EXAME PESQUISA ÁLCOOL
RECUSA
DESOBEDIÊNCIA
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
Sumário

I–A pena acessória prevista no art. 69º, nº 1, al. c), do Código Penal, com o escopo político-criminal ligado à prevenção e combate aos elevados índices de sinistralidade rodoviária (prevenção geral de intimidação), com contribuição relevante da condução de veículos sob o efeito do álcool, constitui uma censura adicional ou complementar do facto, adjuvante da pena principal.

II–Os critérios para a determinação da pena acessória são os mesmos que se aplicam à determinação da pena principal, sendo até admissível a tese segundo a qual deverá existir uma certa correspondência, pelo menos tendencial, entre as medidas concretas das duas penas.


(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


1.–Por sentença proferida em 18/01/2024, no processo (sumário) supra identificado, foi decidido o seguinte (transcrição parcial do «Dispositivo de Sentença» exarado em acta):

“O Tribunal decide julgar a acusação procedente, por provada, e, em consequência:
a)-Condenar o arguido AA, pela prática, em … 2023, pelas 01.45 horas, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao art.º 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a qual se suspende pelo período de 1 (um) ano;
b)-Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses (art. 69.º, n.º 1, al. a), do C.P., sob pena de incorrer em responsabilidade criminal se violar tal proibição; (…)”.

2.–Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença para este Tribunal da Relação, terminando a sua motivação com a extracção das seguintes conclusões (transcrição):
I.–O presente recurso tem como objeto a determinação da medida concreta da pena na sentença proferida nos presentes autos e que condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao art.º 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a qual se suspende pelo período de 1 (um) ano; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 ( seis) meses (art. 69º, n.º 1, al. a) do C.P.), sob pena de incorrer em responsabilidade criminal se violar tal proibição.
II.–O douto Tribunal a quo considerou os factos provados, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
III.–Ora, é precisamente neste ponto que o arguido, ora recorrente, não pode concordar, considerando que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada.
IV.–O artigo 348º n.º 1, do Código Penal, estabelece que “1– Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.”.
V.–Para preenchimento do tipo objetivo de ilícito do crime de desobediência, é necessário que: exista uma ordem ou mandado; legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; ordem ser emitida por autoridade ou funcionário competentes; regularidade da sua transmissão ao destinatário; sendo, pois, necessário que o destinatário se tenha inteirado, de facto, do conteúdo da ordem ou do mandado, ou seja, a comunicação deverá ser suficiente para fundar o dolo do desrespeitador.
VI.–Para preenchimento do crime de desobediência é suficiente o dolo genérico, ou seja, sempre que alguém incumpre, consciente e voluntariamente, uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente.
VII.–Assim, terá o agente de, intencionalmente, não ter acatado a ordem da autoridade ou do funcionário, que sabia formal e substancialmente legítima, com a intenção de a desrespeitar de modo a pôr em causa a autoridade que a emanou, pese embora tivesse disposto de liberdade de acção e de motivação para agir em conformidade com o ordenado.
VIII.–O arguido afirmou que tentou por três vezes efetuar o teste sem sucesso, pois não saiu nenhum talão. Versão essa contestada pelos agentes presentes, que alegaram que o arguido teria negado soprar apesar de ter colocado o aparelho na boca.
IX.–Na verdade, o arguido, no momento da prática dos fatos que lhe foram imputados, foi ficando ansioso e nervoso.
X.–O arguido está inserido profissional e socialmente.
XI.–Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria da como provada, a pena aplicada de 7 meses de prisão, suspensa por 1 ano e o período de 6 meses de inibição de conduzir aplicado é manifestamente excessivo.
XII.–Por um lado, o crime de desobediência apresenta uma moldura penal abstrata de pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. Por outro, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69º n.º 1 do CP apresenta uma moldura variável entre 3 meses a 3 anos.
XIII.– A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso em concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção.
XIV.–O arguido tem apenas uma condenação que lhe foi aplicada uma pena de multa e 4 meses de inibição.
XV.– O arguido é ... e tem 11 filhos, 5 dos quais fazem parte do seu agregado.
XVI.–A pena aplicada causará muitos prejuízos uma vez que necessita do carro para se deslocar.
XVII.–Assim, considera-se justa e adequada a alteração da pena de prisão por uma pena de multa e redução da pena acessória para um período de 3 a 4 meses.
Nestes termos, requer ao Venerando Tribunal da Relação, e muito que será suprido por vossas excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogar a aliás douta sentença que condenou o recorrente, por ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada ao recorrente uma pena inferior que V. Ex.ªs acharem ser conveniente, Assim, se fazendo a costumada justiça.”.

3.–Admitido o recurso, foi apresentada resposta pelo Ministério Público, na qual foram extraídas as seguintes conclusões (transcrição):
1.–Por sentença proferida em 18.01.2024, entre o demais, foi o arguido condenado pela prática, em 31-12-2023 pelas 01.45 horas, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, por referência ao art.º 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa pelo período de 1 (um) ano; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses (cfr. art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C.P.).
2.– De tal decisão interpôs o arguido recurso e limitado o objecto do recurso às conclusões apresentadas, em súmula e com relevância para a resposta ao recurso apresentado, entende o recorrente que seria justa e adequada a alteração da pena de prisão por uma pena de multa e redução da pena acessória para um período de 3 a 4 meses.
3.–O Ministério Público, diverge da opinião do recorrente considerando ser correcta e fundamentada a douta sentença proferida, não merecendo a mesma qualquer reparo e não assistindo qualquer razão ao ora recorrente.
4.–O recorrente não coloca em crise a matéria de facto dada como provada, e é esta a constante do despacho de acusação e que resulta também dos factos provados; e ainda, os factos referentes às suas condições sócio económicas e a sua anterior condenação sofrida nos autos 293/23.5PLLRS, na pena de 80 dias de Multa à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 4 meses, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido no dia 25.03.2023, cuja decisão transitou em julgado em 12.05.2023.
5.–Dispõe o art.º 40.º, n.º 1, do CP, sobre as finalidades das penas, prevendo que: “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” Daqui resultando que, são as necessidades de prevenção - geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização - que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade - pena alternativa ou pena de substituição - como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal.
6.–Sendo que, no caso em concrecto há a considerar os seguintes factores (e que constam também da douta sentença proferida oralmente – cfr. gravação):
- É elevada a ilicitude dos factos;
- O arguido agiu com dolo directo;
- In casu, são consideravelmente elevadas as necessidades de prevenção geral positivas, atento o crescente e preocupante desrespeito por ordens legítimas proferidas por autoridades policiais, no âmbito das suas competências e no exercício das suas funções;
- O arguido havia sofrido uma condenação numa pena de multa, também pela prática de crimes rodoviários, muito pouco tempo antes.
7.–Ou seja (e também conforme dito em sentença) a prática do arguido de um crime pouco tempo depois de uma anterior condenação e que ofende o mesmo bem jurídico demonstra, de forma bem clara, que essa anterior condenação (em pena de multa) não lhe serviu de forma suficiente como advertência contra a prática de novos crimes. Resultando igualmente que a pena de multa não teve qualquer efeito preventivo.
8.– Beneficiar o arguido com uma pena de multa, novamente, já não realizaria, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, impondo-se a aplicação de pena privativa da liberdade (embora suspensa na execução). Tornando-se evidente que a anterior condenação do arguido, não foi suficiente e adequada a evitar o cometimento de novo ilícito da mesma natureza e muito pouco tempo depois.
9.– O arguido evidencia uma personalidade desvaliosa em face do direito e não manifestou em momento algum respeitar as decisões judiciais; persistindo na mesma conduta, não obstante a anterior condenação sofrida.
Pelo que, entende o Ministério Público ser adequada a decisão de condenar o arguido numa pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa pelo período de 1 (um) ano; e igual raciocínio se efectua relativamente à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses (cfr. art.º 69.º, n.º 1, al. a) do C.P.), tendo também por referência a anterior condenação.
E neste sentido, deverá a decisão recorrida ser integralmente confirmada, face ao enquadramento factual nela vertido e à realizada valoração e análise crítica da prova, fazendo o devido enquadramento jurídico e correcta aplicação do direito, assim se tendo concluído pela condenação do arguido, em pena cuja medida e forma de execução se nos afigura como justa, adequada e proporcional.
Vossas Excelências, porém, decidirão como for de JUSTIÇA!”.

4.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, acompanhando a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, pugnou pela improcedência do recurso interposto.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o arguido nada disse.

5.–Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

6.– Nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II.–FUNDAMENTAÇÃO

1.–Delimitação do objecto do recurso.
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do tribunal superior (art. 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (sendo certo que os recursos servem para apreciar questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova), excetuadas as questões de conhecimento oficioso.
As questões de conhecimento oficioso prendem-se com (i) a detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10- 95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de ..-..-.., que fixou jurisprudência então obrigatória: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”) e (ii) a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP.
Os poderes de cognição deste Tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428º do Código Processo Penal (CPP).
O Recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos legalmente previstos (arts. 410º e 412º do CPP) e não se vislumbra na decisão recorrida quaisquer vícios ou nulidades de conhecimento oficioso (art. 410º do CPP), pelo que o presente recurso versa exclusivamente matéria de direito.
Face às conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, as questões a conhecer dizem respeito à espécie e medidas das penas (principal e acessória), entendendo que seria justa e adequada a aplicação de uma pena de multa e não uma pena de prisão, bem como a redução da pena acessória para um período de 3 a 4 meses.
2.–Enumeração da matéria de facto relevante para o conhecimento do presente recurso, tal como consta da sentença proferida pelo Tribunal a quo.

O Tribunal a quo, oralmente, fez consignar o seguinte (transcrição parcial):
1.–No dia … de 2023, pela 01:45h, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula …, junto à …, …, quando foi sujeito a ação de fiscalização pela ..., tendo-lhe sido solicitado que realizasse o teste de pesquisa de álcool no sangue, o que aquele, inicialmente, concordou, tendo sido submetido ao teste qualitativo no qual acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2.25 g/l.
2.–Não obstante, após ser reconduzido até à esquadra de trânsito da divisão policial da Amadora, o arguido recusou-se a realizar o respetivo teste quantitativo.
3.–Perante tal recusa, o Agente da PSP, BB, devidamente fardado e identificado, advertiu o arguido de que com tal recusa incorria no crime de desobediência, ao que o arguido se recusou a fazer o teste e disse que não faria teste nenhum.
4.–O arguido, que agiu de forma livre, voluntária e consciente, com plena noção de que, pelo facto de conduzir [um veículo] na via pública, estava obrigado por lei a submeter-se a exame de pesquisa de álcool no sangue, e que ao recusar-se a fazê-lo, quando a realização tinha sido ordenada por um agente da Polícia de Segurança Pública, incumpria uma ordem legítima, que lhe fora regularmente comunicada por agente de autoridade, e que possuía cominação legal.
5.–O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
6.–O arguido foi julgado e condenado por sentença de 12/04/2023, transitada em julgado em 12/05/2023, proferida no Processo nº 293/23.5PLLRS, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – J2, pela prática no dia 25/03/2023 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, para além da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses.
7.–O arguido tem o 6º ano, é ... e por mês retira entre 800 e 900€, vive com a mulher, pagam renda de casa na quantia de € 550,00, a mulher trabalha em limpezas, que por mês retira cerca de € 750,00, tem 11 filhos, com idades compreendidas entre os 2 e os 21 anos de idade, seis dos filhos estão em ..., vivem com a mãe e os restantes estão em Portugal. Todos os meses o arguido envia para os filhos que estão em ... a quantia de € 50,00 e relativamente aos filhos que estão em Portugal ajuda quando pode.”.

3.–Apreciação do mérito do recurso.
A pretensão recursiva do arguido / recorrente, limita-se à espécie e medidas das penas (principal e acessória), conforme manifestado na motivação (“O presente recurso tem como objecto a determinação da medida concreta da pena na sentença proferida nos presentes autos (…).”), entendendo que seria justa e adequada a alteração da pena de prisão por uma pena de multa e a redução da pena acessória para um período de 3 a 4 meses.
O recorrido (Ministério Público), por seu turno, considera correcta e fundamentada a sentença recorrida, não merecendo qualquer reparo.
3.1.-O primeiro segmento da pretensão recursiva do arguido prende-se com a aplicação de uma pena de multa (ao invés da pena de prisão que lhe foi aplicada).
Como já foi referido, a decisão recorrida concluiu pela prática pelo arguido, em 31/12/2023, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, al. a), do Código Penal, por referência ao art. 152º, nº 1, al. a) e nº 3, do Código da Estrada, condenando-o na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.
O referido crime é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Quando a punição do crime prevê, em alternativa, a aplicação de penas de prisão e multa, importa, ao abrigo do disposto no art. 70º do Código Penal (norma que é fruto de uma orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão), verificar a existência de factores que, à luz das finalidades da punição (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), legitimem a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade.
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena de multa e a sua efectiva aplicação.
E a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa quando a aplicação da pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela.
Quanto ao papel da prevenção geral, deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa de multa só não será aplicada se a aplicação da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pags. 330 e ss.).
A decisão recorrida fundamentou a opção pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão em termos que merecem a nossa concordância.
Depois de aludir aos critérios gerais de aplicação das penas (arts. 40º, 70º e 71º do Código Penal), a decisão recorrida salientou as exigências de prevenção geral, que são elevadas neste tipo de crime, dada a frequência do desrespeito às ordens dos agentes de autoridade (referindo também que existem duas condutas censuráveis: o arguido sabia que tinha consumido bebidas alcoólicas e pegou no carro, sendo certo que se desconhece a taxa de alcoolemia com que o fazia, mas havendo o alerta do teste qualitativo, e depois desobedeceu a ordens legítimas proferidas por autoridades policiais no exercício de funções).
A decisão recorrida referiu existir, em desfavor do arguido, o antecedente criminal que consta do CRC (pouco tempo antes, i.e., alguns meses antes, o arguido havia sido condenado por um crime “parente / da mesma família” do crime agora em causa, ou seja, crimes rodoviários, primeiro um crime de condução de veículo em estado de embriagues e depois um crime de desobediência pela recusa de realização do teste do álcool).
A decisão recorrida referiu existir, em favor do arguido, a sua integração social, familiar e profissional.
Por fim, a decisão recorrida salientou que a condenação anterior, de carácter recente e por factos idênticos ou parecidos, e a pena de multa aí aplicada, não teve qualquer efeito adequado e preventivo, pelo que a pena de multa já não é adequada a surtir efeitos preventivos, sendo essa a razão da opção pela pena de prisão (fixada em 7 meses).

No caso em apreciação, pelas apontadas razões, não se mostra ajustada, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa ao arguido.

Improcede, assim, o primeiro segmento da pretensão recursiva do arguido.

3.2.–O segundo segmento da pretensão recursiva do arguido prende-se com a medida concreta da pena acessória que lhe foi aplicada – pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses (art. 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal) –, entendendo o arguido / recorrente ser excessiva a pena acessória aplicada e pretendendo que tal pena seja fixada em 3 ou 4 meses.
As circunstâncias mencionadas pelo arguido / recorrente para a redução da medida da pena acessória reconduzem-se à existência de um único antecedente criminal, em que foi aplicada uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, à existência de integração laboral, ao facto de ter 11 filhos, 5 dos quais fazem parte do seu agregado, e ao facto de necessitar do carro para se deslocar.
O MºPº / recorrido, por seu turno, entende que não se justifica a alteração da pena acessória aplicada.
De acordo com o disposto no art. 69º, nº 1, al. c), do CP, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
A pena acessória em análise, com escopo político-criminal ligado à prevenção e combate aos elevados índices de sinistralidade rodoviária (prevenção geral de intimidação), com contribuição relevante da condução de veículos sob o efeito do álcool, constitui uma censura adicional ou complementar do facto, adjuvante da pena principal.
Os critérios para a determinação da pena acessória são os mesmos que se aplicam à determinação da pena principal, sendo até admissível a tese segundo a qual deverá existir uma certa correspondência, pelo menos tendencial, entre as medidas concretas das duas penas.
No que respeita à intervenção do tribunal de recurso em sede de concretização da medida da pena (ou, dito doutra forma, em sede de controlo da adequação e proporcionalidade no que respeita à fixação concreta da pena), o Supremo Tribunal de Justiça apresenta vasta jurisprudência (cujos fundamentos são aplicáveis ao recurso interposto para a Relação) no sentido de tal intervenção ter de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, entendendo poder sindicar-se no recurso a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (cfr., entre muitos, Ac. STJ, de 21/03/2018, processo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª; relator: Raul Borges; in www.dgsi.pt).

Como é referido no Ac. STJ, de 28/04/2016 (processo nº 37/15.5GAELV.S1; relator: Sousa Fonte; in www.dgsi.pt), “a eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.
De resto, observados os critérios de dosimetria concreta da pena previstos no art. 71º do CP (cuja aplicação a fundamentação da decisão deve evidenciar, permitindo assim o controlo da decisão), há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
Em suma, o tribunal de recurso apenas deverá intervir, alterando o quantum da pena concreta (seja principal, seja acessória), quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Quer dizer, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar.
De acordo com as coordenadas lógicas do sistema penal português, no que respeita às reacções criminais, a compreensão dos fundamentos, do sentido e dos limites das penas deve partir de uma concepção de prevenção geral de integração (a pena só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídicos – art. 40º, nº 1, do CP –, visando uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada e em que a intimidação só actua dentro do campo marcado por certas orientações culturais, por modelos ético-sociais de comportamento que a pena visa reforçar), ligada institucionalmente a uma pena da culpa (a pena deve supor sempre e sem alternativa um elemento ético de censura pessoal do facto ao seu agente, por exigência constitucional de respeito da dignidade da pessoa humana, revelando a personalidade do agente para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico perpetrado; a culpa constitui ainda o limite inultrapassável da pena – art. 40º, nº 2, do CP), a ser executada com um sentido predominante de (re)socialização do delinquente (trata-se de oferecer ou de proporcionar ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o ordenamento jurídico-penal – art. 40º, n 1, do CP).
Por sua vez, decorre do art. 71º, nº 1, do CP que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o nº 2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime, “considerando, nomeadamente:
a)-O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)-A intensidade do dolo ou da negligência;
c)-Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d)-As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e)-A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f)-A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.

Decorre, por fim, do nº 3 do citado preceito legal, que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

A decisão recorrida fundamentou a fixação da medida concreta da pena principal e, por conseguinte, da pena acessória, em termos que merecem a nossa concordância.
A decisão recorrida remeteu para as circunstâncias que determinaram a fixação da medida concreta da pena principal, com alusão expressa à gravidade do crime praticado, a pena acessória aplicada na anterior condenação e a gravidade acrescida dos factos, aferida pelo desrespeito à ordem de autoridade policial.
O circunstancialismo mencionado pelo arguido / recorrente foi ponderado na decisão recorrida.
Sublinham-se as exigências de prevenção geral e, especialmente, de prevenção especial, em face do antecedente criminal do arguido / recorrente.
Acresce que a decisão recorrida evidencia proporcionalidade entre a pena principal e a pena acessória, merecendo, por isso, a nossa inteira concordância.
Improcede, assim, a pretensão recursiva do arguido / recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.

III.–DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (arts. 513º do CPP 8º, nº 9, do RCP, por referência à Tabela III anexa a este diploma legal).
Notifique.
Certifica-se que foi dado cumprimento ao disposto no art. 94º, nº 2, do CPP.



Lisboa, 27 de Junho de 2024



Nuno Matos - (Relator)
José Castro - (1º Adjunto)
Fernanda Sintra Amaral - (2ª Adjunta)


(acórdão assinado electronicamente)