de onde resulta que a legitimidade do executado depende da verificação de figurar no título como devedor.
II – No caso de sucessão da obrigação a legitimidade estende-se aos sucessores dessa obrigação – art 54º, 1 do CPC.
III – O apelante demonstrou não ter sucedido a qualquer ativo ou passivo da herança de sua mãe, executada, pelo que não é sucessor na obrigação exequenda, do que decorre a sua ilegitimidade para execução, por não figurar no título como devedor e não ter sucedido na obrigação exequenda à executada sua mãe.
IV – Na oposição por embargos de executado é legitima a fundamentação … que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. … art 731º do CPC, de onde resulta que os embargos podem e devem ser julgados procedentes, assim arredando o jovem apelante desta execução.
Normas violadas:
VI - Arts 10º, 4 e 5 do CPC; 2071º do CC;
arts 53º 1 e 54º, 1 do CPC;
art 731º do CPC.
Termos em que
Deve o presente recurso ser julgado procedente nos termos de cada uma das conclusões, por violação dos normativos legais indicados.».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Admitido o recurso e cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
In casu, cumpre decidir
- da responsabilidade do herdeiro pelo pagamento da dívida exequenda:
- sua ilegitimidade adjectiva e substantiva.
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3. Fundamentação de Facto
Os factos a atender são os descritos no relatório e, ainda, os constantes como fundamento de facto da sentença, a saber:
- O embargante nasceu em 4/11/2005 e é filho de B e de E.- DOC 1
- A mãe do embargante faleceu em 23/1/2017;
- Por ser menor à data da partilha de bens foi nomeada curadora ao embargante, a sua avó materna, X -DOC 2.
- Como se alcança da leitura do Mapa da Partilha junto, verificou-se que o valor do activo era muito inferior ao valor do passivo (-116.151,33€).
- Em conferência de interessados realizada no dia 8/2/2018 foi deliberado por acordo de todos os presentes a adjudicação de todos os bens que compõem o activo no valor de 473.321,27€ a B, pai do ora embargante. - DOC 2.
- Foi também deliberado que B, assumia a responsabilidade de todo o passivo no valor de 589.472,60€. - DOC 2.
- Por fim, foi deliberado que, a final, não seriam devidas tornas ao único interessado ainda menor A, uma vez que o valor do passivo é superior ao activo. - DOC 2.
- Ou seja, foi deliberado que o único interessado/menor nada recebe e nada paga.
Com relevo para a decisão, importa considerar, ainda, a seguinte factualidade:
- O exequente propõe a presente acção executiva para pagamento de quantia certa em 11.1.2019;
- A acção é proposta contra, X, Z, B e E e ZZ Lda., com fundamento em livrança por estes subscrita e avalizada;
- No rosto desse escrito está inscrita a quantia de €105.436,05(cento e cinco mil quatrocentos e trinta e seis euros e cinco cêntimos), figurando como data de emissão 12.2.2008 e de vencimento, 7.12.2018;
-No local destinado à assinatura do subscritor encontra-se o carimbo da sociedade e duas assinaturas, encontrando-se no verso do documento, a assinatura dos restantes executados em seguida aos dizeres «Bom por aval ao subscritor»;
- Por sentença de 2.11.2023, devidamente transitada em julgado, os executados X, Z, C, B por si e em representação do seu filho menor A foram julgados habilitados para prosseguir os termos da demanda na posição que ocupava a primitiva executada, falecida, E.
4. Fundamentação de Direito
Os autos de embargos à execução destinam-se a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção. Os autos de oposição à execução por embargos introduzem no processo executivo uma fase declarativa independente, com a particularidade do embargante, devedor presumido da dívida exequenda, poder alegar quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos da exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente.
«Devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva»[1].
Da legitimidade Processual
Em sede de alegações recursivas, vem o embargante alegar a sua ilegitimidade para figurar como parte passiva na acção executiva nos autos de que os presentes embargos constituem apenso.
Alega que só os titulares de bens da herança podem estar em posição relevante para substituir a executada, autora da herança nas suas responsabilidades que são o passivo da herança e, não figurando o apelante no título executivo, não teria legitimidade para ser executado nos termos do art. 53º do CPCivil.
Ora, constituindo a legitimidade constitui uma excepção de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso é permitido o seu conhecimento nesta fase uma vez que o tribunal recorrido não se pronunciou em concreto sobre a questão pelo que sobre ela não se mostra formado caso julgado formal.[2] Sobre a matéria da exceção não recaiu qualquer decisão no tribunal de 1ª instância que se limitou a proceder à apreciação formal da mesma e por isso, o tribunal de recurso está em condições de conhecer da excepção. Cfr. art. 595º, nº 1 al. a) e nº 3 do CPCivil.
Com efeito, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A legitimidade processual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, como decorre do disposto no art.º 577º al. e), art.578º e art.278º nº 1, al. d) e nº 3, do CPCivil.
A legitimidade em matéria de acção executiva vem prevista no art.53º do CPCivil, determinando o nº1 do preceito que a execução deverá ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Ora, preceitua o art.351º, nº 2, do CPCivil, se, em consequência das diligências para citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, pode requerer-se a habilitação dos seus sucessores, em conformidade com o que neste capítulo se dispõe, ainda que o óbito seja anterior à proposição da acção. Verifica-se, pois, que nesta situação, opta o legislador por optar por um aproveitamento da instância, com a possibilidade de habilitação dos sucessores do falecido ao invés de prever a extinção da instância por força da falta do pressuposto personalidade judiciária determinada pela falta de personalidade jurídica.
Assim, a habilitação vale tanto para os casos em que o óbito do réu ocorreu já depois de ter sido intentada a acção e antes da citação, como para os casos em que o óbito precedeu a propositura da acção como é o caso.
Reportando-nos ao caso dos autos, verifica-se que o exequente instaurou execução contra pessoa que no decurso das diligências tendentes à respectiva citação se veio a apurar já ter falecido em data anterior à da propositura da execução. Há-de concluir-se que á data da propositura da acção tal falecimento era do seu desconhecimento razão pela qual não poderia alegar factos constitutivos da sucessão.
Conhecido e certificado o óbito, houve lugar a habilitação dos sucessores da falecida tendo sido proferida sentença, devidamente transitada em julgado, na qual, a par de outros, o ora embargante foi julgado habilitado na qualidade de sucessor da sua mãe, para consigo prosseguirem os autos.
É certo que o embargante não figura no título como devedor, porém, a sua qualidade advém-lhe da qualidade de sucessor da sua mãe, por sentença devidamente transitada em julgado.
Tendo o incidente de habilitação visado, precisamente, colocar os sucessores da executada e avalista da livrança que constitui título executivo, na posição jurídica desta na execução para com os mesmos prosseguir a legitimidade do embargante decorre do facto de, no âmbito do incidente de habilitação, lhe ter sido reconhecida a qualidade de herdeiro daquela executada e tanto basta.
Improcede a excepção deduzida.
Da legitimidade substantiva
Na sentença sob recurso, decidindo pela improcedência dos embargos, escreveu-se:
«Efetivamente, de acordo com a prova carreada nos autos, o Embargante nada recebeu da herança, pelo que, não tendo recebido bens da herança, não há bens, na titularidade do Embargante que respondam pelas dívidas. Os presentes Embargos de Executado em nada acrescentam e/ou diminuem quanto à existência e exigibilidade da dívida exequenda. Outrossim, verifica-se que existe o claro reconhecimento da existência da dívida da responsabilidade da Executada falecida e, que em virtude do seu falecimento, passou a fazer parte integrante da herança da mesma. Nos presentes Embargos de Executado apenas e só pode ficar demonstrado que o Embargante nada recebeu da herança e, por esse motivo, não terá bens que respondam pela dívida. Não se pode retirar dos mesmos que não exista a dívida e/ou que o Embargante não fosse herdeiro da Executada falecida.
Por outro lado, apesar de ser herdeiro da executada (a sua mãe falecida em 23/1/2017), não passou por via dessa habilitação a responder pessoalmente pelos encargos da herança. Nos termos do disposto no artº 2071º do Código Civil; “1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.; 2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.
Daqui decorre que não tendo recebido quaisquer bens, não pode ser responsabilizado por quaisquer dividas ou obrigações assumidas pela sua falecida mãe. Pelo pagamento das dividas da sua falecida mãe, responderia apenas a herança (artº 2068º do Código Civil)
Pelo exposto, os presentes Embargos de Executado em nada acrescentam e/ou diminuem quanto à existência e exigibilidade da dívida exequenda. Outrossim, verifica-se que existe o claro reconhecimento da existência da dívida da responsabilidade da Executada falecida e, que em virtude do seu falecimento, passou a fazer parte integrante da herança da mesma pelo que julgo a presente oposição improcedente.»
Entende o embargante que apesar de ser herdeiro da executada, não passou por via dessa habilitação a responder pessoalmente pelos encargos da herança e, não tendo recebido quaisquer bens, não pode ser responsabilizado por quaisquer dividas ou obrigações assumidas pela sua falecida mãe. Defende, que pelo pagamento das dividas da sua falecida mãe, responderia apenas a herança. O embargante, enquanto herdeiro habilitado da executada não passou, por via da habilitação, a responder pessoalmente pelos encargos da herança.
Ora, a regra de que pelo pagamento das dívidas do falecido responde a herança, consagrada no artigo 2068º do Código Civil, mantém-se e não é de algum modo afectada. Assim, não é posto em causa que, sendo a herança aceite a benefício de inventário, em conformidade com o estabelecido no artigo 2071º do Código Civil, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores provarem a existência de outros bens (nº 1); sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos (nº 2).
E a sentença sob recurso não se afastou substancialmente desta solução. Na verdade, há que julgar improcedentes os embargos conforme decidido, devendo a execução prosseguir, porém, será no âmbito da acção executiva e não no âmbito destes embargos, que terá de ser apreciada a questão de apurar quais os bens que respondem em concreto pela dívida exequenda, de acordo com o estabelecido no citado artigo 2068º do Código Civil.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões da alegação do apelante, na totalidade.
5. Decisão
Em face do exposto, decide-se nesta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, sem prejuízo de não lhe ser o exigível o seu pagamento, considerando que litiga com o benefício do apoio judiciário.
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Registe e Notifique.

Lisboa, 20/6/2024
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Octávio dos Santos Moutinho Diogo
Teresa Sandiães
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[1] Cfr. Amâncio Ferreira, in, Curso de Processo Execução, página 145.
[2] Cfr. Neste sent. Ac.Trib.Rel.Évora, 17.12.2020, Proc.1775/19T8BJA.E1, Rel. Albertina Pedroso